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Da solidão do ato à exposição judicial: uma abordagem antropológico-jurídica do infanticídio no Brasil

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL. BRUNA ANGOTTI. DA SOLIDÃO DO ATO À EXPOSIÇÃO JUDICIAL: UMA ABORDAGEM ANTROPOLÓGICO-JURÍDICA DO INFANTICÍDIO NO BRASIL. SÃO PAULO 2019 VERSÃO CORRIGIDA.

(2) Bruna Angotti. Da solidão do ato à exposição judicial: uma abordagem antropológico-jurídica do infanticídio no Brasil. Tese apresentada à Faculdade Letras e Ciências Humanas da de São Paulo como requisito obtenção do título de Doutora Sociais (Antropologia Social).. de Filosofia, Universidade parcial para em Ciências. Área de Concentração: Antropologia da Política e do Direito. Orientadora: Profa. Dra. Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer. Coorientadora: Profa. Dra. Ana Flávia Pires Lucas D‘Oliveira.. São Paulo 2019 VERSÃO CORRIGIDA.

(3) Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte..

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(6) ANGOTTI, Bruna. Da solidão do ato à exposição judicial: uma abordagem antropológico-jurídica do infanticídio no Brasil. 2019. 362f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.. Aprovado em: ____/____/_______.. Banca Examinadora:. Profa. Dra. Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer (Presidente). Instituição:. FFLCH-USP_____________. Julgamento:. ___________________________. Prof. Dr. Fernando Acosta. Instituição: Ottawa University________ Julgamento: ___________________________. Profa. Dra. Barbara Gomes Lupetti Baptista. Instituição: Universidade Federal Fluminense (UFF) Julgamento: __________________. Profa. Dra. Márcia Thereza Couto Falcão. Instituição: Faculdade de Medicina - USP Julgamento: __________________________. Profa. Dra. Carmen Simone Grilo Diniz. Instituição: Faculdade de Saúde Pública - USP Julgamento: ______________________.

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(8) Às mulheres fortes e amorosas que sempre povoaram meu mundo de segurança, cuidado, amparo e carinho – essenciais para viver sem medo. Em especial à Mamãe (Hélia), Nana, Tatá, Vovó Naná, tia Elisa, dona Cida e Cidinha. Sou porque são!.

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(10) AGRADECIMENTOS À professora Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, minha orientadora ―reincidente‖, pelos inumeráveis ensinamentos desde 2008. Conhecê-la e poder trabalhar com você por mais de uma década é, sem dúvidas, o maior presente acadêmico que recebi. Aprender e fazer antropologia do direito contigo é um privilégio. Muito obrigada pelo incentivo durante o doutorado, as orientações, sugestões e conversas. Pesquisar este tema, tão carregado de dores, com a ajuda do seu olhar sensível, fez toda a diferença. À Professora Ana Flávia Pires Lucas D‘Oliveira, coorientadora desta tese, por abrir o ―mundo‖ da Saúde Coletiva, me ensinando tanto. O convívio próximo com você ao longo desses anos só me fez admirá-la mais como pessoa, acadêmica, militante e amiga. Agradeço pelas leituras, ensinamentos, textos compartilhados, sugestões e orientações. Obrigada de coração por tudo. Você é, como diz a música, ―muito querida a mim‖! Ao Professor Álvaro Pires, meu supervisor durante o período de doutorado sanduíche na Universidade de Ottawa, pela imensa generosidade em me receber, bem como pelos ensinamentos, conversas, ajudas e reflexões. Foi um enorme privilégio poder conviver contigo nesses meses. Seu fascínio pelo saber e pelo conhecimento é contagiante. Ao professor Fernando Acosta e à professora Simone Grilo Diniz pela minuciosa leitura e arguição tão detalhada do texto de qualificação, fundamentais para o resultado final deste trabalho. Muito obrigada! Às professoras Barbara Lupetti Baptista e Márcia Couto Falcão pela interlocução tão preciosa em diferentes momentos da tese. Foi uma grande sorte encontra-las no caminho! À Márcia agradeço, também, pela carta de recomendação para o processo seletivo do doutorado sanduíche. Aos quatro, desde já, deixo a minha gratidão por terem aceitado o convite para a composição da banca examinadora. É um privilégio ser lida por vocês. Ao Paulo, meu companheiro, por voarmos juntos em liberdade e vivermos tão abraçados essa enorme aventura deliciosa e emocionante que é a vida. Pelo cuidado, carinho, dedicação e parceria. Pela paciência, entusiasmo e encorajamento com a tese, pelas leituras e suporte – esse texto tem muito do seu olhar. Te agradeço de coração pela beleza que é compartilhar a existência com você. À Hélia, minha mãe, cuja doação, compaixão e entrega ao próximo são tão imensos que não só irradia esperança de que outro mundo é, sim, possível, mas também.

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(12) ensina que é preciso lutar por ele todos os dias. Com ela aprendi que o trabalho só faz sentido se pensando no bem comum, no público, no coletivo. Com ela aprendi que quando se tem segurança, confiança e amor, é possível voar alto e com coragem. Com ela cresci feminista. Obrigada, mãe, você é maravilhosa! À Nana (Anna), irmã amada, que de tanto incentivar, acreditar, acompanhar, apoiar, torcer e vibrar, desde sempre, ajuda a tornar real minhas melhores ideias e meus maiores sonhos. Que sorte a minha de tê-la ao meu lado. Ao Chu, amigo antigo, que voltou pra ficar e trazer muitas alegrias. Ao Chico, que me deu a imensa felicidade de ser tia, presente que reforça todos os dias, por exemplo, quando reconhece minha voz e me chama pelo meu apelido. Ao pequeno Artur que chegou com o fim da tese, com a certeza de ter uma tia presente. Obrigada por esse amor que desconhecia. Ao Nívio, meu pai, pela parceira e amizade. Juntos aprendemos que o amor, assim como a vida, se renova e assume novas formas. Juntos reforçamos que não precisa ser igual para se admirar e se orgulhar mutuamente. Te amo, véim! Obrigada demais pela manhã bibliográfica – foi ―um barato‖! Ao tio Leon e à tia Elisa, cuja casa de paredes de livros e quadros me abriga com conforto e carinho, mas também traz inquietude pela imensidão que é o conhecimento. Obrigada por inspirarem tanto e serem tão presentes. À vovó Naná, pelo tamanho do amor, transformado em gesto, palavras, carinhos e canções. Meu olho brilha tanto quanto o seu quando te vejo. Que sorte ter você pertinho até hoje, com tanta ternura. À Tatá (Maria Aparecida Alves), mãe que a minha mãe me permitiu ter, por ser tão doce, carinhosa e querida. Você me ensinou e me ensina tanto. Ao Avilinha, meu pai não ―bichológico‖, como ele gosta de dizer, pelas risadas e reflexões sobre a vida e o cosmos. À Vandoca, irmãzinha mais nova, que trouxe sua baianidade para Minas, e com ela encheu nossa casa de gargalhadas, belezas e Asè. Aos meus amados Costelinha (Gênesis Pereira), Dona Cida (Maria Aparecida dos Reis Pereira) e Luisão (Luís Fernando dos Reis Pereira), família que ganhei de presente, por todo o apoio, amor, amparo e mimos. Vocês são casa para mim. Ao Luisão por toda a ajuda com as palavras, com a tese, as risadas e brincadeiras – somos almas gêmeas!.

