• Nenhum resultado encontrado

O artista-docente: a lentidão como escolha processual em dança

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O artista-docente: a lentidão como escolha processual em dança"

Copied!
124
0
0

Texto

(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS. JUAREZ ZACARIAS NETO O ARTISTA-DOCENTE: A LENTIDÃO COMO ESCOLHA PROCESSUAL EM DANÇA. NATAL/RN 2016.

(2) 2016 JUAREZ ZACARIAS NETO. O ARTISTA-DOCENTE: A LENTIDÃO COMO ESCOLHA PROCESSUAL EM DANÇA. Dissertação de mestrado para a obtenção do título de mestre em Artes Cênicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientadora: Patrícia Garcia Leal. Natal – RN 2016.

(3) Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes DEART. Zacarias Neto, Juarez. O artista-docente: a lentidão como escolha processual em dança / Juarez Zacarias Neto. - 2016. 122 f. : il.. Orientador: Profa. Dra. Patrícia Garcia Leal. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Departamento de Artes, Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, 2016. 1. Dança – Dissertação. 2. Corpo – Dissertação. 3. Lentidão – Corpo na Dança – Dissertação. 4. Pausa na Dança – Dissertação. 5. Potência – Movimento (Dança) – Dissertação. 6. Artes Cênicas – Dissertação. I. Leal, Patrícia Garcia. II. Título.. RN/UF/BS – DEART (043.3). CDU: 793.3.

(4)

(5)

(6) AGRADECIMENTO. Agradeço primeiramente a todos os meus professores, aos colegas de trabalho (bailarinos), aos meus alunos e familiares, pois sem cada um de vocês esta dissertação não seria possível. Agradeço especialmente aos meus pais, que de forma direta e indireta me mostraram através dos exemplos de vida como ser e como não ser um profissional em que área do conhecimento eu escolhesse. Agradeço o apoio dado, e também das vezes que desacreditaram na minha escolha na área da dança, mostrando-me que era preciso força de vontade, determinação, amor, dedicação, abstinência e acima de tudo respeito para com a escolha feita. Agradeço especialmente aos meus professores, que tiveram e têm sua importância descrita e entrelaçada nessa pesquisa. Aos meus alunos, que me mostram a cada dia a beleza, o deleite e as provações de seguir a carreira de professor no Brasil. Agradeço à Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão, por me receber e me ensinar a arte e as técnicas em dança. Agradeço à Companhia de Dança do Teatro Alberto Maranhão, por me proporcionar construir minha carreira artística. Agradeço especialmente à Wanie Rose por acreditar em mim, como bailarino, professor e coreógrafo. Obrigado Wanie, por todas as oportunidades dadas! Agradeço à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por proporcionar-me através dos professores qualificados o conhecimento para tornar-me um artista-docente. Agradeço especialmente à Professora Doutora Patrícia Garcia Leal, pelas orientações, conversas, pesquisas, aulas, movimentos, reflexões, ensinamentos. Muito obrigado Patrícia, por aceitar estar comigo nesta caminhada. Agradeço especialmente a João Vítor, por estar do meu lado em meio às dúvidas sobre a pesquisa, por me ajudar na entrega dos trabalhos quando estava em viagem, por me escutar, por segurar a minha mão, por ser esse ser tão importante para minha vida. Muito obrigado a todos!.

(7) Resumo. A presente pesquisa tem como objetivo principal investigar a lentidão como metodologia de conhecimento do corpo e como potência criativa para a dança. Compreende a lentidão como potência qualitativa, proporcionando reflexões acerca do corpo na dança. O processo de aceleração dos corpos na contemporaneidade abriu espaços potentes de investigação nesta pesquisa, como: refletir acerca do processo de desaceleração do corpo que dança, culminando em uma reflexão sobre a pausa na dança; investigar como se dá através do sabor da lentidão o processo de entendimento qualitativo do movimento dançado, no seu fazer artístico-criativo e pedagógico; propor a dança como potência, proporcionando o entendimento da mesma como área de conhecimento e de ampliação da consciência por meio das experiências vividas. Os relatos da infância, do início da trajetória artística, da aplicação prática da pesquisa realizada na Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão, do projeto cênico Amiúde (2015) e do fazer artístico-docente proporcionaram uma reflexão acerca das potencialidades da dança, propondo a lentidão como linguagem em dança que se constrói aos poucos e profundamente, gerando um aumento na consciência de si e do mundo. A lentidão atua nesta pesquisa como objetivo de investigação principal e como metodologia de uma linguagem em dança. O estudo da Eukinética labaniana, da “dança pelos sentidos: composição coreográfica” e da “improvisação pelos sentidos” de Leal (2012) nos fizeram perceber que as pesquisas acerca das qualidades expressivas do movimento dançado e a investigação de propostas metodológicas em dança contemporânea, baseadas nos sentidos, culminaram no entendimento do movimento, da pausa e da dança como potências qualitativas que ampliam a consciência do corpo, entendendo-o em sua totalidade.. PALAVRAS-CHAVES: Corpo. Dança. Lentidão. Pausa. Potência..

(8) Abstract. The present research aims firstly at investigating slowness as a means of understanding the body as creative power for dance. It comprises slowness as qualitative power, providing reflections on the dancing body. The process of body acceleration of contemporaneity has opened powerful investigating fields in this research, such as the reflection about the deceleration process of the dancing body,. culminating in a. reflection on pauses in dance, the investigation of how the process of understanding the qualitative aspect of the danced movement occurs within the flavor of slowness, in its artistic-creative and pedagogical practice, the proposition of dance as a power, providing its understanding as a knowledge field and of increased awareness by means of lived experiences. Memories from childhood, from the beginning of the artistic career, from the practical use of the research carried out at the Theater Alberto Maranhão Dance School, from the scenic design Amiúde (2015) and from the practice as an artist and teacher, all these have made reflection possible on dance potential, proposing slowness as dance language gradually and deeply built, causing wider self and world awareness. Slowness in this research is the objective of the main investigation and the methodology of a dance language. The study of Eukinétic of Laban, "Dance by the senses: choreographic composition" and "improvisation by the senses" of Leal (2012) let us realize that the studies on the expressive qualities of the danced movement and the study of methodological proposals in contemporary dance, based on the senses, have culminated in the understanding of movement, pause and dance as qualitative power which amplifies body consciousness, understanding it entirely.. KEY WORDS: Body. Dance. Slowness. Pause. Power..

(9) SUMÁRIO INTRODUÇÃO PELO SABOR DA LENTIDÃO................................................................................11 CAPÍTULO I VELOCIDADE. OSCILANTE:. EXPERIÊNCIA. DE. UMA. DESACELERAÇÃO. SABOROSA.......................................................................................................................27 1 – Entre a infância e o ontem.........................................................................................39 CAPÍTULO II 3 EM 1 – 1 EM 3: A APLICAÇÃO METODOLÓGICA DA LENTIDÃO........................51 1 – Eukinética Labaniana: qualidades dinâmicas do movimento....................................52 1. 1 – Tempo e Fluência.....................................................................................55 1. 2 – Espaço e Cinesfera...................................................................................59 1. 3 – Peso e Gravidade.....................................................................................63 1. 4 – Tempo e Pausa.........................................................................................65 2 – Propostas metodológicas pelos sentidos: “dança pelos sentidos: criação coreográfica" e “improvisação pelos sentidos”...............................................................68 3 – O sabor da lentidão: a pausa na dança.......................................................................73 CAPÍTULO III A POTÊNCIA DA PAUSA: O ESPAÇO/TEMPO DO ENTRE.....................................76 1 – A potência do ato: o movimento................................................................................81 2 – A potência do entre: a pausa......................................................................................90 CAPÍTULO IV A POTÊNCIA DO ATO E DO ENTRE: A DANÇA...................................................95 1 – É o projeto da casa, é o corpo na cama, é a chuva chovendo, é a conversa ribeira: é o pé, é o chão, é a marcha estradeira, é o mistério profundo, é o queira ou não queira...103 2 – Percepção amiúde....................................................................................................110 3 – Dançar para abraçar e abraçar para dançar..............................................................113.

