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Ensino de argumentação em eventos de letramento

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

JACIARA LIMEIRA DE AQUINO

ENSINO DE ARGUMENTAÇÃO EM EVENTOS DE LETRAMENTO

NATAL RN 2018

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ENSINO DE ARGUMENTAÇÃO EM EVENTOS DE LETRAMENTO

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PpgEL), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como requisito avaliativo para a obtenção do título de Doutora em Estudos da Linguagem.

NATAL/RN 2018

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ENSINO DE ARGUMENTAÇÃO EM EVENTOS DE LETRAMENTO

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como requisito avaliativo para a obtenção do título de Doutora em Estudos da Linguagem.

ORIENTADORA: PROFA. DRA. GLÍCIA AZEVEDO TINOCO

Aprovada em 26/11/2018

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________ Profa. Dra. Glícia Azevedo Tinoco – UFRN

Orientadora

______________________________________________________________________ Profa. Dra. Angela Del Carmen Bustos Romero de Kleiman – UNICAMP

Examinadora externa

______________________________________________________________________ Profa. Dra. Dorotea Frank Kersch – UNISINOS

Examinadora externa

______________________________________________________________________ Profa. Dra. Maria Hozanete Alves de Lima – UFRN

Examinadora interna

______________________________________________________________________ Profa. Dra. Maria da Penha Casado Alves – UFRN

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Dedico esta tese de doutorado primeiramente a Deus por ter conduzido meus caminhos e me sustentado até aqui; à minha mãe, Maria Eleide, por ser minha fortaleza; aos meus alunos do 9º ano (turma 2016) da Escola Estadual 29 de Março por terem compartilhado comigo saberes, fazeres, angústias e sonhos para a construção de um ensino-aprendizagem significativo.

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Passados quase quatro anos do início de um curso de Doutorado, vem à mente um

flash de lembranças e de momentos que marcaram a minha caminhada e transformação até

aqui. Foram muitos quilômetros percorridos entre Portalegre - interior do Rio Grande do Norte – e Natal, capital do estado.

Nesses quilômetros, encontrei muita gente de luz. Deparei-me com acolhimentos, aprendizados, angústias, desconstruções e renovações que foram essenciais para a construção da professora-pesquisadora e da pessoa que sou hoje. Por isso, ao encerrar este ciclo, teço uma rede de agradecimentos.

Agradeço a Deus por representar a força que me move e me alimenta espiritualmente a cada dia. Por ser meu amparo e minha segurança nas estradas da vida e pelo seu amor, sua misericórdia e zelo, obrigada.

Meus agradecimentos à minha mãe, Maria Eleide, meu exemplo de amor, dedicação e companheirismo; a meu Pai, Antonio Nival, por ser um homem trabalhador, honesto e de fibra; ao meu avô, Luiz Limeira, que tanto tem me ensinado com os seus saudáveis vividos noventa e dois anos; à minha avó, Raimunda (in memoriam) pelas saudosas lembranças; ao meu irmão, Antônio Jassen, por ter me apresentado o caminho das Letras; aos meus tios e tias pela torcida sempre sincera; aos meus primos e primas pela amizade e cumplicidade.

Agradeço também à minha segunda família, Francisca Amélia, dona Raimunda, Xavier Barbosa, Kátia, Patrícia e Brendha.

Ao meu noivo, Georghe Carlos, por ser tão presente em minha vida, pela paciência, amor e zelo que me encorajam sempre a seguir em frente, agradeço com amor. Obrigada pelo colo e por todo o incentivo.

À tia Zizi e a seu esposo, Valmir, pela receptividade e acolhimento, meus agradecimentos.

Agradeço de coração à minha amiga Márcia Magalhães por sempre me receber tão bem em sua casa e pelas tantas vezes que se dispôs a ver a construção do meu trabalho e a ouvir meus dilemas e angústias; aos amigos Aedson Souza, Hudson Pablo, Poliana Nara e Larissa Cristina pelas alegrias compartilhadas na vida afetiva e pessoal e aos demais que dividem comigo momentos de descontração e de festividade.

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desta tese.

Meus agradecimentos à minha orientadora, Glícia Azevedo Tinoco, pela dedicação, afinco e exigência com que exerce sua profissão, e por ter me ensinado que, coletivamente, construímos aprendizados e podemos transformar realidades. Sou grata pelas leituras atentas e orientações.

Agradeço aos meus alunos, especialmente aqueles que participaram da construção desta pesquisa. Muito obrigada pela aprendizagem que construímos juntos.

Às escolas em que leciono, Escola Estadual 29 de Março e Escola Estadual Margarida de Freitas, agradeço por flexibilizarem meus horários e minhas atividades de docência.

Agradeço também a Profa. Vera de Castro por ter sido fundamental para o delineamento das ações do projeto de letramento que desenvolvemos.

Por fim, meus agradecimentos a todos aqueles que estiveram e estão comigo, mesmo que ausentes fisicamente, e que desejam sempre boas vibrações para a minha vida.

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Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.

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O ensino de Língua Portuguesa (LP) no Brasil tem passado por uma série de mudanças. Isso pode ser justificado a partir de diferentes questões teóricas e metodológicas, como por exemplo, aquelas ligadas às concepções de língua(gem), leitura, escrita e texto. Essas mudanças estão relacionadas a iniciativas de ressignificação do ensino de LP, uma vez que o modelo estritamente normativo e impositivo não tem dado conta de compreender aspectos sociais da língua. No intuito de contribuir com esse processo de ressignificação, mais especificamente do ensino de argumentação, desenvolvemos, com uma turma de 9o ano do Ensino fundamental de uma escola pública estadual, localizada na cidade de Portalegre-RN, um projeto de letramento (KLEIMAN, 2000). Tal projeto teve como contextualização inicial inquietações quanto às eleições municipais de 2016 e, como problemática social situada, a falta de água potável no município. Nesse contexto, temos como objetivo geral ressignificar o ensino da argumentação por meio de eventos de letramento. Para isso, traçamos os seguintes objetivos específicos: (i) mapear práticas de letramento, especialmente aquelas ligadas a gêneros argumentativos, dos alunos participantes desta pesquisa; (ii) categorizar princípios do ensino da argumentação a partir de eventos de letramento; (iii) analisar que habilidades relacionadas à competência da argumentação são desenvolvidas nesses eventos de letramento. Teoricamente, fazemos um percurso pela história da LP enquanto disciplina (SOARES, 2002; CORRÊA; LIRA, 2012); trazemos à baila a perspectiva social dos Estudos de Letramento (KLEIMAN, 1995); os projetos de letramento enquanto modelo didático (TINOCO, 2008); os conceitos de práticas de letramento (STREET [1995] 2014) e de eventos de letramento (HAMILTON, 2000); a noção de rede de atividades (OLIVEIRA; TINOCO; SANTOS, 2011); o que pode ser entendido como agência social e agentes de letramento (KLEIMAN, 2006; FERNANDES, 2015); e o que nomeamos de contínuo leitura-escrita-oralidade. Por fim, apresentamos diferentes perspectivas teóricas da argumentação (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005; AMOSSY, 2018), bem como considerações acerca do ensino de argumentação (PLANTIN, 2008, 2010; CARVALHO, 20015; LIMA; PIRIS, 2017; SANTOS; AZEVEDO, 2017; SILVA, 2015). Metodologicamente, este estudo se insere na área da Linguística Aplicada (MOITA-LOPES, 2006), sendo de cunho social e interpretativo. Trata-se de uma pesquisa qualitativa (ANDRÉ, 1995), alicerçada nos moldes da pesquisa-ação (THIOLLENT, 1985), que contou com uma série de instrumentos de pesquisa: questionários, textos orais, escritos e reescritos, vídeos, fotografias e notas de campo. Do projeto de letramento que desenvolvemos, destacamos, neste estudo, dois eventos de letramento: um debate regrado e uma mesa-redonda. Ambos se organizaram a partir de situações-problema relacionadas à falta de água potável em Portalegre. A partir dos eventos de letramento que foram analisados, categorizamos os princípios do ensino de argumentação via eventos de letramento, quais sejam: problemática social situada; elementos visíveis dos eventos e não visíveis das práticas de letramento; agência social e agentes de letramento; rede de atividades/gêneros discursivos; contínuo leitura-escrita-oralidade. Além disso, foi possível identificar um conjunto de habilidades ligadas à competência da argumentação. Em linhas gerais, esta pesquisa nos mostra que o ensino de argumentação por meio de eventos de letramento é algo viável e significativo que se justifica pelo fato de a argumentação ser tomada como um processo interacional. Dessa forma, os discentes aprendem a argumentar vivenciando a argumentação por meio de práticas sociais situadas, ou seja, aprende-se a argumentar, argumentando.

