• Nenhum resultado encontrado

Infância, lei e democracia: uma questão de justiça

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Infância, lei e democracia: uma questão de justiça"

Copied!
22
0
0

Texto

(1)

Infância, lei e democracia: uma

questão de justiça

Childhood, law and democracy: A justice question

“Minhas propostas de esclarecimento do que chamo de compreensão paradigmática de fundo do direito e da Constituição devem ser entendidas como uma contribuição polêmica que se contrapõe, principalmente, ao crescente ceticismo jurídico que parece estar se difundindo entre meus colegas juristas e, também, contra o realismo, falso no meu juízo, que subestima a eficácia social dos pressupostos normativos das práticas jurídicas existentes”.

Jürgen Habermas “Facticidad y Validez”

Resumo

Este artigo analisa criticamente o processo de transformações jurídicas que desembocou na aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil em 1990 e que se tornou um eixo inspirador do intercâmbio e integração no campo social entre o Brasil e os outros países da América Latina. Recorda o papel fundante da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança neste processo e na nova objetivação das relações das crianças com os adultos e com o Estado. Na compreensão sobre a natureza complexa da relação direito-realidade se procura explicar a fragilidade das instituições e da democracia na América Latina destacando a centralidade dos direitos especiais que são convocados quando há o reconhecimento da impossibilidade de universalizar, na prática, as políticas sociais básicas. Discutem-se as consequências negativas do autoritarismo dos anos 70 e 80 na América Latina e de como suas seqüelas exacerbaram as tendências negativas no plano das relações direito-realidade destacando que a emergência do movimento do novo direito da infância poderá contribuir para um equilíbrio crítico e uma reflexão em torno das suas possíveis consequências e de sua influencia para o restante do direito reduzindo a discricionariedade e aumentando os espaços reais da democracia.

Palavras-chave:

Direitos da Criança e do Adolescente. Proteção integral. Ambiguidades legais

Resumen

Este artículo examina críticamente el proceso de transformaciones jurídicas que llevaron a la adopción del Estatuto de la Infancia y la Adolescencia en Brasil en 1990 y se convirtió en un eje de cambio inspirador de la integración en el ámbito social entre Brasil y otros países latinoamericanos. Recuerda el papel fundamental de la Emilio García Méndez 1

1 Jurista argentino, Presidente da Fundação Sur-Argentina (www.surargentina.org.ar ) Ex deputado federal. Assessor do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), professor de Criminologia na Faculdade de Psicologia da Universidade de Buenos Aires.

Autor para correspondência:

Emilio García Méndez

Email: emilionuevo@gmail.com M a r i M end ez.

(2)

Convención Internacional sobre los Derechos del Niño en este proceso y en el modo de objetivación de las nuevas relaciones de los niños y adultos con el Estado. En la comprensión de la naturaleza compleja del derecho-realidad, se intenta explicar la debilidad de las instituciones y de la democracia en América Latina, destacando la centralidad de los derechos especiales que se llaman cuando hay un reconocimiento de la imposibilidad de la universalización, en la práctica, de las políticas sociales básicas. Discute las consecuencias negativas del autoritarismo de los años 70 y 80 en América Latina y cómo sus secuelas agravan tendencias negativas en términos de relaciones derecho-realidad, destacando que la aparición del nuevo movimiento desde la infancia puede contribuir a un balance crítico y una reflexión sobre sus posibles consecuencias y su influencia en el resto de la ley y contribuir para la reducción de la discrecionalidad y el aumento de los espacios reales de democracia.

Palabras clave:

Derechos del Niño y del Adolescente. Protección integral. Ambigüedades legales.

Abstract

This article critically examines the process of legal transformations that led to the adoption of the Statute of Children and Adolescents in Brazil in 1990 which became an inspiring exchange and axis integration in the social field between Brazil and other Latin American countries. Recalls the fundamental role of the International Convention on the Rights of the Child in this process and in the objectification of new relationships of the children and adults with the state. In the understanding of the complex nature of the relationship right-reality aims to explain the weakness of institutions and democracy in Latin America highlighting the centrality of the special rights that are called when there is recognition of the impossibility of universalizing, in practice, the fundamental social policies. Discusses the negative consequences of authoritarianism of the 70s and 80s in Latin America and how its sequels has exacerbate negative trends in terms of relationships between right and reality highlighting the fact that the emergence of the new movement for the childhood rights can contribute to a critical balance and a reflection on their possible consequences and their influence to the rest of the law reducing the discretion and increasing real spaces of democracy.

Keywords:

Rights of the Child and Adolescent. Full protection. Legal ambiguities.

(3)

A Convenção e o retorno da democracia na

América Latina

Em novembro de 1989, após dez anos de trabalhos preparatórios, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou, por unanimidade, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança. Naquela data, todos os países do planeta, com duas únicas exceções – Estados Unidos e Somália1 – ratificaram essa Convenção. A região da América Latina e Caribe foi pioneira no processo mundial de ratificações desse tratado internacional, onicompreensivo dos direitos humanos de todos os que ainda não chegaram aos dezoito anos de idade. Além disso, todos os países da América Latina e do Caribe não apenas ratificaram a Convenção, mas também a transformaram em lei nacional por meio de um trâmite de aprovação parlamentar. Na América Latina, particularmente no contexto da tradição jurídica napoleônica do direito codificado, o processo de transformação da Convenção em lei nacional gerou uma efetiva situação de esquizofrenia jurídica em decorrência da vigência simultânea de duas leis que, regulando a mesma matéria, tornam-se antagônicas: por um lado, a Convenção e, por outro, as velhas leis de menores baseadas na doutrina da situação irregular. A inércia político-cultural, somada a alguns problemas técnicos de natureza jurídico-processual, determinaram, no plano judicial, que se mantivesse a aplicação maciça e rotineira das velhas leis de menores, enquanto a aplicação da Convenção se transformava em um fato excepcional e fragmentado.

* Nota dos editores: texto originalmente publicado no livro coletivo Infância, Lei e Democracia na América Latina, García Méndez/Beloff, editores, editoria Temis – Ediciones Depalma, Santa Fé de Bogotá – Buenos Aires, 1998. As alusões feitas pelo autor ao longo do seu artigo referem-se a esse livro.

1 Por ter enfrentado esse problema reiteradamente nos últimos anos em debates e discussões, considero adequado apresentar uma nota explicativa aqui. No caso da Somália, o motivo é óbvio. Há muitos anos, a guerra civil levou ao desaparecimento de qualquer vestígio do governo central no país, e muito mais do Estado. A Somália tornou-se apenas um espaço geográfico e não se constitui como sujeito do direito internacional. O caso dos Estados Unidos é muito mais complexo e exige uma explicação que, em minha opinião, remete a três motivos de natureza distinta: a) o primeiro tem a ver com uma tradição jurídica do direito anglo-saxão – profundamente reforçada em oposição ao bloco soviético nos anos da guerra fria – que privilegia direitos e garantias individuais, ou seja, o direito como um instrumento eficaz para restringir a área de intervenção do Estado na vida dos indivíduos (uma tradição que resiste em se transformar em normas exigíveis), aspecto vinculado à área do econômico-social (saúde, trabalho, moradia, etc.). Nesse sentido, não se deve esquecer que a CIDN também é um catálogo de direitos econômicos e sociais; b) o segundo motivo refere-se a uma imagem (falsa, mas eficiente em conquistar credibilidade) que grupos conservadores, geralmente de matriz religiosa, propagaram de que a CIDN destrói completamente a autoridade dos pais sobre os filhos. Essa percepção é totalmente falsa. No entanto, o que é verdade é que a CIDN reduz drasticamente as relações de discricionariedade entre pais e filhos. É nesse sentido, precisamente, que a CIDN reformula radicalmente as relações das crianças não apenas com o Estado, mas também com os adultos; e c) o terceiro motivo, de natureza eminentemente simbólica, não deixa, por essa razão, de ser sumamente importante e está estreitamente relacionado aos temas da segurança urbana e da delinquência juvenil.

