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O Discurso sobre a Democracia Brasileira ao longo dos últimos vinte anos

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Academic year: 2021

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(1)O Discurso sobre a Democracia Brasileira ao longo dos últimos vinte anos Lucília Maria Sousa Romão Doutora em Educação - UNICAMP Professora da USP - Ribeirão Preto e-mail: tantpalavras@uol.com.br. Arquilau Moreira Romão. Revista de Educação. Doutorando em Educação - UNICAMP Professor da Faculdade Soares de Oliveira e-mail: tantpalavras@uol.com.br. Resumo. Abstract. Esse artigo pretende investigar como os sentidos de democracia, embora muito veiculados ao longo dos últimos vinte anos pela imprensa e pelos partidos políticos, não foram convertidos no preenchimento de demandas sociais no Brasil. Analisamos as formas de designação dos momentos históricos que sucederam a ditadura militar e refletimos sobre o corpo imaginário, ideológico e discursivo, que tem sido bordado desde a campanha pelas Diretas-Já até a eleição do presidente Lula em 2002.. This article intends to investigate how in spite of the fact that democracy senses were spread a lot during the last twenty years by media and the political parties ,they were not converted to the accomplishment of the social demands in Brazil.We analyse the designation forms of the historical moments which came after dictatorship and we reflect about the ideological, discoursive and imaginative corpus which was built since the Diretas - Já campaign until the election of Lula president in 2002.. Palavras-chave: Discurso, democracia, sentido, ideologia eleições brasileiras, Estado, movimento social.. Key-words: Discourse, democracy, sense, ideology, Brazilian elections, social movement.. “O que não tem certeza nem nunca terá/ O que não tem conserto nem nunca terá/ O que não tem tamanho” Chico Buarque. Para compreendermos o presente, é necessário desenrolar os fios de amarrações que nos remetem a sua origem, seus conflitos primevos e aos vestígios de desdobramentos e contradições que ganharam corpo no cenário de 14. sua gestação. Mais do que uma arqueologia de fatos e cronologias, é preciso escavar quanto do passado nos atravessa no presente. Também para a interpretação da linguagem e dos discursos, é importante rastrear os ecos das palavras e o gemido da memória construída e cravada em condições sócio-históricas já ditas, buscando compreender quão deslizante e ressignificado é o retorno dos sentidos apoiados no interdiscurso, monumento sustentador de toda significação. Na tentativa de avaliar as.

(2) pegadas da historicidade e dos sentidos inscritos socialmente no período de 1984 a 2004, é que esse artigo se coloca, investigando e interpretando até que ponto os vinte anos de aniversário da “democracia” brasileira merecem urras de alegria e devem ser comemorados. Dividido em três partes, esse trabalho busca, no primeiro momento, delinear as conquistas que a sociedade civil acumulou no referido período, sinalizando-as em contraponto à não socialização dos acessos e à não erradicação da exclusão social. No segundo momento, abordamos a eleição de 2002 para presidente da República com a chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao posto mais alto do executivo, sintonizada pela ausência de um projeto nacional de desenvolvimento econômico, emancipatório e soberano politicamente e, na parte final, pretendemos lançar algumas fagulhas de esperança sobre possibilidades que se desenvolvem no chão do presente e que, no anonimato de seu trabalho miúdo e contínuo, gestam as cores de uma possível alvorada. Que cores têm a democracia que nunca vimos? “O que será, que será que andam sussurrando em versos e trovas/ Que andam combinando no breu das tocas/ Que anda nas cabeças, anda nas bocas” Chico Buarque. No ano de 1984, o furor político em prol das Diretas-Já acendeu o rastro de pólvora das mobilizações populares e dos segmentos organizados da sociedade civil, que, em princípio de maneira dispersa e depois de modo sincronizado, foi se unindo até completar o coro de milhares de pessoas na Praça da Sé em São Paulo. Estava dado o pontapé inicial de uma explosão incontrolável, que tinha sido alimentada por quase vinte anos de silenciamento imposto pela ditadura e que ganhava corpo na boca de anônimos e famosos. Finalmente políticos, intelectuais, estudantes e trabalhadores haviam deflagrado o grito “da volta do irmão do Henfil”, que por anos ficara preso na garganta.. Em 1988, a Constituinte representava o carro abre-alas de outros documentos firmados com estatuto de lei, que colocavam em cena temas até então abafados, a saber, Estatuto da Criança e do Adolescente, Código de Defesa do Consumidor, Delegacia da Mulher, Carta do Rio durante a Eco 92. A esperança equilibrista parecia dar os seus primeiros passos na corda bamba, desafiando os tempos em que a palavra dita, gritada e reivindicada não constava da ordem cotidiana do país. Esse período indica que, discursivamente, leis, códigos, estatutos e aparatos ganham relevo, tentando proteger aqueles que eram (e ainda são) violentados no dia-a-dia de sua exclusão e marcando a possibilidade de que alguns sentidos inaugurais fossem materializados e ditos e, assim, questionassem aqueles que já estavam legitimados e naturalizados. O conceito de ideologia de Pêcheux (1969) é aqui compreendido como o mecanismo que faz alguns sentidos parecerem naturais, exatos, fiéis reproduções da realidade, criando o efeito de evidência (Orlandi, 1994) de tal modo que os tomamos de modo quase automatizado sem a emergência do estranhamento e da crítica. Por exemplo, se até esse período, o trabalho infantil era usado em canaviais do interior paulista sem que tivesse implicações de qualquer natureza nem fosse visto como crime; a partir dessa data, ele se desinstalou da região de aceitação e foi estranhado pela primeira vez juridicamente, passando a ser falado como algo hediondo. Isso não quer dizer que sintomaticamente todas as crianças brasileiras deixaram de trabalhar nas lavouras, mas uma região de desconforto e tensão fez falar os sentidos de ilegalidade, exploração e aviltamento, passo inicial que se desdobrou em lei, e, depois, denúncias, investigações do Ministério Público e medidas de punição e tentativa de erradicação do trabalho infantil. Sentidos de desconforto e estranhamento também se processaram em outras áreas da vida nacional: pela primeira vez um presidente eleito diretamente foi afastado do cargo, em 1989, com o evento do impeachment de Fernando Collor de Mello. Escândalos de corrupção, antes acordados e aquietados em salas de gabinetes,. Revista de Educação. O Discurso sobre a Democracia Brasileira ao Longo dos Últimos Vinte Anos. 15.