PALAVRAS-CHAVE: Projeto de letramento. Evento de letramento. Princípios do ensino de

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justified from different theoretical and methodological questions, such as those related to conceptions of language, reading, writing and text. These changes are related to initiatives of re-signification of PL teaching, since strictly normative and authoritative model has not taken into account the understanding of social aspects of the language. In order to contribute to this process of re-signification, more specifically the teaching of argumentation, we developed a literacy project (KLEIMAN, 2000) with a 9th grade class from a state public school, located in the city of Portalegre-RN. Such project had as initial contextualization concerns about the municipal elections of 2016, and as a social located problem the lack of drinking water in the municipality. In this sense, we have as general objective, in this research, to re-signify the teaching of the argumentation through literacy events. To do this, we draw the following specific objectives: (i) to map literacy practices from the students participating in this research, especially those related to argumentative genres; (ii) to categorize principles of re-signification of the teaching of argumentation through literacy events (iii) to analyze which skills related to the competence of the argumentation are developed in those literacy events. Theoretically, we make a journey through the history of the PL as a discipline (SOARES, 2002; CORRÊA; LIRA, 2012); we bring to light the social perspective of Literacy Studies (KLEIMAN, 1995); the literacy projects as a didactic model (TINOCO, 2008); the concepts of literacy practices (STREET [1995] 2014) and literacy events (HAMILTON, 2000); the notion of network activities (OLIVEIRA; TINOCO; SANTOS, 2011); which can be understood as social agency and literacy agents (KLEIMAN, 2006; FERNANDES, 2015); and what we call continuous reading-writing-orality. Finally, we present different theoretical perspectives of the argumentation (PERELMAN, OLBRECHTS-TYTECA, 2005, AMOSSY, 2018), as well as considerations about the teaching of argumentation (PLANTIN, 2008, 2010, CARVALHO, 20015, LIMA, PIRIS, 2017; SANTOS; AZEVEDO, 2017; SILVA, 2015). Methodologically, this study is inserted in the area of Applied Linguistics (MOITA-LOPES, 2006), being of social and interpretative nature. It is a qualitative research (ANDRÉ, 1995), based on the research-action model (THIOLLENT, 1985), which had a series of research tools: questionnaires, oral texts, written and rewritten texts, videos, photographs and field notes. From the literacy project that we developed, we highlighted in this study two literacy events - a regulated debate and a roundtable, which were organized from problem situations related to the lack of drinking water in Portalegre. From the literacy events that were analyzed, we categorized the principles of teaching argumentation from literacy events, which are: social situated problem; visible elements of events and not visible from literacy practices; social agency and literacy agents; network activities / discursive genres; continuous reading-writing-orality. In addition, it was possible to identify the set of skills related to the argumentation competence. In general, this research shows us that the teaching of argumentation through literacy events is something viable and significant that is justified by the fact that the argumentation is taken as an interaction process. In this way, students learn to argue by experiencing argumentation through situated social practices, that is, one learns to argue, arguing.

KEY WORDS: Literacy Project. Literacy event. Principles of teaching argumentation. Skills related

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Figura 01 – Relação entre oralidade e escrita nos gêneros textuais... 52

Figura 02 – Pórtico da cidade de Portalegre-RN... 94

Figura 03 – Fachada da Escola Estadual 29 de Março... 96

Figura 04 – Alunos participantes da pesquisa... 98

Figura 05 – Participantes internos à instituição escolar... 99

Figura 06 – Participantes externos à instituição escolar I... 100

Figura 07 – Participantes externos à instituição escolar II... 101

Figura 08 – Gráfico da ação mais adequada para resolver conflitos... 104

Figura 09 – Gráfico das situações em que é necessário argumentar... 106

Figura 10 – Gráfico do tema do excerto textual analisado... 108

Figura 11 – Gráfico da opinião do excerto textual analisado... 109

Figura 12 – Gráfico do argumento do excerto textual analisado... 110

Figura 13 – Gráfico das práticas de letramento na esfera do lar... 112

Figura 14 – Gráfico das práticas de letramento na esfera da escola... 113

Figura 15 – Gráfico das práticas de letramento na esfera da igreja... 114

Figura 16 – Gráfico das práticas de letramento na esfera pública... 116

Figura 17 – Infográfico do projeto de letramento... 123

Figura 18 – Alunos (re)escrevendo colaborativamente o ofício... 125

Figura 19 – Exposição oral do roteiro em sessão ordinária da Câmara de Vereadores.... 126

Figura 20 – (Re)escrita do roteiro para a edição de vídeos... 127

Figura 21 – Debate regrado com vereadores... 129

Figura 22 – Mesa-redonda com diferentes segmentos municipais... 130

Figura 23 – Caixa d’água para captação e armazenamento da água da chuva... 132

Figura 24 – Infográfico do debate regrado como evento de letramento... 136

Figura 25 – Infográfico da mesa-redonda como evento de letramento... 138

Figura 26 – (Re)escrita colaborativa de carta argumentativa... 141

Figura 27 – Aluna oralizando, durante o debate, uma pergunta previamente escrita... 143

Figura 28 – Participantes da mesa-redonda... 144

Figura 29 – Elementos visíveis e não visíveis dos eventos e práticas de letramento... 146

Figura 30 – Ambiente em que aconteceu o debate... 148

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Figura 34 – Aluna mediadora da mesa-redonda... 156

Figura 35 – Público presente na mesa-redonda... 157

Figura 36 – Rede de atividades/gêneros discursivos constitutiva do debate... 160

Figura 37 – Leitura-escrita-oralidade na mesa-redonda... 163

Figura 38 – Princípios do ensino da argumentação... 166

Figura 39 – Leitura de carta enviada pela professora da UFRN... 170

Figura 40 – Alunos (re)escrevendo perguntas para o debate... 173

Figura 41 – Aluno oralizando uma pergunta (previamente escrita)... 175

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Quadro 01 – Instrumentos utilizados para a geração de dados da pesquisa... 87

Quadro 02 – Excerto textual utilizado no questionário... 107

Quadro 03 – Problemáticas apontadas pelos alunos... 121

Quadro 04 – Debate regrado em três perspectivas analíticas... 134

Quadro 05 – Carta argumentativa enviada pela professora da UFRN... 171

Quadro 06 – Pergunta escrita pelos discentes para o debate... 174

Quadro 07 – Carta argumentativa de solicitação para o diretor da CAERN... 177

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BNCC Base Nacional Comum Curricular

CAERN Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

IFRN Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande no Norte

LD Livro Didático

LP Língua Portuguesa

MDC Modelo de Debate Crítico

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PDG Projeto Didático de Gênero

PL Projeto de Letramento

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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 16