(4)

Se as coisas tivessem seguido seu curso natural, é provável que a Convenção continuasse sendo, talvez por muitos anos, um simpático instrumento do direito internacional. No entanto, o Brasil mudou o rumo natural da história, deslanchando um processo absolutamente inédito na tradição sociojurídica da região: a produção democrática participativa do direito, nesse caso de um novo direito para a infância. Um processo que – nas palavras de Pietro Barcellona – permitiu, "redescobrir que o caráter estruturalmente normativo do ser social é um recurso de poder, porque a capacidade de produzir normas é uma competência social difusa e não apenas uma prerrogativa dos parlamentos”2

. Esse processo, que foi em outras obras detalhadamente analisado por alguns de seus principais protagonistas,3 merece aqui um breve resumo, principalmente pelo seu enorme impacto e repercussão fora das fronteiras do Brasil.

Não parece exagerado afirmar que o processo de transformações jurídicas que desembocou na aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil em 1990 talvez constitua o motivo do maior intercâmbio e integração que, no campo social, o Brasil teve com o resto da América Latina, pondo fim a uma longa tradição de ignorância mútua em relação ao resto da região. Ao descobrir, empiricamente, o estreito vínculo entre os problemas da infância e da democracia e no marco do processo popular de construção de uma nova Constituição, que prenunciava claramente o fim de um quarto de século de autoritarismo militar, o embrionário movimento de luta pelos direitos da infância articulou-se em torno da elaboração de duas emendas populares à nova Constituição (mecanismo previsto na própria Convenção Constituinte). O resultado foi a incorporação à nova Constituição Brasileira, finalmente aprovada em outubro de 1988, de dois artigos fundamentais para todo o desenvolvimento de um novo tipo de política social para a infância: a política social pública. O artigo 227 representa uma síntese admirável da futura Convenção, que na época circulava na forma de um anteprojeto entre os movimentos que lutavam pelos direitos da infância. O outro artigo decisivo foi o 204 (particularmente em seu inciso II) que, legitimando a articulação de esforços coordenados entre governo e sociedade civil, lançou as bases explicitamente jurídicas para a reformulação de uma política pública, já não mais entendida como mero sinônimo de política governamental, e sim como resultado de uma articulação entre governo e sociedade civil4.

2BARCELLONA, Pietro. Política e passioni. Bollati Boringhieri, Turin: 1997. pág. 61.

3Além da considerável bibliografia em português, para leitores de língua espanhola recomendam-se muito especialmente os trabalhos de Edson Seda (1992) e Antonio Carlos Gomes Da Costa (1992).

4O art. 227 estabelece que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão...”. Por sua ver, o art. 204 estabelece o seguinte: “As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: II. Participação da população, por

(5)

Os processos de reforma legislativa

O fato de uma reivindicação por melhorias nas condições materiais da infância ter se expressado na forma de uma norma jurídica, nada menos que de natureza constitucional, significou uma ruptura dupla inédita na região. Em primeiro lugar, a ruptura com um sentido jurídico comum que, na época abertamente e nos dias atuais dissimulada e vergonhosamente, expressa-se na batida frase “na América Latina temos legislações de menores maravilhosas que, infelizmente, não são aplicadas”. Em segundo lugar, uma ruptura com o acordo tácito de que a Constituição, muito particularmente nas suas garantias individuais, invariavelmente consagradas normativamente para todos os habitantes, não devia interferir, na prática, nas tarefas de compaixão-repressão próprias do (não) direito e das políticas de menores. Finalmente aprovada a nova Constituição, seus artigos 204 e 227 colocaram imediatamente em evidência o caráter flagrantemente inconstitucional da legislação de menores vigente: o código de menores de 1979, dispositivo central da política social do autoritarismo militar de décadas anteriores. Esses são, de forma muito breve e esquemática, os antecedentes do primeiro processo de reforma legislativa da América Latina no contexto da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.

Na realidade, pode-se dizer que ocorreram duas grandes etapas de reformas jurídicas na América Latina no que se refere ao direito da infância. Uma primeira etapa, de 1919 a 1939, que introduz a especificidade do direito de menores e cria um novo tipo de institucionalidade: a justiça de menores5. E uma segunda etapa, que este livro pretende precisamente abordar, que se inicia em 1990 e continua aberta e em evolução até os dias atuais.

Comprida a primeira etapa do processo de reformas, de 1940 a 1990, as poucas mudanças jurídicas ocorridas foram, invariavelmente, intranscendentes: variações em torno de um mesmo tema para formulá-lo de uma maneira um pouco mais elegante. O processo de mudanças jurídicas e sociais que os movimentos em prol dos direitos da infância concretizaram no Brasil em 1990 (mas que reconhece antecedentes imediatos e diretos pelo menos desde 1986) constitui um exemplo extraordinário da conjunção de três coordenadas fundamentais: infância, lei e democracia. Nesse caso, a experiência revela que os diversos problemas da infância só podem ser reconstruídos a partir de uma perspectiva diferente da compaixão-repressão quando se intersectam com o tema da lei e o tema da democracia.

Isso significa uma recusa absoluta de se considerar questões relativas a crianças a partir de qualquer perspectiva fragmentária e, sobretudo, corporativista, A nova relação infância-lei implica uma profunda reavaliação meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”.

5Para uma análise bastante exaustiva dessa primeira etapa, mas que só abrange cinco países da região (Argentina, Colômbia, Custo Rica, Uruguai e Venezuela) cfr. E. García Méndez-E. Carranza (1990). Para uma análise mais global para toda a América Latina, cfr. E. García Méndez (1997a, pags. 45 e 55).

(6)

crítica do sentido e da natureza do vínculo entre a condição jurídica e a condição material da infância.

No entanto, as transformações da segunda etapa das reformas legislativas (de 1990 em diante) não se referem apenas a uma mudança profunda e substancial nos conteúdos da lei. Trata-se, também, de uma mudança nos mecanismos de produção do direito, de um novo direito para todas as crianças, não apenas para as que estejam em situação irregular. A partir da experiência do Brasil, todas as demais reforma legislativas (com maior ou menor nível de participação social e com melhor ou pior técnica jurídica) deixaram de ser geradas em reuniões esotéricas e clandestinas de especialistas nos sótãos dos Ministérios da Justiça e passaram a ser propostas em imensos laboratórios político-sociais de produção jurídica democrática. A década de oitenta, para a América Latina no seu todo e para o Brasil na sua segunda metade particularmente, coincide com a retirada, mais ou menos ordenada e mais ou menos caótica, das ditaduras militares instauradas na década de 1970. Na América Latina, o complexo, difícil e contraditório retorno à democracia coincide com o surgimento e divulgação da Convenção. Pela primeira vez, um instrumento com a forma de lei chama seriamente a atenção dos movimentos sociais, que de um modo geral enfrentavam conflitos políticos com os governos autoritários. No entanto, a assimilação desse instrumento legal não foi fácil e não faltaram críticas de um tipo diferente, expressadas por diversos setores, desde aqueles que afirmavam que qualquer tentativa de juridificação dos direitos da infância significava, na prática, negar ou pelo menos colocar em uma camisa de força seus direitos naturais àqueles que consideravam a Convenção como outra mais ou menos sutil intervenção do imperialismo. Na verdade, os motivo profundos pelos quais a Convenção consegue finamente impor-se com tanta intensidade exigem uma análise mais detalhada. É possível, no entanto, que a sua compreensão e aceitação como instrumento específico de direitos humanos tenham desempenhado um papel fundamental no seu estabelecimento sociojurídico definitivo. É provável, também, que tenha sido decisiva a intuição de alguns grupos de ativistas sociais de que não é apenas a democracia que garante a luta pelos direitos, mas também, e fundamentalmente, a luta pelos direitos que garante a democracia6. Foi precisamente essa intuição que desempenhou um papel determinante na primeira incorporação constitucional da Convenção. No Brasil dos fins dos anos 80, foram juristas com sensibilidade educacional e, sobretudo, educadores com uma altíssima sensibilidade jurídica que instalaram um tipo, felizmente heterodoxo, de luta por direitos no campo do direito. Esta articulação lançou as bases para a urgente e necessária reformulação das relações entre pedagogia7 e justiça, refundação que encontra no texto de