(10) CONSIDERAÇÕES FINAIS TOCANDO EM FRENTE: ANDO DEVAGAR PORQUE JÁ TIVE PRESSA................114 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................119.

(11) 11. INTRODUÇÃO PELO SABOR DA LENTIDÃO1 O objetivo desta pesquisa é investigar a lentidão como metodologia de conhecimento do corpo e como potência criativa para a dança, que se constrói na integridade corporal e que não visa o acúmulo quantitativo do consumismo imediato das múltiplas informações. A pesquisa compreende a lentidão como potência qualitativa do corpo, culminando em um estado de movência2 de caráter artesão, que demanda tempo, prática reflexiva e crítica. Nesta perspectiva, a lentidão como conhecimento do corpo e como potência criativa, se configura como um saber práxico, que está situado entre o saber prático e o saber teórico (FORTIN, 2011). Desta forma, a presente pesquisa em dança, formula reflexões, gera escolhas, provando e sentindo sabores e cheiros, de uma estrutura dissertativa que procura seguir o caminho da lentidão como sabor potente de um conhecimento de corpo na dança. Propõe um pensamento crítico e reflexivo sobre o saber práxico (FORTIN, 2011) acerca da dança, seu processo de ensino-aprendizagem, conceitos, teorias, teóricos, experiências, relatos, convites, práticas, que surgem na medida em que vou rememorando, recordando, relatando e refletindo acerca do fazer artístico, docente e pessoal. Concomitantemente, a reflexão gerada a partir da aplicação prática desta pesquisa, na turma de dança contemporânea, da Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão (EDTAM) 3, amplia nossa consciência acerca do corpo que dança e escolhe a lentidão como processo artístico-educacional. A aplicação prática realizada nesta pesquisa foi potente em sua importância, pois percebemos e investigamos o sabor da lentidão nos corpos dos participantes gerando uma ampliação da percepção, da consciência e do conhecimento sobre o corpo que dança.. 1. O título dessa introdução faz referência ao último tópico do capítulo Tessitura Aromática Saborosa, do livro Amargo Perfume: a dança pelos sentidos (2012) da pesquisadora em dança Patrícia Leal. 2 Utilizo o termo movência como um estado qualitativo do movimento, que se configura em uma permanência saborosa do movimento investigativo do corpo, da dança, com o foco alojado na experiência (Larrosa, 2002). 3 Escola de dança fundada em 1985 pelos Professores Carmem Borges e Edson Claro, no intuito de ampliar o acesso à dança na cidade do Natal..

(12) 12. Iniciando as reflexões acerca da lentidão, pergunto: qual é o sabor da lentidão? Para responder a esta pergunta, preciso antes deixar claro sobre que lentidão estou falando e como a proponho como metodologia da aplicação prática desta pesquisa. Este entendimento permeará toda a estrutura dissertativa, suscitando outros conceitos e perspectivas acerca do corpo na dança. O processo cênico intitulado Amiúde (2015) é parte integrante desta pesquisa. Tem como ponto de partida a escolha da lentidão como potência criativa para gerar conhecimento. Visita composições coreográficas do artista-docente desta pesquisa, com o propósito de reviver sensações, de saborear qualidades de movimento já experimentadas, respeitando a construção processual vivida e relatada nesta dissertação. Dessa forma, seu processo de montagem vem em construção antes mesmo do início da escrita deste texto. Porém, o pensamento mais focalizado e a estruturação acerca da composição Amiúde só foram possíveis após a aplicação prática da pesquisa, onde refletimos sobre a potência da pausa na dança, sobre a potência do movimento e sobre a potência da dança em âmbito criativo e educacional do corpo que dança. A lentidão que proponho nesta pesquisa tem um caráter dilatado, expansivo e enraizado na percepção corporal, propriocepção. Por vezes, a lentidão está de fato, em um tempo lento a lentíssimo, com nuances de velocidade sutil, configurando em alguns momentos a pausa. A presente pesquisa, também considera a lentidão na perspectiva do tempo cronológico (em processo), onde os processos de propriocepção acontecem dia após dia, na pulsação, em combinação à fluência, na síntese, no relaxamento e na tensão muscular. Vivos e orgânicos no momento presente, recebendo e passando energia, sendo inteiros, sendo soma. Por vezes, experimento o movimento com a qualidade de tempo rápida como fonte qualitativa de informações que geram o aguçamento perceptivo da desaceleração, visando proporcionar um alargamento do entendimento do movimento pesquisado, gerado, dançado, em uma perspectiva de experiência sensório-motora que acelera para entender e corporificar a desaceleração. Nesta pesquisa proponho a lentidão como metodologia investigativa das qualidades expressivas do movimento dançado. O estudo da eukinética labaniana como fator inicial da aplicação prática da pesquisa, e, por conseguinte, as propostas metodológicas da “dança pelos sentidos: criação coreográfica” e da “improvisação pelos sentidos” da pesquisadora Patrícia Leal (2012), como fonte investigativa e qualitativa.

(13) 13. das concepções abordadas, embasam a construção do entendimento da pausa na dança e de uma compreensão de corpo com mais consciência de sua integralidade. Percebo, ao longo dos anos na experiência artístico-acadêmica, que os fatores qualitativos (LABAN, 1978) do movimento atuam em diversas combinações a todo instante no movimento dançado e na vida cotidiana. A partir da eukinética de Rudolf Laban (1978), que é o estudo dos aspectos qualitativos, dinâmicos e expressivos do movimento, dou início à pesquisa prática pelos quatro fatores do movimento que foram identificados por Laban – fluência, espaço, peso e tempo –, ao observar as atitudes corporais na experiência do movimento (RENGEL, 2005). A abordagem das qualidades do movimento dançado pela eukinética labaniana, está conectada com a concepção de uma linguagem em dança que tem a lentidão como uma escolha saborosa. Desta maneira, faço uma reflexão acerca da velocidade dos corpos na contemporaneidade a partir das autoras Denise Sant’Anna (2001) e Patrícia Leal (2012), percebendo, refletindo e perguntando: Quais caminhos precisamos percorrer e experimentar para provar o sabor da lentidão no movimento dançado? De que forma ainda estamos presos ao imediatismo da velocidade? De que maneira essa possibilidade da lentidão faz com que o corpo construa um conhecimento em dança? Essas questões serão retomadas na conclusão desta pesquisa, onde apontarei possíveis respostas diante toda pesquisa feita acerca da lentidão como escolha metodológica de conhecimento do corpo e como potência criativa em dança. Entretanto, o leitor poderá refletir acerca dessas perguntas em todo o texto dissertativo. O primeiro capítulo desta pesquisa, intitulado “Velocidade Oscilante: experiência de uma desaceleração saborosa” reflete acerca da aceleração e desaceleração dos corpos na contemporaneidade através de relatos de minha infância, adolescência e início da trajetória artística, juntamente com a historiadora Sant’Anna (2001) e a pesquisadora em dança Leal (2012). Proponho a lentidão como escolha de um aprofundamento dos conhecimentos do corpo e da dança. Leal (2012), refletindo sobre a velocidade dos corpos na contemporaneidade, sobre a superficialidade e sobre a falta de identidade que a agilidade pode acarretar, concorda com a historiadora Denise Sant’Anna (2001) quando levanta a valorização crescente da problemática do corpo humano acompanhada por uma exploração comercial ascendente, onde o imperativo da beleza e da saúde perfeitas se impõe na onipresença da mobilidade corporal em expansão..