(3) Revista de Educação. Lucília Maria Sousa Romão, Arquilau Moreira Romão. passaram a ser fermentados pelas bocas da imprensa e da população, que promoveu mobilizações, manifestos, passeatas, abaixoassinados. Varreduras múltiplas de políticos, no Executivo, também tiveram eco, no Legislativo, com a cassação dos anões do orçamento. Na esfera do Judiciário, pela primeira vez na história, juízes, promotores e procuradores do Estado sentaram no banco dos réus, experimentando um lugar que nunca lhes tinha sido reservado. A primavera da resistência e mobilização política apresentava as suas primeiras pétalas com a exposição de vasos comunicantes da insatisfação popular, protestos e clamores por justiça. Desfolhava-se o outono da submissão e da política de silêncio (Orlandi, 1997) e mostravase escancarado o corte do tecido dos poderes constituídos pelo bisturi denunciatório. Se por um lado, o país saiu do estado letárgico em que se encontrava nos anos da ditadura militar e conseguiu dar linguagem a formas de violências e reivindicação, fraturando a ordem dos sentidos naturalizados; por outro não deixou de carregar o estandarte da sua matriz cultural, que remete ao período da colonização e cujos estatutos originários são sustentados pelo escravagismo, pela desigualdade social e pela violência. Frigotto (2003:36) formula a seguinte síntese para compreender esse processo, que nos acompanha desde o berço: Num primeiro plano situam-se o fato de sermos uma sociedade que definiu sua independência pelas mãos do colonizador. Herdamos, pois, a matriz cultural bastante peculiar (...) o colonizado se identifica com o colonizador. Apagam-se as raízes ou são renegadas. Perfilamos uma relação de submissão. No passado mais remoto, essa submissão se dava em relação aos conquistadores e colonizados. Hoje, continuamos a ser colonizados mediante a integração subordinada ao grande capital.. Também Benjamim... [et.al.] (1998:23) nos ajuda a registrar nossa matriz histórica sobre a qual se edificou o sentido da construção nacional: 16. Com baixa densidade populacional, território ocupado de forma rarefeita e fragmentada, economia organizada de fora para dentro (e voltada para fora), sociedade cindida pela escravidão e desprovidos de Estado nacional, nascemos como uma ‘nãonação’, apenas território colonizado para abastecer de produtos mercados dos países centrais.. Na mesma direção, temos o trabalho de Oliveira (84:103), que nos inspirou a escrever esse artigo e que formula uma brilhante síntese sobre o que estamos falando: Transplantado o Estado português para o Brasil, ele teve de plasmar, criar, forjar a Sociedade que aqui não existia. E como ele era um Estado retrógrado (...), ele modelou uma sociedade à sua imagem: retrógrada, reacionária, obscurantista. Aqui está a razão fundamental pela qual a sociedade brasileira é, desde as suas origens, uma sociedade profundamente injusta, desigualitária, desumana.. Estabelecendo um diálogo com esses textos, podemos inferir que a matriz econômica do país guarda vivos os contornos do passado e, por isso, a maior parte das conquistas, dadas no plano jurídico, não foram acompanhadas por mudanças, que contemplassem reais transformações da/na ordem social para a maioria dos brasileiros. Pelo contrário, criou-se um imaginário de que as leis, estatutos e normas, por si só, teriam o poder de inventar a justiça a despeito de qualquer assimetria entre classes sociais; de eliminar crimes e violências que se encontram latentes na estrutura de desigualdade entre a fartura e a miséria e, por fim, de que todos poderíamos nos sentir igualmente confortáveis perante a lei, donos dos mesmos deveres e direitos, representados com as mesmas possibilidades diante do sistema vigente. Assim fica desenhada a ficção de que o Estado brasileiro é democrático, acolhe e contempla todos da mesma forma e representa os cidadãos em condições de igualdade. Também é.

