UNIVERSIDADE
FEDERAL
DE SANTA
CATARINA
DEPARTAMENTO
DE
SERVIÇO
“ ›. ^_.-'‹. .‹~c_ENTRo
sÓc1o-EcoNôM1co
i 4ENCANTOS
E
DESENCANTOS
DO
RELACIONAMENTO
CONJU
GAL:
UMA
QUESTÃO ROMÂNTICA
OU
SÓCIO-
Ez -‹ ' as ' D Aprovado Pelo DSS Em.,1..2z./._1,z.L-/15.. ' 5 sr» *de 30l'VW° s°°la\ Y ' D
uma
do G§E_m,$c ÍCULTURAL?
` ' z<\Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Departamento de Serviço
Social, da Universidade Federal de Santa
Catarina, para obtenção do título de
Assistente Social. _
Denise
Luciano
que determina
quem
somos
e o que estamos nos tomando, mas. a maneiracom
que respondemos ao desafio.Somos
combatentes, idealistas,mas
plenamente conscientes, porque o ter
consciência não obriga a ter teoria sobre as
coisas. Só obriga a* sermos conscientes _
Problemas para vencer, liberdade para
provar. -
Enquanto acreditamos
em
nossos sonhosnada será por acaso.”q
'
Dedico este trabalho aos
meus
pais, JoséLuiz e Edenyr, que compaflilharam e
alimentaram
meus
ideais, que mantiveram-se ao
meu
ladoem
todos osmomentos
daminha
caminhada na Universidade.A
eles dedicominha
conquista,com
a mais-
À
Deus, pela inspiração de sua íntima voz, harmônica esilenciosa, que há de pairar sobre os
homens
e se etemizar na justiça e noamor, conduzindo nossos passos.
-
Aos meus
pais, José Luiz e Edenyr, quecom
muitoamor
me
incentivaram durante todo o curso.
-n
-
Aos meus
irmãos e cunhados, Luiz Carlos eJurema;
Rosi eMário; Djair, que compartilharam comigo minhas Vitórias.
Em
especialao Cláudio, que
me
acolheuem
sua casa durante o período de estudo.-
Aos meus
sobrinhos,Murilo
e Maiara, peloamor
e carinho.-
À
Marisa, pelo apoio e dedicação amim
dispensados no decorrerdo curso.
A
ela,minha
gratidão e amizade. ,` _
-
A
Ana, minha
supervisora durante o período de estágio, e hoje,minha
grande amiga.-
À
Arlete,Tânia
eMaria
Aparecida, Assistentes Sociais, pelapossibilidade de crescer profissionalmente fazendo estágio ao seu lado.
A
elas,
minha
admiração e carinho.-
À
Marly
Venzon, quecom
paciência, confiança e ternurajunto
com
vocês, nossa linda amizade.-
A
todas asamigas
'da turma, especiahnente aCarmine,
Daniella, Eleonora,
Ana
Cláudia e Rita pelosmomentos
alegres queforam compartilhados. A
-
Ao
Grupo
PET/Serviço
Social pelo aprimoramento daminha
formação profissional.
H
-
À
Ondina, que compartilhou comigo osmomentos
alegres vividosno decorrer do curso. »
-
Aos
usuários, sujeitos sociais que tiveramuma
grandeimportância no processo de formação profissional.;
-
A
“todos” aqueles que ofereceram amor, estímulo e carinhocomo
APRESENTAÇÃO
... _. 07CAPÍTULO
I -O
SERVIÇO
SOCLAL
E
O RELACIONAMENTO
CONJUGAL
1A
1.1 -
O
Serviço Social nas Varas de Família ... ._ O91.2 -
Do
tradicional aomodemo:
um
breve relato histórico dorelacionamento conjugal ... _. 14
CAPÍTULO
11 _A
CONSTRUÇÃO
DA
nx/IAGEM
E
O
PODER
Do
MITO
NA
RELAÇÃO
CONJUGAL.
f2.1 - Paradoxo do amor conjugal ... .. '21
2.1.1 -
A
síndrome do amor romântico ... .. 272.2 -
A
estruturação do imaginário e a criação do cônjugeideal ... _. 35
2.3 -
Os
mitos do encanto e do desencanto: a passagem da ilusãoà realidade da relação conjugal ... ... ._ 38
CONSIDERAÇÕES
FTNAIS
... .. 53SUGESTÕES
... ._ sóAPRESENTAÇÃO
O
Trabalho' de Conclusão de Curso ora apresentado«É
aborda o tema “Encantos e desencantos do relacionamento conjugal:
uma
questão romântica ou sócio-cultural?”.
O
encanto será. tratadocomo
a fase puramente~
fantasiosa, onde destacamos o poder das idealizaçoes que cercam o laço
conjugal.
A
fase do desencanto se dá porque a realidade deum
relacionamento conjugal acaba retirando a máscara de tais idealizações.
A
investigação originou-se a partir do estágio curricularrealizado no setor de Serviço Social das Varas de Família do
Fórum
deFlorianópolis, no período compreendido entre
março
de 1994 até julho de1995. .
No
primeiro capítulo, situaremos a experiência realizadajunto ao setor de Serviço Social;
O
processo de investigaçãoque
desencadeou o presente trabalho,
como também
um
breve relato histórico dorelacionamento conjugal.
_
No
segundo capítulo, abordaremos a construção da1.1 -
O
SERVIÇO
SOCIAL
NAS
VARAS
DE
FAMÍLIA
- Oesetor de Serviço Social das Varas de
Familia, local
onde desenvolvemos nossa prática de estágio curricular, foi implantado
em
1981, tendo
em
vistaum
grandenúmero
de pessoas que se dirigiam àInstituição
com
problemas deordem
social.1*
As
Varas de Famíliatêm
função sócio-jurídica,ea
fnialidade básica de processar e resolver, através de julgamento, todo e
qualquer problema que envolva direito de família e sucessões.
O
assistente social que atua no âmbito jurídico, visaproporcionar ao usuário a compreensão que o
mesmo
éum
ser social ecomo
tal,tem
asseguradouma
série de direitos. Neste sentido, oprofissional é muito mais que
um
mero
repassador dos direitos do usuário,pois acaba contribuindo para a construção
da
noção de cidadania dossujeitos sociais.
A
realidade social vivenciada por grandepane
dasociedade brasileira, ou seja, por pessoas carentes de recursos é retratada
pelos usuários do setor de Serviço Social das Varas de Família,
uma
vez querepresentam a parcela da população que é desrespeitada no acesso aos
direitos. sociais básicos,
como
saúde, educação e moradia."Além
disso,muitos dos usuários são desempregados ou
têm
subemprego. Estes são asvítimas de
um
verdadeiro processo de marginalização, conseqüência deum
sistema capitalista “selvagem”, que cada vez mais afasta as pessoas das
.