(14) 14. Essa mobilidade corporal, cada dia mais crescente e presente na vida contemporânea, se inicia, segundo Sant’Anna (2001), com o advento da velocidade nas competições esportivas em meados do século XIX. Aparece também nas artes impressionistas com o advento da fotografia e o estabelecimento do instante nas artes. Reafirma-se com veemência no progresso das fábricas e máquinas, implantando novas liberdades e agonias na contemporaneidade (LEAL, 2012). Esta reflexão, além de estar no último capítulo da tese de Leal, é eixo norteador em alguns artigos da historiadora Denise Sant’Anna (2001), nele a autora constrói seu pensamento sobre a velocidade dos corpos sinalizando a lentidão como uma escolha que não precisa ser o oposto da velocidade. Mas sim, uma maneira de experimentar as nuances qualitativas do que já temos, do que já existe em nós. E que muitas vezes são reprimidas pelo frenesi do imediatismo. Leal (2012), a partir desta reflexão, considera a possibilidade de haver processos de criação e propostas metodológicas em dança que têm a lentidão como opção. A lentidão não precisa ser exclusivamente o oposto da velocidade. E nem deveria definir-se pelo que supostamente lhe falta. Pois ela não resulta de um traço defeituoso do corpo ou de caráter, não significa apatia, falta de imaginação ou de energia, não se assemelha a um querer sem coragem nem a um molengar alheio à realidade. A lentidão não requer degredo. É possível defini-la de diferentes maneiras e experimentar muitos de seus charmes. [...] no lugar de conceber a lentidão como deficiência, ela passa a ser entendida como uma escolha. Uma escolha que nada tem de passivo (SANT’ANNA, 2001, p. 17).. O primeiro capítulo tem como objetivo relatar e identificar como e onde, em minha formação pessoal e artística, a lentidão se apresentou. Inúmeras vezes, ignorada pela apreciação e identificação com a velocidade de acumular vivências e, por vezes, entendida como perda de tempo. A desaceleração é concebida, nesta pesquisa, como sabor de um saber que se constrói aos poucos e que visa um entendimento qualitativo do saber do corpo na dança. Os relatos de minhas experiências, que estão no primeiro capítulo e em alguns momentos desta introdução, visam demonstrar a minha percepção acerca da velocidade ao decorrer da formação pessoal, artística e docente. Como a lentidão foi sendo entendida e apreciada como um saber do corpo que precisa de tempo para se ramificar e gerar conhecimento. Relatar as minhas experiências não tem um caráter egocêntrico ou de exaltação, tomando as minhas vivências como verdades absolutas. Mas sim um caráter.

(15) 15. investigativo para esta pesquisa, pois é a partir da experiência que o conhecimento foi gerado. A concepção de experiência nesta pesquisa se fundamenta no pesquisador Jorge Larrosa (2002), que a conceitua como sendo o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. E não o que se passa, o que acontece ou o que toca. O saber construído pela experiência é um saber particular, subjetivo, relativo, contingente, pessoal. Se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua, singular e de alguma maneira impossível de se repetir. O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em que encarna. Não está, como o conhecimento científico, fora de nós, mas somente tem sentido no modo como configura uma personalidade, um caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar no mundo, que é por sua vez ética (um modo de conduzir-se) e uma estética (um estilo). Por isso, também o saber da experiência não pode beneficiar-se de qualquer alforria, quer dizer, ninguém pode aprender da experiência de outro, a menos que essa experiência seja de algum modo revivida e tornada própria (LARROSA, 2002, p. 27).. Larrosa (2002) afirma ainda que a experiência é cada vez mais rara na contemporaneidade, devido a quatro apontamentos que demostrarei nos próximos parágrafos, sendo os dois últimos intrinsicamente ligados a esta pesquisa. Contudo, os quatro fatores se completam e formam um corpo conceitual sobre o “excesso”, que impossibilita a experiência. O primeiro apontamento de Larrosa (2002) se dá pelo excesso de informação – o autor afirma que a informação não é experiência e que ela não deixa lugar e nem possibilidades para a experiência acontecer. A contemporaneidade enfatiza a informação como algo imprescindível na constituição do sujeito como informante e informado. Porém a informação “não faz outra coisa que cancelar nossas possibilidades de experiência” (LARROSA, 2002, p. 21). A supervalorização e a ânsia de informação para a aquisição de poder informativo na sociedade atual atuam nos afastando gradativamente da experiência (LARROSA, 2002). Os processos investigativos em dança (destaco a dança por ser a área de conhecimento pesquisada), tanto no aspecto criativo quanto educacional, tem a ansiedade como impedidora do saber construído pela experiência. Impede que escutemos a nós mesmo e a possibilidade para o novo acontecer..

(16) 16. Ao refletir sobre a ansiedade, percebo que ela é um produto desencadeado pela velocidade desmedida e infindável que a contemporaneidade nos impõe a todo instante. Impedindo, assim, a experiência acontecer. Pois o excesso de informações provoca uma necessidade de mais informações. O segundo acontece pelo excesso de opinião – depois da informação vem a opinião, a obsessão por ela também anula possibilidades de experiência e também faz com que nada aconteça. E isto não é uma apologia a não termos opinião acerca de nada, mas sim um chamado para que não fiquemos cegos e sedentos por dar opinião após opinião sobre algo que muitas vezes não experimentamos. Larrosa (2002) busca dizer que a opinião muitas vezes não está vinculada a um estudo aprofundado acerca do que se diz e que, portanto, não se sustenta de modo consistente. O terceiro apontamento do autor diz que a experiência é cada vez mais rara por falta de tempo. Essa discussão sobre o tempo é amplamente debatida no primeiro capítulo desta dissertação, fazendo uma ligação das minhas experiências com os relatos sobre o tempo dos corpos na contemporaneidade, a velocidade voraz do imediatismo e a desaceleração saborosa de proporções integradoras do conhecimento do corpo na/da dança. A relação com a impossibilidade da experiência por falta de tempo é abordada da seguinte forma por Larrosa: Tudo que se passa, passa demasiadamente depressa, cada vez mais depressa. E com isso se reduz o estímulo fugaz e instantâneo, imediatamente substituído por outro estímulo ou por outra excitação igualmente fugaz e efêmera. [...] A velocidade como o que nos são dados os acontecimentos e a obsessão pela novidade, pelo novo, que caracteriza o mundo moderno, impedem a conexão significativa entre acontecimentos. [...] O sujeito moderno não só está informado e opina, mas também é um consumidor voraz e insaciável de notícias, de novidades, um curioso impenitente, eternamente insatisfeito. Quer estar permanentemente excitado e já se tornou incapaz de silêncio (LARROSA, 2002, p. 23).. O autor afirma ainda que “o sujeito do estímulo, da vivência pontual, tudo o atravessa, tudo o excita, tudo o agita, o choca, mas nada lhe acontece. Por isso, a velocidade e o que ela provoca a falta de silêncio e memória, são também inimigas mortais da experiência” (LARROSA, 2002, p. 23). E é dessa velocidade que os relatos abordam. Uma velocidade que não permite a pausa, o silêncio, produzindo assim agonias que geram saltos nas etapas de construção do conhecimento..