(4) engendrada a ilusão de que a lei é una e o Direito, por si só, é capaz de equacionar os desajustes para manter a ordem. Concordamos com Lagazzi (1988:41), quando ela afirma que: ‘Todos os homens são iguais perante a lei’. É nessa máxima que se fundamenta o Direito e a Justiça, levando-nos a acreditar na imparcialidade da jurisprudência, no fim dos privilégios. ‘Todos têm os mesmos direitos e deveres’. A Justiça sustenta-se, pois, por esse engodo teórico, uma vez que a desigualdade entre os homens, marcada pelo modo de produção, não se desfaz em nenhum outro modo.. A festiva formulação usada por historiadores para falar do período pós-1984, é a de que, com as eleições diretas e o acender dos movimentos sociais, houve um período de “redemocratização do país”. Ela nos parece ingênua. Corre-se o risco de acreditar que, em períodos anteriores da história nacional, a democracia já nos fosse familiar, próxima e/ou algo experimentada na/pela prática. Em síntese: passos concretos foram dados na direção de fazer falar a voz e assegurar direitos a mulheres, negros, crianças, minorias, trabalhadores, mas eles não foram revertidos em benefícios sociais e ganhos para a população pobre. Se se pode parecer animador dizer que o movimento sindical (CUT), os partidos de esquerda (entre eles PC do B, Pc e PT) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) germinaram nesse período ou próximo dele, trazendo lufadas quentes de ventos políticos ao cenário nacional, também é possível dizer que, sob o manto da democracia e da igualdade de todos perante a lei e sob a égide de ter direito ao voto, pouco mudou na ordem excludente gerada pelo sistema econômico brasileiro. Não houve mudança do modelo econômico, mas a emergência dos clamores, silenciados há séculos, de disputa por espaços de dizer e de movimentos de resistência, agora marcados pelo tensionamento das mobilizações sociais de esquerda, que disponibilizam outros papéis e lugares aos sujeitos. A eclosão desses. novos espaços deriva de condições de produção (Pêcheux, 1969), entendidas aqui como a conjuntura sócio-histórica em que classes disputam poder e dizer. Dito isso, é importante frisar que, no plano discursivo, há luta de vozes e confronto entre posições, litígio de sentidos e disputa pelo espaço de dizer, silenciado ao longo de toda história nacional, confronto esse que instala o avesso dos sentidos oficiais de democracia. Na continuidade desse processo histórico de suposta lua-de-mel democrática, esbarra-se no governo Fernando Henrique Cardoso, que geriu o executivo por oito anos (de 1995 a 2002) e apoiou seus passos econômicos na viga-mestra da privatização. Nos discursos oficiais, a retirada de alguns setores das mãos do Estado parecia dar ao país a senha para entrada no paraíso da modernidade; assim, várias empresas estatais foram vendidas para o pagamento dos juros da dívida externa, reduziram-se os investimentos sociais e o economês passou a ser o idioma falado em Brasília. Siglas como FMI (Fundo Monetário Internacional), OMC (Organização Mundial do Comércio), Banco Mundial, G7 (Grupo dos 7) passaram a representar os indicadores do desenvolvimento nacional, os temas prediletos da agenda política e as ferramentas para se pensar a realidade nacional, como se, fora disso, não houvesse possibilidade de sobrevivência para o país. Na corrida por merecer o rótulo de país emergente, o Brasil estabeleceu o “mercado” como a linha de chegada, a salvação das mazelas sociais e o fim último do discurso oficial. Sobre isso, tomamos emprestadas as palavras de Benjamin... [et.al.] (1998:18):. Revista de Educação. O Discurso sobre a Democracia Brasileira ao Longo dos Últimos Vinte Anos. A globalização fortalece um mercado que é, ao mesmo tempo, internacional e interno. Internacional porque um número crescente de transações ultrapassa as fronteiras dos países. Interno por se inserir na estrutura de decisões das empresas: 2/3 das exportações mundiais já são realizadas entre filiais das mesmas multinacionais, cujo compromisso, evidentemente, é com sua rentabilidade em escala global. 17.