2 BASES TEÓRICAS ... 21

2.1 Histórico da Língua Portuguesa no Brasil ... 21

2.2 Estudos de Letramento ... 27

2.2.1 Projeto de letramento: historicidade ... 31

2.2.2 Práticas e eventos de letramento ... 40

2.3 Argumentação ... 55

2.3.1 Teorias da argumentação ... 55

2.3.2 Ensino de argumentação ... 69

3 O CONTEXTO DA PESQUISA ... 78

3.1 Inserção no campo da Linguística Aplicada ... 78

3.2 Pesquisa-ação de vertente etnográfica ... 81

3.3 Instrumentos de pesquisa ... 86

3.4 Contexto de ação ... 93

3.4.1 O município de Portalegre ... 93

3.4.2 A Escola Estadual 29 de Março ... 95

3.4.3 Os participantes da pesquisa e colaboradores ... 97

3.4.4 Práticas de letramento e argumentação como prática social ... 102

3.5 Processo de geração de dados ... 116

3.5.1 Constituição do corpus da pesquisa ... 117

4 PROJETO DE LETRAMENTO: A FALTA DE ÁGUA POTÁVEL NO MUNICÍPIO DE PORTALEGRE ... 119

4.1 Contextualização geral ... 119

4.2 Eventos de letramento e ressignificação do ensino de argumentação ... 133

4.2.1 Problemática social situada ... 139

4.2.2 Elementos visíveis dos eventos e não visíveis das práticas de letramento ... 145

4.2.3 Agência social e agentes de letramento ... 153

4.2.4 Rede de atividades/gêneros discursivos ... 158

4.2.5 Contínuo leitura-escrita-oralidade ... 162

4.3 Princípios do ensino de argumentação em eventos de letramento... 166

4.4 Habilidades ligadas à competência da argumentação em eventos de letramento 168 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 181

REFERÊNCIAS ... 184

APÊNDICES ... 193

APÊNDICE A – QUESTIONÁRIO SEMIESTRUTURADO ... 194

APÊNDICE B – TERMO DE CONSENTIMENTO DOS ALUNOS ... 197

APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO DOS PAIS/RESPONSÁVEIS 198 APÊNDICE D – TERMO DE CONSENTIMENTO DOS COLABORADORES .... 199

ANEXOS ... 200

ANEXO A – OFÍCIO ENVIADO À CÂMARA DE VEREADORES ... 201

ANEXO B – ROTEIRO PARA A REUNIÃO NA CÂMARA ... 202

ANEXO C – ROTEIRO ESCRITO PARA A GRAVAÇÃO DE VÍDEOS ... 204

ANEXO D – ARTIGO DE OPINIÃO ... 206

ANEXO E – CARTA ARGUMENTATIVA DE SOLICITAÇÃO ... 208

ANEXO F – PERFIL DA PROFESSORA DA UFRN ... 210

ANEXO G – CONVITE ENVIADO PARA OS DEBATEDORES ... 211

ANEXO H – ROTEIRO PARA ORIENTAR O DEBATE ... 212

ANEXO I – PERGUNTAS PARA OS DEBATEDORES... 213

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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O ensino de Língua Portuguesa no Brasil tem passado por uma série de mudanças desde sua instituição como disciplina curricular em 1759. A isso, diferentes concepções teórico-metodológicas estão associadas, tais como: a de língua(gem), de leitura, de escrita e de texto, bem como a própria formação continuada de professores e a assunção de determinados objetos de ensino, como o texto, por exemplo.

Porém, autores que tratam da história do ensino de LP no Brasil (SOARES, 2002; CORRÊA; LIRA, 2012) evidenciam que, nesses quase 260 anos, as aulas desse componente curricular permanecem, predominantemente, ligadas a exercícios mandatários que se centralizam em práticas mecânicas de reprodução de um modelo tradicional de ensino: aulas expositivas cujo objeto é, na maioria das vezes, a gramática normativa. Essa perspectiva tende também a limitar a escrita, a leitura e a oralidade a atividades que se circunscrevem tão somente à esfera escolar, tais como: escrever para que o professor possa avaliar aspectos gramaticais e ortográficos; ler para “captar” informações disponíveis nos textos.

Consequentemente, desconsidera-se que a escrita, a leitura e a oralidade são práticas sociais que ultrapassam o ambiente escolar. Essa desconsideração ocorre porque no modelo tradicional a língua é um sistema a ser analisado em suas partes; a escrita e a leitura correspondem a processos de codificação e de decodificação; a oralidade, à exposição sonora de frases e de textos; o aluno posiciona-se no lugar de quem é constantemente testado; e o professor coloca-se como detentor do saber, estabelecendo, desse modo, uma linha vertical entre professor e aluno no processo de ensino-aprendizagem.

A caracterização desse modelo que, na literatura consultada e na experiência que vivenciamos como professora de educação básica mostra-se majoritário, não pretende negar, porém, a coexistência de iniciativas de rompimento dessa tradição. Trata-se de um processo contínuo de (re)construção do ensino de LP.

De fato, é perceptível que, desde a década de 1990 (de modo mais intenso), tentativas de ressignificação do ensino de LP vêm sendo desenvolvidas e elas podem ser um reflexo de diferentes origens. A primeira delas corresponde às alterações contidas em documentos oficiais, a exemplo das propostas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), publicados em 1997, e da Base Nacional Comum Curricular – BNCC, recentemente construída (BRASIL, 2017). A segunda está ligada a pesquisas e a publicações na área da formação continuada de professores (CAVALCANTI, 1999; ASSIS; MATENCIO; SILVA, 2005;

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MATENCIO, 2006), dos estudos sobre gêneros discursivos (BAKHTIN; VOLOSHINOV [1929] 2003; BUNZEN, 2006; BAZERMAN, 2011) e, especialmente, das contribuições dos Estudos de Letramento (KLEIMAN, 1995; ROJO, 1998; SOARES, 1998).

Na área dos Estudos de Letramento numa perspectiva etnográfica (KLEIMAN, 1995) é possível constatar pesquisas de intervenção que se voltam para uma ressignificação do ensino de LP, especificamente para o ensino da leitura e da escrita. Essa tentativa de ressignificação parte do princípio de que essas ações são compreendidas como práticas sociais, ou seja, como formas de ações sociais por meio das quais os sujeitos agem no (e sobre) o mundo, o que decorre do conceito de letramento proposto por Kleiman (1995, p. 18-19), qual seja: “[...] conjunto de práticas sociais que usam a escrita, como sistema simbólico e como tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos [...]”.

Com interesses na área dos Estudos de Letramento, podemos citar as iniciativas de Tinoco (2008), Oliveira (2008), Cunha (2010), Oliveira; Tinoco; Santos (2011) e Santos (2012), além de pesquisas que temos acompanhado mais de perto, a exemplo de Fernandes (2015), Silva (2017) e Cabral (2018) que se voltam para a ressignificação do ensino de LP na educação básica; bem como as pesquisas de Silva (2015), Fontoura (2016), Souza (2015) e Oliveira (2017) voltadas para o ensino de argumentação (as duas primeiras na educação superior e as duas últimas na educação básica). Em todas elas, o ponto em comum é o fato de seguirem o modelo didático dos projetos de letramento (TINOCO, 2008), haja vista partirem de um problema situado de determinado grupo que estimula uma série de ações de escrita, de leitura e de oralidade também situadas, conforme iremos explicitar melhor no capítulo teórico deste trabalho.

Com relação ao ensino da argumentação, de modo particular, nossa experiência profissional, a leitura dos trabalhos de Souza (2015) e de Oliveira (2017), além da análise de alguns Livros Didáticos - LD (DISCINI; TEIXEIRA, 2012; CEREJA; MAGALHÃES, 2005, 2014) evidenciam que, nas escolas brasileiras de educação básica, há uma tendência de ensino tradicional de gêneros escritos, com foco na estrutura composicional tão somente. Tem-se, assim, uma espécie de “gramática” do texto argumentativo que orienta como organizar as estratégias e os tipos de argumentos.