(17) 17. No início de minha trajetória artística, percebo saltos de etapas e ansiedade em querer compreender de forma rápida e eficaz a técnica do balé clássico. Ao iniciar os estudos de técnica clássica na EDTAM, em agosto de 2007, percebo hoje, que estava em um processo cauteloso de reconhecimento do ambiente, pois a realidade de uma escola de dança era extremamente nova para mim. O processo dos professores (Sammy Passos e Lidiane Soares) e dos colegas de turma para comigo era cauteloso como o meu, acelerando gradualmente ao decorrer das semanas. Decidi acompanhar esta aceleração e não mais fazer somente uma aula por dia, mas cinco, já que a técnica clássica era novidade para mim nesta época. Tinha muita pressa e urgência em entender tudo o que acontecia comigo decorrente aos estímulos que tinha em sala de aula, acreditando que, desta forma, teria uma maior propriedade em relação à dança clássica. Tomado pela pressa de entender que forma era essa de dançar, tive a oportunidade de assistir a uma apresentação da Companhia de Dança do Teatro Alberto Maranhão (CDTAM), na abertura dos jogos dos comerciários do Rio Grande do Norte, que me fez desacelerar. Naquele momento outra forma de dança se ramificava na minha retina, me fazendo olhar mais, querer mais, e me perguntar: que dança é essa que nunca tinham me apresentado? Sem pressa alguma, uma moça do meu lado disse: “isso é dança contemporânea”. Imediatamente fui tomado por outro questionamento: o que era a dança contemporânea? A pergunta deixou-me suspenso, em um espaço-tempo lento, contrapondo o que se fazia dança a minha frente. Em um tempo de moderado a rápido os movimentos dos bailarinos da CDTAM me causavam um constante deslocamento perceptivo. Na medida em que os movimentos eram feitos, a tentativa de compreender o primeiro se chocava com a vinda de mais dois ou três movimentos. Nunca tinha visto aquela forma de dançar. Os bailarinos se buliam de modo a não definir estaticamente o movimento, era um movimento dentro do outro, meio borrado em um espaço multifocado. No mês de novembro do ano de 2007, com apenas três meses de iniciação na técnica clássica, a diretora artística da EDTAM e diretora geral da CDTAM, Wanie Rose, chegou à sala na qual eu teria aula e permaneceu parada (pausa) na porta vendo a aula acontecer. Como não a conhecia, eu não percebi que ela tinha passado a aula inteira parada na porta observando a turma. A turma era composta somente por homens, e neste dia éramos vinte e poucos. Chamava muito a atenção de todos na escola e ia se tornando comum a presença de pessoas na porta da sala assistindo à aula..

(18) 18. Para minha grande surpresa ao término da aula, o professor Sammy Passos veio até mim e disse que a diretora da CDTAM me convidou para ser estagiário da companhia. De início não acreditei, pois pensava: como fui chamado se nem sou bailarino clássico? Como fui chamado se nem sei dançar a dança que eles se propõem? O meu querer fazer parte da companhia era tão grande que nem quis responder essas perguntas. Fiz o que o professor disse: “se joga!”. A partir de dez de dezembro do ano de 2007, comecei uma incrível e extraordinária jornada, a qual ainda percorro com grande gratidão, seriedade e dedicação para com a arte que fazemos. 4. O intérprete Juarez Moniz ao chegar à Cia de dança do teatro Alberto Maranhão, no ano de 2007, trazia em seu corpo, enquanto dança poucos registros. Em um curto período de tempo através de aulas de diversos estilos e participação em cursos durante festivais de dança em que a CDTAM participou, e também ao assistir e observar espetáculos de dança, teatro, música, fez com que essa fruição somada a um grande compromisso e dedicação sempre, resultassem e que seu corpo e mente entrasse num processo de ebulição, modificação, inquietação, e através de uma série de estímulos, mais uma vez em um curto tempo, este ser que antes era somente intérprete, passe a ser criador também, possibilitando aos seus companheiros, a si mesmo e a seu público seja do estado do RN, outros estados e outros países, puro deleite com tão grande sensibilidade artística, sistematizando reflexões, sentindo e pensando o mundo através de escrituras corporais de movimento com muita criatividade e estudo, a fim de buscar sua identidade 5 pessoal .. Diante do relato do percurso dos primeiros passos, percebo que o tempo lento e/ou rápido está presente muito fortemente nas experiências vividas até aqui. Que o espaço-tempo do entre meio, da pausa, da lentidão são questões imbricadas na presente pesquisa, pelo fato de sermos, eu e a pesquisa, partes de um todo. No momento da pergunta que me fiz acerca do que seria dança contemporânea fui tocado, vivi um momento de pausa que por dias me fez parar para pensar. Parar para entender que jeito era aquele de expressar o movimento dançado que eu nunca tinha visto. E esta pausa, em momento algum se configurou como a paralização de todos os pensamentos e sensações, pelo contrário, esta pausa, sobre a qual no capítulo III desta dissertação me debruçarei, é uma pausa recheada de movência sensório-cognitivoafetivo-motora.. 4 5. Desde minha entrada na CDTAM utilizo o nome artístico, Juarez Moniz. Entrevista concedida por Wanie Rose em 25/08/2013..

(19) 19. No ano de 20116 pela primeira vez fui convidado a experimentar a pausa como potência cênica, ao participar da oficina de Dança-Teatro ministrado pela companhia francesa La fleur de la peau, no 29º Festival de Dança de Joinville, Santa Catarina. Naquele momento, o convite para pausar me causou estranhamento devido ao meu préconceito de que pausa não era dança. Estava acostumado, muito por uma questão de gosto, de pensar a dança como um eterno movimento visível de braços e pernas no ar e de torções cada vez mais elaboradas. Percebo também que até aquele momento meu corpo precisava experimentar cada vez mais movimentos que ampliassem e projetassem a minha dança pelo espaço. Como se para mim a dança só fizesse sentido estando em uma constante projeção e expansão dos membros inferiores e superiores do corpo. A companhia francesa era composta pela brasileira, Denise Namura, e o alemão, Michael Bugdahn, que trabalhavam a pausa do movimento externo valorizando e, no meu caso, enfatizando o movimento interno como potência geradora do movimento. Revelava para mim e para muitos ali presentes que a pausa na dança nos possibilita a suspensão, gerando atenção, proporcionando assim uma ligação de um movimento para o outro (pausa, fronteira, passagem, entre, espaço). E percebendo que os fatores qualitativos do movimento identificados por Rudolf Laban (1978) atuam em diversas combinações a todo o momento no movimento dançado e no movimento cotidiano. Lembro-me que no segundo dia da oficina estava em constante movimento quando o Michael Bugdahn se aproximou e disse: “Sua dança não respira”. Naquele momento fui aos poucos parando o movimento externo e fiquei suspenso, em um tempo de lento a lentíssimo, em pausa (silêncio). Meus movimentos arabescos haviam parado, porém estava internamente em grande ebulição, com constantes deslocamentos. A afirmação dele me fez percorrer um caminho que antes só olhava de longe e com bastante estranheza, o caminho da potencialidade da pausa. A experiência com a pausa fez meu corpo degustar várias passagens/transições de um movimento para o outro. Passei a compreender que a dança não é somente movimento externo, mas também é interno e, os dois se complementam tornando o corpo integrado, interligado, ramificado.. 6. No ano de 2011, já havia passado por um processo criativo na CDTAM, o Rio Cor de Rosa, de Clébio Oliveira. Onde tive um grande deslocamento perceptivo sobre o movimento dançado, proporcionando-me alguns entendimentos sobre meu fazer em dança. Sendo um divisor de águas na minha carreira artística. Porém outras questões me inquietavam e afloravam, como a questão da pausa na dança..