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(14) À tia Heliana e ao tio José, tios queridos e sempre a postos. Ao Kiko (Má, Júlia e Felipe) e à Juju (Victor e Aninha) pelo carinho de sempre. À Tida, pelo amparo e carinho da vida toda e pelo orgulho recente de virar advogada! Você foi fundamental na coragem para os voos! Ao Reginaldo Nasser, à Cidinha (Maria Aparecida Soukef Mattar) à Marina Mattar (com Piva), minha família do outro lado da ponte, pela ternura que se transforma em banquetes fartos de amor e cumplicidade. Às queridas tia Ré (e Marcondão), tia Maria Alice, tia Nilda (e tio Barra) e tia Irene, por toda a dedicação e o amor. Saber que tenho vocês por perto é saber que tenho conforto, segurança, cuidado e mimos garantidos. À Katinha, Janinha e Nil pelo cuidado nos dias baianos, nutrindo o corpo com guloseimas para encarar a escrita da tese. À Nice, por ser tão querida, única e divertida. À Milene Secomandi e ao Zeca (com Belinha e Paloma), minha família mogiana, pelo acolhimento e conforto inesquecíveis. Serei sempre grata ao tamanho do amor que me deram! À Maria Fernandez, pela amizade e acolhimento. Aos muitos amigos e amigas maravilhosas que tenho o privilégio de ter. Especialmente agradeço: À Ana Letícia de Fiori, minha cumadinha, pela força indescritível ao longo da tese. Sua presença trouxe segurança, tranquilidade e conhecimento. Te admiro muito como antropóloga e te amo muito como amiga. Muito obrigada pela parceria e cumadrice! À Regina Stela, amiga e parceira querida que sempre traz a bússola com o norte, pelo que fizemos e faremos juntas, bem como pela ajuda com a tese, as conversas e conselhos. Ao Marquinho, pela amizade de sempre, e por ter me apresentado a Regina! À Carmen Fullin, ao Fernando e à Cecília (fofis), pela imensa generosidade da recepção no verão, outono e inverno canadenses. Vocês foram e serão, para sempre, família. Inesquecível! À Carmen, especialmente, pela cuidadosa leitura de partes da tese, que muito me ajudou, bem como pelos melhores conselhos, conversas e compartilhamentos. Amo vocês! À Camilinha (Camila Oliveira), amiga-irmã amada, pelos sonhos e realidades que compartilhamos. À Aninha Blaser, pela amizade, amor e incentivo de tantos anos..

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(16) À Eloísa Machado, Mila Dezan e Laura Mattar, por serem amigas lindas e companheiras tão maravilhosas, vibrarem e estimularem tanto, por serem tão queridas e presentes na alegria e na tristeza, juntas somos ―azamigas‖. À Elô pela ―foca‖ e conversas sobre a tese. Ao Pauléo (Paulo Leonardo Martins), irmão que a vida me deu, pela intimidade, gargalhadas, passeios e mãos dadas. À Daniela Skromov, amiga especial, pelo compartilhamento das lentes poéticas com as quais vê o mundo. À amiga Carolina Vieira, pela ajuda tão importante na coleta de dados e busca de documentos para a tese. Nunca vou esquecer! Obrigada! À amada Tânia Ribeiro da Silva, minha (ex) aluna mais que especial, por ser uma pessoa incrível, por representar esse projeto de Brasil com o qual sonhamos juntas. Obrigada demais por tudo nesses anos, em especial pela preciosa ajuda na montagem do glossário da tese e por toda a força na busca pelos autos, carga e cópias. À Caroca (Carolina Arantes) e à Lila (Marília Arantes), pelos quase vinte e cinco anos de amor e risadas. Às amigas e amigos de hoje e de sempre por serem as pessoas fantásticas que são. Em especial, Mariana Mota, Marina Cardoso, Victor Kanashiro, Marcela Varconti, Carlos Aranha, Samuel Friedman, Marcelinha Fogaça Vieira e Sérgio Rossi, Vivian Sampaio, Murilo Vanucci, Giovana Sanchez, Melina Yassuoka, Bianca Verderosi e Alexandre Kuma, Guilherme Pallerosi e Laura Mallozi, Terra Budini e Claudia Marconi. Ao Marcos Gomes e à Carla Kinzo pela amizade tão especial e por me ajudarem com as questões do mundo das artes cênicas. Aos queridos e queridas de Brasília, que conheci em um tempo de oásis, quando um Brasil mais bonito existia e era sonhado. Em especial à Elisa Malta e ao Maurício Guetta (juntos com João e os gêmeos), à Tatiana Whately (junto com a Lia), à Duda (Maria Eduarda Cintra), ao Vlad (Vladimir Sampaio), à Bruna Piazzi, ao Patrick Mariano, ao Renato De Vitto, à Clarice Calixto, ao João Brant, à Sabrina Durigon, à Juliana Carlos e ao Guilherme Paiva. Não importa onde estivermos, que possamos continuar sonhando e existindo juntos! Às amigas do ―Núcleo‖, Maria Rosa Roque, Nara Rivitti (com Rosa), Gorete Marques (com as florzinhas), Vanessa, Tatiana Perrone (com o Du), Carmen Fullin, Thayná Yarerdy (com Martin), Maíra Zapater (com Lamegão), Ana Gabriela Braga.

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(18) (com Fê e Marininha). Ser amiga e trabalhar com vocês é uma honra e uma alegria. A harmonia e competência do nosso grupo tece uma linha espessa de confiança e amor. Obrigada por tudo! Em especial agradeço à amada Maíra, pelo ―disk penal‖ tão maravilhoso, pelas dicas e leitura cuidadosa do texto. À Gorete, pela parceria no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e pela convivência. Aprendo muito sempre com sua beleza e simplicidade, Go! À Ana Gabriela, parceirinha de pesquisa, textos e desejos conjuntos de quebrar muros e grades! À Tati (Tatiana Perrone) amiga antiga e querida com quem compartilho projetos, lutas e danças, obrigada por sempre encarar os desafios! À amada Maria Rosa, por ser meu bom senso, e isso vale ouro! Às companheiras e companheiros do Núcleo de Antropologia do Direito – Nadir, lugar de tanta aprendizagem, trocas e sonhos. Em especial à Nani (Ana Luiza Bandeira), pelo brilho no olho e compartilhamentos; à Jana (Janaína Gomes), pela amizade que se expandiu, virou amor, parceria, trabalhos conjuntos e as melhores risadas; à Camila Nicácio, pela mineirice compartilhada, convites e projetos; à Ana Caroline (Carol), pela confiança e compartilhamento de experiências; À Amanda Machado, que já chegou amiga. Às companheiras e companheiros do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos – CADHu, pelas brigas compradas juntos, por transformar o trabalho acadêmico e a inconformidade em ação, pelo HC coletivo 143.641, que já tirou tantas mulheres e crianças da prisão e impediu e impedirá tantas outras de entrarem. Elô Machado, Mila Dezan, Nathalie Fragoso, Hilem Oliveira, André Ferreira, Rodrigo Dornelles, Pedro de Paula, Renata Reis e Rui Santos – é uma honra estar com vocês nesse barco! Às amigas e amigos da San Fran. Em especial, à Juliana Maia Daniel (com Rodrigo Pinheiro); Fernanda Piva Lorca; Ben-Hur Belmonte e Ana Mara Machado (com Ana Laura); e Arthur Doca (com Gael), pelo carinho e amizade sempre renovados. Ao maravilhoso Gerald Pelletier (e à querida Toni) pela recepção tão calorosa em Ottawa/Gatineau. Gerald é único – divertido, inteligente, carinhoso e generoso. Têlo conhecido foi um presente maravilhoso do universo. À professora Maria Amália Andery e ao Wolfgang Leo Maar que sempre tinham um bom conselho a dar sobre a tese, e uma boa conversa para esquecê-la por algumas horas. À professora Alexandra Geraldini pelo incentivo. À Ana Paula Musatti Braga, pelo progresso que conseguimos juntas e os insights que abrem mundos..