Nesse sentido, a escrita não é vista como prática social e o ensino da argumentação se volta, majoritariamente, para o desenvolvimento de habilidades individuais (domínio de aspectos linguísticos, ortográficos e gramaticais) com finalidades em si mesmas. É o caso, por exemplo, de levar os alunos a aprenderem a estrutura composicional de determinados gêneros argumentativos (artigos de opinião, cartas argumentativas, textos

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dissertativo-argumentativos) limitando-os apenas a aspectos estruturais sem dar a eles a possibilidade de alcançar a dimensão social que tais gêneros podem assumir em situações em que se mostra necessária a defesa de opiniões.

Vale ressaltar que nos LD analisados, como por exemplo, no de Cereja e Magalhães (2005), há a orientação de uma série de atividades que são vivenciadas de modo artificial. Isso fica evidente quando sugerem a leitura e a escrita de textos que se findam nos limites da sala de aula, sendo ignorada, dessa forma, a funcionalidade social mais ampla desses textos.

Contrapondo-nos a essa perspectiva de ensino e alinhando-nos às concepções advindas dos Estudos de Letramento de vertente etnográfica, partimos do princípio de que os projetos de letramento se mostram promissores no tocante ao ensino-aprendizagem da leitura, da escrita e da oralidade enquanto práticas sociais. Desse modo, temos como objetivo geral, nesta pesquisa, ressignificar o ensino da argumentação a partir de eventos de letramento.

Nesse sentido, desenvolvemos um projeto de letramento em conjunto com uma turma de alunos de uma escola pública do interior do Rio Grande do Norte. Ele teve como contexto inicial discussões e especulações relacionadas às eleições municipais ocorridas em 2016, mais especificamente sobre quem seriam os candidatos a vereador e quais as funções do corpo legislativo em um município. Somado a isso, teve como ponto de partida uma problemática social situada, qual seja: a falta de água potável no município de Portalegre-RN. Partiu, portanto, de interesses reais dos alunos, da professora-pesquisadora e da comunidade como um todo, e desencadeou um conjunto de ações e de eventos de letramento em que a escrita, interligada às ações de leitura e de oralidade de gêneros argumentativos (ou não) desempenhou um papel central no ensino da argumentação.

Tendo em vista o objetivo geral ao qual nos propomos, traçamos os seguintes objetivos específicos: (i) mapear práticas de letramento, especialmente aquelas ligadas a gêneros argumentativos, dos alunos participantes desta pesquisa; (ii) categorizar princípios do ensino da argumentação a partir de eventos de letramento; (iii) analisar que habilidades relacionadas à competência da argumentação são desenvolvidas em eventos de letramento.

Cada um desses objetivos está atrelado a uma questão de pesquisa. De modo geral, levantamos a seguinte indagação: de que forma eventos de letramento podem ressignificar o ensino da argumentação? Atreladas a ela, temos mais três.

1. De que práticas de letramento, principalmente aquelas ligadas a gêneros argumentativos, participam os alunos desta pesquisa?

2. Quais são os princípios do ensino da argumentação a partir de eventos de letramento?

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3. Quais habilidades relacionadas à competência da argumentação são desenvolvidas em eventos de letramento?

Devido ao nosso interesse em contribuir com os trabalhos de intervenção que visam ao ensino da argumentação, consideramos uma boa escolha focalizar os usos da língua(gem) direcionados a demandas sociais mais abrangentes nas quais nossos alunos podem estar imersos e, exatamente por isso, tenham interesse de (re)agir de forma protagonista, mediados por diferentes ações sociais.

Em sendo assim, a relevância desta pesquisa se justifica a partir de três aspectos centrais. Primeiramente, evidenciamos a importância de se desenvolver um ensino de argumentação que vise à aplicação da ação de argumentar não só na esfera escolar, mas em diversas outras esferas sociais, haja vista que argumentamos não apenas para cumprir objetivos escolares, uma vez que fazemos isso principalmente para agir diante de situações sociais conflituosas. Em segundo lugar, entendemos que a explicitação e a análise de categorias e princípios que subjazem desse processo podem contribuir para a reconfiguração de práticas que caracterizam o ensino-aprendizagem de argumentação na educação básica. Por último, enfatizamos as contribuições deste trabalho para as pesquisas na área dos Estudos de Letramento.

Isso posto, para melhor organizar nosso trabalho, dividimo-lo em cinco seções. Nestas considerações iniciais, apontamos a necessidade de ressignificação do ensino de LP destacando o ensino da argumentação numa perspectiva que compreende a leitura, a escrita e a oralidade como práticas sociais. Além disso, contextualizamos o tema, o objeto de estudo, os objetivos e os questionamentos que orientam nossa pesquisa, bem como a justificativa e a relevância deste empreendimento científico.

Na seção 2, apresentamos as bases teóricas do nosso trabalho e, para isso, resenhamos, inicialmente, o percurso histórico do ensino da LP no Brasil. Explicitamos concepções ligadas aos Estudos de Letramento, tais como práticas e eventos de letramento, e projetos de letramento. Expomos algumas considerações relativas às categorias que julgamos serem responsáveis pela ressignificação do ensino de argumentação via eventos de letramento. Para finalizar, apresentamos diferentes perspectivas teóricas da argumentação e considerações a respeito do ensino de argumentação.

Descrevemos, na seção 3, o contexto de pesquisa, a sua inserção no campo da Linguística Aplicada (LA), o contexto de ação, os instrumentos utilizados para geração dos dados a serem analisados, bem como o processo percorrido e o recorte selecionado para este trabalho.

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Na seção 4, referente às análises dos dados, apresentamos, primeiramente, a contextualização geral do projeto de letramento que desenvolvemos. Em seguida, delimitamos o nosso recorte – dois eventos de letramento, quais sejam: um debate regrado com vereadores e uma mesa-redonda com diferentes segmentos municipais. Na sequência, apresentamos os princípios que caracterizam o ensino de argumentação por meio dos supracitados eventos de letramento: problemática social situada; elementos visíveis dos eventos e não visíveis das práticas de letramento; agência social e agentes de letramento; rede de atividades/gêneros discursivos; contínuo leitura-escrita-oralidade. Por último, explicitamos o conjunto de habilidades ligadas à competência argumentativa que foi desenvolvido via eventos de letramento.

Na seção destinada às considerações finais, retomamos nossas questões de pesquisa de modo a sinalizar reflexões quanto aos resultados a que chegamos. Além disso, reafirmamos a viabilidade de ressignificar o ensino da argumentação via modelo didático dos projetos de letramento, haja vista as ações de leitura, de escrita e de oralidade que se articulam na constituição de eventos de letramento.

Por fim, listamos algumas referências consultadas, bem como apresentamos alguns apêndices e anexos.

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2 BASES TEÓRICAS

Nesta seção, apresentamos os aportes teóricos que fundamentam a nossa pesquisa. Sendo assim, levantamos posicionamentos quanto ao ensino de Língua Portuguesa no Brasil e conceitos relacionados à área dos Estudos de Letramento, tais como: práticas, eventos e projetos de letramento. Além disso, procuramos estabelecer uma relação entre o referido campo de estudos e a argumentação, mais especificamente entre os projetos de letramento e a ressignificação do ensino de argumentação. Por isso, explicitamos também reflexões sobre diferentes perspectivas teóricas da argumentação e ensino de argumentação.

2.1 Histórico da Língua Portuguesa no Brasil

A fim de compreender conceitos, metodologias e práticas pedagógicas ligadas ao ensino de LP no Brasil, necessário se faz entender o percurso histórico pelo qual passou essa disciplina no decorrer do tempo.

Esse ensino foi tardiamente inserido no currículo escolar. Sua inclusão teve como marco a reforma realizada pelo Marquês de Pombal, em 1759. A “Reforma Pombalina” instituiu a obrigatoriedade do ensino de português, que até então era utilizado apenas como língua para a alfabetização.