(20) 20. Percebo hoje que a pausa atua em minha dança como elemento potencializadorinvestigativo do corpo que dança. Corpo que galgou seu próprio caminho em busca de uma dança orgânica, integrada. Descobriu o sabor inigualável da lentidão que constrói aos poucos e profundamente, onde através dos movimentos as fronteiras são borradas, impermanentes, nubladas, gerando um convite para o deslocamento perceptivo, fugindo de significados e, sendo significante na inteireza da sua concepção. A lentidão valoriza o processo como uma imersão no sabor, no delicado, no movimento interno que potencializa o gesto dançado, sendo o gesto, consequência recheada de sentido advindo de processos de entendimento de si, de maneira integrada, buscando as possibilidades e particularidades do corpo que dança (LEAL, 2012). Dessa forma, pude compreender que o corpo é o lugar que abriga as fronteiras, os entre-espaços, as potencialidades mais intrínsecas. E a busca pelo entendimento dos saberes do corpo perpassa sobre tudo, pelo reconhecimento de que saberes são esses e quais caminhos nos levam para este vasto campo do conhecimento. Nesta perspectiva, a fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty (1999) é reconhecida nesta pesquisa como um dos caminhos que apresenta o saber sensível, de forma a compreender que “o sensível” não é apenas qualidade do objeto, mas também é sentido, intenção, significação. O filósofo nos convida a retornarmos as nossas próprias experiências em sua complexidade, pois somente o ato da experiência perceptiva pode ensinar-nos o que realmente é o ato da percepção (PORPINO, 2006). Assume que a relação entre as minhas experiências e as experiências do outro tocam e são tocadas ao mesmo tempo, possibilitando um olhar sensível que vai muito além do que conseguimos expressar em palavras e que, em meu caso, é expresso pela dança. Uma reversibilidade potente de experiência, de conhecimento. Parto das experiências vividas para pesquisar, criar, experimentar, dançar e acima de tudo reconhecer e refletir o meu ser nesse espaço-tempo, onde se configuram inúmeras ramificações. A fenomenologia é o estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, resumem-se em definir essências: a essência da percepção, a essências da consciência, por exemplo. É uma filosofia que compreende o homem e o mundo a partir de sua facticidade, a tentativa de uma descrição direta de nossa experiência tal como ela é (MERLEAU-PONTY, 1999). Para a fenomenologia a “minha experiência não provém de meus antecedentes, de meu ambiente físico e social, ela caminha em direção a eles e os sustenta, pois sou eu quem faz ser para mim (portanto, ser no único sentido que a.

(21) 21. palavra possa ter para mim)” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 03). Ou seja, o mundo é aquilo que percebo, aquilo que vivo e não aquilo que penso dele. “Estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele, mas não o possuo” (MERLEAUPONTY, 1999, p. 16). Uma comunicação inquestionável que se dá através do corpo, dos sentidos, das sensações, das experiências. Na fenomenologia da percepção eu não tenho um corpo, eu sou um corpo. E nesta perspectiva, a experiência é uma comunicação com o mundo, comigo mesmo, e com os outros, ser com eles uma potência perceptiva, ao invés de estar ao lado deles, alheio às sensações. Ser corpo, a partir da fenomenologia de Merleau-Ponty (1999), é entender que ao mesmo tempo em que toco sou tocado, desencadeando processos perceptivos potentes de experiência. Que precisam que pausemos para enxergar, para ouvir, para sentir (MERLEAU-PONTY, 1999). A concepção de experiência para Larrosa (2002) tem uma ligação intrínseca com a concepção da experiência e do corpo em Merleau-Ponty (1999), e com a concepção da lentidão nesta pesquisa. A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (LARROSA, 2002, p. 24).. Tanto a experiência quanto a lentidão são entendidas nesta pesquisa como um encontro ou uma relação com algo que se experimenta, que se prova, que nos passa, que nos toca, nos acontece, e ao nos passar, nos forma e nos transforma. “Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação” (LARROSA, 2002, p. 26). Quando entendemos que somos um corpo, na perspectiva fenomenológica, começamos a perceber que as relações que se estabelecem com o mundo, consigo e com o outro geram experiências profundas, que, como reflete Larrosa (2002), precisam ser livres de excessos. A informação, a opinião e a falta de tempo são, para Larrosa (2002) fatores responsáveis pela inibição da experiência, por vezes, esses elementos são confundidos com o fato do indivíduo ter tido uma experiência. A proposta metodológica da lentidão.

(22) 22. nesta pesquisa em dança entende a experiência como uma potência perceptiva do Ser, na qual a lentidão é ao mesmo tempo um ato de escolha, um ato de apoderamento do Ser através de si, e do entendimento de “que a percepção interior é impossível sem a percepção exterior, que o mundo, enquanto conexão dos fenômenos, é antecipado na consciência da minha unidade, é o meio para mim de realizar-me como consciência” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 15). O quarto apontamento sobre que Larrosa (2002) reflete, é o da experiência cada vez mais rara por excesso de trabalho. Por vezes, a experiência é confundida com trabalho. Ao refletir acerca deste apontamento do autor, chego ao entendimento de que a experiência não se dá no acúmulo de tarefas, mas sim em momentos qualitativos de atravessamento que geram conhecimento através da experiência. Na dança, especificamente, não é a quantidade de aulas, processos ou repetições que proporcionam experiências. Mas sim a atenção dada a cada momento desses. A atenção que se configura em experiências que perpassam o corpo formula conhecimento, gerando a transcendência. A perspectiva da experiência como sendo o que nos passa, o que nos acontece, vem ampliar o entendimento em relação ao corpo, pois é nele que as experiências passam, acontecem. A lentidão como escolha nesta pesquisa vem propor um entendimento de corpo como experiência pulsante, daquilo que se vive que se percebe, que nos toca. Que está intimamente conectada, se percebendo à medida que acontece o ato do movimento, da fala, do toque, do olhar, da escuta. E não tentando se perceber através do espelho que somente reproduz a imagem exterior, onde se busca o entendimento de si pela perspectiva da 3º pessoa, que vê de fora, percebendo a estrutura física e estética do corpo. Construo o caminho de compreensão da proposta metodológica e de corpo nesta pesquisa, partindo da lentidão como escolha (SANT’ANNA, 2001), entendendo-os como experiência (LARROSA, 2002) e como sujeito-objeto (MERLEAU-PONTY, 1999), para que, desta forma, possa introduzir a perspectiva da educação somática, que, em minha concepção, reúne a lentidão como escolha, a experiência e o sujeito-objeto de forma íntegra. Adentro aos conceitos e técnicas da educação somática por entender que os processos de conscientização através da perspectiva somática são construídos pelo sabor da lentidão. Processos que se aproximam desta pesquisa pelo modo como percebem o corpo..

(23) 23. A educação somática é um campo teórico e prático que se interessa pela consciência do corpo e seu movimento. Muito embora o campo exista há mais de um século na Europa e na América do Norte, a denominação “educação somática” foi criada em 1995 pelos membros do Regroupment pour I’Éducation Somatique (RES) em Montreal, no Canadá. Sob a denominação de educação somática reagrupam-se diferentes métodos educacionais de conscientização corporal dentre os quais se destacam: Técnica de Alexander, Feldenkrais, Antiginástica, Eutonia, Ginástica Holística, etc. (BOLSANELLO, 2005, p. 100).. A educação somática considera o corpo humano um organismo vivo indivisível e indissociável da consciência. Onde o termo somático deriva da palavra grega soma, que para Thomas Hanna “[...] soma é o corpo subjetivo, ou seja, o corpo percebido do ponto de vista do indivíduo.” (HANNA, 2003, p. 50 apud BOLSANELLO, 2005, p. 100). Hanna (1972) elucida que durante o século XX aspectos tecnológicos, políticos, sociais e culturais geraram conflitos entre a cultura tradicional e a cultura na qual o autor chama de “mutante”. Os mutantes para o autor são “um novo tipo de ser humano, cujo comportamento hesita em adaptar-se” (HANNA, 1972, p. 13) ao formato tradicionalista da cultura de determinado lugar. Afirma que para esse novo tipo de ser humano é necessário um novo e diferente comportamento e pensamento acerca da cultura vigente e do que negligenciamos o que esquecemos e ignoramos durante milênios, ou seja, o nosso corpo. “A educação somática consiste em técnicas corporais na qual o praticante tem uma relação ativa e consciente com o próprio corpo no processo de investigação somática” (MILLER, 2011, p. 150), fazendo um trabalho perceptivo que direciona para a sua autorregulação em aspectos físicos, psíquicos e emocionais. Na educação somática, as decisões partem do indivíduo. Experimentar e descobrir caminhos e sensações com o próprio corpo é um potente conhecimento acerca de si e do mundo. A matéria prima para a construção de conhecimento na educação somática é a matéria corpórea que “amplia as capacidades cognitivas, motoras e funcionais, assim como também as habilidades criativas, expressivas e imaginativas” (CAETANO, 2012, p. 151). Miller (2011) incorpora os conceitos e técnicas da educação somática em uma perspectiva criativa, de investigação do corpo cênico. Caetano (2012) entende o corpo enquanto matéria expressiva em constante mutação e processo de reinvenção, onde o.