(5) Revista de Educação. Lucília Maria Sousa Romão, Arquilau Moreira Romão. 18. Contornada pela imagem que integra (e entrega) o país e o mundo, o cenário político do governo FHC fez fermentar o slogan “consolidação da democracia”, usado para designar o nosso berçário neoliberal. Na materialidade lingüística, observamos que consolidar indicia sentidos de dar solidez, consistência, estrutura e fortalecimento à democracia de modo que sua existência fosse material, concreta e solidificada. Perguntamos: como tornar sólido e forte algo que nunca experimentamos? De que modo se pretende criar uma retórica oficial, cujo imaginário nos faz crer que somos uma sociedade democrática no quesito de oportunidades e acessos? Melhor, como entender o conceito de democracia, sem levar em conta os espaços de exclusão social e os efeitos de cidadania negada para tantos brasileiros? Voltamos a tomar nota de que, assim como “redemocratização do país”, também a formulação “consolidação da democracia” marca uma posição-sujeito, que faz falar a democracia não atrelada a demandas sociais atendidas, nem vista como a coroação de cidadania, mas como um estatuto simbólico e imaginário de modernidade do país e/ou como o estado “natural” da ordem brasileira. A memória discursiva, que sustenta a significação da democracia nesses recortes, promove um diálogo com sentidos já ditos em outros momentos históricos e inscreve socialmente uma zona para falar do país, a saber, aquela em que a ditadura foi finda, as Diretas-Já se concretizaram e os movimentos sociais alavancaram a explosão de novos sentidos. Entretanto, ao mesmo tempo em que tais formulações retomam efeitos da democracia, o fazem apenas na esfera política, de modo a restringir a amplitude do que seria uma sociedade verdadeiramente democrática. O elenco de demandas sociais, não contempladas ao longo dos vinte anos de voto direto, é silenciado. Ora, pelos estudos de Ramonet (2001), Ianni (1999), Santos (2000) e Boaventura (1999) e Bauman (1999), sabemos muito bem que o Estado mínimo desenraiza-se da responsabilidade de assegurar amparo e assistência às populações menos abastadas, bem. como se isenta de manter vivos direitos dos cidadãos. Vale lembrar que, no nosso caso, esse parece ser o ponto de maior descompasso, posto que, após os anos 80, o ideário da democracia e o reinado da Lei passaram a ser falados como realidade, ícones de nosso pretenso desenvolvimento. Nesse sentido, tomamos emprestadas as palavras de Frigotto (2003:186): A primeira idéia fundamental a fixar em decorrência dessa perspectiva é a de que o ‘mercado’, mesmo onde existe uma materialidade de instituições que lhe dão densidade concreta, é incapaz de democraticamente atender direitos como os da educação, saúde, habitação e emprego. Direitos não são mercantilizáveis (...) O desmonte do Estado nestas áreas significa desmonte de direitos.. O neoliberalismo, que leva às raias da loucura a máxima da “primazia total das empresas multinacionais, enquanto agentes do mercado global” (Souza Santos 1999), finca-se no terreno que compreende o cenário mundial a partir dos movimentos tentaculares das transnacionais. Sobre isso, Benjamin... [et. al.] (2003:29) afirmam que: Grandes empresas, capitais e mercadorias recebem liberdade de movimentação, com a correspondente redução dos poderes reguladores, internos e externos, exercidos pelas sociedades. Assim, a parte moderna da economia capitalista deixa de referenciar-se em um conjunto de economias nacionais vinculadas entre si por fluxos de comércio e investimento, para converter-se em uma rede única, tanto no nível produtivo como no financeiro.. Comércio, produção industrial e agronegócio se desmembram em atividades regidas sob o interesse único de alimentar (e às vezes ser alimentado) pelo mercado externo em.

(6) O Discurso sobre a Democracia Brasileira ao Longo dos Últimos Vinte Anos. No contexto do sistema econômico neoliberal, ocorre um distanciamento cada vez maior entre os grupos que colhem às fartas os frutos do desenvolvimento científico e tecnológico e aqueles que ficam à margem do caminho, condenados à fome e à miséria. Os desígnios do deus mercado, regidos por lógica própria, não podem ser contrariados com o argumento de que os seus resultados são parciais, que favorecem alguns e desgraçam outros.. No grande corredor dessa economia não cabem os pequenos, os habitantes do sul, os moradores das regiões marcadas pela seca e fome, os excluídos marginalizados. Interessante perceber que, embora o discurso da democracia e o imaginário da liberdade política (que, em última instância passa a ser a liberdade de comprar os mesmos produtos que o mundo desenvolvido consome) não estancam as feridas sociais que ora sangram a pele de 55 milhões de brasileiros miseráveis. O discurso neoliberal, que defende o capitalismo globalizado e financeiro e que apregoa a mundialização das finanças e das culturas é o mesmo que hoje destitui de valor o significante “democracia” e minimiza o poder do Estado. Chesneaux (1995:78) nos lembra que:. periferias, e as do Terceiro Mundo para o Ocidente. Os Estados devem enfrentam esses levantes sociais de amplidão imprevisível, cujas causas eles próprios não dominam, a saber, a mundialização ‘selvagem’ do campo econômico (...)”. Ao Estado, restou somente a tarefa diária de vigiar e punir aqueles que se rebelem contra a ordem vigente (Foucault, 2002), controlando os focos de tensão com forte aparato repressivo, lançando mão de técnicas cada vez mais sofisticadas de ocultar, coibir, refrear as explosões de desconforto. Também integram o seu rol de tarefas os atos de violentar e tiranizar as manifestações de insatisfação popular. Por não suprir demandas sociais crescentes e não gerir mínimas condições de amparo populações marginalizadas, os sentidos de negligência e ingerência são silenciados e o Estado faz falar a sua nova posição: cuidar da segurança e dar suporte policialesco para que o Direito e a Justiça se cumpram, aumentando os nós do engodo, bordado ideologicamente, no discurso atual do presidente Lula. Efeitos de fantasiosa democracia no carnaval-brasil: apoteose até o dia raiar. Revista de Educação. uma trança que justifica medidas do Estado (ou a ausência delas) a partir do farol que guia as transnacionais, o capital mundializado e a malha das grandes cifras. Sobre isso, Goergen (2001:6) afirma que:. “O que será / Que vive nas idéias desses amantes/ que vive nas idéias desses amantes/ que cantam os poetas mais delirantes/ que juram os profetas embriagados/ que está na romaria dos mutilados/ que está na fantasia dos infelizes.” Chico Buarque. “A modernidade (...) aumenta a distância entre as sociedades empenhadas na ‘espiral feliz’ da modernidade e aquelas que se afundam no abandono e na contramodernidade; ela cava, ao mesmo tempo, a distância no Terceiro Mundo e no Ocidente. E é aos Estados, tanto pobres quanto ricos, que são devolvidas as obrigações de administrar o desemprego, a miséria, a nova pobreza, a fome, a delinqüência, as migrações-fuga do campo para as. Um mero passeio de olhos pela realidade brasileira indica que a educação pública não se universalizou; a terra continua concentrada, sendo o latifúndio um modelo persistente; a dívida social com negros e o racismo velado abrem um fosso cada vez maior e podem ser visivelmente comprovados nas populações carcerárias, por exemplo, majoritariamente negras; as favelas tornaram-se cidadelas com poder próprio, fora de controle do Estado, que apenas as abraça no momento da repressão policial; benefícios de 19.