6 Sobre essa questão específica da relação direito-democracia, cfr. L. Ferrajoli (1989, especialmente na pag. 992).

7 O conceito de pedagogia está particularmente associado a uma necessária reformulação crítica que, do ponto de vista garantista, deve ser realizada pela educação e pelos educadores, principalmente – embora não exclusivamente – em situações vinculadas ao conflito dos adolescentes com a lei penal.

(7)

Antonio Carlos Gomes da Costa – contido neste livro – seu melhor exemplo, eximindo-me aqui da necessidade de reflexões ulteriores.

Direito

e

realidade:

a

contribuição

do

substancialismo

Como era de se esperar, substancialistas de diversos tipo e nostálgicos defensores da (des)ordem jurídica anterior ficaram respectivamente excluídos e em conflito com esse processo. Se os nostálgicos defensores da velha ordem jurídica – diversos cultores do cadáver insepulto da doutrina da situação irregular – não precisam ser mais profundamente explicados, parece-me que os que chamo aqui de substancialistas merecem uma explicação mais detalhada. Uso, aqui, o termo substancialistas para designar aqueles que, a partir de diversas posições político-ideológicas, subestimam as capacidades reais, positivas ou negativas, do direito. São os mesmos que atribuem um caráter automático e inevitavelmente condicionante ao que eles, arbitrariamente, definem como condições materiais determinantes. Na prática, são os que nos alertam para a inutilidade de qualquer reforma que não seja profundamente estrutural. São os portadores, conscientes ou inconscientes, da perspectiva que produz o efeito duplamente perverso da pobreza: como produtora de situações concretas de profundo mal-estar social e perda de dignidade humana (em pessoas em situação de pobreza) por um lado e, por outro (nos não afetados pela pobreza), no seu uso instrumental como curinga grosseiro que explica (e sugere) as diversas formas da resignação. “Os direitos humanos não podem ser respeitados aqui enquanto a pobreza não for erradicada” é a frase simplista que melhor sintetiza a posição substancialista.

Essa posição esquece que a história crítica do desenvolvimento social ensina exatamente o contrário: que as formas de resolução pacífica e respeitosa em relação à dignidade humana dos conflitos sociais e individuais são precisamente as condições sine qua non (ainda que não suficientes) para um desenvolvimento sustentável que possibilite uma verdadeira erradicação da pobreza. Vários exemplos demonstram que foram investimentos maciços na educação (direito habilitante para o exercício de outros direitos) que permitiram o desenvolvimento e a erradicação real da pobreza, não o contrário8, e esse fato deveria, pelo menos, induzir os substancialistas a rever profundamente seus dogmas tanto inúteis quanto prejudiciais.

O processo de reformas legislativas em curso evidencia que é precisamente nessa falta de compreensão da natureza complexa da relação direito-realidade que reside um elemento fundamental para explicar a fragilidade das instituições e da democracia na América Latina. É com base nesse raciocínio que, muito particularmente no campo da infância, a justiça é

8 Sobre essa questão específica, que explica como investimentos na educação nos países hoje desenvolvidos precederam e possibilitaram o desenvolvimento econômico, cfr. M. Weiner (1991), particularmente as pags. 109 a 151.

(8)

substituída pela piedade e, principalmente, pela bondade paternalista que Kant tanto repugnava9.

O enfoque substancialista caracteriza-se por sustentar, objetivamente, uma tosca versão materialista do direito, herdeira do marxismo mais vulgar. Assim, ao direito, dimensão abstrata e ideológica, opõe-se a ação concreta sobre a realidade social. O direito, nesse caso, deve ser o reflexo fiel da realidade. Como Funes, o memorioso, do maravilhoso relato de Borges, cujas recordações de um dia eram tão minuciosas que duravam exatamente um dia, o enfoque substancialista exige que o direito seja (para não ser abstrato e ideológico) um reflexo fiel da realidade. Nessa perspectiva, não é de se estranhar que o direito seja percebido como algo supérfluo na realidade. Para seguirmos com Borges, trata-se da história daquele imperador chinês que queria ter um mapa perfeitamente fiel do seu império. Milhares de cartógrafos trabalharam durante anos na elaboração do mapa, que acabou ficando do mesmo tamanho do império e, consequentemente, tornou-se completamente inútil10.

Em vez de ser um programa de ação futura e um instrumento para se lograr o que ainda não é, se o direito deve refletir a realidade ele só pode e deve existir quando já não é mais necessário. O resultado desse raciocínio (incorreto e falso) consiste em confirmar a subestimação da função do direito: outra profecia na qual os substancialistas trabalham incansavelmente para autorrealizar. Assim, um direito à educação que reflita a realidade deve concluir, por exemplo, que a educação de qualidade é um direito de crianças cujos pais têm um nível de renda que lhes permita ter esse tipo de educação. Nenhum direito reflete melhor a realidade do que os direitos especiais que partem, paradoxalmente, do reconhecimento da impossibilidade de universalizar, na prática, políticas sociais básicas (saúde e educação para todos).

A conquista de benefícios sociais para crianças11 trabalhadoras constitui o melhor dos exemplos. Com a desculpa e suposta legitimidade da sua proteção, algumas pessoas ou instituições promovem a obtenção de benefícios sociais para crianças trabalhadoras (assistência médica, por exemplo). Essa posição constitui um tríplice e gravíssimo erro. Em primeiro lugar, do ponto de vista do que poderíamos chamar de imediatismo pragmático, porque normalmente os recursos canalizados por meio de políticas assistenciais são deduzidos ou subtraídos de políticas sociais básicas. Mais benefícios para crianças trabalhadoras significam (no curto ou médio prazo) menos recursos para crianças nas escolas. Em segundo lugar, porque a transferência de benefícios sociais das políticas universais às assistenciais implica um aumento geométrico da discricionariedade na gestão destas, que é o terreno mais fértil para se aumentar e, sobretudo,

9 Sobre essa questão, que remete também à discrepância governo dos homens versus governo da lei, cfr. N. Bobbio (1995), especialmente nas pags. 182 e 183.

10

Sobre essa questão, e muito especialmente sobre o uso da metáfora da cartografia, cfr. B. de Souza Santos (1991, pags. 55 e 213).

11 Foi utilizado aqui o termo criança no preciso sentido jurídico a ele atribuído no novo direito da infância na América Latina, para designar pessoas abaixo de 12 ou 13 anos. Acima desse limite, as novas leis as reconhecem como adolescentes.