De acordo com Soares (2002), a partir de 1827 surgiram, nas escolas, as disciplinas Gramática e Retórica, as quais estavam sob os moldes do estudo de Latim. Dez anos mais tarde, em 1837, foi a vez das disciplinas Retórica e Poética, mais especificamente, no Colégio Pedro II. Com a instituição dessas disciplinas, a tríade para o ensino de LP foi formada: Retórica, Poética e Gramática, o que durou até o fim do Império. Somente a partir do final do século XIX é que a disciplina de português propriamente dita passou a existir.

Nesse contexto histórico, o interesse concentrava-se basicamente no ensino da apreciação estética, da escrita e da arte retórica, isto é, no ensino do “bem falar”. Esse era pautado na estrutura das obras literárias tidas como clássicas, as quais serviam de modelos a serem seguidos e guardavam os moldes de formação propostos pelos Jesuítas. A LP, dessa forma, era tratada de maneira instrumental – objeto de comparação das línguas clássicas e ponto de partida para o estudo delas (SOARES, 2002).

Ainda segundo Soares (2002), a manutenção da tradição estava atrelada ao fato de a escola continuar a servir apenas às classes abastadas da sociedade, e também à conjuntura social e cultural homogênea vigente. Nesse sentido, a escola servia, apenas, aos:

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[...] grupos social e economicamente privilegiados, únicos a ter acesso à escola, a quem continuavam a ser úteis e necessárias as mesmas aprendizagens, naturalmente adaptadas as características e exigências culturais que se foram progressivamente impondo às camadas favorecidas da sociedade (SOARES, 2002, p. 164-165).

A escola atendia, primordialmente, aos filhos da elite. Por isso, tinha o interesse em manter um ensino voltado à tradição clássica, o que incluía os aspectos culturais das camadas mais favorecidas da sociedade. Assim, organizava-se em torno daquilo que se mostrava como adequado e naturalizado pela classe dominante.

Quanto aos manuais didáticos utilizados até as quatro primeiras décadas do século XX por professores, estudiosos da língua e da literatura (que se dedicavam ao ensino), estes eram compostos por coletâneas de textos: florilégios, crestomatias, antologias e seletas. Vale destacar que esses manuais não continham lições, isto é, exercícios, tarefas, análises. Isso deixava a escolha e o preparo para todo o ensino sob a responsabilidade do professor (MARCUSCHI, 2002).

No período em que se estendeu da “Reforma Pombalina” até as primeiras décadas do século XX, o ensino de LP, pautado na Filologia Clássica, entendia a língua(gem) como um conjunto de normas e regras. Já a escrita era tida como um repositório cultural e também como um traço identitário da nação.

Desse modo, esse ensino tinha como função fundamental levar ao conhecimento, ou melhor, ao reconhecimento das normas e regras do dialeto padrão de prestígio. Isso implicava em um modelo voltado apenas para a gramática normativa, ou seja, um ensino sobre a língua, de modo a possibilitar o desenvolvimento das habilidades de ler e escrever (SOARES, 2002).

No que diz respeito aos primeiros cursos de formação de professores, no Brasil, que começaram a surgir nos anos de 1930, é válido destacar que eles estimularam os primeiros debates acerca de uma necessária reformulação do ensino de LP, porém sem grandes alterações, haja vista a manutenção da tradição. Destacamos, em coerência com Soares (2002), algumas pequenas e progressivas modificações, por exemplo, a ênfase dada a aprendizagem sobre o sistema da língua; e a substituição do falar bem pelo escrever bem, uma vez que a abastada burguesia brasileira estava cada vez mais preocupada com o valor do documento escrito.

Em síntese:

No processo de ensino e de aprendizagem na década de 1940, a língua era concebida como um conjunto de estruturas gramaticais, sem quase nenhuma

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preocupação com os usos que falantes – ouvintes e escritores – leitores faziam dessas estruturas. Havia uma concepção conservadora que entendia a língua como um sistema homogêneo. Para Faraco (2010), esse modelo hegemônico, o modelo lógico gramatical, expulsou do palco os atores e construiu uma língua sem falantes, uma vez que se manipularam incontáveis dados linguísticos, em especial em suas dimensões morfológica e fonético-fonológica.

A língua estava a serviço da representação do pensamento, uma vez que o foco da leitura e da produção escrita se centralizava no autor do texto, obedecendo as intenções por ele especificadas. As práticas de leitura e de produção escrita se voltavam para o autor e as intenções direcionadas para serem efetivadas em sala de aula (CORRÊA; LIRA, 2012, p. 9).

Como vemos, o processo de ensino-aprendizagem de LP priorizava os aspectos estruturais da língua, a qual era vista como algo homogêneo que poderia ser condensado por meio das regras da gramática normativa. Além disso, a leitura e a escrita cumpriam finalidades apenas enquanto habilidades individuais, não sendo efetivadas como práticas sociais. A concepção de língua(gem) que subjaz o trabalho com tais atividades é aquela comumente compreendida como expressão do pensamento, pois nela o texto é visto como produto lógico, a leitura como processo de codificação e a escrita como uma forma de composição que indica a estruturação do pensamento (TRAVAGLIA, 1996).

A partir de 1950, teve início o processo de reformulação do ensino de LP e é possível notar significativas mudanças. As modificações na conjuntura social e cultural decorrentes das reivindicações de direitos, como por exemplo, acesso à educação pública (pela classe trabalhadora) e o processo de democratização do ensino trouxeram a possibilidade de igualdade de acesso à educação, mas, por outro lado, provocaram efeitos desastrosos, principalmente a partir de 1960. Dentre os efeitos desastrosos, podemos citar: o fato de a escola não estar preparada para receber a grande demanda de alunos advindos das camadas sociais populares tampouco para lidar com a heterogeneidade cultural, social e linguística que tais alunos trariam para as salas de aula (SOARES, 2002).

Para atender as novas demandas foi necessário um recrutamento mais amplo e menos seletivo de professores, o que até hoje reflete na não valorização do trabalho docente. Surgem, nesse período, os LD, os quais organizavam as sequências de conteúdos a serem ministrados e traziam exercícios prontos para que o professor apenas cumprisse a função de segui-los e aplicá-los, tendo em vista o atendimento a um número maior de alunos.

De acordo com Soares (2002), o ensino de LP assumia, então, uma dupla função instrumental: (i) preparar os filhos da burguesia para dar continuidade aos estudos; e (ii) preparar os filhos do proletariado para o trabalho na indústria. Para atender a tais objetivos, a

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denominação Português ou Língua Portuguesa foi substituída por Comunicação e Expressão, nas quatro primeiras séries do 1º grau (atual ensino fundamental), e por Comunicação em

Língua Portuguesa, nas últimas séries desse nível de ensino. Nessa mesma época, o estudo de

Literatura Brasileira foi adicionado à Língua Portuguesa, no 2º grau (atual ensino médio). Em uma mesma disciplina e em um mesmo espaço, os materiais didáticos articulavam os estudos sobre a língua e os estudos da língua. Gramática e texto passam a ser relacionados: se estuda a gramática a partir do texto ou se estuda o texto como instrumento para o aprendizado de regras gramaticais (como ainda vemos em muitos contextos educacionais). Dessa forma, a visão de língua como sistema e como expressão do pensamento é ainda a que predomina, fazendo com que o ensino de língua materna seja pautado na análise das estruturas gramaticais e contrário à variação linguística não-culta.

Decorrente dessa visão de língua e de ensino, observa-se um modelo prescritivo no qual as atividades de escrita se fundamentam nos preceitos da gramática tradicional. Sendo assim, ganham destaque aspectos ligados à morfologia e à sintaxe, os quais são apreendidos por meio da reprodução de fórmulas textuais. A leitura, por sua vez, estava condicionada à busca pelas ideias do autor a partir dos textos lidos e se constituía como um exercício fonético-fonológico de captação dos pensamentos do autor. Tanto as atividades de leitura quanto as de escrita tratavam o aluno como um ser passivo (uma tábula rasa).