(7) Revista de Educação. Lucília Maria Sousa Romão, Arquilau Moreira Romão. 20. saúde e qualidade de vida são vivenciados por uma classe cada vez menor em tamanho; o meio ambiente sofre com a ação predatória de cartéis e, por fim, a impunidade grassa a cobrir de vergonha o rosto desse “gigante pela própria natureza”, que, adormecido, continua deitado em berço esplêndido! Retomando o fio de Ariadne da historicidade dos últimos vinte anos de festejos e foguetório democráticos, temos que a herança de FHC preparou o solo político sobre o qual a gestão Lula fincou suas raízes. Quando da posse, em janeiro de 2002, o vermelho da bandeira petista cobriu Brasília e a estrela da “vida inteira” de muitos militantes parecia ter chegado lá. Alguns milhares deles ocuparam a cidade, a praça e o entorno do parlamento; parlaram do fato de a esperança ter vencido o medo; gritaram Lula-lá como nos tempos de sindicalismo e desfilaram sua alegria em uma festa, que recebeu destaque na imprensa e mereceu, dentre outros, o seguinte slogan: “a apoteose da democracia”. Voltamos a trabalhar aqui com os sentidos de democracia, que longe de serem vividos e socialmente distribuídos, postam-se no corpo imaginário do país como tarefa restrita ao ato de votar. Novamente a ficção de sermos uma nação com Estado democrático volta a significar, agora emprestando uma região da memória presente e falada nos desfiles das escolas de samba. Os efeitos atribuídos na avenida, a saber, de show máximo, momento alto do desfile, brilho intenso da criação coletiva, ícone maior da inventividade produzido por mãos, quadris e pernas anônimos de sambistas, passistas, músicos, desempregados e moradores do morro, agora retornam. Vale destacar que, durante horas, os anônimos integrantes de uma escola de samba trabalham, doam-na na gratuidade da crença de que se sentem representar na bandeira da escola, no samba cantado, nas fantasias das alas, nos carros-alegóricos. Ainda que tudo isso dure apenas uma hora e poucos minutos! A apoteose é o momento de cada um desses solitários e anônimos integrantes que se expõem no espaço público e por poucos segundos recebem closes na televisão e são contemplados no conjunto da escola. Transposta a metáfora da avenida para a. capital federal, regressam, na vitória do presidente Lula, os mesmos sentidos e as mesmas posições. No grande carnaval da democracia, os adereços de campanha, as bandeiras do PT e do Brasil, o samba-enredo do candidato e os passistas da esperança colocam em movimento sentidos até então nunca materializados na história do país. Havia crença de que subia ao poder um igual, um brasileiro trabalhador de origem pobre, nordestino migrante, líder sindical que forjou uma história pessoal de luta e resistência no movimento popular, ex-preso político, organizador de operários no ABC paulista, fundador de um partido de esquerda e, sobretudo, voz que sempre defendeu interesses dos trabalhadores, soberania nacional e moratória da dívida externa e resistência ao capital internacional. Na passarela da Alvorada, o morro desceu para sambar no asfalto da capital federal, conferindo esperança e explosão de alegria ao acontecimento e ocupando a posição de vencedor, ganhador, primeiro lugar em todos os quesitos em um ato simbólico, cuja metáfora promovia uma simetria momentânea entre o poder de Estado e a sociedade brasileira, melhor dizendo, Lula presidente e militantes e eleitores. O centro do poder foi experimentado, por algumas horas, como a avenida é morada rápida para a escola de samba. A era de direitos assegurados, mudanças estruturais do poder e resposta às demandas sociais (tão faladas e discutidas quando Lula ocupava o lugar de líder sindical e deputado), que poderiam trazer à tona a cidadania, a inclusão e o desenvolvimento social não durou mais que uma apoteose. Nem mesmo estourou o tempo regulamentar. Fazemos aqui um parêntese para acrescentar o conceito de carnavalização cunhado por Bakhthin (1993), pois percebemos que o comportamento dos militantes, eleitores e populares parecem ocupar lugar semelhante ao dos ministros de Estado e do próprio presidente da República. Todos estavam lá participando da festa, desinstalandose de seus lugares, comportando-se como foliões e/ou como iguais homens do povo, desvestindose das representações que os diferenciam. Bufões, reis, vassalos, príncipes, plebeus e bobos-da-corte, igualmente expostos à mesma.