(9)

legitimar as mil variáveis das piores práticas do clientelismo político. Em um processo semelhante, mas inverso, ao que transformou súditos em cidadãos, as proteções especiais, quando desnecessárias, como nesse caso, tendem a transformar – por involução – os cidadãos em clientes. Em terceiro lugar, essas conquistas vão consolidando e confirmando uma cultura de apartheid que percebe o trabalho infantil como uma solução12 e as crianças trabalhadoras como uma realidade imodificável, equiparável a uma catástrofe natural.

Desse pensamento desconexo, mas que tem a força da inércia das coisas e o apoio do bom senso, foi surgindo um novo paradigma: o da ambiguidade13. Diante dos paradigmas instalados e enfrentados da situação irregular e da proteção integral, o paradigma da ambiguidade se apresenta como uma síntese eclética, adequada para esta época de fim das ideologias. O paradigma da ambiguidade está muito bem representado pelos que, rejeitando por completo o paradigma da situação irregular, não conseguem acompanhar – possivelmente em decorrência da diminuição significativa de práticas discricionárias e paternalistas no trato com crianças – as transformações reais e em potencial resultantes da aplicação consequente do paradigma da proteção integral, que considera a criança e o adolescente como sujeitos de direitos e, não menos, de responsabilidades. Neste ponto, me parece importante arriscar uma explicação que permita uma melhor compreensão da razão do surgimento (e divulgação ) do paradigma da ambiguidade.

Considerando o caráter de revolução copernicana da mudança de paradigma de situação irregular para proteção integral, principalmente no sentido da diminuição radical da discricionariedade na cultura e práticas da proteção (é importante lembrar que a história é muito clara ao mostrar as piores atrocidades contra a infância cometidas muito mais em nome do amor e da proteção do que no nome explícito da própria repressão), precisamos admitir que o direito (a Convenção) desempenhou um papel decisivo na objetivação das relações das crianças com os adultos e com o Estado14.

Essa objetivação (entendida como tendência oposta à da discricionariedade), que se expressa não apenas por um novo tipo de direito, mas também por um novo tipo de institucionalidade, bem como por mecanismos inovadores de cumprimento e exigibilidade, transforma substancialmente o sentido do trabalho dos especialistas tradicionais, de juristas a pedagogos15, para

12

De forma brilhante, Antonio Carlos Gomes da Costa assinala que um dos principais problemas do trabalho infantil reside precisamente no fato de ele não ser socialmente percebido como tal. Gomes da Costa continua afirmando que as sociedade estão preparadas, na melhor das hipóteses, para enfrentar problemas e não soluções. Embora soe paradoxal, para enfrentar o tema do trabalho infantil ainda precisamos envidar mais esforços, principalmente no plano político-cultural, para que a sociedade o perceba como um problema.

13 Sobre essa questão, cf. o trabalho de Antonio Carlos Gomes da Costa (1998). 14

Sobre o novo direito da infância, particularmente a CIDN, entendido como uma reformulação radical das relações entre criança e adultos e entre crianças e estado, cf. o excelente trabalho de Miguel Cillero sobre O interesse superior da criança, contido nesse livro.

15

(10)

abranger toda a ampla gama desses operadores sociais. Essas transformações referem-se, especialmente, à redução da capacidade omnímoda de se diagnosticar discricionariamente a existência e características da “disfunção” social ou individual; e, muito especialmente, o sentido e características das medidas aplicáveis, sejam elas jurídicas, terapêuticas ou sociais. As metáforas da medicina dão cada vez menos conta da nova situação. A reclassificação dos adolescentes em conflito com a lei penal de uma vaga categoria sociológica que comete feitos antissociais (situação irregular) para uma categoria jurídica precisa que comete infrações penais, típicas, antijurídicas e culpáveis (proteção integral) constitui um exemplo bem representativo dessa situação.16

O novo direito da infância reduz drasticamente os níveis de discricionariedade não apenas jurídica, mas também pedagógica. É nesse contexto que se produz a rejeição aberta ou mascarada dos velhos especialistas ao novo direito e sua adesão mais ou menos espontânea e objetiva ao paradigma da ambiguidade (é óbvio que o conceito de velho e novo se refere aqui a uma categoria político-cultural e não cronológica).

Direito e Pedagogia: da discricionariedade à

justiça

Convém lembrar que, na história da proteção dos menores, os eufemismos da bondade não conhecem limites. Bernardo, a figura mais relevante no campo da proteção dos menores de rua e abandonados na Inglaterra no final do século XIX, expressa esse fato com uma clareza que não carece de maiores comentários. A prática de arrancar (único verbo que descreve, literalmente, as verdadeiras metodologias de proteção) crianças de suas famílias inadequadas e oferecer-lhes melhores condições de vida, promovendo sua emigração maciça para o Canadá, era denominada sequestro filantrópico17. Com esses precedentes, não restam dúvidas de que, por sete décadas (1919-1990), o paradigma da situação irregular foi indiscutivelmente hegemônico na América Latina.

Aos céticos, cabe lembrar que, no que se refere à capacidade do direito de influenciar a política social, as leis de menores outorgaram aos juízes (de menores) a capacidade efetiva de desenhar – e executar parcialmente – políticas para a infância pobre durante todo o período de vigência plena da doutrina da situação irregular.

A prova do caráter hegemônico do paradigma da situação irregular que prevaleceu durante pelo menos setenta anos é o fato de as discussões e confrontos entre os intérpretes da lei (juízes) e os aplicadores de suas consequências (psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, etc.) terem ocorrido, invariavelmente, nos moldes e no estreito âmbito do paradigma

16 Cfr. García Méndez, Emilio, 1997a, pags. 209 a 227.

17 Cunningham, Hugh, Storia dell ‘infanzia, XVI-XX Secolo, IL Mulino Bolonia, 1997, pag. 183.

(11)

hegemônico. O velho direito e a velha pedagogia constituíam apenas variações temáticas (e complementares) da cultura da discricionariedade18. O que se observa é que enquanto, por um lado, é óbvio e evidente que o novo direito exige uma profunda renovação entre os operadores jurídicos (juízes, fiscais, defensores), não é tão clara a extensão e profundidade da renovação necessária para os operadores sociais (pedagogos, assistentes sociais, psicólogos, etc.). Nesse sentido, este livro (muito mais que este artigo) deve ser entendido também como um convite à refundação de um diálogo, articulado e respeitoso, entre os operadores sociais e os juristas. O pacto de cavalheiros entre a corporação médica e a jurídica, estabelecido nas décadas de 1920 e 1930 com base em uma institucionalidade híbrida e eclética – a da justiça de menores –, está absolutamente esgotado. Trata-se de uma justiça com as aparências objetivas e abstratas da lei, mas que, com os conteúdos e o funcionamento real da discricionariedade médica, está em processo de extinção. No entanto, como na bela metáfora de Gramsci para descrever a crise, também aqui o velho não morreu completamente e o novo não nasceu por inteiro. Permito-me, neste ponto, fazer uma (única) indicação da direção apontada pela nova relação entre o direito e a pedagogia. Historicamente, e com base no conceito da interdisciplinaridade, a velha pedagogia tem permeado cada milímetro do (não) direito de menores. Psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, entre outros, transitaram e transitam com naturalidade nas instâncias da velha (e nova) justiça para a infância. Pode ter chegado a hora de os operadores da defesa técnica (advogados públicos ou particulares) começarem a transitar com a mesma naturalidade nos espaços de tratamento e reabilitação. Para uma pedagogia das garantias (única forma que a pedagogia pode assumir no contexto do novo direito da infância), a pertinência jurídica do sujeito de uma medida socioeducativa constitui o primeiro requisito para se considerar, só posteriormente, a bondade ou maldade intrínseca da medida pedagógica. Na refundação das relações entre o direito e a pedagogia, cabem perfeitamente as palavras de Antonio Machado no período imediatamente posterior ao da guerra civil espanhola: precisamos inventar até a verdade.

