• Nenhum resultado encontrado

O impacto económico da introdução de medicamentos genéricos no mercado dos antidislipidémicos, em Portugal

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O impacto económico da introdução de medicamentos genéricos no mercado dos antidislipidémicos, em Portugal"

Copied!
56
0
0

Texto

(1)

O impacto económico da introdução de medicamentos genéricos no

mercado dos antidislipidémicos, em Portugal

João Henrique Duarte Armindo

Dissertação

Mestrado em Economia

Orientado por

Professor Doutor Álvaro Fernando Santos Almeida

(2)

Resumo

Nos últimos vinte anos a sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde tem vindo a ser posta à prova. A grande crise financeira de 2008, associada a fatores demográficos e uma rápida inovação tecnológica, exerceram uma forte pressão nos custos dos serviços de saúde. A necessidade de controlar esses custos crescentes sem comprometer o acesso da população a cuidados de saúde tem levado a uma forte ação política, no caso português. No setor do medicamento, um dos que mais contribui para a despesa corrente em Saúde, foram múltiplas as alterações legislativas no sentido de regular o mercado e garantir a sustentabilidade do mesmo. Á semelhança do que aconteceu com as grandes economias europeias, houve uma grande aposta na comercialização de medicamentos genéricos (MG), que tomaram conta de grande parte do mercado do medicamento. No entanto, a sua utilização confere vantagens e desvantagens, variando consoante o tipo de patologia e a classe farmacoterapêutica em análise.

Neste contexto, neste estudo pretendemos analisar a classe das estatinas (antidislipidémicos) em Portugal, muito importantes na prevenção de patologias cardiovasculares. Entre janeiro de 2010 e dezembro de 2018, houve entrada de novos fármacos genéricos neste mercado. Como tal, o nosso objetivo é de caracterizar o impacto dessa mesma entrada no custo de uma dose diária de tratamento (CTD) e, consequentemente, no consumo total de antidislipidémicos.

Os resultados apontam para uma diminuição do CTD de toda a classe terapêutica e, em particular, dos medicamentos não-genéricos, aquando da entrada de atorvastatina MG no mercado. Além disso, essa diminuição parece não estar associada a um aumento do consumo desta classe de fármacos, apontando para uma reduzida barreira orçamental no acesso a medicamentos antidislipidémicos.

Códigos JEL: L65, I11

Palavras Chave: mercado farmacêutico, medicamentos genéricos, CTD, elasticidade-preço, consumo.

(3)

Índice

Índice de Gráficos...iv

Índice de Tabelas...v

Abreviaturas e Acrónimos ...vi

1. Introdução ... 1

2. Enquadramento teórico ... 5

2.1. Mercado do Medicamento em Portugal ... 5

2.1.1. Utentes e prestadores de cuidados de saúde (procura) ... 6

2.1.2. As Farmacêuticas (oferta) ... 9

2.1.3. O Estado ... 10

2.2. Política do Medicamento (2010-2018) ... 13

2.3. Evolução do mercado ... 18

2.4. Medicamentos Genéricos ... 23

2.5. Doenças Cardiovasculares em Portugal e Utilização de Estatinas ... 27

3. Dados ... 29 4. Metodologia ... 34 5. Resultados e discussão ... 39 6. Conclusões ... 42 Referências Bibliográficas ... 44

(4)

Índice de Gráficos

Gráfico 1 – PVP médio de medicamentos genéricos e não genéricos dispensados, em Portugal, 2010-2018 ... 22 Gráfico 2 – Quota de medicamentos genéricos, em volume, em Portugal, 2011-2018 ... 26

Gráfico 3 – Evolução da dispensa de medicamentos compostos por estatinas em ambulatório, em Portugal, 2010-2018 ... 30 Gráfico 4 – Distribuição dos encargos com dispensa de estatinas, em Portugal, 2010 e 2018

(5)

Índice de Tabelas

Tabela 1 - Despesa corrente em saúde em Portugal, 2010-2018 ... 19

Tabela 2 - Mercado de fármacos dispensados com comparticipação do SNS, em Portugal, 2010-2018 ... 20

Tabela 3 – Quotas de mercado (em % do volume total) da dispensa de DCI’s de estatinas, em Portugal, em 2010 e em 2018. ... 33

Tabela 4 - Resultados da estimação do Modelo 1, parte I ... 39

Tabela 5 - Resultados da estimação do Modelo 1 – parte II ... 40

(6)

Abreviaturas e Acrónimos

AIM – Autorização de Introdução no Mercado ANF – Associação Nacional de Farmácias

CEFAR – Centro de Estudos e Avaliação em Saúde CTD – Custo Médio de Tratamento Diário

CRP – Constituição da República Portuguesa DCI – Denominação Comum Internacional DDD – Dose Diária Definida

DGS – Direção-Geral de Saúde GH – Grupo Homogéneo

I&D – Investigação e Desenvolvimento

INFARMED – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde LDL – Low Density Lipoprotein

MG – Medicamento Genérico

NOC – Norma de Orientação Clínica

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico OE – Orçamento de Estado

OMS (WHO) – Organização Mundial de Saúde PEM – Prescrição Eletrónica de Medicamento PIB – Produto Interno Bruto

PVP – Preço de Venda ao Público SNS – Sistema Nacional de Saúde SPR – Sistema de Preços de Referência

(7)

1. Introdução

Nas últimas duas décadas, os sistemas de saúde têm vindo a sofrer grandes alterações, essencialmente motivadas pela urgência de controlar custos crescentes e a necessidade acrescida de tornar os cuidados de saúde acessíveis a uma maior fração da população. Está, aliás, consagrada no artigo 64º da Constituição da República Portuguesa (CRP), a proteção da saúde como direito (e dever) de todos os cidadãos, realizado através de um Serviço Nacional de Saúde geral, universal e tendencialmente gratuito. A CRP consagra também que o Estado deverá garantir a qualidade e eficiência na prestação de cuidados de saúde, o acesso aos mesmos de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, bem como a regulação e supervisão das atividades relacionadas com medicamentos (Crisóstomo, 2019).

Fatores demográficos como o envelhecimento da população, o surgimento de tratamentos inovadores e de novos serviços, e o aumento generalizado da procura de cuidados de saúde têm vindo a colocar em causa a sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde (Moreno-Torres et al., 2011). Com o surgir da grande crise financeira de 2008, os esforços para controlar os gastos com saúde multiplicaram-se a nível internacional. Os custos crescentes da saúde tornaram-se um “hot topic” em todo o mundo, sendo colocada cada vez mais pressão nos decisores políticos no sentido da criação e imposição de políticas capazes de reduzir essas mesmas despesas (Kong, 2009). Portugal não foi exceção.

Um dos fatores que mais tem contribuído para o aumento de despesa em saúde é o crescente financiamento do medicamento (Moreno-Torres et al., 2011). Tendo isto em conta, apesar da produção de medidas direcionadas a diversas áreas da saúde, foi o setor do medicamento que se viu mais regulado, tendo sido introduzidas sucessivas medidas relacionadas com a definição de preços de medicamentos, respetiva comparticipação, prescrição médica, matérias de concorrência, entre outros. Este setor tem a particularidade de representar grande parte da despesa pública em saúde, mas, simultaneamente, ser um importante motor da economia pelas receitas que envolve, pelo potencial de aposta em Investigação e Desenvolvimento (I&D) e pelos ganhos em saúde que pode gerar (Pinto, 2014). Regular o

(8)

mercado farmacêutico foi, portanto, uma das formas encontradas para conjugar o objetivo constitucional de garantir acesso generalizado a cuidados de saúde com a sustentabilidade da despesa neste setor.

De um ponto de vista económico, a ativa intervenção do Estado neste capítulo pode justificar-se pela existência de falhas de mercado, tais como: o facto de um medicamento ter, possivelmente, um consumo sub-ótimo em caso de ausência de intervenção estatal; o consumo de medicamentos ser resultado de uma interação entre o paciente, os especialistas que o aconselham (médicos e/ou farmacêuticos), a indústria farmacêutica e o governo (que normalmente se encarrega da grande maioria dos custos associados), interação esta que tem características muito particulares e diferentes de outros bens de consumo; a existência de monopólios legais que asseguram a remuneração da investigação e dos custos de desenvolvimento de novos medicamentos (Linden, 2015). Em resumo, problemas de seleção adversa, risco moral e informação assimétrica num contexto de concorrência imperfeita.

