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EFICÁCIA DA SENTENÇA ESTRANGEIRA

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Academic year: 2021

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Eficácia da Sentença Estrangeira

OSIRIS ROCHA

Professor T itular de Direito Internacional Privado da Faculdade de Direito da UFMG

SUMARIO: 1. Vida Internacional e Auto-nomia das Jurisdições — 2. Sentença Estrangeira e D ireito Local — 3 . Desencontros Doutri-nários — 4. Causa da E ficácia. Razões Inter-nacionais — 5. Necessidade de N ova Ação e Reciprocidade — 6. Sistem as Principais de Vali-dação — 7. Situação na Legislação Positiva Atual — 8. O Posicionamento Realístico; 8.1. E fi-cácia e E xistência de Judiciários Estrangeiros; 8 .2 . E ficácia e Reciprocidade; 8 .3 . Eficácia e R eexam e do Mérito; 8 .4 . O Sistem a de Deli- baçáo; 8 .5 . O Exercício da Atividade Judicial E strangeira — 9. Conclusão.

1. VIDA INTERNACIONAL E AUTONOMIA DAS JURISDIÇÕES

A vida internacional se caracteriza, do ponto de vista jurídico, pela existência de jurisdições autônomas e que, entre nós, por exemplo, Amílcar de Castro colocava como “pedra angular” do Direito Internacional Privado.1 Essa autonomia é, aliás, amplíssima, conceitualmente, porque cada jurisdição não só elabora seu próprio direito, por órgãos autóctones, como também nele coloca o conteúdo que lhe convenha.

1. CASTRO, A m ílcar de. “Direito Internacional Privado", Forense Rio, 3* edição, 1977, p á g . 51.

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2. SENTENÇA ESTRANGEIRA E DIREITO LOCAL

E, na verdade, apesar de já seculares esforços no sentido de superar a lógica desapiedada do dogma da soberania (para usar a expressão de Hessel Yntema),2 o certo é que a auto-nomia das jurisdições é fato da maior realidade, a provocar conseqüências aparentemente impróprias, como a da exigência de que às sentenças estrangeiras se atribuam efeitos de acordo com o direito local e não por sua própria força.

3. DESENCONTROS DOUTRINÁRIOS

Muitos desencontros doutrinários, aliás, têm correspon-dido às divergências sobre a matéria, com uma corrente defendendo a necessidade internacional de validade das sen-tenças e outra salientando a realidade já anotada de que cada jurisdição é independente. E, nesta corrente, os extremos da antiga posição anglo-americana, a exigir do interessado que obtenha nova sentença no país onde pretenda válido aquele direito que já lhe fora reconhecido em outro país.

Anotam Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho,3 a propósito: — “É certo que, durante um longo período histórico, foi repelida qualquer influência, eficácia jurídica e força executiva de uma sentença, fora do território do país onde tenha sido proferida”, posição inteiramente acorde com a idéia de Huber, aceita por Story de que “o direito de cada Estado reina nos limites de seu território e rege a todos os seus súditos, mas além não tem nenhuma força” .4 A expli-cação podia ser encontrada, em parte, na argumentação de 2. CAPPELLETTI, Mauro. “Las sentencias y las Norm as Extran- jeras en el Proceso Civil” . Trad. de S. Sentis MELENDO. Ediciones Jurídicas Europa-America, Buenos Aires, 1968, pág. 19.

3. ESPÍNOLA e ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. “Tratado de Direito Civil Brasileiro”, vol. III; “Do Direito Internacional Privado B rasileiro”, 3V tomo, ed. F reitas Bastos, Rio, 1943, pág. 1640.

4. Cf r. ROCHA, Osiris. “Curso de Direito Internacional Privado”, 3» ed ., São Paulo, Saraiva, 1975, pág. 87.

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Cavaglieri:5 — “La gelosia delle proprie prerrogative, le riva- lità politiche cogli altri Stati, Tesagerato concetto di protezione dei propri citadini contro temute ingiustizie da parte degli organi giurisdizionali stranieri, lo scarso sviluppo delle rela- zioni internazionali, che non rendeva troppo gravoso il mancato riconoscimento delle sentenze straniere: queste ed altre ragioni contribuivano a negare ogni valore a tali sentenze ed a conce- pire Tamniinistrazione delia giustizia con critério di esclusi- vismo territoriale” .