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(20) À Universidade Presbiteriana Mackenzie, pela licença concedida para a realização de doutorado sanduíche no exterior, logo, pelo incentivo. Aos funcionários e funcionárias da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, por serem tão generosos, amáveis e solícitos. Vocês fazem do Mackenzie casa. Em especial ao ―seu‖ Miro, Luzenilda França, Ronaldo Momesso, Renato Santiago, Artur Carlos, Caio, Márcia, André de Souza, Luquinhas, Daniela Miranda, Gabriela Goulart, Natália Policicio, Marilene. Aos professores e professoras do curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, lugar onde há seis anos tenho o privilégio de exercer a profissão que eu escolhi e amo, junto a companheiras e companheiros tão especiais como José Francisco Siqueira Neto (que com sua imensa sabedoria e generosidade confiou em mim, me acolheu, me guiou e me guia), Júlio Vellozo (parceiro de todas as horas, companheiro de tantas lutas, conselheiro de primeira), Humberto Fabretti (amigo-irmão querido, que está sempre lá para as risadas, brincadeiras, coisa séria, reclamações, ajuda e parceria), Silvio Almeida (amigo especial que amplia os horizontes e as epistemologias), Ao Carlos Assis (amigo poeta e escritor, com quem troco palavras e belezas), Mariângela Lopes (amiga amada, parceira em tantas esferas), Ana Cláudia Torezan (amiga querida que acolhe, cuida, mima e ensina), Michelle Asato (parceira de metodologias e projetos, que compartilha comigo o cuidado com alunas e alunos), ao Flávio Leão (parceiro na luta por direitos humanos), Carlos Nicoletti Camillo (coordenador querido, que escuta e resolve), Rodrigo Salgado (amigo nas lutas) Eduardo Ariente (companheiro de concurso) Adilson Moreira (parceiro competente e dedicado), Carolina Mota (companheira com tanto em comum), Arthur Capella (amigo doce e querido), Ana Cláudia e Rodrigo Scalquette (casal amor), Márcia Maria (amiga querida) e a Ester Rizzi (amiga antiga, que não está mais lá, mas segue inspirando muito). Ao professor Felipe Chiarello, diretor do curso nos últimos anos, que abriu portas e ajudou a trilhar caminhos importantes. Muito obrigada, de coração! À Patrícia Tuma Bertolin (Paty), minha ―bruxa madrinha‖ e compañera de tantas inesquecíveis jornadas, e à Susana Mesquita, minha ―fada madrinha‖, que me receberam no Mackenzie com os braços e os corações tão abertos, que só pude me sentir em casa e acolhida desde o primeiro dia em que cheguei. Obrigada por serem essas mulheres maravilhosas e por distribuírem tanto amor. Paty, obrigada pela inesquecível ajuda com a tese e com a vida como um todo, pela leitura tão detalhada e.

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(22) carinhosa, bem como pelo incentivo para encarar o doutorado. Sua presença na minha vida é ―chave‖! A todas as queridas companheiras do Projeto Inclusão social de residentes do sistema carcerário, realizado no Mackenzie. Em especial às professoras Ana Lúcia Vasconcelos, Patrícia Bertolin e Berenice Carpigiani. Estar juntas com vocês nesta empreitada trouxe novos ares e renovou esperanças. Obrigada! Às alunas e alunos desses dez anos de docência, em especial àqueles e àquelas cujo brilho no olho inspiram e estimulam. Conviver com vocês rejuvenesce, encanta e traz esperança. Obrigada de coração pela aprendizagem compartilhada. Este trabalho também é para vocês. Como são muitos e muitas, agradeço nas pessoas fantásticas de Thayná Yaredy, Tânia Ribeiro da Silva, Ana Paulo Ricco Terra, Ana Carolina D‘Ascenção Botelho, Maria Clara Lobo Junqueira, Amanda Scalise, João Pedro Funiscello, Luisa Sotilli, Victor Fernando, Higor Siqueira, Paulo Pereira da Silva, Larissa Moratto, Victória Figueiredo, Tamires Gomes Sampaio, Juliana Garcia e Anne Ávila. Meu dream team! Às parceiras da Pastoral Carcerária para a questão da mulher presa, em especial à amada Irmã Petra, com quem compartilho o sonho e luto lado a lado por um mundo sem cárceres. A força e a dedicação de vocês me encoraja. Ao José de Jesus Filho (com Melissa e Heloísa), amigo que a Pastoral me deu. À Amelinha Teles, exemplo de militância e doação, pela luta, ensinamentos e resistência. Você é potência de vida. Aos funcionários e funcionárias do departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo, em especial à amada Juciele Cristóvão, cuja atenção, carinho e gentileza sempre trouxeram gentileza. Obrigada demais, Ju! Nunca vou me esquecer. Às professoras e professores queridos de hoje e sempre. Em especial à Heloísa Buarque de Almeida, José Guilherme Magnani, John Dawsey, Laura Moutinho, Mariângela Magalhães, Maíra Machado, Rogério Arantes, Fernando Afonso Salla. Às companheiras e companheiros da pós-graduação, em especial discentes do PPGAS, pela parceria na jornada do mestrado e doutorado. Em especial ao amigo Rodrigo Fuziger, parceiro nessa jornada de doutorado. Ao professor Alexandre Faisal Cury pelas trocas ao longo de todo o processo da tese, especialmente pelas conversas e livros compartilhados. Seu apoio foi muito importante..

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(24) Ao Dr. Alberto Silva Franco, pela amizade e material compartilhado. À Raquel Fantinelli pela diagramação do mapa do capítulo 2. Obrigada por ter sido tão cuidadosa e prestativa. Aos amigos e amigas do Labô (Laboratórie de la Chaire de Recherche du Canada en Traditions Juridiques et Rationalité Pénale), Sébastien Labonté, Sophie de Saussure, Margarida Garcia e Richard Dubé. À Colette Parent pela conversa sobre a tese. Ao amigo Conrado Hubner Mendes, que deu apoio, conselhos e sugestões ao longo da tese, me encorajando a fazer o doutorado sanduíche. Às colegas Izabel Nuñez e Ludimila Ribeiro pelos comentários ao meu texto apresentado no GT Os sentidos do fazer judicial e policial: administração de conflitos e sistema de justiça, no Encontro de Pesquisa Empírica em Direito (EPED) e à Rochelle Fellini Fachinetto e Armelle Giglio Jacquemot, pelos comentários no painel que compartilhamos, sob a coordenação de Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, no 18º IUAES. Fiz o doutorado em tempos de muita violência no Brasil. Foi e tem sido muito dolorido ver a olhos nus o desmonte de políticas públicas, de direitos e garantias fundamentais. Nesse contexto não posso deixar de agradecer aos/às parlamentares e à militância que, com unhas e dentes, têm lutado para segurar os retrocessos. Estamos juntos na luta por um Brasil menos injusto, menos desigual e menos violento. À universidade pública de qualidade, onde pude fazer graduação, mestrado e doutorado. Espero sempre poder retribuir ao Brasil o investimento feito na minha educação. Não nomear os personagens entrevistados na tese foi uma escolha – explicada na introdução – que não pode, de forma alguma, ocultar a gratidão que tenho pelo tempo que se dedicaram a responder às perguntas e a narrar suas experiências com a temática do infanticídio. Assim, apesar de não mencionar um por um, uma por uma nominalmente, agradeço imensamente: Aos defensores e defensoras públicas da Defensoria Pública do Estado de São Paulo que atuam na vara do Júri da Capital, pela imensa generosidade e empenho em me permitir acesso aos autos processuais, às sessões de Júri, bem como pelas conversas, entrevistas, e todo o apoio. Sem vocês este trabalho teria sido muito mais difícil de ser feito. Espero, de coração, que os achados aqui apresentados possam auxiliá-los/las em suas defesas tão aguerridas..

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(26) Aos dois promotores de justiça que tão gentilmente me concederam entrevistas para a tese, bem como à promotora com quem conversei brevemente antes de uma sessão de Júri. Espero também que os resultados desta tese possam auxiliá-los/las a lidar com a complexidade do fenômeno do infanticídio. Ao perito psicólogo, tão solícito em conversar comigo. À L.S, que abriu seu coração para lembrar-se de dores tão profundas, confiando tanto em mim. Espero, assim como a senhora me disse que esperava, que este trabalho possa ajudar outras mulheres a não passar pelo mesmo que passou. Muito obrigada pela generosidade e sinceridade da entrevista. Em seu nome agradeço a todas aquelas que, mesmo sem saber e sem consentir, compartilharam parte de suas histórias comigo, ainda que narradas nas duras páginas de um processo penal. À CAPES pela concessão, por sete meses, de bolsa pelo Programa de Doutorado Sanduíche – 2016 – PDSE20161723244 IP189.100.29.81..