Neste trabalho iremos concentrar-nos numa categoria específica de medidas em que os sucessivos governos têm vindo a apostar: o incentivo à introdução e utilização de medicamentos genéricos (MG). De 2010 até hoje, todos os governos (sem exceção) estabeleceram objetivos relacionados com a comercialização de medicamentos genéricos, desde a alteração nos seus níveis de comparticipação e regulação da sua quota de mercado (em valor e em volume) até à alteração das regras de prescrição e do Sistema de Preços de Referência (SPR). Tal intervenção política resulta do facto de os medicamentos genéricos permitirem, em teoria, que mais utentes tenham acesso a mais medicamentos, não se desviando do objetivo global de redução de despesa com medicamentos no âmbito da racionalização e eficiência na utilização de recursos do SNS. Assim, além de reduzirem os custos para o utente, são também uma fonte de poupança para o Sistema de Saúde. Por esse motivo, este tipo de medicamentos assume uma grande importância numa economia a enfrentar um programa de ajustamento, pois permite que se obtenham os mesmos benefícios de saúde que se obteriam num cenário onde não fosse necessário controlar as despesas na saúde e onde não houvesse reduções do poder de compra do utente (Barros et al., 2015).

Não obstante, a crescente utilização de medicamentos genéricos tem também sido alvo de algumas críticas. Os seus efeitos parecem variar bastante consoante o contexto económico e

(9)

social de cada país (e até região), a classe terapêutica em consideração e a estrutura legal que regula este mercado (Maria, 2007).

Pretende-se analisar o caso específico do mercado das estatinas em Portugal, a primeira opção terapêutica para a redução dos níveis séricos de colesterol LDL (low density lipoprotein) – um dos principais fatores de risco cardiovascular (INFARMED, 2014b). O período em análise será o de janeiro de 2010 a dezembro de 2018. Este é um mercado de interesse por diversos motivos:

• Em 2010 e 2018, as quotas de medicamentos genéricos comercializados (em volume) eram 60% e 80%, respetivamente, para o caso das estatinas. É, neste sentido, um mercado com grande prevalência de genéricos relativamente a medicamentos de marca, semelhante à taxa média geral de utilização de genéricos do SNS;

• A amostra de dados a analisar fornecida pelo CEFAR contém informação bastante detalhada quanto ao volume (em embalagens, Preço de Venda ao Público, Doses Diárias Definidas) comercializado de toda a medicação com estatinas como substâncias ativas – 16 Denominações Comuns Internacionais (DCI);

• De entre as 16 moléculas diferentes de estatinas que são utilizadas em medicamentos antidislipidémicos, três delas apenas passaram a ter genérico disponível no mercado durante o período em análise;

• As doenças cardiovasculares constituem a principal causa de morte, morbilidade e invalidez na população portuguesa, tendo, portanto, uma grande repercussão na saúde pública e na afetação de recursos financeiros do sistema de saúde (Teixeira et al., 2007);

• O grupo farmacoterapêutico cardiovascular, maioritariamente caracterizado pelo tratamento de doenças crónicas, é o terceiro na lista de encargos do SNS com medicamentos (18,2%) e o segundo grupo com mais embalagens de genéricos comercializadas, em 2018 (INFARMED, 2018a);

(10)

O objetivo deste trabalho é compreender se a introdução de medicamentos genéricos compostos por estatinas (que, até à data, estavam protegidas por patente) tem algum impacto sobre o custo médio de uma dose diária de tratamento (CTD) e, consequentemente, sobre o consumo deste tipo de fármacos.

Como tal, a análise econométrica terá duas principais componentes:

a) Inicialmente, será estudada a relação entre o Custo de Tratamento Diário de toda a classe terapêutica e a entrada no mercado de opções genéricas, procurando averiguar se a mesma levará também a alterações no CTD de medicamentos originais;

b) Seguidamente, estudaremos a relação entre o CTD desta classe terapêutica e o seu volume (em DDD's) dispensado em ambulatório, com o objetivo último de compreender se a introdução de genéricos poderá estar associada a alterações nos padrões de consumo;

O trabalho está organizado em cinco capítulos: o capítulo 1 e 2 de Introdução e Revisão de Literatura, onde é feito um enquadramento conceptual da matéria em estudo, com especial atenção à literatura existente sobre medicamentos genéricos (características, vantagens/desvantagens da sua utilização), política do medicamento, funcionamento do mercado farmacêutico em Portugal, e caracterização do mercado dos antidislipidémicos; Nos capítulos 3 e 4 são apresentados os dados e a metodologia a seguir, respetivamente. Definem-se as variáveis em estudo e é feita uma breve análiDefinem-se descritiva do mercado das Estatinas; No capítulo 5, os resultados são apresentados e discutidos, culminando nas principais conclusões deste estudo, bem como respetivas limitações e sugestões de investigação futura.

(11)

2. Enquadramento teórico

Neste capítulo será feita uma contextualização da evolução do mercado medicamentoso português e das suas particularidades, com o objetivo de compreender as suas tendências gerais de crescimento, procurando conhecer os seus intervenientes e a forma como estes se relacionam. Além disso, será dado destaque às medidas políticas que têm vindo a ser implementadas neste setor, fazendo o seu enquadramento legislativo. De seguida, será analisado com mais detalhe o medicamento genérico, as suas características gerais e as vantagens/desvantagens na sua utilização, segundo a literatura atual. Por fim, colocaremos o olhar especificamente sobre o mercado das estatinas, dado que esta será a classe terapêutica a abordar neste trabalho.

2.1. Mercado do Medicamento em Portugal

Um medicamento é, economicamente, um bem de mérito – ou seja, um indivíduo deverá ter acesso a um medicamento por critérios de necessidade e não por capacidade para o pagar. O seu propósito, juntamente com o de outras tecnologias de saúde, é o de alcançar ganhos em saúde – qualidade de vida e longevidade, por exemplo. No entanto, é necessário procurar estes ganhos sem comprometer a sustentabilidade financeira do sistema de saúde, obrigando o Estado a olhar para esta dicotomia com uma visão estratégica apurada. (Pereira & Vilares, 2014)

Assim sendo, antes de olharmos para o desenvolvimento do mercado medicamentoso português na última década, iremos explorar as múltiplas e complexas relações entre os seus intervenientes, de forma a elucidá-las e simplificá-las.

Neste mercado há três tipos principais de intervenientes: os utentes e prestadores de cuidados de saúde (procura), o setor farmacêutico (produtores), e o Estado. Todos assumem diferentes papéis nesta indústria, moldando-a consoante os seus objetivos. (Moreira, 2017)

(12)

2.1.1. Utentes e prestadores de cuidados de saúde (procura)

Comecemos por olhar para os utentes e prestadores de cuidados de saúde, que representam o lado da procura. Uma das maiores peculiaridades deste mercado, comparativamente ao de qualquer outro bem de consumo, é o facto de os utentes não se poderem considerar verdadeiros “consumidores”, já que habitualmente não têm a informação necessária para optar entre diferentes opções terapêuticas. Por este motivo, o seu padrão de consumo será reflexo das opções do médico prescritor ou do farmacêutico, por sua vez agentes melhor informados.

Em termos económicos, a assimetria de informação entre utente e prescritor leva a uma relação de principal-agência em que o utente delega ao prescritor as decisões a tomar no que diz respeito ao seu consumo de medicamentos. Assim, o utente encontra-se muito dependente da oferta e o seu consumo estará, portanto, dependente das decisões tomadas pelo médico prescritor ou farmacêutico. Ou seja, o “verdadeiro consumidor” de mercados farmacêuticos é uma mistura de médicos, farmacêuticos e pacientes (Pauly et al., 2014). Como referido anteriormente, na grande generalidade dos casos o utente não tem informação relevante quanto às suas necessidades de consumo de medicamentos – caso contrário, automedicava-se. Segundo a literatura nesta matéria (Yap et al., 2016), esse mesmo consumo vai estar dependente de múltiplos fatores, tais como:

• A medicação em causa: desde o seu tipo (genérico ou de marca, por exemplo) aos seus efeitos secundários, interações com outras medicações, etc.;

• Do tipo de patologia: crónica ou aguda

• Características do doente: o seu estado mental, a sua capacidade de suportar um tratamento medicamentoso, o seu nível de educação, outras patologias que o possam afetar;

• Confiança no médico prescritor;

• Fatores Socioeconómicos, tais como os níveis de rendimento do utente e a sua elasticidade preço da procura;

(13)

Quanto aos três primeiros pontos, encontram-se fortemente interligados. O conhecimento que determinado utente tem sobre um medicamento pode depender de inúmeros fatores, desde o seu nível de educação, o facto de ser (ou não) um tratamento visando uma doença crónica (podendo já acompanhar o doente há alguns anos), mas também pela informação que lhe é transmitida pelo médico – que, obviamente, será tão mais válida para o doente quanto maior for a sua confiança no prescritor (Moreira, 2017).