Direito e autoritarismo

O processo de reformas legislativas iniciado em meados da década de 1980 no Brasil e que se estende até os dias atuais a todos os países da América Latina deve ser também entendido como um imenso laboratório para a democracia e o direito.

Na Europa dos anos 80, muito particularmente na Itália e em menor medida na França, surge um movimento de uso alternativo do direito que projetou certa influência na América Latina no plano intelectual e acadêmico, embora não no político. O ambiente político no qual o movimento pelo uso alternativo do direito (na Europa) nasceu e se desenvolveu poderia ser esquematicamente sintetizado da maneira descrita a seguir. Em um contexto

18

(12)

de bloqueio da situação política, caracterizado pela imobilidade do percentual de eleitores dos partidos progressistas, por uma crescente produção intelectual crítica no campo do direito e pela profissionalização democrática dos operadores da justiça (concursos públicos e carreira judicial), surge a proposta de se usar uma chave diferente da tradicional, do direito existente. A falta de uma base maior de sustentação política e a incapacidade ou impossibilidade de políticas de alianças determinaram a inexistência de condições para a transformação legislativa. Tratava-se, em outras palavras, de se usar, com um conteúdo progressista e transformador, a discricionariedade própria da função judicial. É a tentativa de utilização crítica de um direito - muitas vezes razoavelmente democrático - ou a rejeição das interpretações regressivas das normas jurídicas processuais, impostas e legitimadas pelas várias faces da emergência (máfia, terrorismo, etc.).

No entanto, e provavelmente como uma consequência indesejada, o uso crítico do direito por parte de seus operadores (os juízes) veio a reforçar os níveis da discricionariedade judicial. É pelo menos paradoxal que Pietro Barcellona, um dos inspiradores do movimento pelo uso alternativo do direito há vinte anos, se expresse nos seguintes termos em um trabalho muito recente: “a universidade elaborou teorias legitimadoras de um inadmissível poder para os juízes. Basta pensar na cada vez mais frequente afirmação da função criativa do juiz e na ênfase colocada sobre um direito vivente como alternativa à primazia de um legislador confuso e contraditório”19.

A situação no contexto latino-americano é muito diferente. Na América Latina dos anos 80, não apenas carecíamos de um direito razoavelmente democrático, mas também contávamos com um direito explicitamente autoritário e antidemocrático. Essa situação era particularmente evidente na área do (não) direito constitucional e do direito penal. O direito de menores, baseado na doutrina da situação irregular, não constitui, obviamente, um subproduto das ditaduras militares da década de 1970, mas se adaptou maravilhosamente ao seu projeto social. A discricionariedade omnímoda do direito de menores, legitimada na bondade protetora de setores fracos e, sobretudo, incapazes, constituiu uma bela fonte de inspiração para o direito penal e constitucional do autoritarismo. É por isso que se hoje o projeto de construção da cidadania da infância baseia-se na constitucionalização do seu direito, o projeto regressivo do autoritarismo das décadas de 1970 e 1980, de transformar cidadãos em súditos, baseava-se na menorização de todo o direito, muito especialmente do penal e constitucional.

Uma das múltiplas consequências negativas do autoritarismo dos anos 70 e 80 foi o impacto negativo que ele teve sobre a já frágil cultura do direito na América Latina. Sem dúvida alguma, o autoritarismo e suas sequelas exacerbaram todas as tendências negativas que, principalmente no plano das relações direito-realidade, direito-democracia e direito-cidadania, imperaram e imperam desde a colônia até os nossos dias.

19

(13)

Ainda com o objetivo de destruir a democracia e a condição de cidadania, os governos autoritários não subestimaram as capacidades técnicas do direito como instrumento eficiente de dominação20.

O direito de menores, particularmente no seu caráter de eficiente instrumento de controle social, especialmente pela sua conhecida vocação de criminalizar a pobreza, conviveu comodamente com toda a política do autoritarismo e não apenas com sua política social. A discricionariedade omnímoda do direito de menores, na qual a legalidade consistia na mera legitimação do “que acredite ser mais conveniente” o responsável pela sua aplicação, constituiu uma bela fonte de inspiração para o direito penal e constitucional do autoritarismo.

O uso profícuo do direito por parte de governos autoritários confirmou para os substancialistas, no momento de retorno à democracia, a necessidade de relativizar as capacidades transformadoras do direito e, sobretudo, relativizar a qualidade do vínculo entre direito e democracia. A necessidade de o direito refletir apenas a realidade parece ser a reação dos que negam, como sendo meramente ideológico, um direito diferente da realidade; em outras palavras, dos que negam explicitamente as possibilidades do direito como instrumento pedagógico e proposta democrática de transformação social.

Infância e Democracia

O novo direito da infância-adolescência na América Latina constitui, nos fatos (e vale o jogo de palavras, no direito), o desmentido completo das profecias do realismo substancialista. Da aprovação do Estatuto do Brasil, em 1990, até a nova lei da infância da Nicarágua, aprovada pelo parlamento do país em março de 1998, todas as leis gestadas pelos movimentos de luta pelos direitos da infância foram profundamente negadoras da realidade. Se tivesse sido aplicado o reality check apregoado pelo realismo substancialista, as recorrentes políticas de ajuste estrutural e as erráticas políticas de segurança resultantes do alarme social em torno da delinquência juvenil teriam determinado que essas leis foram não tanto (e apenas) inúteis, mas também impossíveis. Este livro cita, também para desmentir o realismo substancialista, leis, projetos e anteprojetos “impossíveis” de dezesseis países que se atreveram a construir normas jurídicas que não refletem a realidade, mas são muito melhores do que a própria realidade (o Código de Menores da Colômbia de 1990 está excluído dessa afirmação e, por isso, o número de países se reduz a dezesseis). Leis que, embora ninguém veja como instrumentos mágicos e muito menos como suficientes para promover qualquer mudança profunda nas condições materiais da infância, serviram para ser entendidas como condição sine qua non para melhorar a situação das crianças e adolescentes e, principalmente, a qualidade da nossa vida democrática. Projetos de lei que acabaram se tornando, na feliz expressão de Antonio Carlos Gomes da Costa, verdadeiros projetos de sociedade. Pode ser

20 Para uma análise mais detalhada das funções específicas do direito no contexto do autoritarismo dos anos 70 e 80, cf., entre outros, E. Garzón Valdés (1993), E. García Méndez (1987) N. Lechner (1977).

(14)

conveniente lembrar aqui que, nesse continente de paradoxos, os que menos fazem são precisamente os homens práticos e pragmáticos e não fazem nada porque dedicam todo o seu tempo para nos explicar cientificamente o caráter inelutável do existente: porque o que é, é o único que pode ser, e o que não é, pura e simplesmente não pode ser. Como afirma Alessandro Baratta, é nesse desprezo da utopia, entendida particularmente na sua dimensão do que ainda não é, que reside a explicação de uma parcela nada desprezível dos problemas da nossa democracia. Com as crianças – afirma ainda Baratta –, que não perderam essa capacidade porque seu mundo ainda não foi colonizado pela razão cínica, temos, sem exagero ou demagogia, muitíssimo a aprender21.

O movimento do novo direito da infância espera não apenas um equilíbrio crítico (que oxalá seja externo à sua lógica, cultura e funcionamento), mas também uma profunda reflexão em torno das suas possíveis consequências e do seu contaminante caráter positivo (e, conforme o caso, negativo) para o restante do direito.