Até o final da década de 1960, nesse sentido, a língua(gem) era vista exclusivamente como um sistema. Para Soares (2002, p. 55),

[...] ensinar português era ensinar a conhecer/reconhecer o sistema linguístico, ou apresentando e fazendo aprender a gramática da língua ou usando textos para buscar neles estruturas linguísticas que eram submetidas à análise gramatical.

Isso significa que o ensino de LP tinha como meta levar os alunos a conhecerem a língua enquanto sistema, propondo análises de textos apenas sob o viés da gramática normativa.

No final da década de 1960 e no início da década de 1970, o ensino sofreu alterações radicais, as quais foram decorrentes da ideologia do regime militar (1964) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 5692/71). O que importava, nesse contexto, era o desenvolvimento nacional, por isso, tal ensino passou a ter como função desenvolver o uso da língua, assumindo, assim, uma postura pragmática e utilitária (SOARES, 2002).

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Devido à influência da Teoria da Comunicação, do Estruturalismo e do Transformacionalismo, a língua(gem) passou a ser compreendida como instrumento de comunicação. Nessa concepção, a língua “[...] é vista como um código, ou seja, um conjunto de signos que se combinam segundo regras e que é capaz de transmitir uma mensagem, informações de um emissor a um receptor [...]” (TRAVAGLIA, 1996, p. 22). Por limitar-se ao estudo do sistema linguístico, o homem é compreendido de modo desvinculado do seu contexto social.

Nesse interim, o interesse do ensino de LP concentra-se em:

[...] desenvolver e aperfeiçoar os comportamentos do aluno como emissor e recebedor de mensagens, através da utilização e compreensão de códigos diversos – verbais e não verbais. Ou seja, já não se trata mais de estudo sobre a língua ou de estudo da língua, mas do desenvolvimento do uso da língua (SOARES, 2002, p. 169).

Para alcançar esse objetivo – desenvolvimento do uso da língua – os alunos eram expostos a variados gêneros (verbais e não verbais) no intuito de poderem treinar a capacidade de codificação e decodificação de textos. Sendo assim, a escrita seguia os modelos padronizados e impostos em que predominava a prática da reprodução de exercícios mecânicos e repetitivos; e a leitura era uma atividade voltada para o desenvolvimento da habilidade de ler em voz alta (exercícios de oralização) e para que fosse possível decodificar as informações veiculadas em determinado texto.

Em 1980, as denominações Comunicação e Expressão e Comunicação em Língua

Portuguesa foram extintas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Com isso, foi

possível recuperar a terminologia Português ou Língua Portuguesa. Nesse período, teve início mais um processo de ressignificação do ensino de língua materna a partir de pesquisas advindas de diferentes áreas, tais como: da Linguística, da Sociolinguística, da Psicolinguística, da Linguística Textual, da Pragmática, da Análise do Discurso e, de modo especial, da Linguística Aplicada (SOARES, 2002).

Uma das mudanças mais significativas que decorreu dessa tentativa de ressignificação foi a concepção de língua(gem) como processo de enunciação e de interação humana (BAKHTIN; VOLOSHINOV [1929] 2003). Além disso, outro ponto que merece destaque é que o texto passa a ser tomado como objeto de ensino nas aulas de LP não apenas para a realização de análises linguísticas e gramaticais, mas como objeto concreto de interação. A

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partir dessas alterações, a leitura e a escrita passaram a ser entendidas como práticas sociais, e o texto como uma forma de agir no (e sobre) o mundo.

O sentido emerge, desse modo, de uma relação dialógica entre autor-texto-leitor levando-se em consideração o contexto social, cultural e histórico no qual a situação interativa acontece. O aluno passa a ser visto como um sujeito ativo e o estudo da gramática passa a considerar a língua (escrita ou falada) em função do trabalho com o texto. Porém, mesmo com essas significativas alterações, o impacto nos cursos de formação de professores e nas salas de aula (em sua maioria) foi mínimo, haja vista a manutenção da tradição gramatical normativa.

Na década de 1990, observa-se uma intensificação das pesquisas sobre o ensino de LP. Preocupadas tanto com a formação dos professores como com a ressignificação dos objetivos do ensino de LP, essas pesquisas apontavam para uma necessidade de pensar em algo que fosse coerente à realidade dos alunos e que os levassem a agir de modo reflexivo e crítico diante das diferentes demandas sociais que se lhes impusessem.

Destaca-se, nesse sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1997), cuja principal finalidade foi traçar caminhos para uma mudança qualitativa no processo de ensino-aprendizagem. Essa mudança estava assentada no interesse em propor uma sistematização do ensino da escrita, orientada pela leitura e produção de textos com real circulação social (os gêneros discursivos).

Vale ressaltar, em diálogo com orientações curriculares anteriores, o que propõe a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2017) com relação ao ensino de LP. Para esse documento recentemente homologado visando orientar o ensino no país em seus diferentes níveis e modalidades, e em permanente discussão, a linguagem é entendida como um processo de comunicação por meio do qual as pessoas interagem.

Nesse sentido, parte de uma perspectiva enunciativa-discursiva em que o texto é tomado como unidade central de trabalho, haja vista o interesse em desenvolver habilidades em torno dos eixos de leitura, escrita, oralidade e análise linguística. Tais habilidades, por sua vez, são compreendidas como as práticas cognitivas e socioambientais em que atitudes e valores são mobilizados para a resolução de demandas sociais e cotidianas que, em conjunto com a articulação de conhecimentos (conceitos e procedimentos), organiza uma série de competências, como por exemplo, aquelas ligadas à argumentação enquanto prática social (BRASIL, 2017).

O objetivo principal desse documento é, a princípio, garantir a todos os alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários à participação social e ao exercício da cidadania. Sendo assim, na área de LP, esse documento mostra-se preocupado em associar língua e

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sociedade, levando em conta a possibilidade de os alunos agirem socialmente por meio de diferentes linguagens (verbal, não verbal, multimodal).

De acordo com as orientações por ele propostas, “[...] ao componente de língua portuguesa cabe, então, proporcionar experiências aos estudantes de modo a contribuir para a ampliação dos letramentos [...]” (BRASIL, 2017, p. 63). Isso indica o interesse em levar os discentes a participarem, de modo crítico e significativo, de diferentes práticas sociais permeadas por atividades de leitura, escrita e oralidade.

Para tanto, organiza-se em torno de campos de atuação (campo artístico e literário, campo das práticas de estudo e pesquisa, campo jornalístico-midiático e campo de atuação na vida pública) que estão relacionados com a seleção dos gêneros, das atividades e dos procedimentos que devem ser priorizados, tendo em vista o interesse em desenvolver um conjunto de habilidades e, consequentemente, de competências.

Entremeada a essas pesquisas, uma área de estudos que tem contribuído para a ressignificação do ensino de LP é também a dos Estudos de Letramento (KLEIMAN, 1995). Nessa área, a leitura e a escrita são compreendidas como práticas sociais por meio das quais os sujeitos agem diante de diferentes situações interacionais. Não se aprende a ler e a escrever apenas para demonstrar a um professor o domínio de habilidades linguísticas individuais, mas para responder a demandas específicas da sociedade mais ampla, isto é, para agir, por meio da tecnologia da escrita, diante de problemas de ordem social, por exemplo. Os textos, dessa forma, são ações sociais (BAZERMAN, 2011) e a língua(gem) corresponde a um processo dialógico que visa a interação.

Com a pretensão de ressignificar o ensino de argumentação, cabe-nos destacar as contribuições dos Estudos de Letramento e suas relações com tal ensino.