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(28) Com as últimas forças, diz ela Pois seu quarto estava muito frio Arrastou-se até o sanitário, e lá (já não sabe quando) deu à luz sem cerimônia Lá pelo nascer do sol. Agora, diz ela Estava inteiramente perturbada, e já com o corpo Meio enrijecido, mal podia segurar a criança Porque caía neve naquele sanitário dos serventes. A Infanticida Marie Farrar, Bertold Brecht.

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(30) ANGOTTI, Bruna. Da solidão do ato à exposição judicial: uma abordagem antropológico-jurídica do infanticídio no Brasil. 2019. 362f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. RESUMO O Código Penal Brasileiro, atualmente em vigor, prevê o crime de infanticídio como o ato de matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após. Trata-se de crime cuja agente é necessariamente a parturiente ou a puérpera. Com pena reduzida em relação ao homicídio, é considerado um crime excepcional, pelo fato de ser cometido por mulher sem completo domínio dos seus atos. No Brasil, os saberes sobre o tema são produzidos especialmente nas doutrinas penais e médicolegais, sendo restrito o diálogo com pesquisas empíricas que analisam o fenômeno do infanticídio sob uma ótica interdisciplinar. O presente trabalho apresenta uma etnografia dos usos e entendimentos do tipo penal infanticídio, feita por meio da análise de sete processos judiciais; 179 acórdãos, entrevistas e conversas informais com personagens processuais envolvidos em casos nos quais se discutiu se tratar de infanticídio; participação em três sessões de julgamento, pelo Tribunal do Júri, de mulheres acusadas da morte de seu/sua recém-nascido/a; e análise da produção sobre infanticídio publicada em doutrinas penais e médico-legais. Seu principal objetivo foi compreender como quem acusa, defende ou julga essas mulheres utiliza e interpreta o tipo penal infanticídio e os elementos que fazem deste crime peculiar. Mapeei, também, que visões de mulher, maternidade, crime feminino estão embutidas na construção desse tipo penal específico, bem como a maneira como este é trabalhado nas defesas e acusações judiciais. Por fim, identifiquei como os casos são apresentados e decididos no Sistema de Justiça Criminal. Concluí que há uma grande discrepância no modo como estes são interpretados e julgados, apesar da semelhança nítida que há entre eles, tendo as moralidades dos personagens processuais peso considerável nos rumos tomados nos autos. A mulher acusada de matar seu/sua recém-nascido/a é considerada mais ou menos cruel dependendo das lentes com as quais o caso é visto, sendo as expectativas acerca de uma maternidade sadia parâmetro para se julgar. Palavras-chave: Antropologia jurídica. Moralidade. Mulher criminosa. Infanticídio. Neonaticídio..

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(32) ANGOTTI, Bruna. From the lonely act to the judiciary exposure: an anthropological-legal approach to infanticide in Brazil. . 2019. 362p. Thesis (Doctorate in Social Anthropology Social) – Faculty of Philosophy, Languages and Human Sciences, University of São Paulo, São Paulo, 2019. ABSTRACT The present Brazilian Criminal Code establishes infanticide as a criminal offense, describing it as the act of killing, under the influence of the ―puerperal state‖, one‘s own child, during labor or shortly after. The offender is necessarily the laboring or puerperal woman. Considered an exceptional crime, its sentence is shorter than a homicide, for its committed by a woman not fully aware of her acts. In Brazil, the knowledge on the issue is produced mostly in criminal and legal-medical doctrinal analysis, limiting the dialogue with empirical researches that analyses the infanticide phenomenon under an interdisciplinary approach. This work presents an ethnography of uses and understandings of infanticide as a criminal offense, by means of the analysis of seven judicial cases; 179 decisions; interviews and informal conversations with people with roles in cases related to infanticide; participation in three Jury trials of women accused of the death of their own newborns; and analysis of the literature on infanticide published in criminal and legal-medical doctrinal analysis. Its main purpose is to understand how who accuses, defends or judge women for the death of their newborns uses and interprets the criminal offense infanticide and the elements that make this a peculiar crime. I have also mapped which visions of woman, motherhood, and feminine crime are enmeshed in the building of this specific criminal offense, as well as the way it is engaged in judicial accusations and defenses. Finally, I have identified how cases of women accused of the death of their own newborns are presented to and decided by the Criminal Justice System. The research concludes that there is a great discrepancy in the way the cases are interpreted and decided, despite the notorious resemblance between them, for the morality of the processual characters has a relevant impact on the unfolding of the process. The woman accused of killing her own newborn is considered more or less cruel depending on the lenses by which the case is regarded, as the expectations of what is a healthy motherhood are the judgement parameters. Keywords: Anthropology of Law. Morality. Criminal women. Infanticide. Neonaticide..

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(34) SUMÁRIO. APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 21 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 39 1.1 ÁREAS E LINHA DE PESQUISA .......................................................................... 42 1.2 OPÇÕES TEXTUAIS .............................................................................................. 43 1.3 CONTRIBUIÇÕES DO TRABALHO ..................................................................... 47 1.4 ESTRUTURA DA TESE ......................................................................................... 50 2 LUGARES E ARREDORES: O MAPA DA PESQUISA ...................................... 53 2.1 CASOS ..................................................................................................................... 55 Caso 1 – L.S. .......................................................................................................... 55 Caso 2 – E.S. .......................................................................................................... 58 Caso 3 – P. P. .......................................................................................................... 60 Caso 4 – R.J. ........................................................................................................... 63 Caso 5 – L.R. .......................................................................................................... 67 Caso 6 – M.S. ......................................................................................................... 69 Caso 7 - L. M. ......................................................................................................... 70 Breve síntese dos Casos .......................................................................................... 73 2.2 FONTES E TÉCNICAS ........................................................................................... 76 2.2.1 Documentos Judiciais .................................................................................... 76 2.2.1.1 Autos processuais ................................................................................... 76 2.2.1.2 Acórdãos ................................................................................................. 78 2.2.1.3 Leitura e sistematização dos documentos ............................................... 85 2.2.2 Sessões do Tribunal do Júri ........................................................................... 88 2.2.3 Entrevistas ..................................................................................................... 93 2.2.4 Doutrinas penais e médico-legais .................................................................. 95 2.3 ETNOGRAFIA DOS USOS E ENTENDIMENTOS DO TIPO PENAL INFANTICÍDIO ............................................................................................................. 99.

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(36) 3 MATAR “O PRÓPRIO FILHO”: DESAFIOS CLASSIFICATÓRIOS EM MEIO A COMPLEXIDADES BIOPSICOSSOCIAIS ........................................... 109 3.1 CATEGORIZAÇÃO E PADRÃO DE FILICÍDIOS ............................................. 112 3.2 NEONATICÍDIO ................................................................................................... 121 3.2.1 A síndrome do neonaticídio......................................................................... 134 3.3 GRAVIDEZ E PARTO .......................................................................................... 139 3.4 A MÃE E ―O PRÓPRIO FILHO‖ – REFLEXÕES FEMINISTAS SOBRE MATERNIDADE ......................................................................................................... 146 3.5 DE QUEM É ―O PRÓPRIO FILHO‖? ................................................................... 154 3.6 A AUSÊNCIA DO ―PAI‖ ...................................................................................... 164 3.7 O MULTIFACETADO FENÔMENO DO NEONATICÍDIO ............................. 171 4 O QUE É ESTADO PUERPERAL? SABERES EM JOGO ............................... 177 4.1 O ESTADO PUERPERAL NA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA ............. 179 4.1.1 Da honra ao patológico? Posicionamentos sobre a mudança legal ............. 184 4.2 OS SABERES SOBRE INFANTICÍDIO QUE EMBASAM OS ARGUMENTOS JURÍDICOS .................................................................................................................. 187 4.2.1 Medicina legal ............................................................................................. 188 4.2.2 Doutrina penal ............................................................................................. 197 4.3 USOS E DESUSOS MÉDICO-LEGAIS E DOUTRINÁRIOS NO COTIDIANO DO PROCESSO PENAL ............................................................................................. 209 4.3.1 Matar – o laudo necroscópico ...................................................................... 211 4.3.2 A influência do estado puerperal ................................................................. 218 4.3.3 Dolo, inimputabilidade, semi-imputabilidade e estado puerperal ............... 226 4.4 TÉCNICAS E DOUTRINAS A SERVIÇO DAS MORALIDADES .................... 233 5. INOCENTES. OU. CULPADAS?. A. CONSTRUÇÃO. JUDICIAL. DE. MULHERES ACUSADAS DE INFANTICÍCIO .................................................... 243 5.1 A PRIMEIRA FASE DO PROCEDIMENTO DO JÚRI – DA DENÚNCIA AOS RECURSOS ................................................................................................................. 246.