Direito e realidade: a “contribuição” do

masoquismo institucional

Se há uma área na qual o pensamento regressivo teve (e, em boa parte, ainda tem) um caráter hegemônico, essa área é a do direito. Já faz alguns anos (quando imperavam governos abertamente autoritários na América Latina) que venho me dedicando especificamente ao tema, sustentando que a hegemonia jurídica constituía (também) para os grupos dominantes uma forma de recuperar o desgaste resultante das relações abertas de dominação mantidas no plano do político22. No entanto, se a afirmação anterior explica, em parte, as causas da hegemonia jurídica, ela também diz muito pouco sobre o seu conteúdo e manifestações concretas.

Em poucas áreas da vida social a hegemonia jurídica regressiva manifestou-se com mais força (e eficácia) do que na área da política social para os mais necessitados. Além disso, não me parece exagerado reiterar que, desde 1919, as leis de menores vêm orientando, ideológica e materialmente, a política para crianças em situação de pobreza na América Latina. Embora paradoxal, a hegemonia jurídica do pensamento regressivo manifesta-se (também) na subestimação do direito e do jurídico por parte de setores que se percebem politicamente como progressistas e – sem sombra de dúvida – modernistas. Essa perspectiva, mas, sobretudo, esse problema na América Latina remete à relação entre direito e realidade, muito pouco explorada com seriedade e na devida profundidade. É aí que a cultura garantista e democrática encontra um obstáculo político-cultural considerável em algumas manifestações – recorrentes – do pensamento substancialista próprio do paradigma da ambiguidade.

21 Cfr. Artigo de Alessandro Baratta sobre Infância e Democracia. 22

(15)

A formulação de políticas ou, o que é pior, de propostas legislativas em função das deficiências, omissões, violações, enfim, do que não é, e não em função do que deveria ser, teve e tem consequências negativas gravíssimas para a cultura dos direitos e a própria democracia (mutatis mutandi algo muito parecido pode ser dito em relação às leis e políticas que só se referem aos excessos intoleráveis). As leis protetoras da criança trabalhadora constituem, como já mencionado, um bom exemplo de um erro elevado à categoria de política jurídica e social. Na verdade, as leis protetoras tendem objetivamente a legitimar, consolidar e, sem dúvida, reproduzir, de uma maneira ampliada, as violações e omissões que a própria lei protetora pretende aliviar.

Relativizar, também normativamente, uma violação de direitos consagrados em uma norma jurídica superior (por exemplo, na Convenção ou na própria Constituição), implica objetivamente renunciar ao direito como instrumento eficaz que indique o caminho para a redução e eliminação de injustiças flagrantes e desigualdades intoleráveis. Nesse contexto, flexibilizar realisticamente a legislação concebida para proteger crianças trabalhadoras, por exemplo, não é nada diferente, política ou conceitualmente, de suavizar as normas que punem a violência policial com base no argumento de sua alta frequência.

Semelhantemente ao que ocorre na relação direito-pedagogia, a percepção social da relação direito-realidade na América Latina também exige uma nova análise crítica.

A percepção social dominante da relação direito-realidade é, acima de tudo, a história de sombrias profecias que – geralmente – se autorrealizam. A percepção “popular” oferece alguns exemplos que merecem uma atenção muito mais séria que a dispensada ao tema até o presente momento. Do “acata-se, mas não se cumpre” ao “para os amigos tudo, para os inimigos, a lei” (frase atribuída a Getúlio Vargas, mas que, na verdade, poderia ser atribuída a muitos outros), há uma grande continuidade negativa que, curiosamente, quase nunca é evidenciada nas análises que explicam os problemas e a fragilidade das nossas democracias. A análise das funções específicas do direito como mecanismo coercitivo de integração social no contexto de governos autoritários23 não foi seguida, até agora, por uma análise semelhante em condições democráticas.

O pensamento “substancialista” contribuiu para consolidar a visão de uma relação perversa entre direito e realidade. A percepção dominante da relação entre condições materiais e condições jurídicas da infância oferece um exemplo que merece uma menção mais explícita e profunda.

A experiência dos processos de reforma legislativa dos últimos anos revela que enquanto coexistirem em um país condições materiais da infância graves e preocupantes (desnutrição, mortalidade infantil, detenções ilegais e arbitrárias, etc.) com condições jurídicas semelhantes, ou seja, com leis velhas e desprestigiadas (negadoras do direito, carentes de garantias ou até tecnicamente vergonhosas), a “opinião pública” (que, como se sabe, é muitas

23

(16)

vezes a menos pública das opiniões) tenderá a ignorar, neste caso, a correspondência entre direito e realidade. No entanto, tão logo um país no qual a infância enfrenta graves condições materiais aprova uma lei democrática em seu processo de produção e garantista em seu conteúdo, inicia-se um processo brutal de exigências de natureza quase milagrosa em relação à nova lei.

O fato de a nova lei propor condições materiais muito melhores que as existentes é suficiente para a sua condenação como utópica. Utópica não no sentido positivo de E. Bloch, que vê a utopia como o que ainda não é, mas no sentido de desprezivelmente impossível. Utopia negativa que se refere – geralmente – à impraticabilidade da lei pela ausência (total) de recursos de todo tipo, especialmente financeiros. Como se as dotações orçamentárias, de outra parte quase sempre sensíveis ao clientelismo eleitoral, fossem imunes a qualquer tipo de pressão social.

Nesse contexto, há um bom senso latino-americano que se aproxima muito do que – com certa dose de ironia, mas não muita – poderia ser chamado de masoquismo institucional. A reação imediata a uma boa lei se expressa, muitas vezes, na frase “essa lei é boa demais para nós, é uma lei para a Suíça ou a Suécia”.

Uma visão como essa comete – no mínimo– um equívoco duplo. Em primeiro lugar, ela subestima tanto o caráter pedagógico em potencial da lei quanto sua condição de instrumento decisivo na construção da cidadania, principalmente quando usada como ferramenta técnico-política de mudança. Em segundo lugar, esse realismo antiutopista dá como certo o caráter imodificável que o capitalismo selvagem do ajuste estrutural assumiu: desmonte da política social e controle férreo das consequências do darwinismo social instaurado. Essa percepção não é apenas incorreta. Considerada a partir de qualquer perspectiva consequente com a plena consolidação de uma verdadeira democracia, ela também é falsa. A subestimação do papel estratégico do direito em um processo positivo de mudança social não é, principalmente, resultante da fragilidade da democracia e de suas instituições. A fragilidade da democracia e de suas instituições é que resultam da subestimação das capacidades do direito como forma democraticamente privilegiada de garantir a justiça e a paz social. Por essa razão, não me parece exagerado afirmar que, se os avanços realistas do substancialismo não forem contidos no plano político, jurídico e cultural, corremos o risco de retornar à situação que prevalecia antes da Revolução Francesa, quando o exercício efetivo dos direitos fundamentais dependia – explicitamente – das condições materiais24. Ou seja, de retornar a uma situação (ideal para os substancialistas) na qual o direito refletia fielmente a realidade.

Globalização, infância e direitos humanos

24 Sobre essa questão em particular, cfr. S. Rodota (1997), especialmente nas pags. 130 a 131.

(17)

A década dos 1990 foi marcada por mudanças muito profundas em todos os âmbitos imagináveis. O processo de globalização modificou radicalmente o compromisso histórico entre Estado e mercado25; mais precisamente, rompeu-se a inserção no mercado de trabalho como fundamento da cidadania, base do funcionamento da democracia moderna26.

No entanto, se, por um lado, o fundamento da cidadania não reside mais, primordialmente, em um mercado de trabalho cada vez mais volátil, seu fundamento no âmbito da democracia – principalmente após o descrédito que as democracias populares trouxeram a qualquer projeto de soberania popular – ele foi se deslocando com força cada vez maior para o plano dos direitos fundamentais do homem27.