(8) alegria, não se davam conta de que tudo voltaria, logo em seguida, ao normal e cada um teria que ocupar de novo o seu posto na ordem social. Passado o febril estado de festança, a simetria se desfez e a luta de vozes, silenciada momentaneamente, tornou a recolocar todos em seu papel, indicando que o lugar de presidente não é coincidente ao lugar de militante. Antes mesmo da eleição, em Carta dirigida à Nação, o PT já sinalizava a manutenção da política econômica iniciada por FHC. Acordos com o FMI continuaram a ser mantidos e, mais, passaram a ser a bússola da equipe econômica. O superávit fiscal se tornou a batucada preferida do governo em sintonia com os investimentos cada vez mais mirrados em educação, saúde e áreas sociais. As reformas da Previdência e tributária só confirmaram o modelo financista, que conforme já definidos, dialoga com os cantos de sereia do neoliberalismo. Nessa direção, Beto (2004:A3) afirma que: Por força de medidas macroestruturais, como ajustes fiscais, superávit primário e balanços de pagamentos, milhões de seres humanos são progressivamente privados de acesso à renda, ao trabalho, à terra, ao bens essenciais, à sobrevivência. Empobrecidos, vêem-se obrigados a morar em acampamentos rurais ou favelas urbanas, sem direito à saúde, à educação e à informação.. A captação de divisas para honrar os compromissos com o capitalismo internacional, em detrimentos de investimentos em um projeto de desenvolvimento nacional, só fizeram atravancar passos concretos ao desenvolvimento interno, como a reforma agrária, por exemplo. Mais ainda, setores do agronegócio se fortaleceram muito com a indicação do atual Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, e nunca se sentiram tão confortáveis em relação ao poder federal. Vale registrar que, sobre a imagem dos ruralistas, pesam o trabalho escravo, a sonegação de impostos, a pistolagem, a cultura de exportação e as marcas de atraso do velho. latifúndio, que, sob novo significante (agronegócio), agora parece ser a saída para os problemas agrários do país. Nessa linha de raciocínio, fica fácil de entender que pouco mais de 30% do Plano Nacional de Reforma Agrária do governo atual tenha sido cumprido, cifra muito tímida para um governo que se pretende representar os trabalhadores. Na realidade, alguns projetos sociais foram implantados, Fome Zero, por exemplo, mas não passaram de tentativas emergenciais e assistencialistas, inglórias diante da imensa necessidade de medidas estruturais de geração de emprego e de investimentos em saúde, educação, reforma agrária etc. Vale dizer que tais projetos não tiveram o alcance social esperado nem foram revertidos em mudanças estruturais no quadro de exclusão social vigente no país. Perguntamos, ainda que correndo o risco da repetição, de que democracia se fala hoje? Que apoteose democrática é essa que segrega milhares, deixando-os à margem dos acessos? Como crer que o Estado brasileiro é democrático se continua a dar sustentáculo a uma estrutura colonial de divisão de terras? Como acreditar que é possível a emergência de novos sentidos, em esfera federal de poder político, se 45% da riqueza continuam concentradas nas mãos de 10% da população? Que democracia é essa que condena os excluídos a não comerem nada durante dias, a revirarem latas de lixos, a viverem e morrerem na rua, a habitarem esgotos putrefatos nas favelas e a desfilarem sua cidadania, na passarela da ilusão, apenas uma vez a cada quatro anos? De que sujeito de Direito estamos falando? Com qual o imaginário de igualdade, cordialidade racial e justiça se pretende rotular o país? A serviço de quais interesses classe isso ocorre e como se materializa discursivamente na linguagem? Anotamos que os efeitos de democracia, tão falados e usados para nomear o período das Diretas-Já, postam-se diante de nós mais como desafio do que como realidade. Ausentes ao longo de toda a nossa história nacional, desde a colonização; silenciados nos anos de chumbo e tagarelados em excesso nos últimos vinte anos, eles permanecem a manchar a nossa sociedade bipartida, dependente, entremeada pelo. Revista de Educação. O Discurso sobre a Democracia Brasileira ao Longo dos Últimos Vinte Anos. 21.