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(38) 5.1.1 Denúncia ...................................................................................................... 246 5.1.2 Instrução criminal ........................................................................................ 257 5.1.3 Prisão Provisória na primeira fase do Júri ................................................... 265 5.2 A SEGUNDA FASE DO PROCEDIMENTO DO JÚRI – JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI .................................................................................................. 268 5.2.1 Homicídio versus infanticídio ..................................................................... 273 5.2.2 Infanticídio versus absolvição ..................................................................... 279 5.2.3 Júris de tese comum ou o infanticídio como coringa .................................. 286 5.3 ―BATENDO O MARTELO‖ – O RESULTADO DOS JÚRIS ............................. 298 5.4 A MEDIDA DA PENA .......................................................................................... 307 6 CONCLUSÕES........................................................................................................ 313 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 323 Apêndices ..................................................................................................................... 335 Apêndice A – Glossário ................................................................................................ 335 Apêndice B – Formulário padrão para análise dos processos judiciais ........................ 343 Apêndice C – Quadros .................................................................................................. 348 Anexo – Fluxograma do Tribunal do Júri .................................................................... 355.

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(41) 21. APRESENTAÇÃO. Quando estava na metade do doutorado, visitei uma amiga que vejo pouco, pois moramos em cidades distintas. Ela se tornara mãe há mais de um ano e estava, na ocasião, viajando pela primeira vez sem a criança. Colocávamos a conversa em dia, contando as novidades, falando da vida adulta, de casamento, cotidiano, trabalhos e planos. Ela me dizia das alegrias de ser mãe, do quanto era realizada com a maternidade, quando me fez a pergunta fatídica, quase obrigatória, quando surge o assunto entre pessoas da minha idade: ―e você, vai ter filhos?‖. Respondi como sempre venho respondendo nos últimos tempos: ―Acho que sim... mas somente quando terminar o doutorado. Estudo um tema pesado, infanticídio, portanto, prefiro esperar‖. ―O que é infanticídio?‖, perguntou minha amiga. Respondi quase parafraseando o artigo 123 do Código Penal Brasileiro de 1940 (CP), atualmente em vigor, que descreve o crime: ―é quando uma mulher mata o próprio filho, durante ou logo após o parto, sob a influência do estado puerperal‖, ressaltando que, pela lei, é um crime diferente do homicídio, pois dotado de características próprias, como apenas ser cometido pela mulher contra o/a próprio/a recém-nascido/a e que, embora considerado crime doloso contra a vida, tem pena mais branda que a do homicídio. Ela perguntou: ―como assim ‗estado puerperal‘?‖. Expliquei, brevemente, que, para o Direito, trata-se do momento pós-parto, pelo qual passam todas as puérperas, mas vivenciado de forma distinta por cada mulher. Ressaltei que a interpretação das possíveis influências deste estado nas ações da mãe é controversa, variando de área para área, autor para autor, mas que, se fosse possível resumir muito genericamente, usando a bibliografia com a qual mais me identifico, tal influência deve ser analisada pela ótica biopsicossocial, considerando alterações biológicas, vulnerabilidades psíquicas e sociais, somadas ao estresse físico e emocional do parto (na maioria dos casos desassistido e solitário). Nesse momento, ela, que logo nos primeiros minutos de conversa contou que havia parado de fumar, acendeu um cigarro, me olhou com um olhar triste, e disse, com a voz embargada, mais ou menos as seguintes palavras (anotadas assim que possível): ―que bom que estuda isso. É tudo um grande tabu. Pra mim foi doído demais. Senti-me sozinha, sem ninguém. Queria só enfiar aquele bebê de volta pra dentro. Enfiar o bebê de volta. Fiquei dias sem sorrir, assustada. Alucinava. Olhava para a bebê e não entendia o que ela estava fazendo fora de mim. Me dava raiva e agonia. Não estava bem com meu marido, minha mãe não tinha chegado a tempo para me acompanhar no parto. Senti dor. Foi horrível. Demorei algumas.

(42) 22. semanas pra começar a ‗pegar‘ amor pela criança. É uma construção. Nunca contei isso pra ninguém, nem pra mim mesma. Quando lembro tenho vergonha, mas que aconteceu, aconteceu. Não acho monstruosidade quem mata o próprio filho. Acho que é bem possível mesmo.‖ O restante do nosso encontro girou em torno do assunto. Além de acolhê-la em sua fala, tentei dissolver seu relato individual e inédito em um contexto social mais amplo, tecido por incontáveis histórias, representado nas artes, abordado nas religiões, analisado academicamente – diluir a culpa individual em um emaranhado coletivo, que retirava a excepcionalidade de seu relato e o permitia ser tão humano. Contei das sessões de Júri que etnografei, das falas de uma mulher condenada que entrevistei, dos casos que acompanhei, dos autos e decisões judiciais que analisei, das conversas que tive com profissionais do direito, das diferentes legislações e posicionamentos sobre o tema. Ela, que é bastante distraída, olhava-me fixamente, realmente interessada. Apesar de ser de outra área e não muito afeita à leitura, repetiu algumas vezes que queria muito ler o meu trabalho final. Despedimo-nos com um abraço apertado e um olhar profundo, o mais cúmplice do qual me lembro nos nossos muitos anos de amizade. A conversa que tivemos naquela tarde me acompanha desde então. Lembro-me, constantemente e com clareza, do relato de minha amiga – ela, que me falava tão animada das maravilhas da maternidade, sentiu-se à vontade para se abrir sobre a parte não maravilhosa, sobre suas dores e desamparos, seus desejos, medos e fantasias. Retirou a máscara que a obriga a falar apenas das felicidades. Permitiu-se isso após minha descrição do que é infanticídio, conduta que – quando narrada a partir de casos concretos, isoladamente, sem análise, sem considerá-la em um contexto mais amplo que permite inseri-la em um padrão que representa um conjunto de casos semelhantes – tende, comumente, a gerar horror, perplexidade e incompreensão1. É justamente sobre esse contexto mais amplo que versa este trabalho. Trata-se de um estudo antropológico que analisa as percepções e usos, por diferentes atores envolvidos no processo penal brasileiro, do tipo penal2 infanticídio e a interação entre estes usos e casos concretos. Busquei identificar quais são, atualmente, os saberes produzidos sobre o 1. Michelle Oberman, pesquisadora da temática do infanticídio, ressalta que casos desse crime, quando narrados na mídia, tendem a ser vistos com dura repreensão pelo público, nos Estados Unidos. Ao contrário, quando estes casos são vistos em conjunto e os fatos subjacentes ao crime analisados mais detidamente, permite-se uma leitura mais apurada e cuidadosa de seus contornos e circunstâncias (OBERMAN, 2002, p. 712). 2 Vide glossário.