A compreensão dos efeitos reais da globalização, principalmente no plano social, exige que qualquer abordagem maniqueísta ao problema seja abandonada. Além disso, se as bases da cidadania e da democracia encontram-se em um profundo processo de reformulação, a categoria infância está longe de ser uma variável independente ou passiva em relação a essas transformações. A Convenção não é apenas uma carta magna dos direitos humanos da infância-adolescência; ela também constitui a base jurídica concreta para a redefinição de um conceito de cidadania mais afinado com os tempos.

Se, por um lado, a mão invisível do mercado se encarregou de destruir a certeza do trabalho como fundamento da cidadania, por outro a mão visível do direito está se encarregando de destruir a outra certeza que equiparava e restringia o conceito de cidadania ao mero exercício de alguns direitos políticos. Por hora, este exemplo é suficiente para revelar o caráter profundamente contraditório das tendências ocasionadas pelo processo de globalização.

Numa extraordinária palestra proferida em 1990 na faculdade de direito da Universidade de Buenos Aires, La Infancia como arqueologia del futuro, também publicada nesta edição, Alessandro Baratta explica como a Convenção constitui, ao mesmo tempo, causa e efeito de uma nova refundação do pacto social. Se, como é sabido, o pacto social da modernidade baseia-se, muito particularmente, na exclusão dos não cidadãos (não proprietários, estrangeiros, mulheres e crianças), a cada crise e ruptura do pacto original a pressão social e o direito desempenharão um papel fundamental na ampliação de suas bases de sustentação. Parece-me importante lembrar aqui que o direito que desempenhou um papel fundamental nos movimentos de refundação do pacto não foi apenas o direito constitucional, mas também o civil e o de menores, termo que, na realidade, ainda é usado para designar os diversos estatutos de incapacidade da infância.

25 Pietro Barcellona, 1997, pag. 49. 26 U. Beck (1997), pags. 21 a 25. 27

(18)

Assim como ocorre com a mulher28, a incapacidade política da infância também é precedida por uma incapacidade civil, a qual, por sua vez, legitima e baseia-se em uma longa série de incapacidades naturais que o direito de menores só se deu o trabalho de “reconhecer” e outorgar o status de científicas.

No entanto, se o direito autoritário desempenhou um papel fundamental na legitimação das técnicas de exclusão, é necessário que se conheça um pouco mais esse direito, não apenas no seu conteúdo, mas também na sua forma. Embora o conteúdo do direito autoritário deixe-se reconhecer por qualquer pessoa de uma forma clara e explícita, o mesmo não ocorre com a sua forma. A forma autoritária do direito remete ao seu casuísmo concreto, o qual, no caso do direito de menores, refere-se à proteção específica de pessoas que pertencem a determinadas categorias (crianças abusadas sexualmente, maltratados, em situação de rua, trabalhadoras, privadas de liberdade, etc.)29. Já a forma emancipatória e construtora da cidadania para todos faz referência ao caráter abstrato e geral da lei.

Norberto Bobbio expressa essa sutil diferença entre forma e conteúdo de uma maneira absolutamente clara quando afirma o seguinte:

Não se discute que a função igualadora da lei depende da sua natureza de norma geral cujos destinatários não são apenas um indivíduo, mas uma classe de indivíduos que pode ser constituída da totalidade dos membros do grupo social. Justamente em função da sua generalidade, uma lei, qualquer que seja e, portanto, independentemente do seu conteúdo, não consiste, pelo menos no âmbito da categoria dos sujeitos aos quais ela se dirige, nem em um privilégio, ou seja, em disposições a favor de uma só pessoa, nem em discriminação, ou seja, em disposições contra uma única pessoa. O fato de existirem leis igualitárias e não igualitárias constitui outro problema: um problema relativo não à forma da lei, mas ao seu conteúdo30.

Se o direito de menores desempenha um papel (regressivo) fundamental, entre outras coisas por legitimar exceções às garantias que o direito constitucional oferece a todos os seres humanos, um novo tipo de direito constitucional inspirado na Convenção abre as portas para uma nova reformulação do pacto social, com todas as crianças e adolescentes como sujeitos ativos do novo pacto. Um exemplo técnico-jurídico é o histórico artigo aprovado há poucos meses – em março de 1998 – pela Convenção Constituinte do Equador, consagrado na nova Constituição Nacional. Desvinculando o conceito de cidadania da estreita compreensão que o reduz a mero sinônimo do direito de sufrágio, o artigo 13 da Constituição Política do Equador prevê o seguinte: “Todos os equatorianos são cidadãos e, como

28

Para uma análise detalhado desse problema, mas em relação à mulher, cfr. o excelente livro de G. Zincone (1992).

29 A tendência de se juridificar categorias como essas pode ser percebida no segundo livro do Código da Família e do Menor do Panamá.

30

(19)

tal, gozam dos direitos estabelecidos nesta Constituição, os quais serão exercidos nos casos e segundo os requisitos previstos na lei”.

Estou convencido de que dificilmente alguém subestimaria a importância dessa nova refundação do conceito de cidadania.

No seu sentido original, revolucionário em relação à velha ordem feudal que só reconhecia súditos, mas excludente em relação a qualquer categoria diferente da do macho branco, proprietário e não estrangeiro, o conteúdo real do conceito de cidadania pode ser entendido, também, como um termômetro da democracia. Como corretamente sugerido por Luigi Ferrajoli31, a ideia e prática dos direitos humanos constituem, sem dúvida, o instrumento mais eficiente para se eliminar progressivamente a lacuna que separa os direitos dos homens (todos) dos direitos dos cidadãos (alguns). Precisamente por isso, não é sem sentido – e muito menos ideológico – entender a Convenção e toda a série de leis e projetos analisados neste livro como instrumentos específicos dos direitos humanos de todas as crianças e adolescentes. Nesse caso, a tarefa de reconstrução da dignidade humana tem uma natureza dupla. Não se trata apenas de eliminar a lacuna entre homens e cidadãos; trata-se, também, de eliminar a lacuna – para começar jurídica – entre crianças e “menores”. Nesse sentido e sem nenhum exagero, esse segundo processo de reformas legislativas deve ser (também) entendido como a Revolução Francesa que chega para todas as crianças e adolescentes com um atraso de duzentos anos.

Memória do futuro: a infância, uma questão de

justiça

Por sete décadas (1919-1990), as leis de menores foram muito mais do que uma epidemia ideológica e mero símbolo de um processo de criminalização da pobreza. As leis de menores foram um instrumento determinante no desenho e execução da política social para a infância em situação de pobreza. As leis de menores foram um instrumento (legal) determinante para legitimar a alimentação coercitiva das políticas assistenciais. A polícia – em cumprimento das leis de menores e, ao mesmo tempo, em flagrante violação dos direitos e garantias individuais consagrados em todas as Constituições da região – tornou-se, na verdade, a provedora majoritária e habitual da clientela das chamadas instituições de proteção ou de bem-estar.

Antes do surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil, em 1990, a legalidade menorista e as políticas assistencialistas caminharam na mesma direção. Foi só a partir de 1990 que a lei e o assistencialismo tomaram caminhos opostos. É também por esse motivo que as novas leis da infância não refletem simplesmente a realidade, mas são muito melhores do que ela.

Nos últimos anos testemunhamos, na América Latina, uma redução considerável na qualidade e quantidade de políticas sociais básicas (de saúde e educação), que até mesmo alguns formalismos não conseguem dissimular.

