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Otite externa em cães e gatos: estudo epidemiológico preliminar em animais de associação

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Otite externa em cães e gatos

Estudo epidemiológico preliminar em animais de

associação

Dissertação de Mestrado em Medicina Veterinária

Flávia Pereira Martins

Orientador:

Professora Doutora Justina Maria Prada Oliveira

Coorientador:

Doutora Tatiana Brito Lima

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i

Resumo

A otite externa representa um conjunto de alterações inflamatórias (agudas ou crónicas) que ocorrem na porção côncava do pavilhão auricular e no meato acústico externo como resposta a agressões ao epitélio destas estruturas. Estima-se que seja responsável por 10 a 20% das visitas ao médico veterinário em cães e por 2 a 6% das consultas em gatos. Contudo ainda pouco se sabe acerca da sua prevalência em animais sem proprietário, quer sejam animais de rua como animais ao abrigo de associações de proteção animal. Além da dor e desconforto causados pela inflamação, quando não é instituído tratamento precocemente ocorre o desenvolvimento de alterações irreversíveis no ouvido.

No presente trabalho, hipotetizou-se que a prevalência em animais de associação pudesse ser superior devido à existência de otites parasitárias, por isso estudou-se a epidemiologia das otites externas através de inquéritos, observação dos animais, exames otoscópicos e citológicos. A prevalência foi de 19,3% em cães e 65,6% em gatos. Os cães mais afetados pertencem à faixa etária acima dos 5 anos e os gatos abaixo dos 6 meses de idade. Os cães de pelagem longa também apresentaram uma prevalência superior aos restantes. O hirsutismo do canal vertical mostrou-se um fator predisponente ao desenvolvimento de otite externa mas a Leishmaniose e a síndrome da imunodeficiência felina não pareceram aumentar o risco de desenvolvimento. Efetuaram-se contagens do número de queratinócitos, cocos e leveduras e estudaram-se as médias dos animais com otite comparativamente aos sem otite externa. Nas citologias auriculares de animais sem otite externa não foram encontrados leucócitos nem bacilos. Também se estudou a existência de associações entre as variáveis mensuradas.

No primeiro capítulo deste trabalho foi efetuada uma revisão bibliográfica atual acerca da otite externa em cães e gatos, tendo se adotado o sistema mais recente de divisão e classificação dos fatores etiológicos (principais, secundários, predisponentes e perpetuantes). Esta revisão serviu de apoio ao estudo desenvolvido.

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ii

Abstract

Otitis externa is a set of inflammatory changes (acute or chronic) that occur in the concave portion of the ear and in the external acoustic meatus as a response to injury to the epithelium of these structures. It has been estimated that it affects 10 – 20% of dogs and 2 – 6% of cats presented to veterinary. However, little is known about its prevalence in homeless animals, whether stray animals or those at shelters. Besides the pain and discomfort caused by inflammation, when treatment is not introduced early it occurs development of irreversible changes in the ear.

In this study, it was hypothesized that the prevalence in shelter animals could be higher due to the existence of parasitic otitis, thus the epidemiology of otitis externa was studied through surveys, observation of the animals, otoscopic examination and auricular cytology. The prevalence was 19.3% in dogs and 65.6% in cats. The most affected dogs belong to the group above the age of 5 years and cats under 6 months old. Dogs with long coat also showed a higher prevalence than the others. The hirsutism of vertical canal proved to be a predisposing factor for the development of otitis externa but leishmaniasis and feline immunodeficiency syndrome did not. Counts of the number of keratinocytes, cocci and yeast were performed and the mean numbers of animals with otitis were compared to those without otitis externa. Rods and leukocytes were not seen in cytology of animals without otitis. The association between the measured variables was also studied.

In the first chapter of this work, a review of the literature of otitis externa in dogs and cats was conducted, having adopted the latest system of division and classification of etiological factors (primary, secondary, predisposing and perpetuating). This review served to support the developed study.

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Agradecimentos

Este texto é dedicado a todos os que direta ou indiretamente contribuíram para a pessoa que me tornei e sem as quais esta jornada não teria sido igualmente fantástica. Gostaria de começar por agradecer à minha orientadora, a Prof. Dra. Justina Prada, por ter aceite me orientar neste estudo, sem colocar impedimentos ao trabalho que pretendi desenvolver e prestando todo o auxílio possível. À minha coorientadora, a Dra. Tatiana Lima, por tudo o que me ensinou, pelo tempo despendido em explicações, pelas críticas construtivas e pelo gênio que é. À Prof. Dra. Maria João Pires, pela compreensão que teve comigo e pelos sábios conselhos.

Ao Prof. Dr. Luís Lobo por me ter recebido no Hospital Veterinário do Porto (HVP) e ao restante corpo clínico por me terem tornado uma pessoa mais competente e pelos sermões que mereci receber. Dr. Nuno Proença, Dra. Odete Vaz, Dr. Amândio Dourado, Dra. Carla Monteiro, Dra. Cátia Sá e Prof. Dr. Luís Lobo, agradeço-vos por todos os conhecimentos transmitidos. Às restantes pessoas que fazem este grande hospital funcionar e que completaram o meu estágio: Nati, Grace, Sara, Carla, Sandrinha, Patrícia, Carolina, Vânia, Joana, Odette, Bárbara, Teófilo.

Aos falsos dos restantes estagiários do HVP, por terem tornado a minha estadia no Porto uma experiência única e fantástica. Catarina, Rui, Carolina, Dani, Filipa, Paula e Filipe, sem dúvida que fomos o grupo de estagiários mais unidos que alguma vez já existiu. Apesar de vos ter conhecido há apenas um ano, tornaram-se os meus irmãos falsos.

A toda a equipa do Hospital Veterinário da UTAD assim como do Laboratório de Análises Clínicas pela paciência e carinho com que fui tratada. À Prof. Dra. Isabel Dias pela dedicação e comprometimento com a causa animal. A toda a equipa do Real Hospital Veterinário, pela simpatia com que fui recebida e por terem permitido que continuasse o meu trabalho de laboratório nas suas instalações.

Um especial agradecimento ao António Brandão e a todos os voluntários da Plataforma ProAnimal, não só porque sem eles este trabalho não teria sido possível mas também pelas pessoas íntegras que são. Ao Neca, pelo tempo despendido a auxiliar-me na recolha dos dados, na observação dos animais e nos devaneios da estatística. A todas as pequenas “feras” do estudo, pela compreensão… e por não terem ficado com nenhum dos meus dedos.

Aos meus amigos de curso, em especial aos Ruis, à Magda, à Carolina, à Mari, à Inês, à Mafi, à Martinha, à Catarina, à Sara, à Rita e à Susi. À Andreia de Bioquímica, por me ter oferecido casa no meu primeiro dia em Vila Real, ainda mesmo sem me conhecer, e por se ter tornado numa amiga impecável.

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Aos meus amigos de Barcelos por nem a distância física nos ter afastado emocionalmente e por tolerarem as minhas conversas sobre assuntos repugnantes durante os jantares.

A toda a minha família por me ter ajudado a ultrapassar os momentos mais difíceis, principalmente à minha avó que sempre defendeu os meus interesses. À minha irmã Diana, pelas horas gastas a ajudar-me na parte prática deste trabalho.

E por fim, mas não menos especial, ao Sierpinski que me acompanhou durante estes anos e tornou até os dias mais cinzentos de Vila Real ensolarados e ao Sumi, que destruiu tudo o que conseguiu apenas para me entreter.

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Nota introdutória

Este trabalho surgiu pela necessidade que a autora denotou em consciencializar para a elevada existência de otites externas em gatos de associação, derivada à frequente apresentação de animais afetados durante os seus estágios hospitalares. Ainda que, na maioria das vezes, o motivo da consulta médico-veterinária não fosse este, o animal deverá sempre ser tratado como um todo.