2.2 Estudos de Letramento

Há uma vasta gama de pesquisas em torno da escrita. Diferentes áreas do conhecimento, como por exemplo, a Filologia, a Psicologia, a Pedagogia, a Linguística e a Linguística Aplicada, têm se ocupado de estudar a escrita a partir de diversas perspectivas. No entanto, um desafio importante para os pesquisadores brasileiros é compreender a escrita não apenas do ponto de vista linguístico ou psicolinguístico, mas do ponto de vista histórico, cultural, ideológico, ou seja, compreender a escrita como prática social.

Com esse intuito, destaca-se, no campo dos estudos linguísticos contemporâneos, mais especificamente aqueles relacionados à Linguística Aplicada, a área dos Estudos de

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Letramento. Nessa área conceitual, estudiosos como Street ([1995] 2014) e Kleiman (1995) propõem a compreensão da escrita como prática social. É válido destacar que o conceito de letramento começou a ser usado de modo distinto ao que se entendia nos estudos sobre alfabetização no sentido escolar ligado às competências individuais de uso e da prática da escrita e que esse termo foi traduzido primeiramente por Kato (1986).

A perspectiva social dos Estudos de Letramento parte do princípio de que os sujeitos sociais estão inseridos em diferentes práticas ideológicas, culturais e de poder, que são determinantes para a organização das diversas práticas de letramento, isto é, não deve se prender a questões relativas à medição de capacidades cognitivas individuais, tais como: “graus de letramento” e “níveis de letramento”.

Pensar no desenvolvimento de práticas de leitura, de escrita e de oralidade que sejam significativas para alunos e professores no contexto de língua materna, especificamente no que diz respeito ao ensino de argumentação, é estar disposto a compreender tais práticas do ponto de vista social. Com isso, é necessário ainda estar disposto a promover a substituição de exercícios mecânicos e repetitivos por ações sociais concretas, o que demonstra uma relação coerente entre a área dos Estudos de Letramento e da argumentação.

Entender a escrita, em conjunto com a leitura e a oralidade, como elemento essencial para a participação em diferentes práticas letradas, incluindo aquelas ligadas à argumentação, implica, dessa forma, uma possibilidade de ressignificação do ensino de língua materna. O modelo tradicional de ensino centrado em práticas artificiais, tais como: a produção textual que tem como interlocutor apenas o professor e a cópia de exercícios linguísticos ligados apenas a aspectos gramaticais não é suficiente para levar o aprendiz a ser autônomo no uso social da leitura, da escrita e da oralidade.

De acordo com Kleiman (1995), o conceito de letramento é uma tentativa de explicar o impacto social da escrita em diferentes esferas de atividade humana, não estando limitado às atividades escolares. A referida autora compreende esse conceito como um conjunto de práticas sociais em que a escrita representa uma tecnologia por meio da qual se é possível atingir objetivos específicos em contextos determinados.

Neste trabalho, com o objetivo de explicitar o que entendemos por letramento, apontamos também, de acordo com Kleiman (2005), o que ele não é: (i) método; (ii) alfabetização; (iii) habilidade.

O letramento não é um método por não existir uma maneira preconcebida como a mais pertinente para inserir os alunos em práticas de escrita, pois isso varia em decorrência do contexto social e dos interesses do ensino. Ele procura explicar o impacto social da leitura e

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da escrita a partir de diferentes práticas de letramento, não se constituindo como uma alternativa metodológica para orientar ações organizadas em torno da fala ou do código escrito.

É certo que o letramento compreende o aprendizado do código escrito, porém não está limitado a isso. Nesse sentido, alfabetização e letramento não devem ser vistos como

sinônimos, mas também não devem ser vistos de modo desassociado. Ele inclui a alfabetização como uma prática de letramento que apresenta características específicas,

como por exemplo, o domínio do código linguístico.

O letramento também não é uma habilidade, embora envolva um conjunto de habilidades e de competências. Em síntese,

[...] o letramento é complexo, envolvendo muito mais do que uma habilidade (ou conjunto de habilidades) ou uma competência do sujeito que lê. Envolve múltiplas capacidades e conhecimentos para mobilizar essas capacidades, muitas das quais não têm necessariamente relação com a leitura (KLEIMAN, 2005, p. 18).

Dessa forma, ser letrado implica uma participação efetiva em diferentes práticas sociais chamadas de letradas, o que não quer dizer que, necessariamente, isso seja uma condição apenas daqueles que sabem ler ou escrever, isto é, que sejam alfabetizados.

Assim, compreendemos o letramento não apenas como um conjunto de habilidades cognitivas e linguísticas ligadas às competências individuais dos sujeitos, mas como um conceito que entende a escrita como uma tecnologia por meio da qual podemos agir em diferentes práticas sociais amplas. A essa ideia, somamos ainda as práticas da leitura e da oralidade, uma vez que entendemos haver uma relação de contínuo entre elas e a escrita.

Ao entendermos o letramento a partir de uma perspectiva social, podemos afirmar que “[...] o fenômeno do letramento, então, extrapola o mundo da escrita tal qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam de introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita” (KLEIMAN, 1995, p. 20). Isso sugere que não existe um modelo homogêneo de letramento e que o letramento escolar que, muitas vezes limita as atividades de leitura, de escrita e de oralidade a meros exercícios de cópias e de simulações direcionados a interlocutores virtuais ou apenas ao professor, não é a única chance de se introduzir os sujeitos no mundo letrado. Antes de entrar na escola os seres sociais encontram-se imersos em várias situações significativas dessa natureza.

É oportuno destacar que o objeto de ensino, de aprendizagem ou de reflexão do letramento é a compreensão dos aspectos sociais da linguagem (KLEIMAN, 2007). Assumir

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essa compreensão nas aulas de LP requer a adoção de uma concepção social de leitura, escrita e oralidade em oposição a uma concepção tradicional.

Dessa forma, o questionamento que deve mover o planejamento da prática de ensino-aprendizagem é: o que é significativo para os alunos e para sua comunidade? Para isso, nesse contexto, é necessário ter como ponto de partida a bagagem cultural diversificada dos alunos, levando em consideração que esses sujeitos participam de variadas práticas letradas antes mesmo de adentrarem no ambiente escolar.

Observamos que as práticas escolares voltadas ao ensino da escrita, em sua maioria, ainda se encontram amarradas a uma perspectiva tradicional em que a demonstração de capacidades individuais se mostra como a principal preocupação. Porém,

[...] uma atividade que envolve o uso da língua escrita (um evento de letramento) não se diferencia de outras atividades da vida social: é uma atividade cooperativa, por que envolve vários participantes, com diferentes saberes, que são mobilizados segundo interesses, intenções e objetivos individuais e metas comuns (KLEIMAN, 2007, p. 2).

Segundo a autora supracitada, as atividades que se alicerçam no uso da escrita, tais como os eventos de letramento, se assemelham às demais atividades sociais, porque nelas os sujeitos agem de modo cooperativo, mobilizando saberes, interesses, intenções, objetivos e metas comuns.

Os Estudos de Letramento asseveram que a leitura e a escrita são práticas discursivas que possuem múltiplas funções, tendo em vista a diversidade contextual em que estão inseridas. Assumir um trabalho pedagógico partindo desse pressuposto implica uma ressignificação do ensino de língua materna, de modo geral, e do ensino da argumentação, especificamente. Um currículo organizado segundo essa concepção social de letramento leva em conta os seguintes aspectos: o princípio estruturante é a prática social; o ponto de partida é a realidade local; a dinamicidade e a flexibilidade dos conteúdos organizam-se para orientar o trabalho docente/discente.