(24) 24. corpo e suas experiências intensivas na experimentação no campo da educação somática abre um espaço potente de alto conhecimento. A concepção somática de corpo enquanto experiência vem conceituar o corpo, em conjunto com a experiência e sujeito-objeto em Merleau-ponty (1999), entendendo e corporificando “a importância do sistema sensitivo-motor, ao invés de propor a execução de exercícios motores voluntários e repetitivos, que às vezes tem a tendência a brecar a aquisição de novas formas de se mexer” (CAETANO, 2012, p. 152; FORTIN, 1999, p. 43). O trabalho do educador somático prima por um refinamento sensorial. Por, um trabalho de refinamento da propriocepção [...]. Em reeducação, torna-se ainda mais essencial alcançar a nuance dos detalhes. Nesta finalidade de modulação sensorial, os conhecimentos somáticos propõem [...] a adoção de situações pedagógicas privilegiando um trabalho em lentidão, uma exploração atenta da amplitude articular, uma variação minuciosa do esforço, etc. Ser capaz de sentir para agir, tal é um leitmotiv da educação somática. Agir no intuito de aumentar as possibilidades de escolha, logo, aumentar sua liberdade (FORTIN, 1999, p. 43).. Em uma perspectiva somática, o saber se constrói na experiência própria de cada indivíduo. Posso perceber, dessa forma, que o sabor da lentidão se situa na experiência, na nuance dos detalhes, no parar para escutar o corpo, escutar a si mesmo. “Isto implica numa nova compreensão do corpo e da formação em dança, uma compreensão que se constrói a cada dia sobre o terreno para uma prática” (FORTIN, 1999, p. 50). Desta forma, os saberes somáticos me fazem cada vez mais perceber e constatar, em decorrência dos textos lidos e das experiências enquanto intérprete-criador e docente, que tudo que fazemos, lemos, entendemos ou não entendemos, vemos, falamos ou não falamos, movemos, pausamos vai contraindo-se e distendendo-se, acomodandose. Pois percebo que o ser é soma agora, neste momento (HANNA, 1972). Nesta perspectiva aprendemos por nossa própria experiência e não somente a partir de teorias e manuais, e nem copiando o modelo cinestésico do professor. A experiência do sujeito é valorizada como sendo única na medida em que o objetivo é levá-lo a tomar contato com o aspecto subjetivo de seu corpo (BOLSANELLO, 2005). O processo de aprendizado na educação somática visa validar a experiência subjetiva de cada aluno como fonte de conhecimento, o professor evita julgar o discurso que seus alunos têm sobre seus próprios corpos ou de impor seus valores sobre a estética ou a eficácia do corpo. Seu papel é sobretudo o de guiar o aluno em suas descobertas somáticas, suscitar uma reflexão sobre a corporeidade [...] o conceito central do corpo enquanto experiência deixa.

(25) 25 entrever que na medida em que nos aprofundamos na realidade corpórea de nossa existência, tocamos a capacidade inata que o ser humano tem de sentir e tornar-se consciente. Podemos então reconhecer nossos limites, explorar nosso potencial, desenvolvê-lo e contribuir de modo positivo ao meio onde vivemos (BOLSANELLO, 2005, p. 102 - 105).. Assim sendo, a lentidão como proposta metodológica, a conceituação de experiência a partir de Larrosa (2002) e o entendimento do corpo fenomenológico em Merleau-Ponty (1999) e do corpo enquanto experiência na educação somática vêm embasar o entendimento de corpo que norteia esta dissertação. Proporcionando também a base teórica para o primeiro capítulo, onde será ampliado ainda o conceito de educação somática como práxis (FORTIN, 2011), a velocidade e a desaceleração dos corpos na contemporaneidade, vislumbrando tais momentos na minha formação. Chegamos, desta forma, no segundo capítulo, cujo objetivo é relatar toda a aplicação prática desenvolvida na EDTAM, no segundo semestre do ano de 2014, na turma regular de dança contemporânea da escola, na qual sou professor. Os conceitos que nortearam a aplicação prática, os autores que a embasaram, a busca pelo entendimento dos fatores qualitativos do movimento identificados por Laban (1978), a “dança pelos sentidos: criação coreográfica” e a “improvisação pelos sentidos” de Leal (2012) culminaram na reflexão acerca da pausa como potência cênica e como entendimento perceptivo do corpo. O saber se construindo aos poucos e profundamente, culminando na experimentação da pausa na dança. A abordagem da pausa como potência será o tema do terceiro capítulo desta dissertação, investigando a sua potencialidade integradora na construção de um corpo na dança, em processos de criação e na ampliação da consciência do corpo dançante. A pausa, nesta pesquisa, não é apenas uma definição ou conceito, mas elemento de referência para pensar/experimentar o corpo na dança, de forma mais integrada e consciente. O quarto capítulo desta dissertação tem como objetivo pensar a dança como potência, entendendo-a como espaços de oportunidade de movimento que proliferam entendimentos acerca do corpo que dança, e da dança como área de conhecimento potente de ampliação da consciência por meio das experiências vividas. Traz ainda a análise da aplicação prática da pesquisa e o processo de criação de Amiúde (2015). Proponho uma pausa conclusiva, assumindo o meu andar devagar por já ter tido muita pressa, desejando aprofundar e ampliar esta pesquisa em um doutoramento,.

(26) 26. entendendo que os processos artísticos e docentes caminham de mãos dadas em um abraço afetivo potente de conhecimento em dança. Estejam convidados a mergulhar profundamente e sem pressa neste texto dissertativo que se faz dança em suas possibilidades investigativas artísticoeducacionais..

(27) 27. CAPÍTULO I VELOCIDADE OSCILANTE: EXPERIÊNCIA DE UMA DESACELERAÇÃO SABOROSA No começo era o movimento. Não havia repouso por que não havia paragem do movimento. O repouso era apenas uma imagem demasiada vasta daquilo que se movia uma imagem infinitamente fatigada que afrouxava o movimento (GIL, 2002, p. 11).. No início da minha trajetória artística, no ano de 2007, na Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão (EDTAM) sempre pensava que a dança somente acontecia se os movimentos do bailarino fluíssem de maneira contínua, com certa aceleração e sem pausa. Essa questão parecia estar tão bem resolvida, que não me preocupava em questionar-me sobre o não movimento na dança, movimentar-se era lei. Esta concepção em relação à dança teve o início de sua mudança em janeiro de 2010, com o coreógrafo brasileiro residente em Berlin na Alemanha, Clébio Oliveira. O início do processo coreográfico “Rio Cor de Rosa” na Companhia de Dança do Teatro Alberto Maranhão (CDTAM), na qual atuo como bailarino, professor e coreógrafo me fez perceber que a dança também acontece na pausa, que ela se potencializa na medida em que o corpo do bailarino compreende e utiliza a palheta de movimentos de seu repertório, graduando suas qualidades (FERNANDES, 2006), definidas por Laban7 (1978) por meio dos fatores do movimento: fluência, espaço, peso e tempo. A atitude interna, que, segundo Laban (1978), são os impulsos internos dos quais se origina o movimento, alterou-se no decorrer do processo citado. Rengel (2005), ancorada nos estudos de Laban, elucida que a atitude interna é a “intenção de quem se move em relação ao espaço, tempo, peso e fluxo, criando ritmos e nuances”. E foram as nuances de movimento – gradação das qualidades do movimento labaniano – que aumentaram a minha percepção de como e de onde o movimento surgia, desencadeando um efeito dominó em tempo lento, que me estimulou a criação e a pesquisa de movimento na dança, aguçando e ampliando a percepção de si. Porém, apesar do tempo lento de entendimento e maturação da escuta dos impulsos internos, a ansiedade, por 7. Os quatro fatores do movimento estão conceituados, no estudo de Laban, como parte integrante da Eukinética, que é o estudo dos aspectos qualitativos do movimento. Sendo a Eukinética, por sua vez, parte integrante da Teoria dos Esforços (RENGEL, 2005, p. 62). Estes conceitos serão apresentados com maior especificidade no capítulo II desta dissertação. Momento em que será descrita a aplicação prática desta pesquisa, juntamente com os conceitos que foram utilizados como base teórico-metodológica..