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Índice geral

Resumo ...i Abstract... ii Agradecimentos ... iii Nota introdutória……… v Índice de Figuras ... ix

Índice de Tabelas ... xii

Índice de Gráficos ... xiii

Nomina anatómica veterinária das estruturas referidas no presente trabalho ... xiv

Capítulo I – Revisão bibliográfica ... 1

1. ANATOMIA DO OUVIDO ... 2

1.1. Ouvido Externo ... 2

1.1.1. Pavilhão auricular ... 2

1.1.2. Meato acústico externo ... 4

1.2. Ouvido médio... 5

1.2.1. Membrana timpânica ... 6

1.2.2. Cavidade timpânica ... 8

1.3. Ouvido interno ... 9

1.4. Histologia e Sistema de migração epitelial do ouvido externo ... 10

2. OTITE EXTERNA ... 12

2.1. Etiologia ... 12

2.1.1. Causas Primárias ... 14

Reações de Hipersensibilidade – Dermatite atópica, alergia alimentar e dermatite de contacto ... 14

Ectoparasitas ... 18

Corpo estranho ... 20

Traumatismo ... 21

Doenças endócrinas ... 22

Desordens primárias de queratinização - seborreia e adenite sebácea ... 23

Doenças autoimunes ... 23

2.1.2. Causas Secundárias – Infeções secundárias por bactérias e leveduras... 24

Bactérias ... 24

Leveduras ... 26

2.1.3. Fatores predisponentes ... 26

Conformação do ouvido externo ... 26

Excessiva humidade ... 27

Doenças obstrutivas do ouvido externo - Neoplasias, pólipos e quistos ... 28

Doenças sistémicas – imunossupressão ... 28

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vii

Resposta à agressão crónica - Alterações no epitélio e estruturas glandulares do canal

auditivo externo ... 28

Otite média ... 29

2.2. Diagnóstico ... 30

2.2.1. História e Sinais clínicos ... 30

2.2.2. Métodos complementares de diagnóstico ... 30

Citologia ... 30

Otoscopia ... 33

Cultura e antibiograma ... 34

Outros ... 35

2.3. Tratamento médico ... 35

2.3.1. Tratamento etiologia primária ... 35

2.3.2. Limpeza do ouvido externo ... 37

2.3.3. Antibióticos e antifúngicos tópicos... 39

2.3.4. Anti-inflamatórios esteróides tópicos ... 41

2.3.5. Terapia sistémica... 42

2.3.6. Outros ... 44

2.4. Tratamento cirúrgico ... 45

Capítulo II - Estudo epidemiológico preliminar em cães e gatos de associação ... 46

1. OBJECTIVOS ... 47

2. MATERIAL E MÉTODOS ... 48

2.1. Animais incluídos no estudo ... 48

2.2. Metodologia ... 49

2.2.1. Tipo de estudo ... 49

2.2.2. Questionário às Famílias de Acolhimento Temporário ou cuidadores... 49

2.2.3. Avaliação do estado geral e recolha de informações acerca do ambiente ... 49

2.2.4. Exame macroscópico do pavilhão auricular ... 50

2.2.5. Exame otoscópico ... 50

2.2.6. Exame citológico... 52

2.2.7. Inclusão dos animais no grupo “com otite externa” ou “sem otite externa” ... 55

2.2.8. Análise estatística dos dados ... 55

3. RESULTADOS ... 56

3.1. Prevalência de otite externa ... 56

3.2. Epidemiologia da otite externa ... 57

3.2.1. Influência da idade ... 57

3.2.2. Influência do sexo ... 59

3.2.3. Influência da pelagem ... 59

3.2.4. Influência do formato auricular ... 60

3.2.5. Influência do hirsutismo do canal auditivo ... 60

3.2.6. Ambiente ... 60

3.2.7. Existência de comorbilidades ... 60

3.3. Citologias ... 61

3.3.1. Queratinócitos ... 61

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viii

3.3.3. Leveduras ... 63

3.3.4. Bacilos, leucócitos e ácaros ... 64

3.4. Estabelecimento de associações entre as variáveis ... 64

4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ... 66

5. CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 70

ANEXOS ... 79

ANEXO I ... 80

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ix Índice de Figuras

Capítulo I

Figura 1 - Representação gráfica do pavilhão auricular direito do cão (adaptado de Evans & Lahunta, 2013) ……….. 3 Figura 2 - Representação gráfica das cartilagens do ouvido direito de cão (adaptado de Evans & Lahunta 2013) ………... 4 Figura 3 – Observação do canal horizontal e da membrana timpânica através de videotoscopia. A seta (→) identifica o aglomerado de pelos que surge em muitos cães e assinala a proximidade do tímpano; a ponta de seta (►) identifica a estria do martelo (adaptado de Njaa et al. 2012). ……….. 5 Figura 4 - Membrana timpânica normal do ouvido direito de cão. Imagem obtida por videotoscopia (adaptado de Cole, 2011). ………..…… 7 Figura 5 - Parte flácida dilatada em cão sem otite externa ou média. Imagem obtida por videootoscopia (adaptado de Tobias and Paterson, 2013). ……….. 8 Figura 6 - Membrana timpânica normal do ouvido direito de gato. Note-se que, como o manúbrio do martelo é quase reto em gatos, a estria do martelo também o é. Imagem obtida por videotoscopia (adaptado de Cole, 2011). ……….. 8 Figura 7 - Representação esquemática do ouvido médio de cão (A) e gato (B) (adaptado de (A) Evans and Lahunta, 2013 e (B) Baines, 2014). ……… 9 Figura 8 – Otite externa num cão atópico, mostrando as típicas alterações eritematosas na porção côncava do pavilhão auricular (Paterson, 2008a) ……….. 15 Figura 9 – Eritema do canal auditivo externo numa fase inicial da alergia (Paterson, 2013a) ……….. 15 Figura 10 – Alterações crónicas no ouvido externo de um cão atópico: eritema, hiperpigmentação e liquenificação (Noxon, 2013). ……… 16 Figura 11 – Aparência do canal auditivo externo numa otite externa grave, observando-se hipertrofia glandular e estenose do lume. (Hnilica, 2011a). ……… 16 Figura 12 - Eritema e ulceração do canal auditivo num cão com dermatite de contato às gotas auriculares usadas (Paterson, 2013a). ……… 18 Figura 13 - Eritema e ulceração do pavilhão auricular sem envolvimento do canal auditivo, num cão com dermatite de contato a produto colocado apenas no pavilhão (foto gentilmente cedida pelo Hospital Veterinário do Porto). ………. 18 Figura 14 – O. cynotis num canal auditivo externo (Paterson, 2013a). ……….…… 19 Figura 15 – O. cynotis em lâmina com óleo mineral. Por vezes, a presença dos ovos castanho-escuro é o único indicador de infestação na ausência de ácaros adultos (Gotthelf, 2005a). ……….…… 19 Figura 16 – Gato com eritema, hipotricose e erosões na região caudal ao pavilhão auricular, devido ao intenso prurido que conduz ao autotraumatismo (foto da autora). ……….. 20 Figura 17 - Ixodídeo do género Otobius num canal auditivo externo (Gotthelf, 2005a). ……… 20 Figura 18 - Pragana no interior do canal auditivo externo, adjacente ao tímpano (Nuttall et al., 2009).21 Figura 19 – Canal auditivo externo com acumulação de exsudado ceruminoso, em cão hipotiróide (Paterson, 2013a). ……….. 22

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x

Figura 20 - Cão com seborreia seca generalizada, afetando também os pavilhões auriculares (foto da autora). ………. 23 Figura 21 - English Cocker Spaniel com pavilhão auricular ulcerado em otite crónica com infeção por

Pseudomonas spp (foto gentilmente cedida pelo Real Hospital Veterinário). ……….. 25

Figura 22 – Sharpei de 6 meses de idade com grave estenose congénita do canal auditivo (foto gentilmente cedida pelo Real Hospital Veterinário). ………. 27 Figura 23 – Citologia auricular de animal sem otite externa mostrando um queratinócito e um espécime de Malassezia spp, observada na objetiva de imersão de 100X (foto da autora). ……….. 31 Figura 24 - Citologia auricular de animal com otite externa mostrando um queratinócito e um sobrecrescimento de Malassezia spp, observada na objetiva de imersão de 100X (foto da autora). .. 31

Figura 25 - Citologia auricular de animal com otite externa mostrando um queratinócito, seis neutrófilos e diversos cocos, observada na objetiva de imersão de 100X (foto gentilmente cedida pelo Hospital Veterinário do Porto). ……… 32 Figura 26 - Citologia auricular de animal com otite externa mostrando queratinócitos e uma grande população de microrganismos, predominantemente bacilares, observada na objetiva de imersão de 100X (foto gentilmente cedida pelo Hospital Veterinário do Porto). ……….. 32 Figura 27 - Junção entre o canal vertical e horizontal, observada por videotoscopia, cão. (A) Proeminência cartilagínea visível, com a orelha em posição normal. (B) Vista do canal horizontal após elevar e puxar lateralmente a orelha (Njaa et al., 2012). ………. 34 Capítulo II