As
pessoas carentes procuram o setor de Serviço Social,a fim de fazer valer o direito que lhes foram assegurados na Lei n° 1060, de
05 de fevereiro de 1950, que estabelece nonnas para a concessão de
assistência judiciária aos necessitados.
Cabe
ao assistente social, através de orientações eesclarecimentos, refletir
com
o usuário a sua situação sócio-jurídica e juntosprocurarem altemativas para a solução das questões por eles apresentadas,
ou seja, o profissional deve conduzir a situação para que o
mesmo
compreenda sua realidade e desta fonna encontre subsídios para modificá-
la.
A
prática se dá via atendimento de público, de formaindividualizada ou atendimento às famílias.
As
situações mais freqüentesque surgem são aquelas provenientes do .contexto familiar,
como
asdificuldades no relacionamento conjugal,
não
pagamento de pensãoalimentícia, disputas pela guarda dos filhos, entre outros.
Em
muitos desses casos, o assistente social, através dereflexões e orientações,
promove
um
acordo, evitando dessa formaum
processo. Porém, muitas vezes, o litígio é inevitável. Nestes casos, é feito o
encaminhamento para a assistência judiciária gratuita (quando há falta de
condições fmanceiras das partes), através dos advogados que prestam este
serviço pela Defensoria Dativa do Estado.
Além
dos atendimentos de público, o assistente social das Varas de Família realiza estudos sociaisem
processos, que sãoelaborados através de determinação judicial. Esses
tem
como
objetivosubsidiar maiores informações a respeito do processo
em
questão,bem
como
emissao de parecer do assistente social, para que através deste possaser
tomada
a melhor decisão acerca do processo.Os
processos mais freqüentesno
setor de Serviço Sociale dos quais realizam Estudos Sociais são: Guarda e Responsabilidade,
Busca
e Apreensão, Pensão Alimentícia, Separação Judicial,Regulamentação de Visitas, Separação de Corpos, entre outros.
Dos
atendimentos feitos ao público,um
fatoem
especial,despertou-nos
uma
inquietação.O
fato de muitos casais procurarem o setor,com
problemas de relacionamento conjugal. Estes demonstravam que osconflitos estavam rodeados por questões ligadas ao amor, .fantasias e
expectativas frustradas.
Os
usuários demonstravam que no início do relaciona-mento
.conjugal “tudo era maravilhoso”.Com
o tempo, “o sonho viroupesadelo”. Essas expressões soararn para nós
como
um
alerta para o queestava se passando no relacionamento, então, resolvemos denominar estes
fâÍOS COIIIO €IlCaIlÍOS 6 (ÍCSBIICEIIIÍOS.
Partindo destes pressupostos,
começamos
a questionar ofun do laço conjugal. Para podermos compreender o seu
fm,
nosreportamos a sua gênese, isto é, ao que as pessoas esperam de
um
relacionamento conjugal, o encanto .que este exerce sobre as pessoas e desta
forma compreendennos o
momento
do desencanto, que é ofim
do laço conjugal.Para efetuannos nossa pesquisa, seguimos tais questões norteadorasí
0 Qual a percepção do relacionamento conjugal das pessoas que procuram
o Serviço Social das Varas de Família do
Fórum
de Florianópolis?z
0
Que
mitos são vivenciados no relacionamento conjugal?0
Como
se processa o desencanto do relacionamento conjugal?É
importante destacar que a pesquisa caracterizou-secomo
uma
pesquisa exploratória e a amostragem foi por acessibilidade. Porisso, do universo de pessoas
com
problemas no relacionamento conjugal queprocuraram o setor, destacamos 25 pessoas que foram os sujeitos no
processo de investigação da prática.
Deste total,
40%
eramhomens
e60%
mulheres; .sendoque a maior parte destes tinham idade compreendida entre 22 e 42 anos.
Convém
ressaltar que20%
destes, no caso, cincopessoas, não apresentaram expectativas diante de
um
relacionamentoconjugal.
A
preocupação e os sonhos dirigiam-se à satisfação profissional.Mas
a grande maioria, os restantes80%,
demonstrou o poder dasidealizações, que muitos deles, ou seja,
80%
não conseguiram realizar.Queremos
deixar claro, neste momento, que a análiseuma
tentativa de reflexão sobreuma
estrutura subjetiva que é cada pessoaque vive
um
relacionamento conjugal e as questões que o cercam(como
amor, imaginário, mito: componentes que
formam
o encanto e desencanto),e o profissional que elabora o processo de intervenção nesta realidade.
Neste sentido, utilizaremos as falas dos usuários do setor
de Serviço Social das Varas de Família,
como
mediadores entre as questões'' ,tw - _. 1.2 -
DO
TR_{\]DICIONAL
MODERNO:
UM
z ~ . iiiRELATO
HISTORICO
DO"R?1ÊLACIONAMENTO
CONJU
GAL
O
relacionamento conjugal, 'ao longo dos tempos, sofreualterações -em sua estrutura.
Advindo
domodelo
patriarcal da Idade Média,mudou com
o desaparecimento paulatino do* tradicionalem
direçãoE
ao
queé
chamado
de modelo nuclear-modemo.'
No
modelo patriarcal, o vínculo conjugal representavanão
somenteuma
união entre duas pessoas,mas
entre as famílias de origem._
Neste sentido, as uniões
sedavam
por conveniênciae a intermediação dasfarnílias dos noivos eram habituais.
A
mulher era tidacomo
importante elemento âde. troca,pois havia a associação entre casamento e dote da mulher.
Segundo
McFarlane (1990), o
fluxo
dos dotes pennitia o intercâmbio de riquezasentre as camadas sociais, entre a cidade e o campo, entre comerciantes e
agricultores. Estes dados nos revelam o plano econômico .que articulava a
.
\`
união entre as famílias e que, de certa fonna, ditava as regras e condutas
-sócio-culturais.
Nesta' epoca, o laço conjugal* não era tratado apenas
como
vínculo econômico, -apesar que este tinha fundamental importância.Havia
também
lum interesseno
vínculo de. reprodução, pois os valoresNo
modelo patriarcal,como
o próprionome
diz, o poderera exercido pelo patriarca (o pai, marido), sendo que este deveria cumprir
o papel de protetor e provedor.
À
mulher cabia o papel demãe
de fainilia,um
ser frágil, emocional e intuitivo,sem
contribuição nos segmentos civis epolíticos.
K
'
“A negação dos. direitos civis e
políticos à mulher, limitava portanto,
a
esfera de sua atuação.” (Saffioti,
1979167)
Porchat (1992), nos diz que estava defmido, nesta época,
que o
homem
era superior à mulher por ser mais racional, mais forte, porisso detinha o controle da família e do poder das .decisões fmais..
A
Igreja, nesta época, dominava o sistema depensamento que era fundamentado na lei religiosa por ela defmido.