(43) 23. infanticídio, os conflitos entre estes saberes, as concepções morais sobre maternidade, as falas sobre ―crime feminino‖, loucura, estado puerperal e vulnerabilidades, que circundam essa figura típica, de modo a pontuar e analisar os diferentes entendimentos sobre o tipo penal infanticídio pela forma como as categorias são articuladas. Tal opção analítica explica a centralidade que o Direito, seus procedimentos e saberes, terão em toda a análise. Antes de introduzir esta tese e sua estrutura de forma aprofundada – o que será feito na introdução – apresento brevemente alguns períodos-chave da construção jurídica do infanticídio no ocidente. O retorno histórico aqui proposto, especialmente a partir do século XVII, é uma busca por situar o tipo penal atualmente em vigor a partir de um retorno às matrizes e lógicas que o moldaram, percebendo-o não como um acaso, mas historicamente situado, fruto de heranças culturais que não podem ser ignoradas, sob pena de não o compreender. Ciente de que não é possível, segundo o historiador Adriano Prosperi, ―(...) sintetizar a história do infanticídio como prática social ou crime a não ser por meio de esboços sumários e de problemas‖, por ser o termo ―(...) de uso tardio e incerto‖ (PROSPERI, 2010, p. 60), há alguns pontos, ressaltados na literatura que trata da temática, que permitem compreender melhor o tipo penal hoje. De maneira alguma faço um retorno histórico evolucionista, como aquele criticado por Luciano Oliveira no artigo Não fale do código de Hamurábi! A pesquisa sócio-jurídica na pós-graduação em Direito3, pelo contrário. A retomada histórica aqui proposta tem como foco apontar momentos legislativos chave na tratativa de mulheres acusadas da morte de seus recém-nascidos, que influenciaram o formato atual do tipo penal infanticídio em diferentes legislações, especialmente na brasileira promulgada em 1940 e em vigor até hoje.. *** O termo infanticídio tem contornos, usos e significados muito peculiares, sendo necessário compreender o contexto para abranger os sentidos de sua utilização. Em sua acepção etimológica, o substantivo infanticídio deriva do latim infãns-antis "que não fala, infantil", de fari "falar"4 e cida, cidium, derivado de caedere "matar", e significa a provocação. 3. OLIVEIRA, Luciano. Não fale do código de Hamurábi! A pesquisa sociojurídica na pós-graduação em Direito. In: OLIVEIRA, Luciano. Sua Excelência o Comissário e outros ensaios de Sociologia jurídica. Rio de Janeiro: Letra Legal, pp. 137-167, 2004. Disponível em: https://www3.ufpe.br/moinhojuridico/images/ppgd/7.4%20hamurabi_por_loliveira.pdf, acesso em: 10/09/2018. 4 Elisabeth Badinter ao refletir sobre o porquê da prática médica voltada às crianças ter sido negligenciada, até o século XIX, ressalta que os médicos pensavam que as ―(...) doenças de crianças eram mais difíceis de tratar do.

(44) 24. da morte de uma criança (CUNHA, 2010, pp. 150-357). Portanto, um lugar comum do termo é designar a provocação da morte de uma criança, sendo variáveis, por exemplo, a noção de criança, os sujeitos contemplados no ato de matar e a aceitabilidade da conduta. É ação que recebe conotações e características distintas dependendo do momento histórico, da tradição e daquele que o denomina, podendo, por exemplo, compor um conjunto legislativo, ou ser usado por um grupo para designar uma prática cultural própria ou de outro. Assim, sujeitos, locais, circunstâncias e prazos, customizam o lugar comum do termo, atribuindo-lhe significado5. ―O infanticídio, entendido como eliminação dos recém-nascidos indesejados‖, é, segundo Prosperi (2010, p. 31): (...) fato que acompanha a história da espécie humana como um surdo rumor ao fundo. Quem procurou traçar um desenho geral do infanticídio inseriu a história das culturas que o perseguiram como crime dentro do quadro de outras tradições, também dotadas de estratégias seletivas de classificação dos nascimentos que justificavam ou para os quais pelo menos se tolerava tal prática.. Em uma linguagem de coerência específica – a jurídica – o infanticídio adquiriu, ao longo da história de algumas legislações, características próprias, tratando-se atualmente, com algumas variações, da morte causada ao/à recém-nascido/a por aquela que a ele/ela deu à luz, em geral logo após o nascimento ou até o primeiro ano de vida. O que existe hoje acerca do infanticídio em legislações influenciadas por sistemas jurídicos da Common Law e da família Romano-Germânica, advém, especialmente, de construções que remetem à Europa dos séculos XVIII e XIX6.. que as dos adultos, pela simples razão de que esses últimos não falam quando pequenos‖ (BADINTER, 1980, p. 68). Este é um dos inúmeros exemplos do ―não falar‖ como a ―inação‖ que define a criança. 5 Por exemplo, no Brasil, usa-se também o termo infanticídio para designar a morte ritual de crianças por povos ameríndios, como os Achuar, Kaxinawá, Desana, Tenetehara, Suyá, Huaorani, Wari e Yanomami (ver: HOLANDA, 2008; SANTOS-GRANERO, 2011). Tal termo é usado também em estudos de povos no continente africano, como os Pepel, Mancanha e Manjaco, em Guiné-Bissau (ver: DIAS, 1996) e os Nakave de Papua Nova-Guiné (ver: BONNEMÈRE, 2009). Nesses casos, não são, evidentemente, os povos que denominam seu ritual como ―infanticídio‖, mas a lente de quem, que ao olhá-los, enquadra a ação ao nosso próprio referencial. O termo também descreve o assassinato motivado de meninas, e é usado principalmente por organismos internacionais e pesquisadores para tratar da conduta em diferentes regiões, em especial, na China e a Índia (ver: XINRAN, 2010; BHATNAGAR; DUBE; DUBE, 2005; HEGDE, 1999). Nesses casos não há necessariamente a designação de um sujeito perpetrador da ação, mas a designação de uma localidade e de um conjunto complexo de fatores sociais e econômicos a ela vinculados. 6 Alguns trabalhos buscaram rastrear os contornos que o ato de provocar a morte de uma criança adquiriu em determinadas legislações europeias, em distintos momentos históricos. Dentre esses estudos, merece destaque o minucioso trabalho de micro história Dar a alma – história de um infanticídio, de Adriano Prosperi no qual, a partir da leitura de um processo de infanticídio que tramitou na Justiça de Bolonha no ano de 1709, aborda questões estruturais que levaram ao desfecho da pena capital para Lucia Cremonini, ré no processo. Com o uso de fontes diversas, que vão de súmulas teológicas a livros de registros de batismo, de documentos pessoais a.

(45) 25. Apesar de ser ―(...) difícil até mesmo datar o momento em que o infanticídio passa a ser considerado um crime na sociedade ocidental cristã‖, o século XVII é considerado chave para a compreensão do rigor punitivo sobre o ato. Alguns elementos são pontuados como centrais nesse processo. São eles: (...) a reforma do sistema criminal e penal, a condição social da mulher, a concepção religiosa da vida e a defesa eclesiástica dos direitos de vida do recém-nascido, a intervenção estatal para garantir o crescimento demográfico e, por fim, as novas fronteiras da biologia e da diagnose médica‖ (PROSPERI, 2010, p. 60).. Passando de conduta possivelmente corriqueira e ignorada na Idade Média a ato considerado crime ―nefando‖, extremamente perseguido e punido no início da Idade Moderna, para, em especial a partir do século XIX, compor algumas legislações como crime considerado mais brando que o homicídio, a história do infanticídio acompanha a história da infância, da maternidade, do controle do corpo feminino e da pena nesses séculos, bem como a relação entre Igreja e Estado. O cristianismo é mencionado por Prosperi como ator-chave na criminalização da morte de crianças e na perseguição dos incriminados por essa ação7. O autor afirma que a ―acusação de praticar o infanticídio, dirigida contra a sociedade romana pela primeira apologética cristã, tem sido frequentemente invocada como argumento de que foi o cristianismo a inaugurar a legislação em favor dos recém-nascidos e das crianças." (PROSPERI, 2010, p. 59). A Igreja Católica, durante muito tempo, puniu a morte de crianças como crime culposo, passando vagarosamente a considerá-la ato doloso, tornando a reprovação cada vez mais rígida (PROSPERI, 2010, p. 63), entre a Idade Média e o século XVIII. Ao buscar, detalhadamente, recompor como esse movimento de agravamento aconteceu, Prosperi encontrou no batismo uma chave explicativa importante. Para a doutrina cristã o nascimento para Deus se dá na morte, quando os batizados finalmente encontrarão o reino dos céus, sendo o não batizado excluído da vida eterna e do nascimento espiritual. Assim, o nascimento como fato da natureza deve ser complementado. análises legislativas, Prosperi buscou reconstruir o que representava uma mãe matar o próprio filho no início do século XVIII, recuperando indícios que o permitiram recompor partes da história do infanticídio como crime. 7 Com relação ao judaísmo, Idelson-Shein chama a atenção para o fato de que, apesar da figura da mulher infanticida aparecer bastante na literatura hebraica e Yiddish do início do período moderno, principalmente a figura da mulher infanticida não judia, há raríssimos relatos sobre infanticídio nos tribunais e testemunhos rabínicos. A ausência de debate sobre infanticídio na literatura não ficcional judaica não significa que este não ocorria nessa comunidade, mas que se tinha interesse reduzido em publicizar esses acontecimentos, possivelmente pelo antissemitismo constante e consequente perseguição cristã ao povo judeu, inclusive com acusações de sacrifícios infanticidas (IDELSON-SHEIN, 2014, pp. 43-45)..