(9) Lucília Maria Sousa Romão, Arquilau Moreira Romão. escravagismo e encalacrada em esperanças sempre retardadas para um tempo futuro. Assim, como os momentos de glória da porta-bandeira e do mestre-sala não duram muito, também foram pequenos os momentos em que o poder federal e trabalhadores representaram-se como um só rosto no espalho, feito imagens refletidas de um discurso progressista. Menos freqüentes ainda as vezes em que os efeitos de mudanças estruturais da economia nacional foram representados e falados no/pelo sujeito Lula presidente. O poetinha Vinicius de Moraes, mais atual do que nunca, nos sopra no ouvido a sonata da quarta-feira de cinzas: “acabou nosso carnaval/ ninguém ouve cantar canções/ ninguém passa mais cantando feliz/ e nos corações saudades e cinzas/ é o que restou”.. Revista de Educação. Resistência: acordes de um novo enredo. 22. O que será que será/ Que todos os avisos não vão evitar/ Porque todos os risos vão desafiar/ Porque todos os sinos irão repicar/ Porque todos os hinos irão consagrar. Chico Buarque. No movimento dos discursos e dos sentidos inscritos socialmente, marcamos que há um jogo dialético de dizer e silenciar; de fazer falar a democracia e/ou questioná-la pelo tanto que silenciada de desigualdade; de construir uma memória sobre democracia que faz retornar certos significantes ao invés de outros e, sobretudo, de construir um discurso dominante sobre democracia e igualdade de acessos, que nos parece ingênuo e perigoso se levarmos em conta o grau de exclusão e violência presentes na sociedade brasileira. Observamos que os sentidos derivados da ordem econômica neoliberal e da política petista materializam um lugar de enunciação para o sujeito-presidente, a saber, aquele que inscreve socio-ideologicamente os sentidos de democracia. No slogan do governo “Brasil: um país de todos”, observamos que tal como a democracia é apoteoticamente experimentada por todos, posto que o país é falado como sem fosse propriedade, posse, território de todos os. brasileiros. No plano discursivo, há deslocamentos metonímicos e metafóricos, em que o governo é narrado como a parte que representa o todo o país e, ao mesmo tempo, o povo (todos) é representado na/pela esfera de governo que elegeu. Governo e povo são emparelhados como iguais e correspondentes, criando de novo a ilusão da democracia, equivalência e igualdade. Mesmo com esse discurso manifesto, forte descontentamento afeta vários segmentos da sociedade. Intelectuais têm insistido na máxima de que o atalho para o desenvolvimento do país passa pela discussão de um projeto alternativo para a construção de um Estado nacional, fora do eixo compulsivo que sacia a voracidade das transnacionais. Todos os trabalhos citados até aqui caminham nessa direção e contemplam a certeza de que um outro mundo é possível. Uma rede de saberes, que contestam a ordem econômica neoliberal como natural e irreversível, confrontam com a máxima de que a história tenha chegado ao fim, como queria Fukuyama (1992). Segundo o autor, a história da humanidade haveria chegado ao pico máximo de seu desenvolvimento e evolução econômica e política e, frente à dissolução dos países do leste europeu e ao suspiro final da União Soviética, não haveria outra alternativa que não o liberalismo econômico e político, verdadeiro São Jorge guerreiro a matar o dragão da maldade do socialismo e encerrar de uma vez por todas a polarização do mundo. Agora apenas o liberalismo nos salvaria. Segundo Fiori (2001:22): Dez anos depois, não parece que a história queira dar razão à teoria de Fukuyama, mas ninguém tem dúvida de que ele foi um observador sagaz dos acontecimentos e um ideólogo competente da política internacional dos países centrais, capitaneadas pelos Estados Unidos. Aquilo a que se assistiu, na década de 1990, não foi uma convergência mundial espontânea ou automática no campo das idéias, das instituições e da riqueza. Pelo contrário, envolveu uma ação conjunta dos países mais ricos e desenvolvidos (...), visando a impor ao resto do mundo sua concepção de.

(10) O Discurso sobre a Democracia Brasileira ao Longo dos Últimos Vinte Anos. Nós discordamos da máxima de que o neoliberalismo é a única via possível para a humanidade, de que as contradições e divisões seriam extirpadas por uma economia planetarizada e de que as utopias políticas se renderam ao peso dos cifrões. O que se destaca como realidade mais do que viva nos países do sul, e no Brasil em particular, é o aumento das desigualdades sociais, somada à situação de penúria e privação que a maioria experimenta em seu cotidiano de exclusões. Mais uma vez a lógica de Fukuyama é desautorizada, pois, como afirma Anderson (1992:84), ela não leva em conta “a persistência de desigualdade e miséria no seio das próprias sociedades capitalistas avançadas (...). Perguntamos: que dizer, então, das sociedades nas quais o acesso a bens materiais de sobrevivência é sistematicamente negado? Em Frigotto (2003:197) encontramos uma resposta, apoiada em uma reflexão crítica: A tese do fim da história resulta de uma concepção que naturaliza as relações capitalistas onde, portanto, as crises do capitalismo são apenas disfunções momentâneas e conjunturais (...) A tese da sociedade pós-industrial e pós-moderna, expressões de um novo paradigma científico e tecnológico - sociedade do conhecimento- representaria a superação das desigualdades pelas formas de regulação social do mercado capitalista. É neste sentido em que a ‘nova’ sociedade do conhecimento - por ser um bem disponível, supostamente atingível por todos - tem a capacidade de eliminar as