Como
uma
instituição queimpunha
os valores da sociedade, o laço conjugalvisava, acima de tudo, a parceria de corpo e espírito, reforçando os valores
como
pureza e virgindade para a mulher e virilidade para ohomem.
“O
componente fidelidade entre ocasal era exigido somente da mulher,
que deveria -manter-se
pura
etambém
para
garantir filhos legítimos ao marido.A
dissolução do matrimônio eraimpensada, pois ;a família patriarcal,
assimilava valores
da
Igreja Católica,que contribuiu _
para
reforçar as~ ~
relaçoes de
dominaçao
deum
sexosobre o outro.” (Espíndola, 1995:l2)
1
'Podemos
perceber que o patriarcado acabavalegitimando certas condutas e estabelecia ao relacionamento conjugal a
fmalidade da
ordem
social e fortalecimentodo poder econômico.ú
j
‹
Com
o advento da Revolução Industrial e a diminuiçãoda influência patriarcal, 0 relacionamento conjugal passa a ter
uma
nova
conotação.
v
O
relacionamento conjugalmodemo
tem
sua base nocasamento burguês.
Do
ponto de vista histórico e sociológico, estemodelo
de__união teve sua origem
em
meados
do século XIX, identificando-secom
afamília conjugal e nuclear urbana e sendo o ponto terminal da organização
patriarcal nas classes dominantes. Seu advento está ligado ao processo de
industrialização, urbanização e higienização.
‹
Embora
seja denominado de casamento burguês, nãoestá limitado a esta classe; o que queremos dizer é que as camadas médio-
urbanas e mais baixas
também
sofreram suas influências.“Diferentemente do casamento
na
mais e' a manutenção de propriedades,
bens ou interesses políticos. Casa-se
porque se tem interesses e `
gostos
iguais.
É
um
laço conjugal que temcomo
valores predominantes a escolha~
do parceiro
por
amor, a gloríficaçao doamor
materno,a
visão da mulhercomo
zz 'rainha do im» '_ ”
(Porchat,
1992108)
Este tipo de união privilegia a privacidade, a intimidade
e o conforto da família.
Assim
como
a respeitabilidade e a permanênciano
relacionamento conjugal.
O
casamento burguês manteve-se até a- primeira metadedo século
XX
e sofreu profundas modificações a partir dos anos 60,~
prirrcipahnente
com
a difusao dos ideais feministas.O
casamento burguês então, não manteveum
padrão1'
I i
vw
único e ainda está a se transfonnar.
O
padrao mantido até 1960 éconsiderado
como
“tradicional” e posterior a estemarco
considera-secomo
“modemo”.
Neste sentido, Porchat (1992:1l2) mostra algumas diferenças ~entre as formas de uniao que
acabam
clarifrcando as idéias sobre osmesmos. '
1-
EXPECTAIIVAS -QUANTO
À
DURAÇÃO:
o_ casamento tradicionaltem
a indissolubilidadecomo
premissa. Só a morte separa.No
casamentonão der ceito, se separa.
Ainda
há os casais que apenas coabitam, estes sãodenominados concubinos.
1
_ \ ' ~
2-
EXPECTATIVAS
QUANTO
A
INTTMIDADE
NA
RELAÇAO:
no ~casamento tradicional, as relaçoes estão mais vinculadas a
desempenho
depapéis.
A
intimidade emocional tende a não ser cobrada etampouco
aharmonia sexual. .A mulher é
mãe
devotada, sacrificada e altamenterespeitada; não é exigido que seja
uma
amante eficaz.O
que diz respeito asexo diz respeito aos
homensfio
casamentomodemo,
as reações estãomais vinculadas a exigências emocionais, psicológicas e sexuais.
Exigem-
se intimidade e comunicação. Questiona-se o grau de satisfação obtido na
relação e a espécie de satisfação que se quer. V
3-
EXPECTATIVAS
QUANTQ
Às DIFERENÇAS
Dos
PAPÉIS
MASCULINOS
E
FEMININOS:
no
casamento tradicional, repete-se avisão do pai
como
patriarca, protetor e provedor, e que a mulher éum
sermferior./No casamento
modemo,
os papeis não estão mais rigidamentedefmidos.
Ambos
os cônjuges podem,em
princípio, sustentar a casa ecuidar dos filhos.
A
mulher não e' mais somente a rainha do lar emãe
defamília. Está definida a igualdade, e a interação do casal pode ser muito
competitiva,
embora
também
possa ser de colaboração e troca.Agora
temos
uma
mulher, via de regra,com
duplajomada
de traballio ecom
muitos conflitos-relativos à maternidade e ao lar, de
um
lado, e à realizaçãopessoal de outro.,
4-
EXPECTATIVAS
QUANTO AO
PROJETO
DE
VIDA:
no casamentoaos filhos.%\Io casamento.
modemo,
o projeto estátambém
vinculado àrealização pessoal da mulher. '
~
A
forma do casamento burguês acaba fomentando os
novos valores dentro do relacionamento conjugal que, muitas vezes, são
reguladas pelos sentimentos, pelas imagens, pelos desejos, por mitos e por
cc
A
construçaoda
nmagem
~2.1 -
PAIUXDOXO
DO
AMOR
CONIUGAL
_
O
amor
já serviu de base para muitas obras. Foi escritoem
prosa eem
verso, porém, pouco ou quase nada se escreveu sobre omesmo numa
academia, local do saber onde as questões subjetivas sãorelegadas .a segundo plano.
Pode-se perceber, ao longo de nossa história, que os
~
poetas encontraram
no
amor.uma
questao fundamental de seus trabalhos.“Se para. os poetas falar sobre o
amor
ݎuma
dessas questõesfundamentais que de maneira explícita
se constitui
na
essência de suas obras,para
os demais mortais escrever sobreo
amor
écomo
se estivessem alterandoa ordem
natural das coisas. E; sedentre os demais mortais .encontram-se
juristas, cientistas políticos e,
em menor
escala, filósofos, está aí
um
bom
motivopara
serem ridicularizados, deploradose censurados
por
aqueles queamam
Muitas pessoas não
vêem
com
bons olhos, ou melhor,não consideram o
amor
como
um
assunto” 'aa ser abordadoem uma
universidade, local do saber onde prevalece a cientificidade. Aqueles que
ousam
enfrentar omundo
da ciência e estudam esse tema,acabam
sendo, decerta fonna, subjugados. *
“A mente sensata desacredita
I
enfaticamente no
poder
do amor.. Parece-nos algo ilusório.
Chamamos
isso de auto-ilusão, ópio
da
mente daspessoas,
uma
tolice idealista,uma
ilusão não-cientiffica.