Figura 1 - Gato com cerca de 4 meses de idade com alopécia generalizada secundária a dermatofitose. Foto da autora. ……… 50 Figura 2 - Cão adulto com úlcera na porção convexa do pavilhão auricular e com Leishmaniose, sendo esta a causa mais provável da lesão. A lesão era minimamente prurítica. Foto da autora. ………….. 50 Figura 3 - Material de otoscopia usado: otoscópio, espéculos veterinários de 4, 5 e 7 mm e espéculos de 2, 3, 4, 5 e 9 mm. Foto da autora. ……….. 51 Figura 4 – Visualização da junção entre o canal vertical e horizontal de um cão através de otoscopia. A recolha de imagens através de um otoscópio convencional é complicada, morosa e de baixa qualidade, daí não se ter efetuado gravação de imagens. Foto da autora. ………. 51 Figura 5 – Para identificação inequívoca do material de cada ouvido, a autora optou por colocar o material recolhido do ouvido esquerdo sempre junto à parte fosca da lâmina (A), além de desenhar um E (ouvido esquerdo) e um D (ouvido direito) que se mantêm evidentes após coloração das lâminas (B). Foto da autora. ……… 52 Figura 6 – Exemplo de um mau campo para contagem devido à sobreposição de material (A) e de um campo mais adequado (B). Foto da autora. ……… 53 Figura 7 – Deposição do material recolhido numa lâmina com óleo de imersão. Foto da autora. ….. 54 Figura 8 – Aposição de fita-cola contra o epitélio da abertura do canal vertical. Foto da autora. …… 54 Figura 9 – Acondicionamento das lâminas para coloração e das com óleo de imersão. Foto da autora. ……… 54

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xi

Figura 10 – Acondicionamento das lâminas com fita-cola em caixas de reduzidas dimensões não específicas para o efeito. Foto da autora. ……….. 54 Figura 11 - Um dos muitos cães do estudo em que a classificação do formato auricular foi ambígua. Foto gentilmente cedida pela Plataforma ProAnimal. ……….. 60

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xii Índice de Tabelas

Tabela 1 - Causas primárias e secundárias e fatores predisponentes e perpetuantes presentes no estudo retrospetivo de 100 cães com otite externa de Saridomichelakis et al. (2007). Número de cães com determinado fator ou causa / número total de cães. ………. 13 Tabela 2 - Bactérias mais comummente isoladas de ouvidos externos saudáveis e doentes, ordenadas da mais para a menos frequente (Angus, 2004a). ……… 24 Tabela 3 – Critérios semiquantitativos para avaliação das citologias auriculares, desenhados a partir dos intervalos de confiança a 95%; contagens por campo de 40X de ampliação (adaptado de Ginel et al. 2002). ………... 32 Tabela 4 - Propriedades de diversos compostos usados em produtos de limpeza do ouvido externo (adaptado de (Angus, 2004b; Industria Chimica Fine, 2013; Laboratoire Sogeval, 2010; Nuttall et al., 2009; Steen and Paterson, 2012; Wilhelm, 2012) ………. 38 Tabela 5 - Antibióticos mais comummente usados no tratamento das infeções do ouvido externo e suas aplicações (Angus, 2004b; Bensignor, 2003; Koch et al., 2012a; Paterson, 2013b; Ramsey, 2014; Rougier et al., 2005; Wilhelm, 2012; Yu, 2010). ……… 40 Tabela 6 - Potência dos corticoesteróides tópicos mais comuns em medicina veterinária, ordenados do menos para o mais potente. (Germain et al., 2008; Griffin, 2015a; Koch et al., 2012a; Morris, 2004; Noxon, 2013; Paterson, 2013c). ………..… 42 Tabela 7 - Padrões de suscetibilidade dos dois isolados bacterianos mais comuns de otite externa aos antibióticos orais disponíveis, apresentado em percentagens de organismos sensíveis (Angus, 2004b; Guardabassi et al., 2008). ………. 43 Tabela 8 - Benefícios da terapia glucocorticoide sistémica (Angus, 2004b; Paterson, 2008a) ……… 43

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xiii Índice de Gráficos

Gráfico 1 – Histograma apresentando a distribuição das classificações efetuadas pelos cuidadores no grupo de cães. Pela análise do gráfico, conclui-se que a maioria dos animais obteve classificações inferior a 2 e que os níveis de prurido auricular foram consistentes com os de sacudir a cabeça. ….. 56 Gráfico 2 – Histograma apresentando a distribuição das classificações efetuadas pelos cuidadores no grupo de gatos. Pela análise do gráfico, observa-se que os níveis de prurido auricular não estiveram relacionados com os níveis de sacudir a cabeça. ………. 57 Gráfico 3 – Histograma apresentando a distribuição das idades dos cães pertencentes ao estudo e número de animais com otite externa por faixa etária. ……… 58 Gráfico 4 – Histograma da distribuição das idades dos cães em classes de igual dimensão: a maioria absoluta dos cães possui idade inferior a 5 anos. Número de animais com otite externa por faixa etária. ……… 58 Gráfico 5 – Histograma com a distribuição das idades dos gatos pertencentes ao estudo e número de animais com otite externa por faixa etária. ………. 58 Gráfico 6 – Histograma com a distribuição das idades dos gatos em classes de igual dimensão: a maioria absoluta dos gatos possui idade inferior a 5 anos. Número de animais com otite externa por faixa etária. ……….. 58 Gráfico 7 - Histograma apresentando a distribuição dos cães por sexo e número de animais com otite externa por género. A prevalência foi semelhante em ambos os grupos. ……… 59 Gráfico 8 - Histograma apresentando a distribuição dos gatos por sexo e número de animais com otite externa por género. A prevalência foi superior nos machos. ……….. 59 Gráfico 9 - Histograma apresentando a distribuição dos cães pelo comprimento de pelagem e número de animais com otite externa em cada um dos grupos. A maioria dos cães possuía pelo curto e o grupo mais afetado foi o de pelagem comprida. ……….. 59 Gráfico 10 - Gráfico Box-and-Whisker que apresenta a dispersão das contagens de queratinócitos no grupo de cães com e sem otite externa assim como dos gatos com e sem otite externa. Como em qualquer gráfico do género, estão representadas as seguintes medidas estatísticas: mínimo, percentil 25, mediana (ou percentil 50), percentil 75 e máximo. ……… 61 Gráfico 11 - Gráfico Box-and-Whisker que apresenta a dispersão das contagens de cocos no grupo de cães com e sem otite externa assim como dos gatos com e sem otite externa. Como em qualquer gráfico do género, estão representadas as seguintes medidas estatísticas: mínimo, percentil 25, mediana (ou percentil 50), percentil 75 e máximo. ……… 62 Gráfico 12 - Gráfico Box-and-Whisker que apresenta a dispersão das contagens de leveduras no grupo de cães com e sem otite externa assim como dos gatos com e sem otite externa. Como em qualquer gráfico do género, estão representadas as seguintes medidas estatísticas: mínimo, percentil 25, mediana (ou percentil 50), percentil 75 e máximo. ……….. 63

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xiv

Nomina anatómica veterinária das estruturas referidas no presente trabalho

(Evans and Lahunta, 2013; International Committee on Veterinary Gross Anatomical Nomenclature, 2012; Schaller, 2007)

Antélice (Anthelix) Ápex (Apex auriculae) Bigorna (Incus)

Bolha timpânica (Bulla tympanica)

Bolsa cutânea marginal (Saccus cutaneus marginalis) Cartilagem anular (Cartilago anularis)

Cartilagem auricular (Cartilago auriculae) Cartilagem escutiforme (Cartilago scutiformis) Cavidade timpânica (Cavum tympani)

Escafa (Scapha)

Estria do martelo (Stria mallearis) Estribo (Stapes)

Hélice (Helix)

Incisura intertragica (Incisura intertragica) Incisura prétragica (Incisura pretragica) Janela coclear (Fenestra cochleae) Janela vestibular (Fenestra vestibuli)

Labirinto membranoso (Labyrinthus membranaceus) Labirinto ósseo (Labyrinthus osseus)

Manúbrio do martelo (Manubrium mallei) Martelo (Malleus)

Meato acústico externo (Meatus acusticus externus) Membrana timpânica (Membrana tympani)

Ouvido externo (Auris externa) Ouvido interno (Auris interna) Ouvido médio (Auris media) Parte flácida (Pars flaccida) Parte tensa (Pars tensa) Pavilhão auricular (Auricula)

Porção timpânica do osso temporal (Os temporale pars tympanica) Porção petrosa do osso temporal (Os temporale pars petrosa) Trago (Tragus)

Trompa de Eustáquio (Tuba auditiva)

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1

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2

1. ANATOMIA DO OUVIDO

1.1.