Por este motivo, têm vindo a ser implementadas nos últimos anos múltiplas medidas de regulação de prescrição que irão ser exploradas no subsequente capítulo. Além do seu claro objetivo de controlo de despesa, estas procuram também contribuir para a consciencialização dos médicos quanto à necessidade de racionalização de recursos, bem como aumentar a sua própria confiança em opções mais baratas como os medicamentos genéricos, por exemplo. É de extrema importância que os interesses do médico com a prescrição do medicamento seja uma conjugação dos interesses do utente (que quer ser tratado da sua patologia) com os interesses do Estado (que procura um acesso generalizado a medicamentos, garantindo, no entanto, a sustentabilidade deste setor). Desta forma, juntamente com muitas campanhas de sensibilização e publicação de recomendações terapêuticas, pretende-se também chegar ao utente com informação científica que venha a desmistificar algumas crenças infundamentadas que se tendem a perpetuar (Emery et al., 2010). Foram ainda produzidas, no mercado português, algumas políticas destinadas a incentivar as farmácias a dispensar alternativas menos dispendiosas (tanto para os utentes como para o SNS), que irão também ser analisadas de seguida.

Quanto aos fatores socioeconómicos, as evidências são muito heterogéneas. Segundo Kaiser et al. (2014), a elasticidade preço varia muito consoante a classe terapêutica, o tipo de medicamento, a patologia a tratar e as próprias características do utilizador. Num estudo realizado sobre o mercado de medicamentos para a hipertensão no Brasil (Magnabosco et al., 2015), por exemplo, os autores mostram que indivíduos com os menores níveis de rendimento têm quase o dobro da probabilidade de rejeitar uma terapêutica, quando comparados com os de maior rendimento. Já o estudo de Coutinho e Vilares (2014), com base no mercado farmacêutico português, revela que os consumidores são relativamente pouco sensíveis ao preço, possivelmente dado que o Estado acaba por suportar grande parte dos custos associados ao tratamento. Outros estudos apontam em diferentes direções. Por

(14)

exemplo, ao contrário do trabalho de Schmid (2009), que reforça a influência negativa de fatores socioeconómicos adversos no consumo de medicação, um estudo de Ruddy (2009) mostra que estes fatores têm um impacto reduzido. Como referido, estas divergências surgem principalmente por se tratarem de estudos sobre diferentes tipos de patologia – o estudo de Ruddy incide sobre doentes que incorrem em tratamento contra o cancro, enquanto que o trabalho de Shmidt analisa casos de doenças crónicas. Por este motivo voltaremos a abordar esta questão no capítulo referente ao mercado das estatinas, a classe terapêutica alvo de estudo do nosso trabalho, que se destina ao controlo de uma patologia crónica. Além disso, existe uma diversidade de formas de estudar a utilização de medicação, consoante o tipo de dados a que o investigador tem acesso e a ótica que pretende usar na mesma investigação. Conscientes de que todas as metodologias têm as suas vantagens e desvantagens, cabe aos investigadores escolher o método mais apropriado para analisar as questões de investigação a que se propõem. Por vezes, o mais apropriado será combinar diferentes métodos, conforme alerta Elseviers (2016).

É do nosso interesse explorar com maior detalhe as séries temporais e regressões segmentadas, as metodologias mais comummente utilizadas no trabalho de bases de dados e questões de investigação semelhantes às deste trabalho. Como defendido por Wagner (2002), a análise de regressões segmentadas é apropriada para o estudo dos efeitos de determinadas intervenções numa variável de interesse, medida em intervalos de tempo regulares. É, segundo o mesmo autor, a estrutura metodológica mais forte e adequada para a avaliação dos efeitos longitudinais de uma intervenção, num determinado momento. Os modelos comuns utilizam regressões lineares, com a variável de interesse como variável independente, uma variável dummy a assinalar o momento da intervenção e uma variável contínua de tempo. Idealmente, utiliza-se um grupo de controlo de características semelhantes ao grupo em estudo, mas que não sofra a influência da intervenção. No entanto, o autor alerta para a existência de casos em que não existe um grupo separado de controlo, podendo usar-se uma variável relacionada com a variável de interesse, mas que não seja previsivelmente influenciada pela intervenção em estudo. Deste modo, este tipo de estudos permite, não só, uma análise a alterações no nível e na moda de uma determinada variável, decorrentes de uma intervenção específica, mas também uma comparação destes valores com um nível de base que não tenha sofrido alterações decorrentes da mesma intervenção.

(15)

A título de exemplo, analisemos também o trabalho de Fraeyman (2013). O objetivo era observar a influência do copagamento no volume total de vendas e na quota de mercado de genéricos, em dois grupos de medicamentos extremamente comercializados. Como tal, e tendo acesso a dados longitudinais, os autores utilizam um modelo em tudo semelhante ao descrito anteriormente por Wagner (2002), em que a variável independente é o volume de vendas (em embalagens vendidas e em DDD’s), a influência do co-pagamento foi medida através da variável Custo por Dose Diária Definida (fixando assim uma unidade de medida independente da dosagem e do tamanho da embalagem), e foram ainda incluídos termos

dummy em momentos do tempo associados a alterações legislativas possíveis de influenciar

os níveis de copagamento. Desta forma, além da influência do custo diário de tratamento no volume de fármacos comercializado, os autores analisam a influência de políticas implementadas ao longo dos anos no copagamento suportado pelos utentes.

Estes são apenas alguns exemplos de estudos de utilização de medicação, que muito têm contribuído para uma melhor compreensão das complexas relações entre os utentes, os prestadores de cuidados de saúde, e os restantes intervenientes no mercado do medicamento.

2.1.2. As Farmacêuticas (oferta)

Nos últimos 20 anos, a indústria farmacêutica conheceu um crescimento muito substancial, que se refletiu em lucros bastante superiores aos lucros médios do mercado. Estes decorreram da combinação de diversos fatores, desde um grande aumento no consumo de medicação, a subida generalizada de preços (inicialmente) suportada em proteções intelectuais longas e na reduzida competitividade do mercado, mas também a ausência de legislação adequada para o controlo do comportamento das farmacêuticas, nomeadamente no que toca ao marketing e publicidade do medicamento, do controlo das suas margens de lucro e de preços, entre outros (Spitz & Wickam, 2012).

Este setor é caracterizado por uma intensa dinâmica de I&D como fator de diferenciação do produto, já que a forte proteção industrial de patentes oferece segurança à empresa inovadora quanto ao investimento que colocou na produção de determinado produto. Por norma, uma

(16)

patente fornece ao seu inventor exclusividade no mercado durante 20 anos, só depois sendo permitida a entrada no mercado de um medicamento genérico substituto.

No entanto, a indústria farmacêutica tem vindo a sofrer profundas alterações na última década, associadas a algumas tendências notórias na sua organização, tais como: forte produção legislativa direcionada ao controlo de preços, comparticipações, margens de lucro de retalhistas, restrições ao marketing (não só o direcionado ao público em geral, mas também o exercido sobre médicos prescritores); aumento de pressões competitivas devido ao aumento de opções de medicamentos genéricos e respetivo consumo, também ele estimulado por campanhas de sensibilização de entidades de saúde pública; intensificação de processos como fusões entre empresas produtoras de genéricos e grandes farmacêuticas, criando novas dinâmicas de mercado. Estas alterações vieram, logicamente, alterar o comportamento das grandes farmacêuticas no sentido de maximizar o seu tempo de patente, com recurso, por exemplo, à reformulação de princípios ativos e embalagens ou à combinação de mais do que uma substância ativa na mesma formulação (Moreira, 2017).

É, portanto, muito importante compreender de que forma é que a mão estatal teve um papel na regulação deste setor, que hoje se encontra claramente mais estável do que há 20 anos atrás (Barros, 2015). Para tal, iremos de seguida analisar o papel do Estado neste mercado.