Somos
preconceituosos contra todas as teorias
que .tentam demonstrar 0
poder
doamor
e de outras forças positivasna
determinação do comportamento
humano
eda
personalidade;na
influência sobre a evolução biológica,
social, mental e moral; na influência no
direcionamento dos acontecimentos
históricos;
na formação
de instituiçõessociais e
da
cultura.Para
0 meioinstruído elas não são cpnvincentes
ou
cientificas e sim preconceituosas e
Não
há dúvidas que oamor
éum
assunto dificil de lidar,porém, alguns autores que perceberam a importância de aprofundar os
estudos sobre o
mesmo,
deixaram de lado o preconceito e dedicaramuma
partede seus estudos ao tema.
Neste sentido, citamos a importância do trabalho de
Borges Filho, que escreveu sobre o
amor
de Gramsci.O
autor apresentouum
outro lado da vida do italiano, sua subjetividade, ou seja, a luta contra asolidão, contra a doença e ao desamor. Porém,
como
0 próprio Borges Filho(19--) cita, “se tratando de Gramsci, este lado não está separado daquele
outro que o
tomou
o mais luminoso teórico da revolução socialistano
Ocidente.” _
“
“Para Gramsci, o
amor
não
seresumia apenas no aspecto metaĒsico,
deveria ser algo mais,
uma
colaboraçãode obras,
uma
união de energiaspara a
luta, além de
uma
questão de felicidademas
talvez a felicidade _ fosseprecisamente isso. ” (Borges Filho, 19--)
Como
vemos, Gramsci,um
teórico marxista, não negoua importância do
amor
nasrelações htunanas. Foi mais longe ao estudarbrevemente a psicanálise recém difundida na Alemanha, para que, através
desta, pudesse encontrar respostas aos problemas enfrentados por Júlia, que
,
O
que queremos deixar evidente ao apontannosbrevemente o que pensava Gramsci sobre o amor, é que não se pode duvidar
de sua importância para as relações humanas, principahnente para o Serviço
Social Forense que vive o cotidiano de sua prática
com
casais que enfrentamproblemas de relacionamento conjugal, pois “o
amor
é algo que todossabemos que necessitamos, algo que estamos procurando (...)”. (Buscaglia,
1972: 18) ›
,
Mas
o que é o amor?l
O
conceito que cada pessoatem
doamor
advém
damaneira
como
se vê nomundo
e da- sua relaçãocom
omesmo.
›“O
amor- éum
jogo onde se procuraenxergar as diferenças existentes entre
uma
pessoa e todas as demais.”. (George Bernard
Shaw
apud J ablonski,l99l:73)
“Há
pessoas que jamais seapaixonariam se nunca tivessem ouvido
falar do amor.” (François de
La
Rochefoucauld apud J ablonski,
1991 :7 3)
“O amor
é constituídopor
um
taltecido. de paradoxos, e existe
em
taoque é possível afirmar-se praticamente
qualquer coisa sobre ele e de
alguma
forma
estar certo. ”(Hemy
Finck apudJ ablonski, 1991273)
“O
amor
équando
começamos
por
enganar
a
nósmesmos
e terminamospor
enganar a outra pessoa.” (OscarWilde apud J ablonski, 1991173)
“Amar
significa entregar-sesem
garantias, entregar-se completamente,
na
esperança de que nossoamor
produza
amor
na
pessoa amada.Amar
é ato de confiança, e qualquer pessoa
de
pouca
confiança será depouco
amor.” (Erich
Fromm
[S.l.: S.n., 19--] )“Não
existeamor
onde não existedesejo.” (Gandhi apud Jablonski,
1991:74)
“Por ser exato o
amor
não
cabeem
si..
Por
ser encantado, oamor
revela-se.
Por
ser amor, invade efim.
”Embora
essas frases não consigam captar a essência do~
sentimento
em
questao,podem
servir para mostrar algumas facetas do amor.Vários elementos
podem
ser detectados nessas afirmações, porém,uma
despertou
em
nósum
especial interesse, que é a idealização e que A.J.O., 23anos, usuário do Serviço Social das Varas de Família e que está separado há
10 meses "muito
bem
descreve: “quando pensavaem
relacionamentoconjugal, eu ficava sonhando
com
uma
mulher
que fosse. companheira eque, acima de tudo, sentisse muito
amor
pormim.”
“A idealização é
um
processopsíquico pelo qual a qualidade
eo
valorde
um
objeto são levados à perfeição.A
identificaçãocom
o objeto idealizadocontribui
para
aformação
epara
oenriquecimento das
chamadas
instâncias ideais
da
pessoa (ego ideal,ideal de ego). ” (Jablonski, 1991375)
A
idealização contribui para a fonnação de imagens,como
por exemplo, do principe encantado e princesa encantada e acabasendo
um
dos componentes do encanto deum
relacionamento. conjugal. VO
encanto é a fase das paixões, dos sonhos, onde a fantasia
tem
um
papelpreponderante, pois é o sustentáculo de
um
ideal deamor
romântico,como
2.1.1 -
A
SÍNDROME
DO
AMOR
ROMÂNTICO
O
amor
romântico, segundo Johnson (1987), não éapenas
uma
fonna de amor,mas
e todoum
conjunto psicológico,uma
combinação de idéias, crenças, atitudes e experiências. Estas idéias,
freqüentemente contraditórias coexistem no nosso inconsciente e,
sem
quepercebamos,
dominam
nossos comportamentos e reações.Além
de fazer parte de mecanismos psicológicosinconscientes, o
amor
romântico acaba servindo de raiz sócio-cultural para oromantismo vivido atuahnente,
uma
vez que omesmo
tem
se manifestadoao longo de nossa história e teve sua origem no
amor
da corte na Provença(França) do século XII.
“Essa sociedade produziu a tradição
intensamente '
romântica conhecida
COm0
6117201' C0l"ÍêS, quê' S6 lOl”l'l0u O`
padrão para
os modelos ocidentaisposteriores do
amor
romântico.”(Kreps, 1992271)
“Sob
a
influência de certas idéiasreligiosas
da
época, oamor
cortêsidealizava
um
relacionamento'espiritual ”
entre
homens
e mulheres.Havia
três características noamor
. cortês e elas ajudarão
a
compreendê-lo.ti'
l
ati,
Em
primeiro lugar, jamais deveriaexistir
um
envolvimento sexual entre ocavaleiro e sua dama.
O
relacionamento entre eles era de
natureza ideal, espiritual, e tinha
a
finalidade de elevá-los acima do nível
físico, grosseiro, levando-os a cultivar
sentimentos refinados e sutis.
A
segunda exigência do
amor
cortês eraque eles
não
se casassemum
com
ooutro.
De
fato,a
dama
geralmente era~
casada
com
outro nobre, o quenao
impedia o cavaleiro andante de a
adorar e servir, de torná-la alvo de seu
idealismo e de suas aspirações
espirituais.