E parece indispensável que o estudo da questão venha, como o sugerira Santiago Sentis Melendo,6 com a distinção entre a m atéria internacional e a processual, relativa ao tema, naquela colocada a discussão do por que se dá valor às sen-tenças estrangeiras e nessa o como se dá esse valor.

4. CAUSA DA EFICÁCIA. RAZÕES INTERNACIONAIS A eficácia da decisão estrangeira, por conseqüência, objeto do estudo que agora se delinea, corresponde ao estudo da causa segundo a qual se atribui valor àquilo que foi deli-berado pelo juiz estrangeiro.7

E aqui, a prim eira posição é a daqueles que se fixam em torno do conceito de que há uma obrigação de ordem internacional. E Sentis Melendo8 diz: — “Se da valor dentro dei territorio nacional a una sentencia extranjera, o se procede a su ejecución, porque se entiende que a ello obliga la coexis- tencia de los Estados, o, al menos, que ello os conveniente en virtud de la misma” .

5. CAVAGLIERI apud ESPINOLA e ESP1NOLA FILHO, Eduardo. Op. c it ., p á g . 1640.

6. MELENDO, Santiago S entis. “La sentencia Extranjera” . EJEA, Buenos Aires, 1958, p á g s. 29/30.

7. A parte processual, relativa ao modo dessa atribuição fará objeto do verbete sobre “Hom ologação de sentenças estrangeiras” .

8. MELENDO, Santiago S en tis. Op. c it ., pág. 30. 9. PILLET apud MELENDO. Op. cit., pág. 31.

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Esse sentido de obrigação tem sido exagerado. Assim, Pillet9 chegou a sustentar a tese de que quando os magistrados de um país dão ordem para executar uma sentença estrangeira se estão transformando em servidores daquele que a emitiu. E Lainé chegou a repensar a cortesia para dizer que ela deve ser substituída, estritamente, pelo conceito de dever. 10 Entre nós o prof. Haroldo Valladão afirma que, a propósito, se está diante de “um imperativo jurídico da convivência internacional”,11 com origem na suposição, que veio de Savigny, da existência de uma comunidade jurídica internacional.

5. NECESSIDADE DE NOVA AÇÃO E RECIPROCIDADE Em lado oposto, surgem os partidários da opinião de que a sentença estrangeira é um mero fato exigindo, para o reconhe-cimento do direito que afirma, a necessidade de que nova ação se proponha, no âmbito da jurisdição onde tal se pretenda, tal como esclarecido por Haroldo Valladão12 nos seguintes termos: — “Nas diversas legislações do século XIX vai-se do radicalismo de negar todo e qualquer efeito, exigindo nova demanda, Holanda, CPC, 431, Suécia, Noruega (Olivecrona, in Clunet, 1880, 80), à exigência dum novo exame de forma e fundo, França, (predominante), Portugal, Ref. Judie. 1841, art. 44, 5, Rússia, Orden. 1827; depois, generalizada, a reci-procidade diplomática ou de fato que dispensaria tal revisão ampla, Estados alemães, Suíça, Estados Pontifícios, Sardenha, Dinamarca (apud Foelix, ns. 326 e ss.)” .

6. SISTEMAS PRINCIPAIS DE VALIDAÇÃO

Segundo o ensinamento de Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho,13 em consonância com o ponto doutrinário

10. PILLET apud MELENDO. Op. cit., pág. 31.

11. VALLADAO, Haroldo. “Direito Internacional Privado”, vol. III, Freitas Bastos, Rio, 1978, pág. 181.

12. VALLADAO, Haroldo. Op. c it., pág. 182.

13. ESPÍNOLA e ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Op cit pág 1641/1643.

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de partida, estabeleceram-se quatro sistemas, a propósito: a) o dos países, como a França, a Bélgica e a Holanda, que exigem novo processo e nova decisão; b) “no segundo se coloca o denominado sistema anglo-americano, que consiste em considerar a sentença estrangeira como base, documento ou elemento de prova, ou, segundo diz Morelli, “costituisce a favore delTattore e fino a prova contraria, la prova scritta dei diritto” ; c) o da reciprocidade, como na Alemanha; d) por último, aquele que fixa como necessária apenas a delibação ou seja, a exigência de simples exame de requisitos externos, da lei local, sem exame do m érito.14

Na atualidade, o prof. Haroldo Valladão, com pessimismo ( “O direito interno, comparado, atual, acerca da eficácia das decisões estrangeiras, não fez grandes progressos”)™ observa que “Na Europa persistem em quase todos os países os princí-pios do século XIX, ultrapassados, demonstrativos do alto grau de desconfiança mútua que existe nos respectivos Estados” .16