(46) 26. pelo batismo, que simboliza o nascimento espiritual, o ato de ―dar a alma‖. A entrada para a comunidade cristã, o rito de passagem para pertencer ao povo de Deus, depende, portanto, do ritual do batismo. Considerando a importância do batismo, o infanticídio de recém-nascidos era ato que não apenas impedia a existência civil de uma pessoa, mas a existência cristã de uma alma. Essa dupla negação, que imbrica Estado e Igreja, representou, segundo Prosperi, pista importante para compreender os rigores contra quem o praticasse. Mas há outros elementos que compõem esse quebra-cabeças (PROSPERI, 2010). De acordo com Elisabeth Badinter, desde os séculos XII e XIII havia, na França, a condenação do aborto pela Igreja, bem como o abandono de filhos e infanticídio. No entanto, somente no século XVII, com a criação das casas para o acolhimento de crianças abandonadas, medidas concretas contra o infanticídio foram tomadas, tolerando-se o abandono em nome da prevenção de um mal maior (BADINTER, 1980, p. 36). Já a historiadora Iris Idelson-Shein aponta que a Europa do século XVI presenciou uma perseguição sem precedentes às relações fora do casamento, com o acirramento da criminalização do infanticídio, a perseguição aos bordéis e às mulheres não casadas, inclusive com restrições às possibilidades de trabalho. Data dessa época a associação de solteiras à bruxaria, acusação que perseguirá as mulheres durante todo o início da era moderna (IDELSON-SHEIN, 2014, p. 43). O corpo feminino, palco do pecado original e da reprodução, passou a ocupar o centro das preocupações dos que buscavam tutelar não somente a moral sexual, mas os frutos do sexo. À mulher cabia prezar pela sua honra e isso compreendia o controle das volúpias do corpo. A ela recaía o ônus de uma gravidez fora do casamento, de um filho sem pai, de qualquer conduta que mostrasse desvios ao modelo da Virgem8. Assim, os controles sobre a gestação cada vez mais representavam o controle sobre a moral e ―(...) a mulher ingressou como penitente num campo que lhe pertencia, mas onde viria a se encontrar cada vez mais isolada" (PROSPERI, 2010, p. 63). Controlar a gestação e os nascimentos fazia-se mister para garantir que as crianças nascidas fossem devidamente batizadas e registradas, contabilizando novas almas para o povo de Deus e novos súditos para o Estado-Nação. Arlie Loughnan, em seu artigo The Strange case of the infanticide doctrine, trata do infanticídio no cenário inglês. Segundo a autora, na segunda metade do século XVI,. 8. Prosperi relembra a importância que a figura da Virgem adquiriu para pautar a expectativa sobre as mães: ―uma vasta tradição iconográfica identificara-a como o modelo perfeito de gestação e do nascimento; e era em seu seio que se contemplaria a descida da alma insuflada por Deus no nascituro" (PROSPERI, 2010, p. 244)..

(47) 27. preocupações com a sexualidade feminina, as atividades criminosas dos pobres, e o ônus financeiro das crianças ilegítimas aos recursos paroquiais se conjugaram para que as cortes reais passassem a se preocupar com a questão, criando, via Parlamento, uma série de leis visando ao controle pessoal (LOUGHNAN, 2012, p. 690). Por exemplo, "The poor law" de 1576 aprisionava mulheres mães de crianças ilegítimas, por considerar que oneravam os fundos voltados para os ―verdadeiros pobres‖. Leis mais rigorosas para com a maternidade ilegítima, paradoxalmente, poderiam levar ao infanticídio (LOUGHNAN, 2012, p. 690). No século XVI as leis francesas e inglesas puniam o infanticídio provocado pela mãe com a morte, sendo que o ônus de provar que o/a bebê morrera por morte natural cabia à mãe (FRIEDMAN; CAVNEY; RESNICK, 2012, p. 586). Na Inglaterra houve ao longo da história regulamentações importantes acerca da provocação da morte de crianças. Dentre elas, uma lei de 1624 que previa que uma mulher que concordasse com a morte de uma criança bastarda havia cometido assassinato, sendo por isso punida com pena capital. Esta lei era aplicada, exclusivamente, a mulheres não casadas (LOUGHNAN, 2012, pp. 691-692). Constantemente citada como exemplo quando em pauta o rigor punitivo para com o infanticídio, a Constitutio Penalis Carolina de 1532, emitida por Carlos V, imperador do Sacro Império Romano Germânico, previa que ―infligir a morte a uma criança nascida 'viva e com os membros formados'‖ receberia ―pena de morte agravada por suplícios e tormentos" (PROSPERI, 2010, p. 72). A expurgação do crime se dava pelo julgamento e condenação – era preciso mostrar para todas as mulheres a punição exemplar de uma. Nesse período, segundo Prosperi desencadeou-se a mais feroz fantasia na escolha das punições. Enterradas vivas, queimadas, obrigadas a carregar no pescoço, no caminho para o patíbulo, o corpinho ou uma reprodução do recém-nascido morto, as infanticidas enfrentaram sofrimentos terríveis e foram exibidas às multidões no intuito de um terror didático (PROSPERI, 2010, p. 72).. Caracterizou-se assim, nos séculos XVI, XVII e XVIII, o período de maior perseguição ao infanticídio, tempos de penas capitais, legislações severas, controle contínuo, julgamentos rigorosos. O infanticídio passou a ser considerado ―crime indizível ('nefando'), de tal forma que o perpetrador era digno da execração mais profunda que se pudesse imaginar" (PROSPERI, 2010, p. 95). Tal severidade se explica pelo reforço das normas morais e religiosas, bem como pela necessidade de se controlar a reprodução feminina por razões demográficas, e não pela valorização da criança enquanto ser dotado de direitos. Badinter reconhece o século XVIII como momento importante de mudança de mentalidades na maneira de perceber a infância e protegê-la, quando ―os adultos modificam.