O
que ele não podia eramanter
um
relacionamentocom
ela,pois isto equivaleria a trata-la
como
uma
mulher mortal,comum
e oamor
cortês exigia que ele a tratasse
como
umadivindade,
como
um
símbolo doeterno feminino e de sua
alma
feminina.A
terceira exigência era queambos
mantivessem acesa a paixão ardendo
intimamente de desejo
um
pelo outro,mas
que se esforçassempara
espiritualizar esse desejo,
símbolos do`
mundo
arquétipo divino e~
nuncareduzindo
a
paixao aos aspectoscomuns
do sexo ou do casamento.”(Johnson, 1987271)
O
amor
cortês era vivido nas cortes feudais daEuropa
medieval e sustentava
uma
série de comportamentos da época,como
oamor, afmidade, devoção, experiência espiritual e beleza. Foi a fonte
inspiradora dos trovadores do século XII, que exaltavam o
amor
infeliz,com
isso o
amor
cortês contribuiu para o surgimento do romantismo.Segundo
Muszkat
(In Porchat, 1992), este tipo deamor
expressava-se através depráticas gentis e cavalheirescas de
um
jovem
paracom
uma
dama, aquem
ele
amava
até à exaltação.O
amor
cortês não permitia envolvimento sexual, eraapenas
um
ideal espiritual, por isso era oposto ao casamento. Penetrouem
nossa cultura e
sem
que percebêssemosmudou
nossas atitudes, sendo amaneira pela qual os
homens
procuravam encontrar sua ahna.As
pessoasenvolvidas pelo
amor
cortês idealizavam algo perfeito e divino, algumacoisa que fosse maior que o
amor
carnal, chegando mais ao nível daadoração. '
A
palavra romance e o nosso ideal romântico chegaramaté nós através dos romances literários, que foram a alavanca de impulsão
desse sentimento para a sociedade ocidental.
Dessa forma,
uma
nova possibilidade surgeno
romântico acaba idealizando
um
romance edominando
nossoscomportamentos. Sendo assim, acreditamos que o
amor
românticocontribui para a fonnação do encanto
em
tomo
do relacionamento conjugal,pois está pautado
numa
série de crenças queacabam
em
veneração doromance ideal.
i
~
Johnson (1987:l4l) nos diz que:
“O
nosso ideal deromance
nosensina que precisamos procurar o
, êxtase máximo, descobrir o bosque
encantado pelo único meio que
conhecemos, nos apaixonando
O
amor
romântico, muitas vezes, nasce dentro daspessoas, a partir das experiências observadas
em
livros, novelas e peças deteatro, pois nestas situações o
amor
sempre triunfa eno
final o herói e amocinha acabam
vivendo felizes para sempre. Constatamos,em
nossainvestigação
com
os usuários do setor de Serviço Social, que esta situaçãofoi vivenciada por R.S.L., 28 anos, casada por 5 anos e separada há 10
meses: “quando eu era solteira, eu vivia sonhando
com
belos homens, quemuito
me
amassem
e tivessem muito carinho pormim
(...). Esses sonhosnasciam dentro de
mim,
pois assistia às novelas e lia os romances, entãoficava imaginando que na vida real iria acontecer o
mesmo.”
“Esse mito é tão poderoso, porque é
construído .a partir de imagens simples
1
sobre nós
sem
que tenhamosconsciência disso.
O
mundo
do mito éaquele no qual os atos são retratados
nos limites concebidos do desejo
humano
oupróximo
deles.É
um
mundo
de arquétipos, de imagenstípicas ou recorrentes que ressoam
profunda-mente dentro de nós. Esses
arqué tipos
atuam
através de~
associaçoes inconscientes.” (Kreps,
l992:84)
Os
arquétipos são. “formas de pensamento universal(idéia) que contém
uma
grande parte de emoção. Essa forma depensamento cria imagens ou visões que correspondem a alguns aspectos da
situação consciente.,
É
um
depósito permanente deuma
experiência que foiconstantemente repetida durante muitas gerações”. Ulall e Lindzey,
1984190)
Q
Para entendermos melhor o poder do
amor
romântico ecomo
os arquétipos atuamem
nosso inconsciente e se relacionamcom
anossa idéia de amor, e
também
para apontarmos a força dos traços culturais,citaremos-um conto de fadas que fez parte da infância de muitas pessoas:
“A
Bela Adormecida”.Para Kreps (l992:77), os principais elementos que
0 “o lvilãoz
uma
mulher velha,com
poderes mágicos;0 0 ajudante:
uma
mulherjovem
com
poderes mágicos;0 a princesa: vítima da vilã,
uma
lindajovem
que adonnece;'
0 - seu pai: o protetor; ›
.
0 o herói:
um
valoroso príncipe, quetem
êxito e setoma
seunovo
protetor.”Neste conto de fadas, a princesa é a própria
representação do padrão de perfeição, pois é jovem, linda
como
um
anjo edelicada.
No
final, quando é acordada, encontraseu principe encantado queveio para salvá-la e declara todo o seu amor.
Transpondo esse conto de fadas, para a vida real,
verificamos que o
mesmo
acontececom
as pessoas.Quando
estãovivenciando
um
romance, -tendem a idealizá-lo,sonham
encontrarum
companheiro maravilhoso e que juntos serão felizes para sempre.
Identificamos este fato no relato de M.L., 34 anos, que está'
em
processo deseparação judicial: “Sempre imaginei que
um
relacionamento conjugal erauma
coisa maravilhosa,com
muitos filhos e que todos viveriam na mais,i .
perfeita união” .
.
A
continuidadedo
amor
romântico se dá pela passagemdos arquétipos para os esteriótipos.
“Um
estereótipo éuma
forma padrão
invaríável ~
que não tem
individualidade,
como
se fosse tirado dei
um
molde.” (Kreps, l992:80)A
busca do.amor
verdadeiro acaba criandoum
estereótipo de
homem
e mulher perfeitos e leva as pessoas. a procuraremincansavehnente por seu par ideal, ou seja,
acabam
buscandoum
companheiro que preencha suas expectativas. ~
~
Confonne
o depoimento de C.R.G., 26 anos, separada hádois anos, “o
homem
dosmeus
sonhos era carinhoso, bonito,com
um
bom
emprego,.um
homem
quase perfeito, que fosse companheiro e amigo naalegria e na tristeza”. «
Nossa
cultura ensina que oshomens
e as mulherestêm
um
papel a desempenhar, ondeum
faz parte das fantasias e desejos dooutro, além disso, faz
com
que hajaum
processo de “encantamento”, ouseja,
acabam
relacionando-secom
sua própria projeção.Na
verdade, éuma
fantasia que só pode ser vivida interionnente e é isso que muitaspessoas
acabam-fazendo ao criarem as expectativas
em
tomo
deum
relacionamentoconjugal. _
“O mundo
físico é verdadeiro e real,o
mundo
interiortambém
é verdadeiroe real, é
quando
os confundimos,`
quando não
conseguimqs viver omundo
interior
como
`
símbolo,
quando
tentamos localizlá-lo
em
pessoas de.ilusório é criado.