E aqui a causa da negativa tem origem política bem explícita: é que à sentença estrangeira, como produto de um poder Judiciário estrangeiro, ou, tecnicamente, ainda mais restrito, como “produto da jurisdição” que “emana da sobe-rania”, com “efeitos limitados dentro do território em que a soberania se exerce”, conforme Sentis Melendo e Hugo Alsina,17 não se pode atribuir o mesmo valor que à sentença local, porque, no pensamento de Batiffol,18 a soberania local “s’oppoBe au moins à ce que les décisions d’un juge étranger aient de plein droit force exécutoire”.

14. E ste é o atual sistem a brasileiro, CPC, art. 483 e seu parágrafo único; R egim ento Interno do STF, artigos 210/212; CPP, arts. 787 e s s .; L. Introd., art. 15.

15. VALLADAO, Haroldo. Op. c it., p ág. 184. 16. VALLADAO, Haroldo. Op. c it., pág. 184.

17. A LSINA , H ugo cfr. M ELENDO. Op. c it ., pág. 39. 18. BATIFFOL, H enri. “Droit International Privé”, 5 éme ed. Paris, Tomo n , Librairie Générale de Droit et Jurisprudence, 1971, pág. 413.

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Ora, conforme é evidente, colocada a questão nestes termos, a concessão de cxeq u a tu r, em tais hipóteses, ou vai depender da reciprocidade ou da existência de tratados ou do enten-dimento genérico, que já fora salientado, na Inglaterra, por Martin Wolff,19 de que há razões de ordem judicial ou de idéias de valor social, ou ambas, conforme o pensamento de H .E . Read, por ele citado, determinantes da tese principal, a propósito, de que as sentenças estrangeiras devam ser reco-nhecidas porque isto é o que representa a justiça.20

7. SITUAÇÃO NA POSIÇÃO LEGISLATIVA ATUAL

Segundo observa Agustinho Fernandes Dias da Silva,21 “Ainda não chegou o dia em que os Estados reconheceriam tacitamente as decisões uns dos outros” . Aliás, pessimis-tamente, também, completa: — “quando isso sucedesse, haveria tão grande entrelaçamento de soberanias, anulando-se recipro-camente, que poderíamos dizer termos chegado a uma anarquia completa ou ao Estado universal” .22

Legislativamente, o levantamento mais atualizado a propó-sito, entre nós, é, sem dúvida, o que está é do prof. Haroldo Valladão.23

Segundo ele, “na Holanda, nenhuma sentença estrangeira poderá ser executada sem tratado, CPC, art. 431, c i t . ; Finlân-dia, idem; na Noruega, só com tratado, L. Proc. 1915, Sec. 167; idem, Bases do Proc. Civ. União Soviética e Un. Repú-blicas, 1962, art. 63; idem CPC Rússia Soviética, 1964, Sect. 437” .24

19. WOLFF, Martin. “Derecho Internacional Privado” . Trad. de LOPEZ, Antonio Marin, ed. Bosch, Barcelona, 1958, pág. 239.

20. WOLFF, Martin. Op. c it., pág. 239. 21. SILVA, Agustinho F . Dias da. “Direito Processual Interna-cional”, Rio de Janeiro, 1971, pág. 98.

22. SILVA, Agustinho F . D ias da. Op. c it., pág. 98.

23. VALLADAO, Haroldo. Op. c it., págs. 182/189. 24. VALLADAO, Haroldo. Op. c it., pág. 184.

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E prossegue: — “A exigência da reciprocidade continua generalizada: Alemanha, § 328, CPC, 1877; Ãustria, art. 79 da Execut. Ord., 1896; Espanha, acorde com seu tradicional DIP da reciprocidade, na antiga, 1855, e na posterior, ainda vigente, a rt. 853, Ley de Enjuiciamiento Civ., a rt. 953, cit., 1881; Dinamarca, Lei Proc. 1963 e 1969, Seções 223 a e 479; Tcheco-Eslováquia, Lei DIP e Proc. Civ., art. 64, “d” (igual ao texto alem ão); Iugoslávia, L. Introd., CP, 1956, art. 17, 4; Polônia, CPC, 1964, a r ts . 1145 e s s .; Turquia, CPC, 590, I; Hungria, Lei Reconhecim. Julg. estrang., a rt. 209, “b”