2.1.3. O Estado

Olhando então para o Estado, este assume múltiplas funções no setor da saúde e do medicamento, em Portugal: regulador de mercado, prestador de serviços e financiador dos mesmos. Isto porque é o Estado que, simultaneamente, presta cuidados de saúde através do Serviço Nacional de Saúde, realiza a colheita fiscal necessária para o manter sustentável e produz legislação no sentido de regular o setor da forma mais eficiente.

No entanto, a gestão das três diferentes funções pode fazer emergir alguns conflitos.

Como referido anteriormente, está consagrado no artigo 64º da CRP a “cobertura nacional e tendencialmente gratuita” do SNS. Por outro lado, se qualquer indivíduo tiver acesso aos medicamentos que lhe são prescritos sem ter de suportar nenhum custo no momento de

(17)

aquisição, este não será incentivado a refletir sobre as suas decisões de consumo, podendo originar-se uma situação de consumo excessivo que comprometa a sustentabilidade do sistema público (Barros, 2013). Como forma de combater este conflito no mercado do medicamento, os governos criaram um mecanismo que funciona como uma solução intermédia – os sistemas de comparticipação. Este tem o objetivo de controlar o excesso de consumo que poderia emergir de um acesso totalmente gratuito ao medicamento, através da imposição ao consumidor de um preço a pagar no momento de aquisição, encarregando-se o Estado do remanescente do valor. O objetivo é garantir que o acesso dos doentes aos medicamentos de que efetivamente necessitam é feito da forma mais economicamente eficiente possível.

Segundo Barros (1999) existem teoricamente três formas básicas de organizar sistemas de comparticipação:

1. Seguro geral, em que o Estado estabelece que paga uma percentagem fixa a comparticipar do medicamento;

2. Listas preferenciais, em que o estado suporta custos de um determinado grupo de medicamentos, enquanto que os restantes terão de ser pagos integralmente pelo utente;

3. Preços de Referência, em que o estado comparticiparia medicamentos de valores mais reduzidos de uma determinada classe terapêutica, procurando exercer pressão para a redução dos preços dos restantes medicamentos.

Atualmente, em Portugal, o sistema de comparticipação é uma fusão das três formas básicas anteriormente referidas. Instituído pelo Decreto – Lei nº118/1992, de 25 de junho, concretiza-se através de um sistema de escalões predeterminado e dependente da sua classificação farmacoterapêutica, em que o Estado paga parte do preço de cada medicamento e no ato de aquisição na farmácia o utente paga o valor remanescente (INFARMED, 2009). Além disso, os escalões estão estruturados de forma a comparticipar os medicamentos de acordo com o tipo de patologia a que estão associados, sendo que patologias crónicas ou mais incapacitantes terão, à partida, graus de comparticipação mais elevados. Os quatro escalões de comparticipação – A, B, C e D – correspondem a taxas de comparticipação de 90%, 69%, 37% e 15%, respetivamente. Existe também, para além do regime geral de

(18)

comparticipação que engloba toda a população portuguesa, um regime especial de comparticipação direcionado a doenças/medicamentos específicos e a pensionistas “cujo rendimento total anual não exceda 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida em vigor no ano civil transato” (Decreto – Lei 48-A/2010). Estes têm assim uma majoração na comparticipação de medicamentos entre 15 a 95%, consoante o medicamento em causa seja genérico ou original.

O Sistema de Preços de Referência (SPR), instituído pelo Decreto – Lei nº270/2002 de 2 de dezembro e posteriormente submetido a inúmeras revisões e alterações, estabelece um preço de referência para cada grupo homogéneo (GH) de medicamentos comparticipados, resultado de uma ponderação entre os preços de venda ao público (PVP) mais baixos do mercado desse mesmo grupo.

Convém definir o conceito de grupo homogéneo que, segundo o mesmo Decreto-Lei, é “um conjunto de medicamentos com igual substância ativa, dosagem, forma farmacêutica e via de administração, no qual se inclua pelo menos um medicamento genérico no mercado”.

Com a sua implementação, em 2002, o preço de referência era calculado considerando o genérico do respetivo GH que tivesse o preço de venda ao público (PVP) mais elevado. No entanto, segundo o disposto no Decreto-Lei nº106 – A/2010, o preço de referência de determinado GH passou a corresponder à média dos 5 PVP mais baixos desse mercado. Já em 2017, com a publicação da Portaria nº271/2017, acrescentou-se uma nuance importante ao cálculo do preço de referência: quando a média dos cinco PVP mais baixos exceder preço do medicamento genérico mais caro que integra esse GH, o preço de referência corresponderá ao preço deste último.

Este sistema de comparticipação, englobando o sistema de preços de referência, procura não só influenciar o processo de decisão de consumo do lado do utente, mas também potenciar a concorrência na indústria farmacêutica de forma a promover uma progressiva redução nos preços de medicamentos (Barros, 1999). Este, tornou-se num dos mais importantes mecanismos de regulação do mercado do medicamento em Portugal. Seguindo as inúmeras as alterações legislativas neste setor, não só relativamente ao sistema de comparticipação e ao SPR, mas também no âmbito da prescrição e dispensa de medicação, iremos agora analisar

(19)

com mais detalhe a produção legislativa dos vários governos quanto a estas matérias, com o objetivo de nos elucidar sobre o seu desenvolvimento.

2.2. Política do Medicamento (2010-2018)

Dado o contexto económico-social em que Portugal se encontrava no início do período em análise – que coincide com a grande crise económica e financeira nacional e internacional – é de extrema importância perceber de que forma o curso dos acontecimentos foi influenciado pelas medidas políticas que foram sendo implementadas. O mercado do medicamento, que desde a viragem do século começou a ser progressivamente mais legislado, manteve-se como alvo de significativa intervenção estatal neste período (Barros, 2015).

As políticas implementadas em matéria de saúde têm sido fundamentais para manter um equilíbrio entre os objetivos económicos e sociais, procurando um Estado justo para os contribuintes (Ribeiro, 2013). Foi isso que procuraram o XIX e o XXI Governo Constitucional da República, com forte produção legislativa sobre a política do medicamento. É ainda importante para esta análise ter em conta algumas medidas relevantes implementadas pelo governo imediatamente anterior (XVIII), dado que o período em estudo inclui ainda o seu último ano de legislatura. A produção legislativa do XX Governo Constitucional da República será ignorada nesta análise dado que se tratou de um governo transitório que esteve apenas 1 mês em funções.

Antes de se iniciar a análise ao conjunto de políticas executadas nos últimos anos, é importante fazer a distinção entre dois tipos de incidência das mesmas: do lado da oferta e do lado da procura (Seeley & Kanavos, 2008). Do lado da oferta, as medidas mais comuns passam pela tentativa de controlo de preços, dos níveis de comparticipação e da entrada de medicamentos no mercado. Quanto ao lado da procura, encontram-se as medidas direcionadas aos intervenientes principais no processo de escolha de um medicamento – nomeadamente os médicos prescritores, farmacêuticos e o próprio utente. São, portanto,

(20)

maioritariamente medidas de incentivo à prescrição de opções mais custo-efetivas e/ou campanhas de informação e sensibilização (Godman et al., 2010).

Comecemos então por mencionar algumas das medidas do XVIII Governo Constitucional da República, que cessou funções a junho de 2011. Em matéria de medicamento, nomeadamente, de medicamentos genéricos, é de realçar a “introdução de medidas de incentivo à prescrição de medicamentos genéricos” e de “medidas para controlar a despesa em medicamentos dispensados em ambulatório”, mencionados nos Orçamentos do Estado (OE) de 2008, 2009 e 2010 (Barros, 2015).

Por fim, é ainda importante analisar a grande carga legislativa proposta no OE de 2011, onde se propõe:

• Criação de farmácias “em todos os hospitais do SNS com serviço de urgência”, continuando com a “promoção do recurso a medicamentos genéricos”;

• Redução das comparticipações (Portaria nº312/2010);

• Redução de preços em medicamentos comparticipados (Portaria nº1041-A/2010);

• Redução dos PVP máximos dos medicamentos genéricos (Portaria nº283/2010); • Alteração no cálculo dos Preços de Referência - Passou a ser definido como “a média dos cinco medicamentos mais baratos existentes no mercado, por grupo homogéneo”, ao invés de corresponder ao PVP do genérico comercializado a um preço mais alto (Decreto-Lei nº 48-A/2010).

É ainda importante realçar, tendo em conta que se vai estudar o mercado das estatinas, que em outubro de 2010 o Infarmed publicou a Circular Informativa nº173/2010 recomendando a utilização de fibratos como tratamento de segunda linha, devendo ser utilizados como primeira linha apenas em doentes alérgicos a estatinas. Este foi, portanto, um ano extremamente profuso em legislação no que toca a política do medicamento, com a introdução de medidas potencialmente geradoras de grandes alterações neste mercado.