O
mundo
ilusório é omundo
projetado, que assim distorcetanto o interior quanto ol exterior, de
maneira
que
não conseguimos enxergarnenhum
deles talcomo
é. ” (Johnson,19871215) '
4»
~
Nosso
inconsciente acaba criando expectativas taoalucinantes que
nem
sempre a realidadetoma
possível a realização dosmesmos,
por isso muitos relacionamentos conjugaisacabam
sendo apenasuma
vivência imaginária,como
veremos a seguir, e se não forem vividos,trazem frustrações e angústias que são ingredientes que ajudam a formar o
desencanto
em
tomo
da vida conjugal. '2.2
-AESTRUTURAÇÃO
Do
IMAGINÁRIO
E
A
CRIAÇÃO
Do
”
CÔNJUGE
IDEAL
~ \De
que falamos até agora senão _da força do imagináriosobre o desejo e sonhos das pessoas? Neste sentido,
vamos
colocar oimaginário
como
um
outro fator que atuano
inconsciente e fazcom
que aspessoas criem o encanto
em
tomo
do relacionamento conjugal.“O
imaginário - ou ocampo
~
imaginário - constitui se pela criaçao
imaginativa,
como
um
mundo
que se~
opoe ou se substitui ao
mundo
da
realidade perceptiva sem, no entanto,
atingir
um
nível. delirante. ” (Pieron,1987 :277)
I
A
estruturação. do imaginário e, para o sujeito,um
processo inconsciente e abre caminho para o sonho e para o desejo.
O
sonho é a manifestação do.mundo
dos desejos efreqüentemente expressam necessidades e desejos inconscientes, profundos,
aqueles que não conseguimos reconhecer conscientemente.
“O
sonho retrataa
situação internado sonhador, cuja verdade e realidade
0 consciente reluta
em
aceitarou não
aceita de todo (...)¬ o sonho é
a
expressão de
um
processo psíquico'
inconsciente, alheio
a
vontade e longedo controle
da
consciência. Esse sonhorepresenta
a
verdade ea
realidade'
~ ))
interior, exatamente
como
eles sao.(Jung, l990:l4)
O
conteúdo deum
sonho acaba revelando o desejo detuna pessoa.
No
que se refere aum
relacionamento conjugal, este acabasendo o reflexo do conteúdo imagináriona vida dessas pessoas, onde os
desejos inconscientes que fazem parte dos sonhos,
tomam-se
0 referencialpara a vida real 'e para a idealização do relacionamento encantado,
como
nosmostra o depoimento de S.C.N., 38 anos, que procurou o Serviço Social
pedindo
um
auxílio para resolver os problemascom
o marido, “imaginavaque
um
relacionamento fosse “as mil maravilhas°(. ..)”.O
conteúdo simbólico do inconsciente acaba vindo à~
tona, ou seja, sao projetados para a vida real,
como
um
sonho a serconcretizado.
- Warat
(1990), nos diz que é difícil distinguir realidade e
sonho
sem
criar mitos, pois os sonhos sãoum
fiel espelho de nossosescurecidos objetos de desejo.
~
Pensando dessa fonna,
somos
levados, através de nossoimaginário sonhador, a criar os mitos
em
tomo
do relacionamento conjugalo encanto
em
tomo
domesmo
e que se não forem concretizados,podem
'‹
2 3
OS
MITOS
DO ENCANTO
E
DO
DESENCANTO:
A
PASSAGEM
DA
1LUsÃo
À
REALIDADE
DA
RELAÇÃO
CONJUGAL
“Eu
sonhava encontraruma
pessoaque
me
amasse e respeitasse e que estesentimento fosse reczproco. Juntos
iríamos trabalhar
para
adquirir bensmateriais. Nesses sonhos as diferenças
seriam controladas e
a
vida -seria só deamor,
sem
brigas e ressentimentos,mas
a
vida a dois mostrou-me quenem
sempre a realidade é igual ao sonho.
De
repente 'vimeu
castelodesmoronando
e o que restou foidesencanto, que virou brigas e
separação.
Meu
companheironão
conseguiu ser o príncipe que imaginei
que fosse,
mas
continuo acreditandonos
meus
sonhos, pois preciso delespara
encarar a realidade.” (R.S., 28anos, ex-prostituta)
Este e
um
relato que retrata a construção do encanto e oOs
mitos, além de fazerem parte demn
componenteromântico do encanto do laço conjugal, são de certa forma
uma
tradiçãosócio-cultural que
acabam
sendo repassados de geração a geração.Os
mitos são trazidos conosco, são mensagensgravadas
em
nosso inconsciente e quemoldam
nosso comportamentodiante de
um
relacionamento conjugal e nos levam a criação deexpectativas sobre os
rumos
que nossa vida está tomando. Essasmensagens inconscientes
acabam
contribuindo para criação dos mitosconjugais e são reflexo de toda a existência do indivíduo, ou seja, da vida
em
família, do relacionamentocom
os pais, dos livros que lemos, dosmeios de comunicação,
enfim,
das influências extemas, que são a fonte da formação do inconsciente coletivo, que segundo Hall e Lindzey (l984:89):, '
_
“E
o resíduo psíquicoda
evolução,mí
do
homem,
um
resíduo queacumulou
em
conseqüência de experiênciasrepetidas durante várias gerações
(...).
É
o alicerce racional herdado detoda
a
estruturada
personalidade.Tudo aquilo que
uma
pessoa aprendepela experiência recebe influência
substancial do inconsciente coletivo,
~
que exerce
uma
açao orientadora ouseletiva sobre o comportamento desde
o início
da
vida. ”Como
acabamos de ver, os mitos são fontes doencantamento,
mas
a não confirmação dosmesmos
pode acarretarnuma
serie de frustrações e desencantamentos. '
f
Grande parte dos casais que irivestigamos
em
nossapesquisa tiveram boas razões para viver
um
relacionamento conjugal.Cada
. 9~ .
um
considerava o outrocomo
um
ser maravilhoso e esperava achar istosempre. Qualquer que tenha sidb o nível de maturidade, quando passaram a
viver juntos, a maioria to fez porque encontrou alguém importante e
significativo, que quis entrelaçar suas vidas e depositar suas expectativas.
Viveram
um
relacionamento conjugal, experimentandoum
encantador sentimento de acolhimento. Acreditavam que as diferenças.pessoais seriam logo resolvidas e que a união seria livre de con'Ílitos e
decepções, pois o
amor
seria forte o suficiënfe' para superar qualquerobstáculo mantendo, desta forma, a paixão e a vitalidade do relacionamento.
Com
o passar do tempo, a realidadecomeçou
a seintrometerfibrutahriente na fantasia e junto a isso
começou
a ficar evidente~
que certas expectativas nao se confirmaram.