Ouvido Externo

O conhecimento da anatomia e da fisiologia do ouvido é essencial, tanto para identificar alterações congénitas ou adquiridas, como para evitar danificar estruturas anatómicas durante, por exemplo, um procedimento de otoscopia. A avaliação otoscópica e a aplicação de tratamentos no ouvido são facilitadas quando se conhece a sua anatomia (Noxon, 2014). O ouvido externo é composto pelo pavilhão auricular e pelos canais vertical e horizontal do meato acústico externo, tendo como funções a localização e recolha das ondas sonoras e sua condução até à membrana timpânica (Evans and Lahunta, 2013; Harvey and Paterson, 2014a; Heine, 2004; Schaller, 2007). As cartilagens do ouvido externo são a cartilagem auricular, anular e escutiforme, embora esta última não contribua diretamente para a sua formação (Kumar and Roman-Auerhahn, 2005). Todas estas estruturas são abordadas de seguida, de uma perspetiva clínica.

1.1.1. Pavilhão auricular

O pavilhão auricular é a porção mais dorsal do ouvido externo e possui uma porção interior côncava e uma exterior convexa. A extremidade distal do pavilhão é designada de ápex, as margens livres lateral e medial de hélice e a superfície interna côncava de escafa (Tobias, 2013a). A antélice é a projeção cartilagínea localizada opostamente à hélice, isto é, na região central da base da orelha, na sua face côncava (Heine, 2004).

Na base da orelha, mais concretamente na abertura para o canal vertical, existe uma projeção quadrangular denominada de trago que está separada rostralmente da restante base pela incisura prétragica e caudalmente pela incisura intertragica (Heine, 2004; Njaa et al., 2012). A aplicação de pressão no trago foi alvo de estudos preliminares como método de avaliação da otalgia em cães mas são necessárias abordagens mais profundas para se determinar a fiabilidade da técnica (Gregório, 2013). A incisura intertrágica é o acidente anatómico por onde se insere o espéculo do otoscópio para aceder ao canal auditivo aquando da avaliação otoscópica (Njaa et al., 2012).

A bolsa cutânea marginal é uma prega de pele localizada na margem caudolateral da orelha, na hélice lateral, e sem função conhecida até ao momento (Evans and Lahunta, 2013; Heine, 2004; Kumar and Roman-Auerhahn, 2005). A projeção de cartilagem caudal ao trago, localizada entre a incisura intertragica e a bolsa cutânea marginal, denomina-se de antitrago (Tobias, 2013a). As estruturas anteriormente referidas estão representadas na Figura 1.

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3

O pavilhão auricular é todo ele sustentado pela cartilagem auricular, sendo coberto em ambos os lados por pele com folículos pilosos, glândulas ceruminosas e glândulas sebáceas (Bellah, 2012; Njaa et al., 2012). É esta cartilagem que confere as variadas formas de orelhas observadas nos animais. É uma cartilagem elástica com numerosas perfurações de reduzidas dimensões, por onde passam vasos sanguíneos que poderão estar na origem dos otohematomas devido à sua localização delicada (Heine, 2004).

A conformação do pavilhão auricular nos cães varia desde as eretas às pendulares mas a grande maioria dos gatos têm as orelhas eretas, à exceção da raça Scottish Fold, que apresentam a escafa dobrada rostroventralmente e da raça American Curl que possui o ápex do pavilhão enrolado caudalmente (Bellah, 2012; Harvey and Paterson, 2014a; Njaa et al., 2012). Todos os Scottish Fold com fenótipo de orelha dobrada, ainda que heterozigóticos, apresentam também algum grau de displasia osteocondral nos membros posteriores (Takanosu et al., 2008).

Figura 1 - Representação gráfica do pavilhão auricular direito do cão (adaptado de Evans & Lahunta, 2013)

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4 1.1.2. Meato acústico externo

O meato acústico externo, ou canal auditivo externo, estende-se desde a base do pavilhão auricular até à membrana timpânica e é formado por duas peças de cartilagem (cartilagem anular e porção tubular da cartilagem auricular) e por uma extensão da porção timpânica do osso temporal, designada de meato acústico externo ósseo (Evans and Lahunta, 2013; Griffin, 2010a). As cartilagens que constituem o ouvido externo estão representadas na Figura 2.

À medida que a porção proximal da cartilagem auricular se afunila, forma o canal vertical, que se vai desviando ventromedialmente e ligeiramente rostral até se unir ao canal horizontal, sendo suportado maioritariamente pela cartilagem anular, que se estende até ao osso temporal, envolvendo o meato acústico externo ósseo (Heine, 2004; Kumar and Roman-Auerhahn, 2005; Njaa et al., 2012). A cartilagem escutiforme é uma pequena cartilagem em forma de L, medial à cartilagem auricular e dorsal ao músculo temporal, que funciona como suporte do pavilhão auricular ao ser ponto de inserção para alguns dos músculos auriculares (Heine, 2004; Tobias, 2013a). Não contribui para a formação do ouvido externo mas permite um eficiente movimento do pavilhão auricular (Bellah, 2012; Kumar and Roman-Auerhahn, 2005).

O facto do ouvido não ser constituído por uma só peça anatómica mas por cartilagens ajustadas entre si, contribui para a flexibilidade do canal (Njaa et al., 2012). O canal vertical e

Figura 2 - Representação gráfica das cartilagens do ouvido direito de cão (adaptado de Evans & Lahunta 2013)

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grande parte do horizontal possuem um suporte cartilagíneo, contudo a porção mais profunda do canal horizontal, como apresenta suporte ósseo, não é flexível (Kumar and Roman-Auerhahn, 2005). As dimensões do canal vertical variam com as dimensões do animal mas, em média, o comprimento é de cerca de 2,5 centímetros no cão (Kumar and Roman-Auerhahn, 2005; Tobias, 2013a). Quanto ao canal horizontal, a cartilagem anular mede entre 1 a 2 centímetros e o meato acústico externo ósseo entre meio a 1 centímetro (Heine, 2004; Noxon and Roudebush, 2012). No total, o canal auditivo externo apresenta um comprimento que pode variar entre 5 a 10 centímetros e um diâmetro de 0,5 a 1 centímetro (Griffin, 2010a; Nuttall and Cole, 2004).

O canal auditivo externo deve apresentar uma superfície lisa e íntegra, de cor pálida e uma mínima quantidade de cerúmen amarelo claro ou acastanhado (Harvey and Paterson, 2014b). Frequentemente, existe um pequeno aglomerado de pelos finos localizados na pele adjacente ao tímpano, quase sempre no chão do canal horizontal (ver Figura 3), que são de extrema utilidade como ponto de referência para localizar a membrana timpânica em ouvidos afetados, quando se pretende efetuar uma limpeza profunda do canal auditivo (Cole, 2013; Griffin, 2015b; Njaa et al., 2012).

1.2.

Ouvido médio

O ouvido médio é constituído pela membrana timpânica, que está em contacto com o meato acústico externo, e pela cavidade timpânica, que está conectada à nasofaringe pela trompa de Eustáquio (Evans and Lahunta, 2013). Será abordada com maior detalhe a membrana timpânica, por ser de maior relevância para o presente trabalho.

Figura 3 – Observação do canal horizontal e da membrana timpânica através de videotoscopia. A seta (→) identifica o algomerado de pêlos que surge em muitos cães e assinala a proximidade do tímpano; a ponta de seta (►) identifica a estria do martelo (adaptado de Njaa et al. 2012).

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6 1.2.1. Membrana timpânica

A membrana timpânica ou tímpano é a membrana semitransparente que separa o meato acústico externo da cavidade timpânica. Ao exame otoscópico, esta parece estar verticalmente alinhada mas, na verdade, faz um ângulo de 30 a 45 graus com o chão do canal horizontal, sendo a porção dorsal mais lateral e a ventral mais medial (Angus, 2004b; Baines, 2014; Noxon, 2014; Tobias, 2013b). Desta forma, a área da superfície timpânica é maior, pensando-se que seja uma estratégia para diminuir a pressão acústica necessária no canal auditivo para produzir vibrações percetíveis na cóclea (Baines, 2014). De uma perspetiva clínica, esta conformação anatómica implica uma maior acumulação de detritos neste ângulo, embora este mesmo ângulo possa ser usado como vantagem aquando da execução de uma lavagem profunda do canal auditivo externo, permitindo a passagem de um cateter pelo chão do canal horizontal para remover toda a solução de limpeza sem ruturar a membrana timpânica (Baines, 2014; Njaa et al., 2012).