(28) 28. vezes, me tomava, deixando-me em um estado de oscilação ora acelerado ora “puxando o freio”. O processo coreográfico de “Rio Cor de Rosa” foi e continua sendo, para mim, de extrema importância para o entendimento do movimento na dança. Este processo aparecerá nesta dissertação como o alinhave de uma costura, ligando a pesquisa às memórias, o entendimento passado ao entendimento presente, emergindo e submergindo para ampliar a construção de pensamento neste processo prático-teórico. Decorrente dessa costura textual, não seguirei uma ordem cronológica fechada dos fatos. As memórias de infância e do início da jornada na arte da dança se fundem de maneira a construir o pensamento desta pesquisa, respeitando e assumindo o tempo lento como um tempo imprescindível para o entendimento aprofundado do conhecimento do corpo e da dança. No decorrer dos anos de 2009 e 2010 e nos anos seguintes 2011, 2012 e 2013, com a continuação da prática diária da/na dança, tanto na EDTAM e na CDTAM, quanto na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) no curso de licenciatura em dança, pude criar quatro solos, um em cada respectivo ano. Os quatro solos criados, a meu ver, mostram a ampliação do entendimento na dança, do movimento, do corpo, que mergulhado nos conhecimentos prático-teóricos da dança construíam o intérprete-criador Juarez Moniz. Em 2010, circulei com o solo intitulado “Sem que eu soubesse”, sendo esse o meu primeiro experimento coreográfico, que vinha em processo desde julho de 2009, quando retornei da cidade de Joinville em Santa Catarina, onde participei do Festival de Dança de Joinville. Neste momento, seis meses antes do processo com Clébio Oliveira, foi a primeira vez, desde 2007, que algo em relação ao meu corpo, a minha dança, mudava. A volta de Joinville fechava um ciclo de três viagens por festivais de dança com a CDTAM. Pude ver diversos corpos se movendo, inúmeras nuances de movimento, em diferentes técnicas em dança. Retornei em grande ebulição criativa, criando, assim, o solo “Sem que eu soubesse”. No ano de 2011, circulei com o solo intitulado “Precisei falar, desculpa!” que teve seu processo de criação iniciado em outubro de 2010. Este solo foi a minha segunda experiência enquanto intérprete-criador, e foi criado após a experiência com Clébio Oliveira. Do primeiro solo para o segundo, houve uma transição, tanto minha quanto da CDTAM. A companhia passava por uma transição na concepção de seus espetáculos. “Rio Cor de Rosa” foi a primeira peça inteira de seu repertório, com 40.

(29) 29. minutos. Antes, a concepção coreográfica se dava em trabalhos de no máximo 12 minutos. Figura 1 – Solo “Sem que eu soubesse” (2010). Fonte: Festival de Dança FENDAFOR (2012).. Figura 2 – Solo “Precisei falar, desculpa!” (2011). Fonte: Reginaldo Azevedo (2011)..

(30) 30. Durante esses dois anos (2010 e 2011), especificamente, o processo de entendimento e maturação das informações que recebi ao decorrer do processo coreográfico “Rio Cor de Rosa”, nos festivais de dança que participei e durante o dia-adia na dança reverberou no meu corpo em forma de uma inquietude avassaladora. Dada a aceleração, fazendo-me em alguns momentos pular etapas importantes no entendimento do movimento dançado. Etapas que necessitavam de um tempo mais alargado, um tempo lento de apreciação. Por mais que tentasse diminuir a velocidade e graduar as qualidades do movimento nos solos e no processo coreográfico citado, a urgência em ter algo novo para mostrar aos colegas de trabalho e a mim mesmo, juntamente com a vontade de dançar cada vez mais, na busca pelo entendimento das qualidades labanianas do movimento, me impediam de enxergar que era justamente na urgência que se tinha que tomar o maior fôlego. Tal urgência em entender o movimento dançado em meu corpo me fazia em vários momentos pular etapas importantes no entendimento qualitativo do movimento. A respiração, por exemplo, era muito contida, dificultando um possível entendimento da nuance qualitativa do fator fluência. A historiadora Denise Sant’Anna (2001) faz algumas reflexões sobre a supervalorização do corpo humano, acompanhado por sua intensa exploração comercial, onde o imperativo da beleza e da saúde perfeita, assim como a onipresença da mobilidade corporal, é incessantemente alimentado pelo risco do descarte e do isolamento. A autora nos mostra um exemplo muito claro de pulos de etapas quando exemplifica a mudança do meio de locomoção nas viagens na contemporaneidade. Passando da contemplação das paisagens no trem, para a imagem acelerada e borrada das viagens nos automóveis: [...] com a banalização das viagens em automóveis particulares e o advento das estradas de rodagem, o desaparecimento de paisagens e de cidades inteiras se acelera: “antes, para ir de Paris para Essoyes”, conta Jean Renoir,” pegávamos um trem expresso até Troyes, onde aguardávamos a partida de outro trem, que nos levava a Poliseot”. Enquanto esperava, a família Renoir podia passear por Troyes e contemplar as esculturas e suas igrejas. Mas, ao decidir viajar de automóvel, essa parada foi suprimida. Troyes deixou de fazer parte da viagem (SANT’ANNA, 2001, p. 14).. Este relato de Jean Renoir, descrito por Sant’Anna, transposto para os meus relatos e experiências na dança, tem total relevância na medida em que percebo em mim.

(31) 31. os pulos nas etapas de entendimento qualitativo do movimento dançado. A aceleração dos movimentos me fazia cortar os caminhos e perder o ar, pulando as terminações e transições dos movimentos deixando de respirar em totalidade. Decorrente desses processos em minha trajetória artística, versarei neste capítulo sobre a escolha da lentidão como um fator metodológico da pesquisa. Presente na aplicação prática, na criação e na escrita. Para vislumbrar uma arte que se quer significativa e não qualquer (CALDAS, 2010 apud LEAL, 2012)8. Para compreender a lentidão como sinônimo de sabor, de saber, de saborear (LEAL, 2012). E para assumi-la como um espaço-tempo potente de emersão9 do conhecimento do corpo em/na dança. Entender a lentidão como: [...] perspectiva de uma linguagem que se constrói aos poucos e no profundo, pouco a pouco assimilada, conhecimento do corpo. Saber que se constrói na vivência mais integra e não apenas no acúmulo quantitativo ou no consumo de uma multiplicidade de informações. Corpo que não busca ansiosamente a superação de seus limites, mas que os reconhece, considera e, sob essa perspectiva, gera a transcendência (LEAL, 2012, p. 125).. Para compreender a lentidão como uma linguagem que se constrói aos poucos e profundamente, caminharei pelas trajetórias feitas até o presente momento desta escrita para localizar o que me fazia pular as etapas do entendimento do movimento dançado. Relatarei vivências da minha infância, para, assim, perceber a velocidade oscilante que me fez chegar até o processo coreográfico “Rio Cor de Rosa” (2010) e perceber que a velocidade do corpo que dança pode desacelerar construindo um conhecimento acerca do corpo na dança, chegando, assim, ao entendimento de lentidão utilizado nesta pesquisa. “A febre da velocidade cria liberdades novas, mas fabrica agonias singulares” (SANT’ANNA, 2001, p. 14). A autora me faz enxergar com esta frase a prisão na qual me encontrava em relação ao entendimento do corpo na dança. Estava preso a uma. 8. Leal (2012) utiliza o termo qualquer de Caldas (2010), apresentando-o como uma concepção associada à dança contemporânea, onde a discussão sobre esta concepção vem se aprofundando. “Caldas (2010) apresenta a beleza dessa concepção, a princípio, numa perspectiva em que qualquer movimento, de qualquer corpo, em qualquer espaço pode se transformar em dança, uma ideia ligada à potência, à experiência de novas corporeidades, novas gestualidades, contudo o autor também critica essa indistinção, como uma possibilidade de banalização. Atenho-me a essa crítica na escolha do significativo (LEAL, 2012, p. 125)”. Utilizo o termo nesta pesquisa comungando com a crítica feita por Caldas (2010), para significar o termo, assim como utilizou Leal (2012). 9 Utilizo a palavra emersão compreendendo-a como movimento (s) de um corpo que sai de um fluido/estado no qual estava mergulhado..