Além de um redesenho curricular, a ressignificação desse ensino leva em conta a heterogeneidade da sala de aula e a necessidade de um trabalho colaborativo em que alunos e professores tornam-se parceiros de aprendizagem, haja vista a relação horizontal que se estabelece entre eles. Para isso, o professor precisa passar por uma redefinição da sua prática profissional, pois ele passa a atuar como participante mais experiente para organizar sua prática de ensino a favor dos interesses sociais envoltos em sua práxis. Com isso, ele deixa de ocupar o centro orientador do ensino-aprendizagem dando espaço para a construção coletiva e

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colaborativa do conhecimento. O aluno, por sua vez, não ocupa apenas a posição de aprendente, ele também ensina a partir do lugar familiar, social e cultural que ocupa.

Outro ponto que está associado à ressignificação do ensino de língua materna a partir dos pressupostos do letramento é a relação entre escrita e oralidade, uma vez que essas práticas deixam de ser vistas como um par dicotômico para serem compreendidas em uma relação de complementaridade, ou seja, de contínuo.

Por fim, cabe-nos destacar o interesse em contribuir para a igualdade e para a inclusão, já que por trás das práticas sociais há uma série de interesses políticos, o que não é diferente daquelas que estão ligadas ao contexto escolar, principalmente as atividades de leitura, escrita e oralidade.

Os projetos de letramento (KLEIMAN, 2000) têm se mostrado eficazes na tentativa de ressignificar o ensino da argumentação, conforme caracterizaremos na seção a seguir.

2.2.1 Projeto de letramento: historicidade

O termo “projeto”, historicamente, se associa à ideia de pensar em uma “educação para a vida”. Isso tem sido amplamente discutido no Brasil, principalmente a partir da década de 1990, com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1997). Esse modelo de educação fundamenta-se no princípio da interdisciplinaridade e tem como ponto de partida os interesses e experiências dos estudantes. Nesse sentido, propõe aproximar diferentes áreas de conhecimento, tendo em vista o processo de ensino-aprendizagem, levando em conta os conhecimentos prévios e os referenciais dos alunos.

É válido destacar, contudo, que desde a primeira década do século XX já se podia observar um interesse em investir em uma metodologia que entendesse o conhecimento como algo relacionado à experiência vivencial dos sujeitos e que visse a educação como uma ação coletiva. Essa metodologia foi viabilizada por meio de uma pedagogia de projetos, e esse pensamento foi defendido, por exemplo, pelo filósofo Dewey ([1916], 1956), representante do pragmatismo norte-americano e também fomentador das ideias da Escola Nova.

Para ele, os projetos são vistos como propostas pedagógicas que apontam para o futuro, isto é, propostas que indicam a possibilidade de uma abertura para o novo por meio

de ações projetadas, em que o ponto de partida é o interesse em modificar ou transformar uma situação problemática. Sendo assim, considera a importância do significado da experiência humana para o processo de ensino-aprendizagem buscando minimizar a distância entre a educação e a realidade do discente, bem como a necessidade de uma constante reflexão por

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parte dos docentes no sentido de avaliar suas práticas e, possivelmente, reconfigurá-las. Trata-se, desse modo, de uma metodologia que prioriza a ideia de conhecimento dirigido para a experiência e a educação como uma ação coletiva (DEWEY, [1916] 1956).

Seguindo a linha de pesquisas de Dewey, Kilpatrick (1918), pedagogo norte-americano, sistematizou em sala de aula o método de projetos. Esse estudioso focaliza os modos do ‘como se pode fazer’ em educação, ou seja, as possibilidades de como desenvolver ações educativas que possam favorecer um processo de ensino-aprendizagem que associe vida e escola. Para ele, o método de projetos decorre de um problema real advindo do cotidiano dos estudantes.

As considerações apontadas por esses pesquisadores orientam para a ideia de se

compreender o uso de projetos em sala de aula como um método que possa favorecer a aprendizagem significativa pautada em princípios democráticos. Porém, a prática

pedagógica com projetos suscita algumas dúvidas. Dentre elas, ganha destaque a questão terminológica.

Embora as distintas nomenclaturas estejam relacionadas a interesses na área das pesquisas em educação, as diferentes adjetivações, como por exemplo, projeto de trabalho (HERNÁNDEZ, 1998), projeto de letramento (KLEIMAN, 2000), projeto didático de gênero (GUIMARÃES; KERSCH, 2014), dentre outras, estão condicionadas às especificidades da área de conhecimento que, teoricamente, as embasam, bem como ao contexto sócio-histórico no qual elas se inserem.

As especificidades atreladas a cada adjetivação também estão condicionadas as diferentes esferas em que cada projeto se desenvolve e aos objetivos que se pretende alcançar. No intuito de nos associarmos a ideia de projetos de letramento, uma vez que consideramos suas particularidades, destacamos, inicialmente, o que pode ser entendido por projeto de trabalho e por Projeto Didático de Gênero (PDG), haja vista suas influências no cenário educacional brasileiro.

O projeto de trabalho, disseminado pelas ideias do educador espanhol Hernández (1998), apresenta uma relação de contemporaneidade às sugestões advindas dos PCN (BRASIL, 1997). Para Hernández (1998, p. 22), trabalhar com projetos implica “[...] aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a compreender o outro”. Isso significa estar disposto a trabalhar de modo colaborativo e ativo no sentido de construir uma aprendizagem significativa. Além disso, essa ideia parte do pressuposto de que o processo de ensino-aprendizagem não deve ser compreendido como um processo de transmissão de

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conhecimentos de um sujeito (professor) para outro (aluno). A aprendizagem se constrói por meio da ação conjunta realizada por diferentes sujeitos.

Essa ideia de projeto representa, pois, uma proposta transgressora, a qual se mostra contrária à perspectiva disciplinar, fragmentada e conteudista da escola tradicional. Desse modo, parte de uma concepção política e educativa que requer o estabelecimento de um currículo integrado, o qual é interdisciplinar e parte de temas e de problemas que sejam coerentes aos interesses de alunos e de professores. Com isso, há o estímulo de ações coletivas e colaborativas em que discentes e docentes constroem juntos conhecimentos e saberes.

O PDG, proposto por Guimarães; Kersch (2014, p. 28), por sua vez, é um:

[...] conjunto de atividades organizadas com um ou dois gêneros em um dado espaço de tempo (um bimestre, por exemplo), a partir de demanda ou temática trazida pelos alunos ou professora, sempre com a preocupação de relacionar a proposta a uma dada prática social e de fazer circular o gênero com que se trabalhou para além da sala de aula.

Como vemos, o PDG mostra-se preocupado com a didatização de gêneros e parte de uma demanda ou temática que é trazida para a sala de aula por professores ou alunos. Ao ser definida a temática, os gêneros são também definidos e trabalhados em sala. Contudo, há um interesse em relacionar a proposta de ensino à prática social, uma vez que ele pode circular para além da sala de aula.

Guardadas as diferenças e as semelhanças entre esses projetos, apontamos o que Kleiman (2000, p. 238) entende, conceitualmente, por projeto de letramento:

[...] um conjunto de atividades que se origina de um interesse real dos alunos e cuja realização envolve o uso da escrita, isto é, a leitura de textos que, de fato, circulam na sociedade e a produção de textos que serão lidos, em um trabalho coletivo de alunos e professor, cada um segundo sua capacidade. O projeto de letramento é uma prática social em que a escrita é utilizada para atingir algum outro fim, que vai além da mera aprendizagem da escrita (a aprendizagem dos aspectos formais apenas), transformando objetivos circulares como “escrever para aprender a escrever” e “ler para aprender a ler” em ler e escrever para compreender e aprender aquilo que for relevante para o desenvolvimento e a realização do projeto.

Partindo desse conceito, podemos afirmar que o trabalho com esses projetos em sala de aula não parte de um tema pré-definido, mas de um problema que interessa a alunos e professores. A escrita passa a ser vista como uma tecnologia por meio da qual se torna possível buscar soluções/ações paleativas para um problema, por isso ela é compreendida

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