O tímpano normal de um cão é elíptico, tem um perímetro de 10 a 15 milímetros e o eixo menor vertical, enquanto o tímpano felino é quase circular, com um perímetro de 6 a 8,7 milímetros (Harvey and Paterson, 2014a). Está dividido em duas partes principais: a parte flácida e a parte tensa (ver Figura 4) (Heine, 2004). A parte flácida é mais opaca, de cor rosa ou branca, é de menor tamanho e constitui a porção dorsal ou rostrodorsal da membrana timpânica (Griffin, 2010a; Harvey and Paterson, 2014a). É mais laxa, possui menor quantidade de fibras de colagénio e é muito vascularizada (Heine, 2004; Tobias, 2013a). A parte tensa é de cor cinza-pérola, mais transparente (embora possa apresentar estrias opacas) e está firmemente aderida ao meato acústico ósseo (Kumar and Roman-Auerhahn, 2005).

Como o tímpano é semitransparente, a fixação do manúbrio do martelo (um dos três ossículos do ouvido médio) à parte tensa é visível pela superfície externa como um “C” de cor esbranquiçada que apresenta a concavidade em direção rostral e se designa de estria do martelo (Griffin, 2015b; Heine, 2004). Quando observado externamente, o tímpano é ligeiramente côncavo devido à tensão medial exercida pelo martelo, daí o ponto de maior depressão ser na inserção do manúbrio do mesmo (Harvey and Paterson, 2014a; Heine, 2004; Tobias, 2013a). Este local designa-se de umbo da membrana timpânica e pensa-se que, tal como nos humanos e gerbilos, seja o centro de germinação do epitélio que constitui o tímpano e que permite a sua regeneração, nunca devendo ser perfurado durante uma miringotomia (Bellah, 2012; Cole, 2009; Gotthelf, 2005b; Tobias, 2013a). O processo responsável pela sua

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regeneração designa-se de migração epitelial e será abordado adiante, pois é também o responsável pelo sistema de autolimpeza do meato acústico externo (Tabacca et al., 2011).

Ao exame otoscópico, observa-se uma parte flácida plana na maioria dos cães mas nalguns esta estrutura apresenta protusão para o lume do canal horizontal (ver Figura 5) (Cole, 2013). Noutros, a parte flácida pode ser observada a dilatar para o lume do canal e a recolher, sincronizadamente com a respiração, lembrando a garganta de uma rã (Noxon and Roudebush, 2012). Esta parte flácida saliente pode surgir tanto em cães saudáveis como em cães com otite externa e não deverá ser confundida com uma massa (Cole, 2011). Já que não existem diferenças histológicas entre uma parte flácida com protusão e uma plana, é improvável que seja uma diferença estrutural que cause a dilatação da parte flácida (Cole, 2009; Njaa et al., 2012). Esta protrusão em conjunto com aumento da opacidade do tímpano e hiperémia poderão ser sinais de otite média (Radlinsky and Mason, 2010). Contudo, quando apenas a dilatação está presente, poderá significar apenas que existe um aumento da pressão no ouvido médio que é geralmente normalizada via trompa de Eustáquio (Cole, 2013; Radlinsky and Mason, 2010). No Cavalier King Charles Spaniel, uma parte flácida bastante dilatada confirma o diagnóstico de otite média secretora primária na presença de sinais clínicos sugestivos.

Figura 4 - Membrana timpânica normal do ouvido direito de cão. Imagem obtida por videotoscopia (adaptado de Cole, 2011).

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O tímpano de gato é mais transparente do que o de cão e muitas vezes parece não existir, induzindo o clínico em erro (Noxon, 2014). O manúbrio do martelo também é mais reto que o do cão, não tendo a forma de “C” tão marcada, e a parte flácida frequentemente não é visível (ver Figura 6) (Griffin, 2010b; Noxon, 2014).

Em caso de otite externa a membrana timpânica pode adquirir uma coloração cinza-escuro ou castanha (Harvey and Paterson, 2014b). Um tímpano perfurado ou a sua ausência indica a existência de otite média, mas um tímpano íntegro não descarta a existência da mesma (Harvey and Paterson, 2014b).

1.2.2. Cavidade timpânica

A cavidade timpânica é o espaço oblíquo entre as porções petrosa e timpânica do osso temporal (Evans and Lahunta, 2013). Contém os três ossículos (martelo, bigorna e estribo)

Figura 6 - Membrana timpânica normal do ouvido direito de gato. Note-se que, como o manúbrio do martelo é quase reto em gatos, a estria do martelo também o é. Imagem obtida por videotoscopia (adaptado de Cole, 2011).

Figura 5 - Parte flácida dilatada em cão sem otite externa ou média. Imagem obtida por videotoscopia (adaptado de Tobias and Paterson, 2013).

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que transmitem e amplificam as vibrações do ar recebidas pelo tímpano ao ouvido interno (Bellah, 2012).

A principal diferença da cavidade timpânica do gato comparativamente à do cão reside no facto desta estar dividida por um septo quase completo em dois compartimentos com comunicação entre si (ver Figura 7) (Baines, 2014; Tobias, 2013b). Isto implica que qualquer líquido que chega à porção ventral da cavidade timpânica permanece lá por mais tempo, sendo mais difícil de ser removido pelas alterações posturais ou via trompa de Eustáquio, daí que seja extremamente importante evitar o uso de fármacos potencialmente ototóxicos (Griffin, 2010b). Além disso, como no gato só é possível efetuar lavagem do compartimento dorsolateral da bolha timpânica, é necessário recorrer ao tratamento cirúrgico em muitos casos de otite média (Njaa et al., 2012). Junto a este septo correm fibras simpáticas pós-ganglionares, e uma lavagem agressiva da cavidade timpânica ou a destruição do septo durante uma osteotomia da bolha timpânica podem danificar estas fibras nervosas, causando síndrome de Horner (Angus, 2004b; Griffin, 2010b).

1.3.

Ouvido interno

O ouvido interno encontra-se na porção petrosa do osso temporal, sendo constituído pelo labirinto membranoso e pelo labirinto ósseo, e é responsável pelas funções auditiva e de equilíbrio (Evans and Lahunta, 2013; Tobias, 2013b). Na divisão óssea entre o ouvido interno

Figura 7 - Representação esquemática do ouvido médio de cão (A) e gato (B) (adaptado de (A) Evans and Lahunta, 2013 e (B) Baines, 2014).

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e a cavidade timpânica existem dois orifícios: a janela oval ou vestibular e a janela redonda ou coclear (ver Figura 7) (Cole, 2009). Quando existe uma perfuração timpânica, os fármacos colocados no ouvido externo podem atingir o ouvido médio e, através destas janelas, poderão entrar em contato com o ouvido interno (Gotthelf, 2005c). Tratando-se de um fármaco ototóxico, este poderá lesionar as células ciliadas da cóclea e/ou do sistema vestibular, causando défices auditivos e/ou doença vestibular (Gotthelf, 2005c).

1.4.

Histologia e Sistema de migração epitelial do ouvido externo

Um canal auditivo externo normal é revestido por epitélio estratificado pavimentoso queratinizado com folículos pilosos, glândulas ceruminosas e sebáceas (Harvey and Paterson, 2014a). Os gatos possuem poucas quantidades ou ausência de pelo no canal vertical e horizontal (Harvey and Paterson, 2014a).

As secreções das glândulas sebáceas são mais espessas e constituídas essencialmente por lípidos, enquanto as glândulas ceruminosas secretam um fluído intercelular modificado com fosfolípidos e mucopolissacarídeos (Angus, 2004b; Huang et al., 2009; Noxon, 2014). O cerúmen resulta da combinação das secreções de ambas as glândulas com células epiteliais e tem como funções: revestir o meato acústico externo e o tímpano de forma a proteger o seu epitélio ao aprisionar detritos, microrganismos e parasitas; contribuir para a imunidade passiva local por conter imunoglobulinas (IgA, IgG e IgM); proteger o tímpano da dessecação, mantendo-o hidratado, flexível e elástico (Angus, 2004b; Merchant, 2005; Noxon, 2014). O número de glândulas ceruminosas vai diminuindo gradualmente desde a porção proximal do canal à mais distal, enquanto as glândulas sebáceas seguem um padrão inverso, isto é, aumentam de proximal para distal (Huang et al., 2009).

A superfície externa da membrana timpânica é composta por epitélio estratificado pavimentoso queratinizado que é contínuo com o do canal auditivo externo e a superfície interna por epitélio simples pavimentoso (Cole et al., 2007; Heine, 2004).