(21)

Quanto ao governo do XIX Governo Institucional, um dos objetivos fixados no seu Programa foi o da sustentabilidade económica e financeira do Sistema Nacional de Saúde, através da redução da despesa pública com medicamentos (Barros, 2015). No Programa do XIX Governo Constitucional (2011-2015), propunha-se:

a) “Controlar a utilização dos medicamentos agindo sobre a prescrição”;

b) “Aperfeiçoamento do sistema de preços e da revisão do sistema de comparticipação de medicamentos, (...) redefinindo o modelo de avaliação dos medicamentos para efeitos da sua comparticipação”;

c) “Consagrar como regra a prescrição por Denominação Comum Internacional” (Lei nº11/2012);

d) “Aumentar a quota de mercado de medicamentos genéricos (...) através da alteração do Sistema de Preços de Referência, a fim de criar condições para a duplicação do mercado de genéricos”, bem como um esforço da qualidade de informação sobre os medicamentos genéricos, aumentando a segurança dos prescritores e dos utentes quanto à sua utilização;

e) “Implementação de um sistema que vise a gestão comum de medicamentos no SNS – negociação, aquisição e distribuição”;

f) “Avanço da dispensa de medicamentos em dose individual”;

g) A “desmaterialização da receita médica em todo o tipo de receituário com comparticipação pública, implementando um sistema ágil de monitorização do consumo de medicamentos”;

h) “Generalizar a prescrição eletrónica de medicamentos”;

As medidas políticas vieram a incidir essencialmente na definição dos preços e das margens de comercialização dos intervenientes no mercado, com esforço para a sua redução, bem como na comparticipação de medicamentos, racionalização da prescrição e matérias de concorrência (Barros, 2015). No entanto, de entre todas estas, é de realçar a proposta d) acima mencionada, onde se incentiva o aumento do consumo de medicamentos genéricos em 100% da sua quota de mercado à data. Além disso, como disposto na Lei nº62/2011, é criado um “regime de composição de litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos”,

(22)

procurando assim reduzir as potenciais barreiras à entrada de medicamentos genéricos no mercado.

De mencionar também o Despacho 12731/2011 do Ministério da Saúde, em que se subdelegam “competências no conselho diretivo do INFARMED”, nomeadamente a competência de decisão sobre os pedidos de comparticipação e monitorização da quota de mercado relativos a medicamentos genéricos.

Por fim, mencionar o disposto na Portaria nº18-A de 2015, em que são definidos os termos de um “pagamento de uma remuneração adicional às farmácias participantes em programas de saúde pública”, por contribuírem para a redução de despesas do SNS e dos utentes, ao incentivarem o aumento da quota de genéricos no mercado. Outras medidas foram tomadas com o intuito de agilizar os processos de entrada no mercado e de comparticipação de medicamentos genéricos.

Analisando agora o Programa do XXI Governo Constitucional, que entrou em funções a 26 de novembro de 2015, propunha-se então a:

• “Promoção de uma política sustentável na área do medicamento”, conciliando “rigor orçamental com o acesso à inovação terapêutica”;

• Revisão dos “mecanismos de dispensa e de comparticipação de medicamentos dos doentes crónicos em ambulatório”;

• Promoção do “aumento da quota de mercado de medicamentos genéricos (em valor) para os 30%”.

Logo no primeiro ano de legislatura (2016) foram implementadas substanciais alterações ao sistema de Prescrição Eletrónica de Medicamento (PEM). Este trata-se de um circuito de “receita sem papel” – desde a prescrição, à dispensa e respetiva faturação, consagrado na Lei nº11/2012 e na Portaria nº224/2015. A publicação desta última, em julho de 2015, procurou atender às críticas e sugestões de melhoria do sistema que surgiram da parte dos médicos prescritores e farmacêuticos, implementando algumas importantes alterações ao PEM, nomeadamente:

(23)

• “Introdução do conceito de ato de prescrição”;

• “Possibilidade de prescrição de um número de embalagens excecionalmente superior aos anteriormente estabelecidos, com validade de 12 meses”;

• “Possibilidade de envio de notas terapêuticas relativamente a um medicamento dispensado;

• Acesso ao histórico de prescrições anteriores do utente (com o devido consentimento) e às Normas de Orientação Clínica (NOCs) publicadas pela Direção Geral da Saúde.

Com estas medidas, o governo procurou fomentar uma prescrição de medicamentos e de terapêuticas racional, promover o rigor e segurança nesses mesmos processos, bem como melhorar a gestão da informação relativa ao medicamento. Ainda neste ano, surgiu a Portaria nº262/2016 que regulamentou a “remuneração específica atribuída às farmácias, por dispensa de medicamentos comparticipados”, medida já mencionada anteriormente.

Por fim, referir o artigo 139º da lei nº42/2016, que aprova o OE de 2017, e o artigo 195º da lei nº114/2017, que aprova o OE de 2018, onde o governo se propõe a adotar “medidas que visem aumentar a quota de genéricos no mercado do SNS” em 40% da sua quota em valor (2017) e 53% da sua quota em volume (2018). Estas pretensões concretizaram-se essencialmente em algumas alterações legislativas no que toca aos procedimentos de comparticipação de medicamentos, às revisões periódicas dos países de referência para a definição de preços e à transposição de algumas diretivas europeias referentes ao regime jurídico de medicamentos de uso humano. Desta forma, a produção legislativa deste governo voltou a imprimir alguma dinâmica no mercado de medicamento em ambulatório que, segundo a evidência à data do início desse mesmo mandato, se encontrava em fase de estabilização (Barros, 2015). No entanto, a carga legislativa não é de todo comparável à verificada no início da década, um período onde o mercado do medicamento sofreu inúmeras alterações.

Podemos assim constatar que, entre 2010 e 2018, o estado Português produziu muita e relevante legislação no sentido de regular o mercado do medicamento. É, portanto, muito

(24)

importante que analisemos os resultados do nosso estudo em sintonia com as medidas políticas que vinham a ser implementadas neste período. Será dada especial atenção a medidas associadas uma maior pressão para a redução dos preços, que, pelo menos em teoria, se refletirá nos custos por dose diária de tratamento (CTD), em última instância influenciando os níveis de comercialização e consumo de medicamentos, com base em estudos de Barros (2011 e 2015), Moreira (2017), Correia (2019), INFARMED (2015b e 2019).

EVOLUÇÃO DO MERCADO

2.3. Evolução do mercado

Como mencionado anteriormente, são diversos os fatores que exercem pressão sobre os gastos em saúde, desde o envelhecimento populacional associado ao aumento de doenças crónicas e cuidados continuados, até aos avanços tecnológicos que levam a tratamentos inovadores, muitas das vezes mais dispendiosos. No entanto, têm também sido reforçados os esforços governamentais para controlar esta mesma despesa e, acima de tudo, para a gerir da forma mais eficiente. Neste subcapítulo, iremos olhar para os números que descrevem o mercado da saúde em Portugal e, em particular, o do medicamento.

Comecemos por analisar os valores de Despesa Corrente em Serviços de Saúde per capita e em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB), com base nos dados disponibilizados pela Pordata (2019a e 2019b) e a ajuda da tabela 1, elaborada a partir dos mesmos. Esta despesa engloba encargos com medicamentos, custos administrativos do SNS, programas de prevenção e todos os outros bens e serviços médicos.

Os dois indicadores tiveram uma evolução semelhante ao longo dos anos: entre 2010 e 2013, período coincidente com a Grande Crise e com uma forte produção legislativa na área da saúde, tanto a Despesa per capita como a Despesa em % do PIB sofreram uma queda significativa. A partir de 2014, a despesa corrente per capita assume uma tendência crescente, atingindo em 2018 valores superiores aos de 2010 – ainda assim, inferior à média dos países da OCDE. Por outro lado, a Despesa em % do PIB estabilizou até 2018 em 9%, encontrando-se ligeiramente acima da média da OCDE, que é de 8,8% (OECD, 2019). Relativamente ao tipo de financiamento, em 2010, cerca de 70% da despesa em saúde era de

(25)

caráter público, tendo este valor sido reduzido a 60% em 2018 (INFARMED 2014a e 2018). Com este aumento da importância do setor privado, Portugal situa-se atualmente abaixo da média da OCDE no que toca a financiamento público de saúde (OECD, 2019).