(§ l 9), Irã. N a Suíça a m atéria é de direito cantonal e, na grande maioria dos Cantões, o Código exige a reciprocidade,,.26

Informa, ainda, que a Bélgica substituiu a reciprocidade pela revisão no mérito e que a Itália tem o “giudizio di delibazione”, cuja ação, porém, foi restringida nas leis de 1919 e 1925, com possibilidade de revisão no mérito preconizada nos arts. 796/798 do Código de Processo Civil de 1940.26

Aponta um acórdão na França (caso Munzer, Clunet, 1964, 302 e Revue, 1964, 344) que teria abandonado o seu tradicional sistema de ampla revisão da decisão estrangeira, formal e de mérito, sem abandonar, porém, o ponto de vista de que o juiz francês deve verificar se o juiz estrangeiro aplicou o direito internacional privado francês.27

Em Portugal essa possibilidade revisora integral é direito desde o Código de 1876 e persiste no atual, de 1961, artigos 1094/1096. Só na Grécia, diz, se estabelece um “reconhe-cimento facilitado, CPC, 1967, arts. 965, 2, 966 c / 399, 2-5 e 967 c / 964, sem quaisquer reciprocidade ou revisão de fundo.28

“Na Grã-Bretanha a Lei de 1933 (Reciprocai Enforcement), Sects. 1 e 4, admitiu os julgamentos obtidos no estrangeiro, havendo substancial reciprocidade de tratamento, mas

atual-25. VALLADAO, Haroldo. Op. c it ., pág. 184.

26. VALLADAO, H aroldo. Op. c it., p ágs. 182/184. 27. VALLADAO, Haroldo. Op. c it., p ág. 184.

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mente basta que ele seja “conclusive” e não seja proveniente de fraude, contrária à ordem pública inglesa ou às idéias inglesas de direito natural” .29

No Oriente Médio, “Israel exige, ainda, a reciprocidade, Lei Reconhecim., 1958, Sec. 5, “a” e, no Líbano, excep-cionalmente, estabelecida a revisão de mérito se o país da sentença exige tal revisão para as sentenças libanesas. No Japão, o CPC, inspirado da doutrina alemã, acolheu no art. 515 c / 200,1, o requisito da “garantia da reciprocidade” .30

Nos EE.U U . há normas do Restatement, §§ 98 e no Canadá inglês “a lei de 1933 foi emendada por outra de 1967 permitindo execução direta da sentença estrangeira, ao lado do sistema tradicional de ser ela apenas uma causa inde-pendente de ação; em Quebec prevalece a necessidade de nova ação ali, CPC, 210 (ant. 178) em que podem ser apresentadas todas as defesas da ação original, o que é, em verdade, o sistema da revisão de mérito.31

A predominância, na América Latina, é dos países, como o Brasil, que dispensam reciprocidade e revisão de mérito: Argentina, Paraguai, Bolívia, Equador, Costa Rica, El Sal-vador. No Uruguai, no Chile, no Perú, na Colômbia e no Panamá ficou mantida, porém, a reciprocidade, tal como veio a ocorrer na Venezuela com o CPC de 1897 e no México, Guatemala, Honduras e Nicarágua.32

8. O POSICIONAMENTO REALÍSTICO

Qual deve ser o posicionamento adequado a respeito: negar-se reconhecimento às sentenças estrangeiras, porque emanantes de soberanias estrangeiras, condicioná-las à reci-procidade ou à integral reapreciação até de seu mérito ou efetivar-lhes o reconhecimento? E, nessa hipótese, sob que título?

29. VALLADAO, Haroldo. Op. c it., pág. 185. 30. VALLADAO, Haroldo. Op. c it., pág. 185. 31. VALLADAO, Haroldo. Op. c it., pág. 185. 32. VALLADAO, Haroldo. Op. c it., pág. 185.

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8 .1 . Eficácia e Existência de Judiciários Estrangeiros A vinculação da eficácia das sentenças ao conceito de soberania nacional é, como se viu, ponto básico porque, real-mente, toda a problemática exsurge da inegável e, por enquanto,

insubstituível autonomia das várias jurisdições.

Dela provém a limitação dos efeitos jurídicos de tais manifestações estatais, na já lembrada conceituação de Sentis Melendo e Hugo A lsina.33 É certo que, doutrinariamente, já se tenha dito que essa rigidez em torno do princípio da “sepa- ración de las soberanias estatales, principio de acusada inspi- ración filosófico-ideológica que, si tenía sus razones de validez en otra época, va hoy perdiendo una tras otra aquellas razones” .34 Na verdade, e na expressão do próprio Cappelletti

“No hay duda de que en la base más profunda de nuestra instancia interpretativa se agita una íntima exigencia de ruptura con aquel principio y con sus corolários en el ambito de la disciplina de los conflictos de ley” .