(48) 28. sua concepção de infância e lhe concede uma nova atenção que não se manifestava antes‖ (BADINTER, 1980, p. 45). Segundo Badinter, ―não se tinha nenhum sentimento da especificidade da infância até uma data relativamente recente da nossa história‖ (BADINTER, 1980, p. 47), por exemplo, a concepção de infância predominante na pedagogia e teologia do século XVII era de que as crianças eram herdeiras diretas do pecado original, portanto, impuras (BADINTER, 1980, p. 52). Para a autora, a entrega massiva de crianças recém-nascidas de todas as classes sociais às amas de leite, na França dos séculos XVII e XVIII, e os altíssimos índices de mortalidade infantil nesse período, pode ser considerado ―‗objetivamente‘, um infanticídio disfarçado‖ (BADINTER, 1980, p. 118). Badinter identifica o século XVIII, em especial a década de 1760, como um marco na construção e valorização do ―amor materno‖ e da centralidade da criança no nascente modelo burguês de família. Não havia o valor social e moral do amor materno na França anterior ao século XVIII (BADINTER, 1980, p. 72). Houve, nesse período, uma verdadeira ―revolução das mentalidades‖ no tocante à relação entre mulheres e suas crianças, bem como do lugar da criança na família (BADINTER, 1980, pp. 121-123). No limiar do nascimento estava a mulher, a quem se atribuía, agora, uma maternidade instintiva, um amor incondicional, uma devoção intuitiva. Michel Foucault, em vários dos textos que compõem a coletânea Microfísica do Poder (2006c) bem como em algumas das aulas de seu curso de 1975-1976 intitulado Em defesa da sociedade (2000), chamou a atenção para elementos importantes que, a partir do final do século XVI, mas, principalmente, nos dois séculos seguintes, XVII e XVIII, passaram a pautar a noção de população e os investimentos para preservá-la. Em nome do Estado-Nação e da constituição de uma população saudável a serviço deste, se começou a investir no controle dos hábitos de higiene e na saúde dos súditos. Daí, especialmente, o nascimento da Medicina Social (XVIII) e o foco no controle do corpo das mulheres enquanto corpo reprodutor de novos membros a formar a população. No contexto de urbanização crescente, controlar mulheres significava controlar a produção de soldados e trabalhadores aptos a defender e a produzir pela pátria. Silvia Federici, na obra Calibã e a bruxa – mulheres, corpo e acumulação primitiva se dedicou a analisar o mesmo momento histórico que o fez Foucault nos trabalhos citados anteriormente, especialmente os séculos XVI e XVII, trazendo à análise um elemento não considerado pelo autor para explicar o investimento do Estado-Nação na população e no crescimento demográfico, qual seja, o nascimento do capitalismo e a necessidade de acumulação primitiva do capital. A autora analisa como a crise demográfica e econômica do.

(49) 29. século XVII colocou a reprodução feminina e a procriação como questões centrais do EstadoNação, na garantia de produção de mão de obra para o acúmulo de riquezas. Retirar a reprodução do controle feminino envolveu perseguir parteiras e curandeiras, as tachando de bruxas. Houve, segundo a autora, ―uma verdadeira guerra contra as mulheres‖ ―(...) travada, principalmente, por meio da caça às bruxas que literalmente demonizou qualquer forma de controle da natalidade e da sexualidade não procriativa, ao mesmo tempo em que acusava mulheres de sacrificarem crianças para o demônio‖ (FEDERICI, 2017, p. 174). Retirou-se delas a possibilidade de realizarem partos e cuidarem dos seus processos reprodutivos. Nas palavras de Federici (...) as mulheres começaram a ser processadas em larga escala e, nos séculos XVI e XVII, mais mulheres foram executadas por infanticídio do que por qualquer outro crime, exceto bruxaria, uma acusação que também estava centrada no assassinato de crianças e em outras violações das normas reprodutivas (FEDERICI, 2017, p. 176).. Nesse contexto, o tratamento do infanticídio enquanto um tipo especial de filicídio, tributado à mãe 9 , foi adquirindo contornos legais mais específicos na medida em que os papeis da mãe e da criança também eram redefinidos. A segunda metade do século XVIII aparece como momento de mudança na punição ao infanticídio. Aos poucos a maternidade como um traço adquirido passou a aparecer em histórias de mães devotas, tanto na espécie humana, como em outras espécies animais, substituindo os relatos de mães monstruosas e assassinas. Ao mesmo tempo em que era preciso controlar a reprodução e o corpo feminino, era preciso valorizar o cuidado materno, pois este era essencial à garantia de bebês saudáveis. O instinto materno, a capacidade inata de amor, nutrição e cuidado para com a prole passaram a ser valorizados nesse contexto. A chegada do discurso da maternidade natural veio acompanhada de um abrandamento legal do infanticídio, isso porque, se o amor materno era natural, ir contra ele só poderia ser uma doença, ou uma miséria muito grande10. Segundo Idelson-Shein (2014, p. 42):. 9. No século XVIII, ―(...) o infanticídio ainda podia ser definido genericamente como assassinato dos filhos cometido pelos pais. Numa cultura embebida de mitos antigos, a saga dos Átridas ou a lenda de Saturno que devora os próprios filhos ainda encontravam lugar ao lado da história de Medeia, exprimindo a profunda ambiguidade do dom da vida que traz consigo o dom da morte; mas, na linguagem dos criminalistas de então, o termo infanticídio se aplicava quase exclusivamente à morte de um recém-nascido causado pela mãe." (PROSPERI, 2010, pp. 29-30). 10 Tema trabalhado no terceiro capítulo da tese..

(50) 30. esta vasta mudança cultural teve espaço nas legislações, com muitos países europeus revogando suas duras legislações acerca do infanticídio ao longo do final do século XVIII e início do século XIX. Inclusive, o crescimento da imagem de uma mulher instintivamente maternal no final do século XVIII encontrou não um crescente zelo em processar mães assassinas, mas, ao contrário, o desenvolvimento de um discurso mais indulgente com o infanticídio e uma crescente relutância em condenar as mulheres acusadas do crime.. Tal mudança de perspectiva com relação ao infanticídio é bem ilustrada pelos paradigmas da criminalidade manifesta (manifest criminality) e o da loucura manifesta (manifest madness), presentes na história da criminalização do infanticídio na Inglaterra. Sob a égide do primeiro, partia-se do pressuposto de que a mãe quis matar a criança, sendo a maior prova disso a própria criança morta e/ou a ocultação do cadáver, sendo as penas previstas altíssimas, incluindo a capital, e o ônus da prova contrária recaia sobre a acusada. Na lógica da criminalidade manifesta esconder o cadáver comprovava o assassinato, sendo necessárias outras provas para contra argumentar tal certeza. Por exemplo, sob o vigor da lei de 1624 (Act to Prevent the Destroying and Murdering of Bastard Children), a preparação de um enxoval11 era vista com bons olhos pelos julgadores, pois mostrava que a mulher havia se preparado para receber o/a bebê, portanto, que não planejara matá-lo/a (LOUGHNAN, 2012, p. 693). Já o paradigma da loucura manifesta superou o anterior. Com base nesse, partia-se do pressuposto de que a mãe que matava o/a bebê estava perturbada (LOUGHNAN, 2012; BADINTER, 1980, p. 36). Essa mudança de paradigma, identificado por Loughnan como transformação da criminalidade manifesta em loucura manifesta, está refletida no binarismo bad x mad, sobre o qual trata a literatura12. Idelson-Shein destaca essa mudança ao mencionar que a mãe assassina e má do início do período moderno foi, aos poucos, sendo substituída pela mãe louca do romantismo, imagem esta que, segundo a autora, perdura até os dias atuais (IDELSONSHEIN, 2014, pp. 42-43) 13 . No século XIX a mãe assassina aparecia ou patologizada ou praticando ato altruísta de livrar seu filho da escravidão e extrema pobreza. Nesse momento, o discurso da monstruosidade foi substituído pelo da loucura e o infanticídio passou a ser visto. 11. Na Inglaterra, a prova favorável à mulher era o "benefit of linen", ou seja, o benefício do linho, que significava que foi preparado enxoval para a chegada do bebê (KRAMER; WATSON, 2008, p. 247). 12 Ver: LOUGHNAN, 2012; OBERMAN, 2002; CARON, 2010. 13 Nesse sentido, a autora destaca o curioso interesse europeu pelo infanticídio, em especial a partir do início da era moderna até meados do século XIX, o que fica claro pela frequência de registros sobre mães assassinas em tratados médicos, poemas, operas, novelas, lendas, narrativas de viagens e textos filosóficos (IDELSON-SHEIN, 2014, p. 41)..

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