Dado o cômputo geral da despesa em cuidados de saúde, analisemos agora com mais detalhe uma das suas rubricas – a despesa com medicamentos. A sua gestão pode ser determinante para o equilíbrio de um sistema de saúde. Em 2017, o gasto com medicamentos representava, em média, para os países da OCDE, cerca de um quinto do total de despesa com cuidados de saúde (Barros, 1999).

TABELA 1 - DESPESA CORRENTE EM SAÚDE EM PORTUGAL, 2010-2018

Fonte: Pordata (2019a e 2019b), disponível em

https://www.pordata.pt/Portugal/Despesa+corrente+em+cuidados+de+sa%c3%bade+em+perc

entagem+do+PIB-610 e

https://www.pordata.pt/Portugal/Despesa+corrente+em+cuidados+de+sa%C3%BAde+per+ca pita-609, acedido a 01.07.2020

O crescimento deste indicador tem sido inconstante na última década. Com o surgir da crise financeira de 2008, muitos governos tornaram medidas políticas de controlo de gastos, reduzindo a despesa para os anos que se seguiram à crise. No entanto, recentemente, a tendência tem sido novamente crescente, como podemos confirmar com a ajuda da tabela

(26)

2, onde podemos observar os valores anuais das Embalagens de medicamentos dispensadas em ambulatório, e do Preço de Venda ao Público Total, decomposto em encargos do SNS e encargos do utente. Como mencionado anteriormente, para cada grupo homogéneo deste mercado, o preço de determinado medicamento está dividido em duas porções: uma percentagem que é comparticipada pelo SNS; restante valor que é suportado pelo utente. Assim, sempre que mencionamos encargos do SNS, referimo-nos ao valor total que o Estado suportou ao comparticipar determinado medicamento, não englobando, portanto, outros custos administrativos ou de regulação. Por sua vez, os encargos do utente são, seguindo a mesma lógica, calculados pela parte do preço de determinado medicamento que é suportada pelo utente, excluindo outros gastos possivelmente associados ao consumo de medicamentos.

Segundo os dados reportados pelo INFARMED (, após um ano de crescimento dos encargos totais (2010), seguiu-se um período de redução abrupta, chegando a diminuir em cerca de 12% em apenas um ano (2012). Nos anos seguintes, até 2016, o nível de encargos aparenta ter estabilizado, com valores relativamente inalterados. No entanto, a partir de 2016, começa a observar-se novamente uma tendência geral de aumento de encargos, tanto a nível do SNS como por parte dos utentes.

TABELA 2 - MERCADO DE FÁRMACOS DISPENSADOS COM COMPARTICIPAÇÃO DO SNS, EM PORTUGAL, 2010-2018

(27)

Contudo, é curioso notar que os encargos dos utentes, em valores absolutos, se encontram próximos do nível de 2010 (711,1 milhões de euros), tendo o aumento sido muito ligeiro – 0,52% - enquanto que, no mesmo período, os encargos do SNS diminuíram consideravelmente em valores absolutos, passando de 1639 para 1255 milhões em 2018 – que corresponde a uma redução de cerca de 26%. Em relação ao número de embalagens dispensadas em ambulatório, após 3 anos iniciais de estagnação, a partir de 2012 houve um notório aumento anual deste indicador até 2018, em que foram comercializadas cerca de 20 milhões de embalagens de diferença relativamente ao ano de 2010, tendo atingido o pico de crescimento anual em 2013.

Em suma, neste período, os encargos do utente mantiveram-se praticamente inalterados enquanto que os encargos do SNS com medicamentos diminuíram abruptamente, fazendo diminuir os encargos totais. Apesar desta diminuição, foram mais as embalagens dispensadas – lógica que, numa primeira análise, pode parecer contraintuitiva. Vejamos: se foram vendidas mais embalagens de medicamentos, como é possível que haja uma redução tão significativa dos encargos?

Dada a complexidade de interações no mercado de medicamento, muitos fatores poderão ter influência neste resultado: desde alterações nas comparticipações do Estado, no número de unidades vendidos por embalagem ou na dosagem de medicamentos, no nível de incidência de determinadas patologias, ou até mesmo através de substituição por terapias mais eficazes. Apesar disto, nesta análise, a resposta reside na alteração do nível médio de preços. É, aliás, muito fácil de o compreender matematicamente. Ora, sendo o nível médio de preços dado pelo quociente entre o PVP total de medicamentos dispensados e o número de embalagens dispensadas, é lógico que um aumento do número de embalagens associado a uma redução do PVP gasto nessas mesmas embalagens se traduza numa redução do nível médio de preços. O gráfico 1 mostra essa relação.

(28)

GRÁFICO 1 - PVP MÉDIO DE MEDICAMENTOS GENÉRICOS E NÃO GENÉRICOS DISPENSADOS, EM PORTUGAL, 2010-2018

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Sistema Nacional de Saúde (SNS) e INFARMED (disponível em https://transparencia.sns.gov.pt/explore/dataset/preco-medio-por-embalagem/table/?disjunctive.regiao&sort=tempo, consultado a julho/2020).

É imediatamente percetível que entre 2010 e 2013 houve uma queda abrupta no PVP médio dos medicamentos, sem exceção para os medicamentos genéricos – que viram o seu PVP médio reduzido em quase 50%. A partir daí, os preços médios praticamente estagnaram até 2018, facto que está em linha com o anteriormente descrito.

É precisamente neste capítulo que emergem novas questões quanto às dinâmicas do mercado do medicamento, e surgem precisamente aquelas que são mais relevantes para este trabalho: Quais terão sido as verdadeiras causas para esta redução do nível médio de preços? Serão apenas resultado do forte controlo de preços característico de um mercado com um Sistema de Preços de Referência? Será que esta redução é apenas reflexo de uma quota de medicamentos genéricos crescente no mercado português, por definição opções mais baratas do que medicamentos de marca? Terá a ameaça competitiva dos genéricos levado a uma redução do preço dos medicamentos de marca?

Muitos economistas deram o seu contributo para estas questões e, como habitual, não há respostas definitivas. Estas variam consoante o contexto económico e social de cada análise, a organização do Sistema de Saúde e sua legislação, e a classe terapêutica em questão, por exemplo. Além disso, é frequente assistir-se à sobreposição de medidas legislativas a atuar sobre diferentes intervenientes neste mercado, pelo que seria extremamente complexo tentar analisar o efeito individual de cada possível condicionante. Assim sendo, e procurando

(29)

aproveitar da melhor forma a riqueza dos dados disponibilizados pelo CEFAR, no presente trabalho analisou-se essencialmente o papel dos medicamentos genéricos neste mercado – conforme foi explicado na Introdução. Por este motivo, passemos agora a uma revisão de literatura nesta matéria.

2.4. Medicamentos Genéricos

Afinal, o que são medicamentos genéricos? Em que é que estes diferem de medicamentos “de marca”? Quais as vantagens e desvantagens da sua utilização, segundo a literatura?

Segundo a definição oficial do INFARMED, um medicamento genérico é “um medicamento com a mesma substância ativa, forma farmacêutica e dosagem e com a mesma indicação terapêutica que o medicamento original, de marca, que serviu de referência” (INFARMED 2015a). Ou seja, terá de apresentar a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias ativas e ter as mesmas indicações terapêuticas sem violar os direitos de propriedade industrial (patente em vigor) do medicamento de referência – dado que o medicamento original passou por processos de Investigação e Desenvolvimento extremamente dispendiosos, que o produtor do genérico não terá de suportar.

Para que um medicamento genérico possa obter, por parte do INFARMED, uma Autorização de Introdução no Mercado (AIM) – critério necessário para que possa ser comercializado – será sujeito a um rigoroso processo de avaliação a diferentes níveis: qualidade, segurança e eficácia. São, portanto, submetidos a estudos de bioequivalência, que pretendem demonstrar se têm a mesma ação terapêutica que os medicamentos inovadores; o INFARMED certifica-se de que os medicamentos são produzidos em instalações fabris detentoras de Boas Práticas de Fabrico certificadas pelas agências europeias de regulação (INFARMED, 2011); Por fim, em Portugal, a formação do preço de um medicamento genérico resulta da comparação com o medicamento de referência, devendo ser inferior ou igual a 50% do mesmo, segundo o disposto no Decreto – Lei nº112/2010. É aberta uma exceção quando o preço de venda ao armazenista seja inferior a 10 euros – neste caso, o genérico só terá de estar disponível a um preço 25% inferior ao original do GH.