31

(20)

Para dar apenas um exemplo, o acesso praticamente universal à educação primária foi logrado por meio de duas variáveis de ajuste que, de outra parte, só contribuíram, no médio prazo, para agravar ainda mais a situação: a redução das horas de aula e o salário dos professores. A diminuição das políticas sociais básicas foi seguida de um aumento nas chamadas políticas assistenciais ou compensatórias, fenômeno que, equivocadamente, alguns (inclusive eu mesmo) atribuíram apressadamente à mera diminuição do volume dos gastos sociais. No entanto, enquanto por um lado assistimos a essa tendência preocupante e negativa do ponto de vista da construção de cidadania, por outro o novo direito da infância tendeu invariavelmente (colocando a questão de uma maneira esquemática e resumida) à separação líquida entre problemas sociais e problemas especificamente vinculados à violação da lei penal. De um (não) direito de compaixão-repressão, avançou-se na direção de um direito de garantias.

Esse último ponto é precisamente o da interseção entre o tema da infância não apenas com o tema da lei, mas, muito especialmente, com o tema maior da democracia.

O que ocorre é que a deterioração e diminuição da qualidade e quantidade das políticas sociais básicas não podem ser explicadas com base em argumentos econômicos. Além das dificuldades crescentes para se determinar o volume real do gasto social, a tendência assinalada anteriormente pode ser observada até na – paradoxal – situação do aumento do gasto social. “O gasto social tornou-se extremamente sensível aos ciclos eleitorais”, afirma elegantemente um excelente artigo sobre o tema32

. É que a maior cobertura das políticas assistenciais e a diminuição da cobertura das políticas sociais básicas parecem explicar-se com base em uma lógica muito mais política do que econômica. Aqui também o conceito da discricionariedade é essencial para a compreensão desse fenômeno. Enquanto as políticas sociais básicas tendem a ser percebidas como uma obrigação do Estado em relação às quais os cidadãos, como tal, sentem-se credores de um direito, as políticas assistenciais são muito mais percebidas como prerrogativas de um governo (quando não de um partido) diante das quais o cidadão se transforma em cliente e o serviço em dádiva.

Pode ser mais fácil agora compreender que qualquer redução nos âmbitos da discricionariedade é diretamente proporcional ao aumento dos espaços reais da democracia. A história e a experiência confirmam que não há um só exemplo de que a discricionariedade (predomínio de qualquer tipo de condição subjetiva) tenha efetivamente funcionado (como deveria, se nos ativermos ao seu discurso declarado) em benefício dos setores mais fracos ou vulneráveis. Para concluir, a focalização, que é a forma “tecnicamente natural” que as políticas assistenciais assumem, quando não é estritamente necessária, torna-se não apenas parte dos problemas que afligem a política social, mas, o que é muito pior, um sério problema para o próprio desenvolvimento democrático.

32

(21)

Se levarmos em consideração apenas os séculos transcorridos na história da proteção da infância, não é difícil perceber que o processo de construção da sua cidadania está apenas começando com exemplos que seria um grave erro subestimar, como o da recente Constituição equatoriana. O enfoque esquizofrênico da compaixão-repressão ainda persiste atualmente em muitas cabeças e em algumas leis; o que não deixa dúvidas, por sua vez, é que o presente e o futuro da infância já são uma questão de justiça.

Referencias

BARATTA, Alessandro. La niñez como arqueología del futuro. En El

Derecho y los Chicos. Buenos Aires: Espacio, 1995.

BARCELLONA, Pietro. Politica e Passioni. Turim: Bollati Boringhieri, 1997.

BECK, Ulrich. Kinder der Freiheit : Wider das Lamento ueber den Werterverfall. En: Kinder der Freiheit, editado por Ulrich Beck. Frankfurt am Main: Suhrkamp , 1997.

BOBBIO, Norberto.Il futuro della democrazia. Ed., Turim: Einaudi, 1995. BUSTELO, Eduardo Minujin Alberto. La política social esquiva. Escritório Regional do UNICEF para a América Latina e o Caribe, Santa Fé de Bogotá, 1997.

CUNNINGHAM, Hugh Storia dell’Infanzia. Bolonha: Il Mulino, 1997. FERRAJOLI, Luigi. Diritto e Ragione. Teoría del garantismo penale. Bari: Laterza, 1989.

____. Dai diritti del cittadino ai diritti della persona. In Cittadinanza, edição de Danilo Zolo, Bari: Laterza, 1994.

GARCÍA MÉNDEZ, Emilio. Autoritarismo y Control Social. Buenos Aires: Hammurabi, 1987.

GARCÍA MÉNDEZ, Emilio; CARRANZA, Elías. Infancia, adolescencia y

control social en América Latina. Buenos Aires: Depalma, 1990.

____; ____. Del Revés al Derecho. La condición jurídica de la infancia en

América Latina. Buenos Aires: Galerna, 1992.

____; ____. Derecho de la Infancia Adolescencia en América Latina. De

la situación irregular a la protección integral. 2ª ed. Ibagué: Forum Pacis,

1997a.

____; ____. Cidadania da Criança: A Revolução Francesa com 200 anos de atraso. In Inscrita. Revista do Conselho Federal do Serviço Social. Rio de Janeiro, 1997b.

GARZÓN VALDÉS, Ernesto. Las funciones del derecho en América Latina. In Derecho, Ética y Política, coleção de artigos de Ernesto Garzón Valdés. Madri: Centro de Estudos Constitucionais , 1993.

(22)

GOMES DA COSTA, Antonio. Del menor al ciudadano-niño y al ciudadano-adolescente. En Del Revés al Derecho. La condición jurídica de la infancia en América Latina, E. García Méndez- E. Carranza (Org.). Buenos Aires: Galerna, 1992.

RODOTA, Stefano. Libertà e Diritti in Italia, dall’unità ai giorni nostri. Roma: Donzelli, 1997.

SEDA, Edson. Evolución del derecho brasileño del niño y del adolescente. En Del revés al derecho. La condición jurídica de la infancia en América Latina, E. García Méndez-E. Carranza (Org). Buenos Aires: Galerna, 1992. SOUZA SANTOS, Boaventura. Una cartografía simbólica de las representaciones sociales: prolegómenos a una concepción posmoderna del derecho. In Estado, Derecho y Luchas Sociales, de B. De Sousa Santos. Bogotá: Ilsa, 1991.

WEINER, Myron. The Child and the State in India. Princeton: Princeton University Press, 1991.

Referências

Documentos relacionados

(1995) discutem que túneis são estruturas importantes para aumentar a permeabilidade entre as margens de uma estrada, e indicam que o monitoramento deste tipo de estrutura pode

dois gestores, pelo fato deles serem os mais indicados para avaliarem administrativamente a articulação entre o ensino médio e a educação profissional, bem como a estruturação

Os resultados demonstram que o ócio e a falta de estímulos são os maiores inimigos do bem-estar, já que resultam em uma alta percentagem de comportamentos atípicos para a

Como adição ao circuito para suprir essa necessidade, pode ser proposto um conversor AD mono-elétron que faça a diferenciação entre os níveis de tensão nas saídas

Após a colheita, normalmente é necessário aguar- dar alguns dias, cerca de 10 a 15 dias dependendo da cultivar e das condições meteorológicas, para que a pele dos tubérculos continue

São considerados custos e despesas ambientais, o valor dos insumos, mão- de-obra, amortização de equipamentos e instalações necessários ao processo de preservação, proteção

Esta tese apresentou um estudo aprofundado de como, no sistema de justiça criminal brasileiro atual, quem acusa, defende, diagnostica e julga casos de mulheres acusadas da morte

Para isso, esse trabalho procurou fazer uma contextualização da situação da aquicultura mundial e sua relação com a maricultura e o caso do Distrito do Ribeirão da