Contudo, entre chegar-se a uma solução automática da eficácia das sentenças estrangeiras e a conceituação de que haja algo de necessitante a propósito, vai uma grande dis-tância. É que, não custa repetir, nenhuma jurisdição atual já admitiu tal repercussão total de outra soberania.

De toda forma, a tais alturas do século XX, impossível, também induvidosamente, que se negue, pura e simplesmente, a possibilidade de reconhecimento às sentenças estrangeiras.

8 .2 . Eficácia e Reciprocidade

Daí um primeiro caminho, o da reciprocidade que, no entanto, representa autêntica distorção do sentido jurídico das coisas. De fato, negar-se valor à manifestação estrangeira porque, eventualmente, no país de sua origem se nega, identi-camente, valor à manifestação local, é a abertura integral para uma política de restrições nem sempre justificáveis.

33. A LSIN A , H ugo cfr. M ELENDO . Op. c it ., pág. 39. 34. A L SIN A , H ugo cfr. M ELENDO. Op. c it ., pág. 57.

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8.3. Eficácia e Reexame do Mérito

A solução que tem sido a dos tribunais franceses, de exigir reexame do mérito na jurisdição local (sistema seguido durante largo período no direito anglo-americano através de exigência de nova ação local sobre o problema objeto da decisão estrangeira) importa numa contradição básica: à sentença estrangeira se nega não, apenas, eficácia, mas, sobretudo, existência como decisão propriamente dita, ainda que atingida em país diferente.

8.4. O Sistema de Delibação

Daí porque a única solução razoável é aquela que foi atingida, por exemplo, no direito brasileiro onde a posição tradicional sempre foi a de submeter a sentença estrangeira

a um autêntico processo de delibação com exame simples de determinadas condições extrínsecas (citação válida, revelia legal, competência do Juízo, etc.)35 mas sem qualquer revisão de mérito.

8.5. O Exercício da Atividade Judicial Estrangeira A base de tal posicionamento pode ser encontrada, realis- ticamente, no detalhe, que também foi percebido por Edoardo Vitta,36 de que elas, as sentenças estrangeiras, representam exercício de atividade judicial por órgãos próprios de juris-dições independentes e existentes. Isto é, quando se admite que uma sentença possa ser revalidada na jurisdição nacional mais não se faz do que verificar que, lá no estrangeiro, uma questão foi submetida a um Juizado, existente de acordo com uma certa jurisdição, na mais perfeita forma de intervenção do Estado em conflitos que não poderiam ser solucionados__

35. VALLADAO, Haroldo. Op. c it., págs. 186/189.

36. VITTA, Edoardo. “Corso di Diritto Intem azionale Privato e Processuale”, ed. UTET, Torino, 1976.

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à falta do entendimento entre os interessados — por substi-tuição decorrente da adoção de regime de justiça pública.

Essa compreensão leva, inclusive, ao desprezo de uma con-dição que, apesar de adotada pelo grande Prospero Fedozzi37 — a de que tenha havido reconhecimento do Estado estran-geiro — não diz nada porque o importante não é a manutenção de relações diplomáticas e políticas entre as várias jurisdições e, sim, o reconhecimento de que em cada uma delas há um governo devidamente constituído, ainda que, do ponto de vista político nenhum relacionamento haja com elas.

9. CONCLUSÃO

Em conclusão, a eficácia das sentenças estrangeiras é fenômeno que decorre da existência de jurisdições autônomas mas que, ao mesmo tempo, tem de levar ao entendimento de que a sua revalidação local não pode exigir senão um reexame exterior de sua apresentação como resultado de manifestação legítima de um Poder Judiciário devidamente organizado. Salvo, como sempre, a infringência à ordem pública nacional que, no entanto, se dirige mais à eficácia material do conteúdo decidido do que à eficácia formal, como decisão propriamente dita, irreformável, ainda que inaceitável.

37. FEDOZI, Prospero. “Trattato di Diritto Intem azionale”, vol. IV; “II D iritto Intem azionale Privato — Teorie Generali e Diritto Civile”, ed. CEDAM, Padova, 1939, pág. 45.

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