(30)

A utilização de medicamentos genéricos, que tem vindo a ser promovida pela generalidade dos governos mundiais desde o final do século XX, assenta na convenção de que estes apresentam vantagem económica para o utente e para o Serviço Nacional de Saúde – dado que, sendo um substituto perfeito do medicamento original, permitirá alcançar o mesmo benefício a um menor custo. Estes são conhecidos como os efeitos diretos da sua implementação. Contudo, esta é uma visão redutora e incompleta da questão da introdução de genéricos, já que ignora efeitos indiretos potencialmente importantes para esta análise (Barros, 2009). Segundo defende o mesmo autor, estes efeitos indiretos poderão ser de três tipos diferentes: efeito de concorrência, efeito de adesão à terapêutica e efeito padrão de prescrição. O primeiro diz respeito à pressão competitiva que se poderá gerar sobre os medicamentos de marca, possivelmente originando uma redução nos seus preços e, desta forma, beneficiar também os utentes que continuam a consumir medicamentos de marca. Esta hipótese está em linha com o estudo de Wiggins e Maness (1994) – a título de exemplo – que mostrou que a entrada de medicamentos genéricos no mercado de um anti-infecioso levou a uma diminuição dos preços dos medicamentos de marca. Quanto ao efeito de adesão à terapêutica e padrão de prescrição, seguem o seguinte racional: sendo que o genérico é mais barato que o original, os médicos prescritores terão tendência a aumentar a sua prescrição; além disso, havendo possibilidade de optar por genéricos, o nível de adesão à terapêutica por parte dos utentes poderá aumentar, dado que o efeito rendimento é minimizado. Estes pontos indicam, portanto, que poderá haver um aumento na despesa em medicamentos. Não obstante, este poderá ser um aumento de despesa com consequência positivas para o sistema de saúde como um todo, visto que poderá representar ganhos em saúde para a população, reduzindo os custos do sistema a longo prazo.

Apesar de este ser um contributo fundamental para a compreensão da amplitude de consequências que a introdução de medicamentos genéricos pode originar, tem sido motivo de debate constante nas últimas duas décadas. Como Barros (2009) indica, é extremamente difícil quantificar estes efeitos e até mesmo compreender quais tendem a dominar. A título de exemplo, mencionamos três estudos considerados relevantes nesta temática: estudos seminais de Grabowski e Vernon (1992) procuraram medir o efeito do aumento de número de vendedores genéricos no rácio de preços entre genéricos e originais. Surpreendentemente, os seus resultados apontaram para uma diminuição deste rácio, aquando de uma maior presença de genéricos. Em linha com estas conclusões está o trabalho de Frank e Salkever

(31)

(1997), através de um estudo com características semelhantes, mas com dados atualizados à data. Mais uma vez, os resultados apontaram para um aumento do preço dos medicamentos originais, podendo chegar aos 50%. Mais recentemente, numa análise ao mercado da venlafaxina (um medicamento anti-depressivo), Godman et al. (2013) mostra que não houve alteração de preços de medicamentos de marca aquando da introdução de genéricos.

Surgiram do mundo académico algumas explicações para estes aparentes fenómenos paradoxais. Segundo Fraeyman (2012) a explicação reside na existência de pseudo-genéricos – medicamentos genéricos que são comercializados pela própria farmacêutica detentora do original. Desta forma, através de fortes campanhas de marketing e da criação da ilusão de que o número de fornecedores nesse mercado é ainda pequeno, a farmacêuticas conseguem uma grande quota de mercado, podendo garantir que tanto genéricos como medicamentos de marca permaneçam com preços elevados. Barros (2013) apresenta-nos ainda uma outra ótica sobre esta problemática – segundo este autor, as farmacêuticas produtoras do medicamento inovador poderão ser incentivadas a aumentar o preço mesmo quando surge o medicamento genérico, de forma a captar os utentes que mostrem elevada preferência pelo original.

Também o efeito de adesão à terapêutica tem sido alvo de discussão. Como mencionado no subcapítulo “Utentes e prestadores de cuidados de saúde”, há uma grande heterogeneidade de resultados no que toca ao efeito rendimento sobre a adesão à terapêutica. Assim sendo, apesar da presunção global de vantagem económica dos medicamentos genéricos, os seus efeitos indiretos são ainda motivo de discussão na literatura.

Por fim, olhemos brevemente para a relevância dos genéricos no cômputo geral de consumo de medicamentos em Portugal. Como mencionado, estes começaram a ganhar relevância no debate público no final dos anos 90 do século passado, ligeiramente mais tarde do que nos restantes países europeus. Em 1998 a quota de genéricos era ligeiramente superior a 0%, com apenas 29 medicamentos prescritos. No entanto, num período de apenas três anos, a quota de medicamentos genéricos no mercado aumentou aproximadamente 400%, passando a ocupar 1,5% do total do mercado de medicamentos (Coelho, 2010). Contudo, foi nos oito anos seguintes que estes experienciaram um crescimento mais significativo, muito fomentado pela legislação publicada neste sentido, como referido no subcapítulo “Política

(32)

do Medicamento”. Em 2010 os medicamentos genéricos já ocupavam cerca de 19% da quota de mercado a PVP e 18% da quota em volume (INFARMED, 2010). Os anos seguintes não foram exceção, compreensivelmente. O período de contração económica vivido mundialmente obrigou os governos a tomar medidas progressivamente mais musculadas na contenção da despesa e, como vimos, a aposta em genéricos foi notória. Deste modo, observou-se um crescimento acentuado das quotas de genéricos (em volume) até 2014, tendo depois assumido uma tendência de crescimento constante até 2018, quando atingiu o seu máximo de quota de mercado em embalagens – 48,4%, como podemos observar com a ajuda do gráfico 2. É ainda de notar que a preponderância de genéricos no mercado concorrencial (mercado que considera apenas medicamentos para os quais há pelo menos um genérico disponível no mercado) é ainda mais significativa, atingindo os 63,6% no mesmo ano.

GRÁFICO 2 – QUOTA DE MEDICAMENTOS GENÉRICOS, EM VOLUME, EM PORTUGAL, 2011-2018

Fonte: Relatório de Monitorização mensal do consumo de medicamentos em ambulatório (INFARMED, 2018b)

Como observamos, os medicamentos genéricos estão progressivamente a dominar o mercado de medicamentos em Portugal, à semelhança do que acontece em grande parte dos

(33)

parceiros europeus. Por este motivo, consideramos de extrema importância que se continuem a analisar os seus efeitos em diferentes contextos económico-sociais, para que se possam atingir os melhores resultados económicos e em saúde. É neste sentido que esperamos que este trabalho venha a dar um contributo relevante, através da análise do mercado particular das estatinas. De seguida, terminamos a o enquadramento teórico, esclarecendo algumas das particularidades dessa mesma classe terapêutica e da patologia a que a sua utilização se destina.

2.5. Doenças Cardiovasculares em Portugal e Utilização de

Estatinas

As doenças cardiovasculares constituem um dos mais preocupantes problemas de saúde pública em países desenvolvidos. Apesar de se verificar uma notória redução da taxa de mortalidade por doenças desta índole, estas continuam ainda a representar a principal causa de morte em Portugal e na maioria dos países europeus (DGS, 2013). Além disso, dado que muitas patologias cardiovasculares são de caráter crónico e têm tamanho risco de morbilidade, são passíveis de ter um impacto acrescido na sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde, de segurança social e dos seus utentes, visto que são tratamentos prolongados e muitas vezes associados a baixa produtividade (e até mesmo desemprego), exercendo pressão sobre os sistemas de proteção social (OECD, 2016).

Apesar de as causas das doenças cardiovasculares serem multifatoriais, a hipercolesterolemia (aumento da concentração de colesterol LDL no sangue) é um dos principais fatores de risco. Muitos estudos demonstraram a importância da diminuição do colesterol LDL na redução da mortalidade e morbilidade cardiovascular (Teixeira et al., 2007). Por sua vez, a hipercolesterolemia é um fator passível de ser modificado, seja através de alterações comportamentais – alimentação cuidada, exercício físico, entre outros- ou através de terapêutica farmacológica, pela prescrição de medicamentos antidislipidémicos (INFARMED, 2014b). Neste grupo de medicamentos antidislipidémicos incluem-se e destacam-se as estatinas, primeira opção terapêutica para reduzir o colesterol LDL. Assim, a sua utilização é considerada de caráter preventivo, dado que está relacionada com uma redução significativa do risco cardiovascular (Silva, 2011).