O canal auditivo necessita de um mecanismo de autolimpeza para remover a acumulação de células mortas, cerúmen e detritos exógenos de forma a evitar a sua acumulação com formação de pequenos rolhões de cera ou concretizações de 2-4 cm, que se designam de ceruminólitos (Gotthelf, 2005b; Paterson, 2013a). O crescimento contínuo do epitélio a partir do centro germinativo da membrana timpânica em direção à abertura do canal auditivo externo para o exterior efetua esta limpeza ao arrastar os detritos (Cole, 2013; Njaa et al., 2012). Este mecanismo, designado de migração epitelial, é também o responsável pela regeneração da membrana timpânica e foi estudado em cães por Tabacca et al. (2011) através

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da colocação de gotas de tinta na membrana que se iam movendo para a periferia do tímpano com o passar dos dias (Tabacca et al., 2011). O tempo necessário para haver uma completa regeneração do tímpano pode variar entre 3 semanas a 4 meses e é fundamental que o centro germinativo e a vasculatura do tímpano estejam viáveis (Gotthelf, 2005d). O nível de oxigenação providenciado às células da membrana timpânica parece influenciar positivamente o processo de regeneração pelo que a diminuição do arejamento do canal devido a estenose poderá atrasar a regeneração (Cole, 2009; Gotthelf, 2005d). Um estudo realizado em 2015 por Araujo et al. em ratos demonstrou que o uso tópico de insulina acelerou o processo de regeneração timpânica (Araujo et al., 2015).

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2. OTITE EXTERNA

A otite externa é uma síndrome, não um diagnóstico (Schick, 2010). Por definição, representa um conjunto de alterações inflamatórias (agudas ou crónicas) que ocorrem na porção côncava do pavilhão auricular e no meato acústico externo em resposta a alguma agressão ao epitélio deste mesmo canal (Gotthelf, 2005a). Estima-se que a otite externa afete 3,5% da população de cães, sendo responsável por 10 a 20% das visitas ao médico-veterinário (podendo atingir os 30-40% em climas tropicais) e por 2 a 6% das consultas em gatos (Angus, 2004a; Schick, 2010; Yu, 2010). Num estudo efetuado por Perego et al. (2014), em gatos de colónias, a prevalência de otite externa foi de 55,1% (Perego et al., 2014).

Diez et al. (2015) apresentaram os resultados de um rastreio médico efetuado na Bélgica a 2986 cães para identificar oportunidades na medicina preventiva e a otite externa foi a terceira desordem mais identificada, a seguir ao excesso de peso e cálculo dentário, com uma prevalência de 14% (Diez et al., 2015). Isto revela a necessidade de questionar os proprietários e avaliar o ouvido externo nas consultas de rotina de modo a que a presença de uma otite externa seja detetada nas suas fases mais iniciais. Apesar de não colocar diretamente a vida do animal em risco, diminui consideravelmente a qualidade de vida deste e dos seus proprietários.

2.1.

Etiologia

Em 1988, John August propôs uma abordagem à etiopatogenia da otite externa em que os fatores etiológicos eram divididos por três categorias: fatores predisponentes, causas primárias e fatores perpetuantes, o que veio modificar drasticamente o tratamento das otites (Angus, 2005a, 2004b; Griffin, 2010a; Harvey and Paterson, 2014c). Embora este esquema ainda seja usado, foi recentemente substituído pelo Sistema PSPP, que os divide em quatro categorias (ver Tabela 1) (Craig, 2013; Griffin, 2015c, 2010a; Harvey and Paterson, 2014c; Scott et al., 2001):

Causas primárias (P) e secundárias (S): doenças ou agentes infeciosos que diretamente provocam inflamação no ouvido. Enquanto as primárias têm a capacidade de causar doença num ouvido normal, as secundárias só o conseguem se o ouvido já possuir alguma anormalidade.

Fatores predisponentes (P) e perpetuantes (P): agentes ou elementos que contribuem para a doença. Os fatores combinam-se com as causas, facilitando o desencadear de uma inflamação ou sinais mais graves. Além disso é importante

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compreender que os fatores conseguem inibir/reduzir a resposta ao tratamento das causas e provocar a recorrência da doença quando se cessa o tratamento.

 Tanto as causas como os fatores contribuem para a doença e ambos precisam de ser identificados e tratados para a resolver.

Tabela 1 - Causas primárias e secundárias e fatores predisponentes e perpetuantes presentes no estudo retrospetivo de 100 cães com otite externa de Saridomichelakis et al. (2007). Número de cães com determinado fator ou causa / número total de cães.

Causas primárias Causas secundárias Dermatite alérgica (possível dermatite atópica

ou alergia alimentar) 33/100 Malassezia spp. 66/100 Corpo estranho (pragana) 12/100 Cocos 38/100

Dermatite atópica 8/100 Bacilos 22/100

Sarna otodectica 7/100 Fatores predisponentes Sarna demodécica 4/100 Orelhas pendentes 35/100

Alergia alimentar 2/100 Excesso de pelos no canal auditivo 18/100 Sarna sarcótica 2/100 Entrada de água para o ouvido 4/100 Pênfigo foliáceo 1/100 Canais auditivos estenóticos 1/100 Hipotiroidismo 1/100 Obstrução do canal auditivo 1/100 Neoplasia canal auditivo externo 1/100 Fatores perpetuantes

Desconhecida 32/100 Estenose canal auditivo externo 38/100 Tímpano perfurado – otite média 25/100 Mineralização das cartilagens auriculares 3/100

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14 2.1.1. Causas Primárias

Uma causa primária consegue induzir otite externa sem a presença de outra causa ou fator. A causa primária pode ter uma manifestação clínica tão subtil que, poderá passar despercebida ao proprietário até que surja uma causa secundária (Griffin, 2015c). Uma vez que a causa primária altere o ambiente do canal auditivo externo desenvolvem-se frequentemente infeções secundárias, exacerbando os sinais clínicos (Craig, 2013). Para o sucesso a longo prazo do tratamento é essencial que a causa primária seja diagnosticada e controlada (Murphy, 2001).

A grande maioria dos casos de otite externa possui uma causa primária. A exceção é quando fatores predisponentes se conjugam com causas secundárias (Griffin, 2015c).

Reações de Hipersensibilidade – Dermatite atópica, alergia alimentar e dermatite de contacto Segundo Rosser (2004), mais de 90% dos casos de otite externa crónica/recorrente bilateral (e ocasionalmente unilateral) em cães são resultado da presença de dermatite atópica ou alergia alimentar (Rosser, 2004). Embora a dermatite atópica seja a principal causa de otite externa em cães, no gato tem muito menor importância (Harvey and Paterson, 2014c). Alguns estudos reportam a presença de otite externa em 50 a 80% dos cães atópicos, sendo o único sinal clínico em 3% a 5% e o primeiro sinal em 43% dos casos (Griffin and DeBoer, 2001; Hnilica, 2011a; Noxon, 2013). Quanto à alergia alimentar, a otite externa pode surgir em até 80% dos cães afetados, sendo o único sinal clínico em 25% dos casos (Rosser, 2004).

A dermatite atópica e a alergia alimentar não são distinguíveis pela aparência dos pavilhões auriculares e canais auditivos (embora a otite externa associada a alergia alimentar costume ser mais grave do que as associadas a dermatite atópica) e ambas podem afetar os dois ou apenas um dos ouvidos (Harvey and Paterson, 2014c; Paterson, 2013a). A otite externa nestes cães começa normalmente como eritema da base do pavilhão auricular, na sua face côncava (Figura 8), mas com a evolução da doença a inflamação estende-se profundamente pelo meato acústico externo (Harvey and Paterson, 2014c; Noxon, 2013). Num estado inicial da alergia, o canal auditivo apresenta-se eritematoso, pouco exsudativo e a parte flácida pode surgir dilatada (Figura 9) (Paterson, 2013a). Ocorrem ainda alterações na barreira epidérmica e na composição do cerúmen, desenvolve-se edema da derme e hiperplasia glandular (Angus, 2005a).

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Com a cronicidade da doença, o canal auditivo vai se tornando hiperplásico e estenosado (Figuras 10 e 11), o que favorece a acumulação de detritos e providencia um ambiente propício ao crescimento de microrganismos (Angus, 2005a; Paterson, 2013a). Ocorre uma marcada erosão, ulceração e exsudação (Paterson, 2013a). Os microrganismos exacerbam a inflamação à medida que as exotoxinas e os antigénios penetram na barreira epidérmica alterada, amplificando a inflamação (Angus, 2005a). Isto faz com que, mesmo que o estímulo antigénico seja removido (devido à sua sazonalidade ou ensaio alimentar), os sinais clínicos não possam ser controlados até que as infeções secundárias o sejam (Angus, 2005a). Por exemplo, iniciar uma dieta hipoalergénica sem se controlar a infeção por Malassezia spp é inútil, uma vez que o animal continuará com prurido o que levará o clínico a pensar que o ensaio alimentar não resultou.