diferenças e desigualdades. O proletariado se transforma em cognitariado. Os conflitos, as relações de poder e de. força ficam zerados malgrado a exacerbação da concentração e centralização de capital e conhecimento e dos mecanismos de exclusão. Ao refutar tal lógica, observamos que movimentos sociais têm se organizado, dentro (e fora) do país, para colocar, na agenda política do poder executivo, temas como moradia, terra, desapropriação de áreas indígenas, construção de barragens, ecologia, questão da mulher etc. Um novo horizonte de articulações dos excluídos tem início, impulsionado pela busca de alternativas que contemplem a melhor divisão da riqueza nacional, a reforma agrária e a concretização dos sentidos de democracia tão narrados ao longo dos últimos vinte anos. Nessa direção, merece destaque o papel do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), organização de massa composta por trabalhadores camponeses e citadinos, que, excluídos da ordem social, se deslocam do papel de vitimados e buscam instalar novos sentidos e práticas de resistência e politização. Com a bandeira da reforma agrária e da luta por uma sociedade que contemple os deserdados, o MST desenvolve um projeto sistemático de formação política de seus integrantes e uma silenciosa revolução educacional em seus acampamentos e assentamentos. Aglutina homens expulsos da terra, migrantes, moradores da periferia das grandes cidades, desempregados e trabalhadores rurais sem-terra em torno de uma rede de articulações práticas, atos políticos e ações coletivas, que envolvem ocupações, marchas, caminhadas e protestos. Mas vai muito além, pois as práticas de estudo, trabalho e produção, regidas pela disciplina e divisão de tarefas, atestam um modo novo de organização que se apóia na memória caudatária de outras lutas campesinas (Romão, 2002). O discurso do MST instala um lugar de resistência, que deslegitima e desnaturaliza a ordem fundiária do país, a saber, aquela em que 1% da população é dona de 47% do território nacional. Ao brocar o sentido dominante, dito pela classe social que historicamente deteve (e ainda. Revista de Educação. uma economia mundial baseada na ideologia do laissez faire e dos mercados auto-regulados acompanhada pelo fim das fronteiras e das soberanias econômicas nacionais.. 23.

(11) Revista de Educação. Lucília Maria Sousa Romão, Arquilau Moreira Romão. detem) o monopólio da terra no país, o MST planta uma outra esfera de poder, fora do eixo oficial e das ações institucionais. Coloca em movimento de germinação novos sentidos e denuncia aquilo que está fora da ordem democrática. Com isso, cava buracos, frestas, brechas que fazem tremer os subterrâneos da apoteose carnavalesca. Não nos resta outro caminho a não ser recolher as fantasias, descolar as lantejoulas do carnaval passado para montar outro sambaenredo e colocar outro bloco na rua. Como os movimentos de resistência do sujeito não se calam na mesma proporção em que se avolumam as contradições, guardamos, para o final desse artigo, a nossa candente esperança de que mobilizações sociais esburaquem o tecido dos sentidos naturalizados, promovam novas nesgas de reivindicações e lutas, perturbem a ordem vigente e criem condições para a aurora que virá. Nós, como a autora que se segue, também estamos pagando para ver: No momento, a minha utopia é que esses canais nascentes proliferem cada vez mais até formarem, por baixo do solo, uma rede que faça desabar o edifício das oligarquias brasileiras. É um edifício antigo demais, pesado demais. Mas, com esses inúmeros túneis cavando por baixo, minando, desestabilizando, ele cai, certamente. Estou pagando para ver essa queda. (HOLLANDA, 2000:111) Referências Bibliográficas ANDERSON, P. O fim da História de Hegel a Fukuyama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1992. BAUMAN, Z. Globalização as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999. BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais,. São Paulo: HUCITEC, 1993. BENJAMIN, C. ... [et. al.] A opção brasileira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998. BETO, F. Violência silenciosa. São Paulo: Folha de S. Paulo, A3, 12-10-02. FIORI, J.L. 60 lições dos 90: uma década de neoliberalismo. Rio de Janeiro: Record, 2001. FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.. 24. FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo, Cortez, 2003. FUKUYAMA, F. O fim da história e o último homem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. GOERGEN, P. Pós-modernidade, ética e educação. Campinas: Autores associados, 2001. HOLLANDA, H. B. Uma novidade chamada Brasil In: AGUIAR, A. (org.) Para entender o Brasil, São Paulo: Alegro, 2001. IANNI, O. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. LAGAZZI, S. O desafio de dizer não. Campinas: Pontes, 1988. OLIVEIRA, F. Origens e estigmas da cultura brasileira- Por que não há uma intelligentzia no Brasil? in Em Defesa da Cultura Naciona, EDUSP, São Paulo, 1984. ORLANDI, E. A linguagem e seu funcionamento. Campinas: Pontes,1996. __________ As formas do silêncio no movimento dos sentidos. Campinas, Editora da UNICAMP, 1997. RAMONET, I. Geopolítica do caos. 4 a edição, Petrópolis: Vozes, 1998. ROMÃO, L. M. S. O litígio discursivo materializado no MST: a ferida aberta na nação. Ribeirão Preto: FFCLRPUSP, 2002, 310p. SANTOS, B. S. Pela mão de Alice o social e o político na pós-modernidade. 5a edição, São Paulo: Cortez, 1999. SANTOS, M. Por uma outra globalização do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Editora Record, 2000..

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