(34)

O estudo intensivo sobre a efetividade desta medicação associado à crescente consciencialização por parte dos médicos e da população quanto ao risco de mortalidade por doenças cardiovasculares tem contribuído muito para a sua utilização. Desde o estudo 4S em 1944 (Pedersen, 1994), onde se mostrou pela primeira vez a importância da redução do colesterol LDL na redução da mortalidade, o uso de estatinas tem experienciado um crescimento sem paralelo no mercado do medicamento a nível mundial (Fraeyman, 2012). No ano de 2018 mais de um terço das embalagens dispensadas pelo SNS correspondiam a medicamentos destinados a doenças cardiovasculares. Além disso, desde 2011, os medicamentos antidislipidémicos estiveram sempre entre os 5 medicamentos mais comercializados e as estatinas entre as substâncias ativas mais vendidas (INFARMED, 2014a e 2018).

Dentro da classe das estatinas, constituída por uma multiplicidade de diferentes compostos (16 diferentes, no nosso caso de estudo) a sinvastatina tem sido, com grande margem, a mais utilizada, facto que é consistente com as normas da Direção Geral de Saúde (DGS) que recomendam que se deve iniciar a terapêutica com a sinvastatina na grande maioria dos casos (Norma nº19/2011). Além disso, segundo a mesma norma da DGS, a dose terapêutica de Estatinas pode ser aumentada em caso de incumprimento dos parâmetros desejáveis. Assim sendo, um aumento da sua utilização poderá ser o reflexo de um aumento do número de doentes submetidos a esta terapêutica, mas também pode indiciar um aumento de dose num indivíduo que tenha falhado o objetivo terapêutico inicial (Teixeira et al., 2007). Contudo, segundo o INFARMED (2014b), Portugal continua a apresentar níveis de utilização inferiores aos de alguns países europeus, pelo que existirá ainda potencial para um acréscimo na sua comercialização. De acordo com o mesmo estudo, Portugal apresentava, em 2014, uma grande utilização de rosuvastatina, que ainda não tinha genéricos comercializados – havia, portanto, potencial de poupança dentro de cada substância ativa e, por consequência, redução do custo de tratamento com estes medicamentos.

Por este motivo, dado que entre 2010 e 2018 houve introdução de medicamentos genéricos compostos por três diferentes estatinas, será interessante compreender qual foi o seu impacto nos padrões de utilização da classe terapêutica, bem como nos custos médios de tratamento com estes medicamentos. Procurar-se-á também perceber se a introdução de genéricos terá

(35)

gerado um efeito de concorrência suficiente para originar uma redução nos preços de medicamentos originais, contribuindo para realizar a poupança esperada com a maior utilização de genéricos.

3. Dados

Os dados utilizados no presente trabalho foram fornecidos pelo Centro de Estudos e Avaliação em Saúde (CEFAR), um organismo da Associação Nacional de Farmácias (ANF), e dizem respeito à dispensa mensal de medicamentos para a redução de colesterol LDL (antidislipidémicos) – estatinas – que foram comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde, entre janeiro de 2010 e dezembro de 2018. Esta base de dados apresenta informação para 16 Denominações Comuns Internacionais (DCI’s), constituintes da mesma classe terapêutica, para tratamento crónico. Para cada medicamento de cada substância ativa, estes dados indicam o respetivo volume dispensado (em embalagens e em Doses Diárias Definidas), o valor em PVP e os respetivos encargos do SNS – distinguindo medicamentos genéricos de não genéricos e também entre regimes de comparticipação - bem como outros dados relevantes tais como a sua forma farmacêutica, embalagem, dosagem, data de Autorização de Introdução no Mercado e respetivo grupo homogéneo (caso exista). Destas 16 DCI’s diferentes, quatro delas tinham um medicamento genérico antes de 2010 e outras três viram o seu medicamento genérico entrar no mercado durante o período em estudo (atorvastatina, rosuvastatina e sinvastatina + ezetimiba). As restantes nove só estiveram disponíveis no mercado em forma de medicamento de marca, não havendo opções genéricas equivalentes. Não há qualquer informação a nível do paciente relativamente aos medicamentos dispensados.

Antes de mais, é importante clarificar que uma Dose Diária Definida (DDD) é, segundo a Organização Mundial de Saúde, uma medida farmacoeconómica que representa a dose média diária de um medicamento recomendada para o tratamento da sua principal indicação terapêutica (Moreira, 2017). Esta medida permite fazer comparações entre períodos de tempo, num mesmo país ou entre países diferentes sem que os resultados sejam afetados por variações nos preços e/ou nas apresentações dos medicamentos (Teixeira, 2007).

(36)

Dada a grande quantidade e complexidade da informação disponibilizada, antes de procedermos à descrição e aplicação do método estatístico utilizado nossa análise, iremos analisar o comportamento das variáveis de maior interesse ao longo do período em questão.

O gráfico 3 representa o volume dispensado, em embalagens, de genéricos comparativamente a medicamentos de marca. O gráfico 4 mostra a diferença nos encargos totais com medicamentos entre 2010 e 2018, distinguindo entre encargos do SNS e do utente. Quanto à tabela 3, mostra as quotas de mercado em volume (DDD’s) de genéricos e não genéricos, discriminando as estatinas correspondentes, comparando os valores no início do estudo (2010) com os relativos ao último ano (2018).

GRÁFICO 3 – EVOLUÇÃO DA DISPENSA DE MEDICAMENTOS COMPOSTOS POR ESTATINAS EM AMULATÓRIO, EM PORTUGAL,

2010-2018

Fonte: Elaboração própria utilizando dados do Centro de Estudos e Avaliação em Saúde (CEFAR). A linha inferior representa o volume dispensado (em embalagens) de medicamentos não genéricos, a intermédia representa o respetivo para genéricos, e a linha superior é a soma de ambos.

Da análise conjunta dos gráficos 3 e 4 e da tabela 3, é possível retirar o seguinte conjunto de observações:

(37)

• O volume de embalagens dispensadas aumentou progressivamente ao longo dos anos. Atingiu o seu pico de crescimento mensal no fim de 2010, associado ao crescimento de embalagens vendidas de medicamentos genéricos. No início de 2011 é possível notar um outro pico de crescimento, mas que é rapidamente equilibrado. Contudo, a partir de 2011, a utilização de estatinas foi aumentando a um ritmo lento até atingir o seu máximo no fim de 2018, onde o volume dispensado é quase o dobro do relatado em 2010;

• É interessante notar, através da inspeção visual do gráfico 3, que o volume de medicamentos genéricos foi aumentando progressivamente no período em análise, ao contrário dos medicamentos não genéricos que apresentam uma trajetória quase inerte, chegando mesmo a reduzir no início de 2018.

GRÁFICO 4 – DISTRIBUIÇÃO DOS ENCARGOS COM DISPENSA DE ESTATINAS, EM PORTUGAL, 2010 E 2018

Fonte: Elaboração própria utilizando dados disponibilizados pelo Centro de Estudos e Avaliação em Saúde (CEFAR).

120 Milhões 96 Milhões

2010

Encargos do SNS Encargos do Utente

45 Milhões 85 Milhões

2018

Referências

Outline

Documentos relacionados

Indices (1) to verify the agreement between soil depth values where penetration resistance is equal to 1.5 MPa, based on the proposed penetrometer (Hatô) and the

However other researches investigating OBS items from several bank perspectives (risk, performance, liquidity, size and regulation) has reached different conclusions: Dionne

(grifos nossos). b) Em observância ao princípio da impessoalidade, a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, vez que é

É primeiramente no plano clínico que a noção de inconscien- te começa a se impor, antes que as dificuldades conceituais envolvi- das na sua formulação comecem a ser

Essa revista é organizada pela Sociedade Brasileira de Planejamento Energético (SBPE) e por isso foram selecionados trabalhos que tinham como objetivo tratar a

Considerando que o MeHg é um poluente ambiental altamente neurotóxico, tanto para animais quanto para seres humanos, e que a disfunção mitocondrial é um

A combinação dessas dimensões resulta em quatro classes de abordagem comunicativa, que podem ser exemplificadas da seguinte forma: interativo/dialógico: professor e

Tendo em vista esse cenário de necessidade informacional atual, principalmente na área de Ciências da Saúde, essa pesquisa busca, como objetivo geral, compilar os produtos e