Depois de muitas lutas para manter o encanto de
um
laçoconjugal vivo, chegou o
momento
em
que a realidade foi mais forte, eacabou revelando sua verdad'e¬ir‹a×fa_ce, desta forma, não houve mais espaço
Restou-lhes o espaço das Varas de Família
como
alternativa para reflexão~
e, muitas vezes, soluçao para a situação conflitante.
A
fase puramente fantasiosa cede espaço aodesencanto.
Ao
cair a máscara do sonho, o quefica
é a realidade.V “Para muitos
casais, o desencanto
permanece
em
segredobem
V disfarçado agindo de
forma
subterrânea. _
Na
superfície orelacionamento conjugal prossegue -
há
bons momentos,maus
momentos.Os
desapontamentos quehomens
emulheres
podem
sentir são expressosem
momentos
de raiva, ressentimentoe queixas repetitivas sobre as
mesmas
cansativas discussões.
Para
outros,há
uma
espécie de desistência,uma
resignação que se reflete
em
tristeza eaté
mesmo em
depressão.” (Kinder eCowan,
1990120)Destacamos, para melhor compreensão do exposto, o
depoimento de A.M.E., 42 anos, separada há 1 ano, diz que “é dificil
aceitar que
um
relacionamento chegou ao fim,sem
ajuda é complicado,pois o que existe é
uma
grande sensação de fracasso, euma
falta derevoltante, no início, pois parece que não conseguimos o que queríamos,
fomos derrotados pela realidade”. '
V
Mas
chega omomento
de nos confrontarmoscom
asexpectativas irreais e
começarmos
a ver as diferenças entre as imagens queconstmirmos do outro e seus lados obscuros e cotidianos.
A
história da humanidade e a influência damesma
em
nossas vidas, levou-nos a acreditar que o
amor
sobrevive a qualquerdificuldade. Este tipo de amor, promovido pelo
amor
romântico, baseia-seem
abstrações.De
repente todas essas representaçõescaem
por terra,ou
seja, tira-se o véu do imaginário de
um
relacionamento conjugal. t_
Rougemont
(1988) diz que o desejo perde seu controleabsoluto sobre nós no
momento
em
que deixamos de endeusá-lo, então, oencanto acaba se quebrando.
O
desencanto acontece porque o dia-a-dia do relaciona-mento
conjugal trouxeum
mundo
real para perto das pessoas, ou seja, asprojeções, as idealizações, os mitos se depararam
com
a realidadecom
ocônjuge alcoolizado, a* falta de dinheiro, a infidelidade,
as violência, o
desemprego e todas as mazelas a que estão sujeitos os casais no convívio cotidiano.
O
efeito final é ainda mais frustrante, pois se desfaz omito' e junto
com
ele, a expectativa de ter encontrado o príncipeencantado; somos devolvidos à dimensão certa da realidade.
Neste sentido, apresentaremos alguns mitos levantados
por Kinder e
Cowan
(1990) que contribuem para a formação do encantodo relacionamento conjugal e que se não foram confirmados no cotidiano,
podem
levar ao desencanto.MITO
1: o relacionamento conjugal vai fazê-lo sentir-se completo e inteiro. '
“Este mito é 0 mais corriqueiro no
relacionamento conjugal.
Não
importa
quão
saudável emocional-mente sejamos, muitos de nós acalentam
a
fantasia secretaem
grande parte inconsciente de que o
laço conjugal nos tornará seguros,
inteiros e completos, de
uma
maneiratal que, solteiros, jamais
conseguiríamos. ” (1990:27) _
Idealizamos que
um
relacionamento conjugal farácom
que da união de duas pessoas surja
uma
fusão, ou seja, que juntos serãouma
só pessoa e queum
completará o outro, formando apenasum
coração.
Identificamos esse sentimento no relato de K.P.R., 27
anos, que vive o segundo relacionamento conjugal.
“Eu
tiveuma
infânciacarinhoso e amigo, que
me
compreenderiaem
qualquer situação e eu a ele,ou seja,
um
completaria o outro.”Porém,
nem
sempre o laço conjugal pode ser a fontepara satisfazer nossos desejos de
amor
e contatoshumanos
mais íntimos.Muitas pessoas, ao viverem
um
relacionamentoconjugal, descobrem que a idéia de plenitude faz parte de
uma
fantasia.Aos
poucos vão percebendo que cada indivíduotem
sua subjetividade edescobrem que o laço conjugal não é a solução para os problemas de
confiança *e auto-estima. Este tipo de relação pode confundir insatisfação
pessoal
com
fracassono
relacionamento conjugal,como
nos mostraA.M.E., 42 anos.
“Eu
nãome
sentia recompensada afetivamente. Faltouamizade e
também
uma
relação de confiança.O
desencantamento maiorfoi
quando
percebi que o que eu esperava de afeto não existia (...).”MITO
2: o seu parceiro podemudar
se ele realmente oama.
“Somos
levadosa
crer quea
mudança, até
mesmo uma
radical_ modificação do vínculo conjugal é
totalmente possível.
O
pressupostosubjacente é que se o seu parceiro
realmente 0 ama, fará esforços
hercúleos
para
caberna forma
exataSem
que percebamos, acabamos reproduzindo a idéia que asmudanças
de atitude e comportamento são fáceis de ocorrer, mas, àsvezes, acabamos esquecendo que
nem
sempre isto é válido, poisum
companheiro pode querer mudar, e isto toma-se
uma
dolorosa tarefa.Muitos dos traços da nossa personalidade foram desenvolvidos
como
meiosde nos proteger de danos psicológicos, por mais que tentamos modificá-los,
inconscientemente ainda precisamos dele.
A.M.E, 42 anos, disse-nos a este respeito:
“com
a ajudada psicanálise compreendi que o outro não
modifica
em
função da gente.Nós
é que temos que tomar atitudes quando as coisas nãoestão bem.Há
pessoas que não
têm
condições de mudar, pois existem bloqueios tais quenão
conseguem
enxergar os problemas, isto é,uma
máscara de auto-defesa.Há
pessoas quetêm
que reconheceros problemas para conseguirmudar
e,muitas vezes, precisamos do auxílio de
um
especialista.”MITO
3: se vocês realmente seamam,
o romance devecontinuar a florescer.
“Os
sentimentos românticos e oamor
estão ligados e no entanto são estados
psicológicos da mente muito diferentes.
O
romance
é caracterizadopor
momentos
de rara intimidade, êxtase,desejo e idealizaçao.
Percebemos
quegêmeas.
Nos
estágios iniciais dequalquer relacionainento,
procuramos
aquele sentimento gostoso de excitação
e fascinação, aquele intensificado
desejo de vida.
Mesmo
assim,há
uma
verdade básica semi_-oculta: o
romance
é baseado mais
na
fantasia do quena
realidade. Ele tem mais
a
vercom
oque projetamos, é baseado
em
mistérios, fantasias, esperanças e
desejos. Os-defeitos são minimizados e
as virtudes exageradas. ” (l990:32)
Voltamos a nos deparar
com
oamor
idealizado, ondedepositam
no
companheiro todas as suas expectativas, sendo a maneira dematerializá-las.