Nos casos mais graves e não tratados adequadamente, a estimulação crónica pode conduzir a alterações permanentes (ver Fatores Perpetuantes) como a fibrose da derme e do tecido subcutâneo e a mineralização das cartilagens do ouvido (Noxon, 2014). A raça Cocker Spaniel é especialmente propensa a desenvolver hiperplasias graves das glândulas ceruminosas (Angus, 2005a).

Figura 9 – Eritema do canal auditivo externo numa fase inicial da alergia (Paterson, 2013a) Figura 8 – Otite externa num cão atópico,

mostrando as típicas alterações eritematosas na porção côncava do pavilhão auricular (Paterson, 2008a)

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A história e o exame físico frequentemente indicam a presença de inflamação e prurido noutras áreas do corpo, associadas à dermatite atópica ou alergia alimentar, o que ajudará o clínico a efetuar o seu diagnóstico (Rosser, 2004). No caso da dermatite atópica, é usual ter-se um cão que lambe e morde constantemente as extremidades dos membros, que esfrega a face e lambe a região inguinal e axilar, além de se coçar na região auricular (Gotthelf, 2005a; Hnilica, 2011b). Os sinais clínicos surgem normalmente entre o primeiro e terceiro ano de idade (Paterson, 2013a). Os cães de pelagem mais clara muitas vezes apresentam o pelo tingido pela saliva, ficando de cor castanho-avermelhada (Gotthelf, 2005a). Outros sinais incluem dermatite húmida aguda, pioderma bacteriano e dermatite por lambedura acral (Paterson, 2008b). Nos gatos, a dermatite atópica manifesta-se como dermatite miliar, prurido facial, na região abdominal e membros posteriores, havendo corte do pelo com os dentes (Gotthelf, 2005a; Gross et al., 2005). Assim justifica-se o desenvolvimento concomitante de doença periodontal à medida que os pelos vão ficando aprisionados entre os dentes e no sulco gengival, causando gengivite (Gotthelf, 2005a). Também pode existir prurido podal com paroníquia bacteriana secundária e lesões do complexo granuloma eosinofílico (Paterson, 2008b). As otites em animais atópicos não têm necessariamente de ser sazonais. A natureza crónica de muitos dos casos, aliada à diferença de tempo entre o início da otite e a procura de um médico-veterinário, podem mascarar algum efeito sazonal (Noxon, 2013).

Figura 10 – Alterações crónicas no ouvido externo de um cão atópico: eritema, hiperpigmentação e liquenificação (Noxon, 2013).

Figura 11 – Aparência do canal auditivo externo numa otite externa grave, observando-se hipertrofia glandular e estenose do lume. (Hnilica, 2011a).

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Quanto a alergia/intolerância alimentar, estas podem surgir em cães jovens assim como em cães mais velhos sem história de problemas dermatológicos prévios e que possuíam a mesma alimentação há anos (Hnilica, 2011b; Paterson, 2013a). Clinicamente, é semelhante à dermatite atópica mas a distribuição do prurido e das lesões centra-se principalmente nas extremidades dos membros, na região perianal, axilar e inguinal, na face (e região auricular) e no pescoço (Paterson, 2008b). A dermatite perianal, com ou sem otites recorrentes, é a apresentação mais comum e específica de alergia alimentar (Hnilica, 2011b). Além disso, em cerca de 30% dos cães afetados, existem também sinais gastrointestinais como o aumento na frequência da defecação, tenesmo, aumento dos borborigmos intestinais, flatulência, colite, vómitos ou diminuição do apetite (Paterson, 2008b). Nos gatos, os sinais clínicos da alergia alimentar também se assemelham aos da dermatite atópica felina, mas com existência de dermatite perianal como nos cães (Hnilica, 2011b).

Em casos de alergia por contato a produtos óticos, se a medicação tópica não for descontinuada, o pavilhão auricular e o canal auditivo poderão ficar gravemente ulcerados (Figura 12) (Paterson, 2013a). Deverá suspeitar-se deste tipo de reação sempre que o uso de um dado produto tópico no ouvido causa um aumento de desconforto e de dor no animal, já que frequentemente a reação se inicia pelo canal horizontal não havendo alterações mais externas (Rosser, 2004). Se o produto for para aplicar apenas no pavilhão auricular, notar-se-á eritema, erosões e úlceras neste, mas não no canal auditivo (Figura 13). O proprietnotar-se-ário deverá sempre ser alertado para esta possibilidade, de modo a que esteja atento ao agravamento dos sinais e descontinue imediatamente a medicação tópica até o animal ser novamente observado pelo médico-veterinário (Rosser, 2004). A alergia pode ocorrer em relação ao excipiente (como o propilenoglicol) ou ao princípio ativo (como a sulfadiazina de prata ou a neomicina) (Angus, 2005a; Harvey and Paterson, 2014c). Na verdade, existem ainda muito poucos estudos que expliquem a sua fisiopatogenia, e se se trata realmente de uma reação de hipersensibilidade ou irritação (Noxon, 2013). Os sinais clínicos iniciam-se, geralmente, um a três dias após o início da terapia (Paterson, 2013a).

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Os sinais clínicos de um animal com otite externa alérgica incluem eritema do ouvido externo, prurido auricular (que se manifesta pelo coçar das orelhas), sacudir a cabeça e inclinação da mesma, exsudação e mau odor auricular (Noxon, 2013). A inclinação da cabeça pode ser causada pela dor e desconforto causados pela otite externa ou poderá ser um sinal vestibular associado à otite média, se presente (Hnilica, 2011a). O contínuo traumatismo aos pavilhões auriculares pode provocar otohematomas (Paterson, 2013a). Com a cronicidade da doença poderá desenvolver-se hiperpigmentação e liquenificação dos pavilhões auriculares (Paterson, 2013a).

Ectoparasitas

Estima-se que metade dos casos de otite externa em gatos e 5 a 10% dos casos em cães sejam causados por Otodectes cynotis, um ácaro que infesta o ouvido externo (Arther et al., 2015; Farkas et al., 2007; Hnilica, 2011a; Roy et al., 2012). Estes vivem à superfície da pele, alimentando-se de detritos da epiderme (Arther et al., 2015). Inicialmente o exsudado auricular dos animais afetados é frequentemente de cor castanho-escura a negra, mas nos casos crónicos este pode apresentar caraterísticas mais ceruminosas ou purulentas devido às infeções secundárias por bactérias e/ou leveduras (Rosser, 2004). É um parasita extremamente contagioso e não específico de espécie, que pode sobreviver no ambiente

Figura 12 - Eritema e ulceração do canal auditivo num cão com dermatite de contato às gotas auriculares usadas (Paterson, 2013a).

Figura 13 - Eritema e ulceração do pavilhão auricular sem envolvimento do canal auditivo, num cão com dermatite de contato a produto colocado apenas no pavilhão (foto gentilmente cedida pelo Hospital Veterinário do Porto).

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doméstico, fora do hospedeiro, durante semanas ou até meses (Arther et al., 2015; Harvey and Paterson, 2014c). A transmissão pode ser por contato direto, como das mães para os filhos, ou através das camas ou outros objetos infestados (Farkas et al., 2007). O seu ciclo de vida completa-se em cerca de 3 semanas, pelo que a duração dos tratamentos sem função ovicida não deve ser inferior a este período (Angus, 2004b).

A otite por O. cynotis deve-se, essencialmente, a reações de hipersensibilidade (tipo I e tipo III) aos antigénios dos ácaros, ocorrendo desgranulação de mastócitos, libertação de péptidos vasoativos, ativação do complemento, entre outros (Angus, 2005a). Dois ou três destes ácaros são suficientes para induzir uma intensa reação inflamatória (Angus, 2005a). A irritação mecânica também contribui, embora em menor escala, para o forte prurido (Harvey and Paterson, 2014c). A presença de otite externa bilateral num gato que ainda não sofreu tratamento específico para O. cynotis e que não possui mais nenhuma região do corpo afetada, é considerada otoacariose até prova em contrário (Angus, 2005a; Nuttall et al., 2009). O. cynotis é relativamente grande (0,3-0,4 mm) e é possível observá-los com um otoscópio como pequenos pontos brancos com movimento (Figuras 14 e 15) (Paterson, 2013a).

Embora seja pouco frequente, os ácaros Demodex canis e Demodex cati (bem como D. gatoi) também podem, causar otites ceruminosas em cães e gatos respetivamente, com ou sem outras lesões de pele (Griffin, 2010b; Rosser, 2004). O argasídeo Otobius megnini é mais comum nas regiões do sul e sudoeste dos Estados Unidos da América e afeta principalmente cães (Figura 17) (Rosser, 2004). As suas larvas fixam-se no epitélio do canal auditivo externo, provocando uma otite aguda (Harvey and Paterson, 2014c). Outros parasitas externos, como Sarcoptes scabiei, Notoedres cati, Cheyletiella spp e Eutrombicula spp, apesar de não

Figura 14 – O. cynotis num canal auditivo externo (Paterson, 2013a).