(32) 32. liberdade velada10 e ao entendimento da dança através da velocidade, e não entendia as repetidas vezes que percebia as agonias decorrentes dos movimentos desconexos, rápidos e muitas vezes difíceis de controlar, por estarem em uma velocidade acelerada constante. É importante deixar bem claro que, para mim, o movimento mais rápido e acelerado é também importantíssimo para a construção do bailarino, coreógrafo, professor, entre outros moventes da dança. Mas, a utilização desenfreada da velocidade, e somente dela, causa agonias e um falso entendimento de liberdade no movimento. Precisei passar por tudo isso para hoje entender e perceber que posso ir por outros caminhos que não apenas o da velocidade rápida. Dessa forma, percebo que entre os anos de 2010 e 2012 iniciei um processo de entendimento perceptivo da desaceleração. Começando assim a entender que desacelerar me proporcionava experimentar a totalidade da respiração e aguçava meu corpo para perceber as nuances qualitativas do movimento dançado. No processo coreográfico “Rio Cor de Rosa” (2010), ouvia do coreógrafo Clébio Oliveira que a respiração ajudava ao movimento acontecer de forma mais fluida e sinuosa. Porém, foi no processo coreográfico do solo “Otelo” (2012), de minha criação, que comecei a vislumbrar a respiração que tanto ouvia Oliveira estimular. Foi nesse momento que comecei a entender corporalmente as mudanças de qualidade do movimento dançando, que, por vezes, visualmente, já percebia no corpo de alguns bailarinos da CDTAM, como as bailarinas Anádria Rassyne, Andreia Melo e Margoth Lima e no corpo do coreógrafo Clébio Oliveira, quando demostravam os movimentos ao dançar. No ano de 2012, com a criação e circulação do solo intitulado “Otelo” pude então começar a perceber, concretizar e corporificar o entendimento da potência da pausa na dança e da gradação das qualidades do movimento. O solo “Otelo” foi a terceira mudança perceptiva das qualidades do movimento. Como citei anteriormente, a primeira foi quando voltei em 2009 do Festival de Dança de Joinville (SC), culminando na criação do solo “Sem que eu soubesse”. E a segunda mudança foi o processo coreográfico “Rio Cor de Rosa”, quando pude experimentar e ser atravessado pelo lindo sabor das nuances do movimento dançado. 10. O termo “liberdade velada” diz respeito a minha auto vigília em relação ao que fazia e pensava sobre a dança, onde o imperativo do acerto e do erro ofuscava a percepção de um processo de construção em dança, seja ele criativo ou pedagógico, mais lento e aprofundado..

(33) 33. Se em 2010 Clébio Oliveira divide a história da CDTAM e a minha em antes e depois de Rio Cor de Rosa, em 2012 o trabalho coreográfico “Otelo” me proporciona olhar para trás e ver as oscilações de velocidade e entendimento do movimento. Olhar ao mesmo tempo para frente, e perceber que daquele momento em diante a minha visão em relação à dança mudava e precisava de outras fontes qualitativas para entendê-la melhor. O ano de 2012 foi uma pausa que me suspendia, me fazendo experimentar nuances, sendo o elo entre os extremos. Olhava para os anos de 2007 a 2011 e via um artista que facilmente acessava o que Ciane Fernandes (2006) elucida como Polaridade Condensada: fluxo contido, espaço direto, peso forte, tempo acelerado. Em 2012, as informações até então adquiridas me deixaram em um estado reflexivo muito potente de percepção de si, do outro e da dança. No ano de 2013, deu-se início à experimentação consciente da Polaridade Entregue: fluxo livre, espaço indireto, peso leve, tempo desacelerado (FERNANDES, 2006). Percebo essas qualidades nos anos anteriores, porém, elas são evidentemente mais acessadas a partir da criação e circulação do solo intitulado “Elo” (2013), foi neste processo coreográfico que comecei a vislumbrar a desaceleração como um conhecimento potente de formação cênica e corporal que se constrói profundamente. O nome “Elo” significava naquele momento a compreensão e entendimento perceptivo do que meu corpo vinha maturando – em relação à dança – durante seis anos. É neste solo que a desaceleração se presentifica, tanto na movimentação mais degustada, quanto pela escolha da trilha sonora. Pela primeira vez em minhas composições utilizei música clássica. Antes as trilhas eram feitas por colagem musical, pedaços, fragmentos, que unidos formavam a música. A sonata número 05 em Fá maior, para violino e piano, de Beethoven, em “Elo”, se funde aos movimentos e à respiração em sua totalidade. Sendo a respiração a condutora dos movimentos neste solo. É ela que faz com que a palheta de cores do movimento dançado se abra em cores outras, nuances, em cores entre. O entendimento da construção do conhecimento pela desaceleração aguçou-se ainda mais com a leitura da tese da bailarina e pesquisadora em dança, Patrícia Leal (2012). Especificamente no capítulo Tessitura Aromática Saborosa, Leal nos traz, no último tópico, o entendimento de um saber que se constrói aos poucos e profundamente. Vislumbra e convida-nos a sentir o sabor da lentidão, aguçando nossos sentidos e ampliando nossa percepção acerca do conhecimento do corpo, da dança..

(34) 34. Figura 3 – Solo “Otelo” (2012). Fonte: Leila Bezerra (2013). Figura 4 – Solo “Elo” (2013). Fonte: Reginaldo Azevedo (2013)..

Referências

Documentos relacionados

[r]

A placa EXPRECIUM-II possui duas entradas de linhas telefônicas, uma entrada para uma bateria externa de 12 Volt DC e uma saída paralela para uma impressora escrava da placa, para

O objetivo do curso foi oportunizar aos participantes, um contato direto com as plantas nativas do Cerrado para identificação de espécies com potencial

As diferenças mais significativas de humidade do solo entre tratamentos manifestam-se no final do Inverno e início da Primavera em resultado do grau de

Para além deste componente mais prático, a formação académica do 6º ano do MIM incluiu ainda disciplinas de cariz teórico, nomeadamente, a Unidade Curricular de

insights into the effects of small obstacles on riverine habitat and fish community structure of two Iberian streams with different levels of impact from the

Desta forma, conforme Winnicott (2000), o bebê é sensível a estas projeções inicias através da linguagem não verbal expressa nas condutas de suas mães: a forma de a

Esta dissertação pretende explicar o processo de implementação da Diretoria de Pessoal (DIPE) na Superintendência Regional de Ensino de Ubá (SRE/Ubá) que