V `
Nem
sempre 0 companheiro consegue correspondê-las e,para o idealizador essa pessoa 'que até então era
um
príncipe encantadoacaba se
tomando
um
ser real,com
defeitos e qualidades quenem
sempreestamos totahnente preparados para aceitar. '
A
.
E.M.R., 33 anos, que não se separou judicialmente para
não afastar a filha do pai: “Imaginava que o
homem
daminha
vida fossecarinhoso comigo, que seria
um
ótimo pai para os nossos filhos, que fossehonesto e trabalhador. Só que o N., 40 anos, não é nada daquilo que
filhos.
Como
pudeme
enganar tantocom
ele?Eu
amava
aquelehomem
eimaginava que se ele
me
amasse todos os problemas se resolveriam, pois oamor
éum
sentimento forte que une as pessoas até nosmomentos
maisdificeis.”
l\/HTO 4: seu parceiro deve compreender você.
“Há
uma
suposição a respeito doamor
que leva a mais dificuldades norelacionamento. conjugal do que
qualquer outra, é
a
noção de quequando
alguémama
você, ele irá quaseque intuitivamente compreendê-lo. ”
(l990:33)
Os
casaiscostumam
afmnar que no início dorelacionamento
um
companheiro sabe exatamente o que o outro estápensando.
Há uma
química tão intensa entre eles que as palavrastomam-se
desnecessárias.
A
convivência leva-os aum
conhecimento profundo que, àsvezes, conseguem adivinhar os pensamentos. Isso mostra que os casais
têm
a expectativa que
um
deve conhecer muitobem
o outro, saber o que faz ooutro sentir-se
bem
e o que pode magoá-lo.Para D.P.M., 27 anos, casado há 4 anos,
nem
sempre istoacontece. “(...)
minha
mulher não consegue perceber que eu sinto falta dereconhecimento, de elogios. Estou cansado de trabalhar, de fazer as coisas e
não ser reconhecido. Para ela isso não
tem
importância,mas
eu precisoEsta situação demonstra que
nem
sempre o companheiroconsegue adivinhar os pensamentos, pois muitos casais
têm
uma
lista,›
crescente de sentimentos, necessidades e preocupações que ha muito
tempo
deixaram de verbalizar, supondo serem óbvios.
Acabam
esquecendo que,às vezes,
as
pessoas precisam ouvir palavras quepossam
apaziguar suasdúvidas e inseguranças. Então, à
medida
que otempo
passa, vaiaumentando a incompreensão e o desencanto. V
MITO
5: as diferençasdevem
ser negociadas.“Homens
e mulheres freqüentementetemem
diferenças de estilo e de valores,eles são levados
a
acreditar que oamor
~
e similares sao
a
mesma
coisa.O
medo
das diferenças existeem
todos osníveis do comportamento humano.,
É
como
se elasameaçassem
apenas,porque, às vezes, nos deixaram
desconfortáveis. Se as pessoas são
diferentes, não temos certeza se. irão
nos entender, ou gostar de nós.”
(1
99036)
*_
O
medo
das diferenças é o resultado domedo
da solidãoque esta pode ocasionar, ou seja, as pessoas idealizam que
em
um
ambientenão correm o risco de
uma
provável separação, que para muitos é sinônimo~
de solidao.
«L
A
negociação das diferenças passa a seruma
máscarapara ansiedades
mal
resolvidas ou lutas pelo poder entreum
homem
euma
mulher.
Para, M.C.L., 40 anos, professora da la série, casada há
20 anos: “as pessoas
com
temperamentos e valores diferentestêm
tudo paranão serem felizes no relacionamento conjugal, é
uma
luta travada'com
as diferenças individuais.”MITO
6 :num bom
relacionamento conjugal oscompanheiros
têm
sonhos e objetivos idênticos.“A fantasia
da
fusão perpassa doprincípio ao
fim
a
_maíoria' dosrelacionamentos conjugais (...). ”
(l990:38) '
Com
essa visão de sonhos e objetivos idênticos, aspessoas
imaginam
garantiruma
simbiose no relacionamento, o quecontribuirá para que o
mesmo
seja etemo e feliz.Para V.L.C., 25 anos, está separado,
mas
querreconciliar-se
com
a. mulher: “quando a gente viveum
relacionamentoque não deixa de ser totahnente
uma
verdade,mas
nem
sempre issoacontece, pois cada
um
tem
o direito de ter seus próprios sonhos.”Mas nem
sempre. as pessoas estão preparadas pararespeitarem a subjetividade do outro, ou seja, para que além dos sonhos
em
comum,
que o companheiro se realize enquanto individuo.MITO
7 :um
relacionamento conjugal para ser saudável.deve ser estável.
“Todos nós desejamos
um
certo grau deestabilidade
na
vida; de outromodo,
haveria muita incerteza e ansiedade
sobre o desconhecido.
Uma
das razõesporque
casamos
é proporcionarum
contexto ou estrutura que nos faça
sentir seguros. 'Eu queria
me
estabelecer' é a razão
dada
por
muitosque optam
por
um
relacionamentoconjugal, que
para
muitos éuma
espécie de refúgio das dificuldades
da
vida
numa
sociedade complexa ecrescentemente incerta. ” ( 1990140)
Uma
vida segura é o que muitos esperam quandopensam
em
relacionamento conjugal.Algumas
pessoas assim idealizam,pais, padrastos ou avós, outros, porque terão
uma
vida tranqüila,sem
muitassurpresas, o que se traduz
como
omedo
do novo.R.R.V., 52 anos; “na casa de
meus
pais a vida erauma
loucura. Havia brigas, violência .e bebida.
Não
queria isso paramim.
Então, aos 17 anos, conheci E. que
me
prometeu muitoamor
e carinho, aíacabei fugindo de casa.”
- ›-
O
relacionamento conjugal éum
empreendimento sujeitoa sucessos e fracassos e, às vezes, toma-se
um
“zig-zag” emocional, isto é, oambiente conjugal acaba sendo permeado por
momentos
de extremafelicidade; e outros, de brigas. Neste contexto, os problemas advindos do
relacionamento familiar anterior ao laço conjugal _ acabam,
inconscientemente, sendo refletidos no relacionamento conjugal.
`
Desse modo, a insegurança que este acarreta repete a insegurança vivida
anteriormente tornando insuportável a convivência do casal.
'
Esses mitos que foram explorados,
acabam
criando a~
representaçao do relacionamento conjugal, que reflete na idealização de
um
companheiro maravilhoso que o compreenderá
em
qualquer situação, pois oamor
vence qualquer batalha. Se seguirem algumas “regrinhas” serãofelizes para sempre.
Porém, muitas vezes, os mitos. deixam suas máscaras