Figura 15 – O. cynotis em lâmina com óleo mineral. Por vezes, a presença dos ovos castanhos-escuro é o único indicador de infestação na ausência de ácaros adultos (Gotthelf, 2005a).

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afetarem diretamente o canal auditivo externo, induzem autotraumatismo do ouvido externo ao provocar inflamação e prurido na região periauricular e no pavilhão auricular (Harvey and Paterson, 2014c; Rosser, 2004).

Um gato com ácaros no ouvido abana violentamente a cabeça e coça as orelhas, a ponto de autoinfligir erosões e alopécia na região entre o olho e o ouvido e caudal ao pavilhão auricular (Figura 16) (Gotthelf, 2005a).

Corpo estranho

A presença de um corpo estranho no ouvido externo causa irritação local e obstrução (Gotthelf, 2005a; Murphy, 2001). As praganas são a ocorrência mais comum mas existem também casos de pequenos galhos de árvores e brinquedos de crianças (Harvey and Paterson, 2014c; Saridomichelakis et al., 2007). Mais raramente, a reação de corpo estranho pode ser induzida por areia, insetos mortos e pelos soltos (Rosser, 2004). As raças mais afetadas são as pertencentes ao grupo dos Spaniel’s e a raça Golden Retriever, existindo uma maior incidência em animais mais jovens devido à maior atividade física (Harvey and Paterson, 2014c).

A penetração de corpos estranhos que têm a capacidade de progredir no canal auditivo externo (como as praganas – Figura 18) provoca, usualmente, sinais agudos como inclinação da cabeça, sacudir violentamente a cabeça e gemidos (dor), pois vão ulcerando o canal

Figura 16 – Gato com eritema, hipotricose e erosões na região caudal ao pavilhão auricular, devido ao intenso prurido que conduz ao autotraumatismo (foto da autora).

Figura 17 - Ixodídeo do género Otobius num canal auditivo externo (Gotthelf, 2005a).

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podendo mesmo ruturar a membrana timpânica conduzindo a otite média (Gotthelf, 2005a; Harvey and Paterson, 2014c).

As bactérias mais comummente associadas às otites por praganas são as do género Streptococcus spp, e mais raramente Staphylococcus spp, Pasteurella spp e Actinomycetes spp (Harvey and Paterson, 2014c). Se há suspeita de a pragana estar no ouvido há algum tempo, deve-se considerar a hipótese de existir otite média, mesmo que o tímpano pareça intato (Harvey and Paterson, 2014c).

Normalmente os corpos estranhos são facilmente visíveis através do exame otoscópico, embora nalguns casos seja necessário lavar previamente o canal auditivo, devido à acumulação de cerúmen e exsudados que vai recobrindo o corpo estranho (Hnilica, 2011a; Nuttall et al., 2009). Na maioria das vezes, o corpo estranho é facilmente removido com uma pinça de corpos estranhos introduzida pelo espéculo do otoscópio ou pelo canal de trabalho do videotoscópio. O animal deve estar sedado ou sob anestesia geral para se efetuar este procedimento (Cole, 2004). Num estudo efetuado por Saridomichelakis et al (2007), em 100 cães com otite externa, as praganas foram a causa em 12 cães, tendo 10 deles praganas em ambos os ouvidos, o que revela a importância de observar sempre os dois canais auditivos externos (Saridomichelakis et al., 2007).

Traumatismo

A limpeza agressiva dos ouvidos com cotonetes assim como uma traumática remoção dos pelos do canal auditivo (por exemplo, remover grande números de folículos pilosos simultaneamente) são as causas mais comuns de traumatismo do canal auditivo (Gotthelf, 2005a; Rosser, 2004). A abrasão provocada remove a camada superficial de queratinócitos e promove a infeção pelos microrganismos residentes do ouvido externo (Gotthelf, 2005a; Haagen, 2005) . A remoção dos pelos deverá ser efetuada apenas nos animais em que o seu

Figura 18 - Pragana no interior do canal auditivo externo, adjacente ao tímpano (Nuttall et al., 2009).

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excesso predisponha a otite externa, uma vez que não há evidência científica do seu benefício como medida profilática (Coatesworth, 2011; Nuttall and Cole, 2004).

Doenças endócrinas

O hipotiroidismo é a doença endócrina mais comum no cão, e pode ser tanto uma causa primária de otite externa como contribuir para a gravidade desta quando em conjunto com outras doenças primárias, como atopia ou alergia alimentar (Angus, 2005a; Coatesworth, 2011). Os baixos níveis de hormonas tiroideias aumentam a produção e alteram a constituição do cerúmen por aumento da atividade das glândulas sebáceas e diminuem a resposta imunitária alterando a barreira epidérmica, podendo originar uma otite ceruminosa (Coatesworth, 2011; Gotthelf, 2005a). As alterações observadas por otoscopia no canal auditivo externo não são específicas, observando-se uma hiperplasia ligeira e um aumento da produção de cerúmen (Figura 19) (Paterson, 2013a). Na citologia auricular observa-se um predomínio de queratinócitos e detritos que não coram (Gotthelf, 2005a). Com a cronicidade da otite externa, podem desenvolverem-se infeções bacterianas e ou fúngicas (Gotthelf, 2005a). A otite externa não é uma manifestação clínica comum no hipotiroidismo contudo, a existência de otite externa num animal de meia-idade e de raça predisposta (Retrievers e Doberman Pinscher), na presença de outros sinais clínicos sugestivos de hipotiroidismo, deve levar o clínico a considerar esta doença endócrina na sua lista de diagnósticos diferenciais (Harvey and Paterson, 2014c; Scott-Moncrieff, 2015).

As alterações nas hormonas gonadais (por exemplo, nos tumores das células de Sertoli) também conduzem a uma profunda alteração na função das glândulas cutâneas, estando associadas ao desenvolvimento de otites ceruminosas (Harvey and Paterson, 2014c).

Figura 19 – Canal auditivo externo com acumulação de exsudado ceruminoso, em cão hipotiróide (Paterson, 2013a).

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Desordens primárias de queratinização - seborreia e adenite sebácea

As desordens primárias de queratinização são pouco comuns no cão e raras no gato (Paterson, 2013a). Contudo, quando ocorrem frequentemente afetam o ouvido externo e por vezes este é o único local afetado, embora a maioria dos animais apresente sinais clínicos generalizados (Figura 20) (Nuttall et al., 2009; Paterson, 2013a).

Algumas raças apresentam predisposição para desordens de queratinização, como é o caso da seborreia primária dos Cocker Spaniels (Coatesworth, 2011). A seborreia primária é causada por um aumento da renovação das células da epiderme: o tempo que as células da camada basal demoram para atingir o estrato córneo é encurtado de 21 para 7-8 dias no cão, originando uma otite ceruminosa (Paterson, 2013a). Ao exame otoscópico, observa-se hiperplasia das paredes do canal auditivo, com um aspeto húmido e que sangra facilmente (Harvey and Paterson, 2014c). A citologia auricular revela frequentemente uma grande quantidade de cerúmen e queratinócitos mas poucas células inflamatórias (Harvey and Paterson, 2014c).

Na adenite sebácea há perda das glândulas sebáceas e o canal auditivo apresenta-se eritematoso, hiperplásico e com grande acumulação de material seco (Paterson, 2013a, 2008b; Rosser, 2004).

Doenças autoimunes

O pênfigo foliáceo e eritematoso assim como o lúpus eritematoso sistémico afetam comummente a porção externa (convexa) do pavilhão auricular mas raramente causam otite externa (Coatesworth, 2011; Harvey and Paterson, 2014c; Rosser, 2004). Contudo, se existirem vesículas, bolhas, pústulas, erosões ou úlceras na superfície côncava do pavilhão

Figura 20 - Cão com seborreia seca generalizada, afetando também os pavilhões auriculares (foto da autora).

Imagem

Figura  3  –  Observação  do  canal  horizontal  e da membrana timpânica  através de videotoscopia
Figura 4 - Membrana timpânica normal do ouvido direito de cão. Imagem obtida por videotoscopia  (adaptado de Cole, 2011)
Figura  5  -  Parte  flácida  dilatada  em  cão  sem  otite  externa ou média. Imagem obtida por videotoscopia  (adaptado de Tobias and Paterson, 2013)
Figura 7 - Representação esquemática do ouvido médio de cão (A) e gato (B) (adaptado de (A)  Evans and Lahunta, 2013 e (B) Baines, 2014)
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