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OS GUARANI E KAIOWÁ NA LUTA PELA TERRA: LEVANTAMENTO PRELIMINAR DA SITUAÇÃO JURÍDICA

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OS GUARANI E KAIOWÁ NA LUTA PELA TERRA:

LEVANTAMENTO PRELIMINAR DA SITUAÇÃO JURÍDICA

Luiz Henrique Eloy Amado1 (CIMI) luiz-eloy@hotmail.com Lilian Raquel Ricci Tenório2 (UFGD) lilianricci@hotmail.com Resumo: Os Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul vivenciam constantes violações decorrentes da negação do acesso ao seu território tradicional. A Constituição Federal de 1988 impôs prazo de cinco anos para que todas as terras indígenas fossem demarcadas. Em 2007 o Ministério Público Federal firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) no intuito de efetivar a demarcação do território tradicional. O presente trabalho tem por objetivo trazer a baila a situação atual da demarcação das terras Guarani e Kaiowá valendo-se de levantamento preliminar realizado junto ao órgão indigenista oficial e no sítio da Justiça Federal de Mato Grosso do Sul, refletindo sobre os difíceis caminhos da luta pela terra.

Palavras – chave: Guarani Kaiowá. Território. Demarcação. TAC.

1 Terena da Aldeia Ipegue. Advogado. Mestre em Desenvolvimento Local – UCDB. Assessor Jurídico do Conselho Indigenista Missionário – CIMI/MS.

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1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os Guarani e Kaiowá habitam Mato Grosso do Sul são aproximadamente 50.068 mil (IBGE, 2010), estando suas aldeias concentrada no cone sul do estado, sendo os municípios com maior índice: município de Japorã com 49,4%, município de Paranhos com 35,7% e município de Tacuru com 35, 6% em relação a população municipal.

Os Guarani Kaiowá e Ñandeva constituem dois povos indígenas geralmente chamados de Guarani, mas que se identificam e se percebem como etnias distintas em Mato Grosso do Sul e em outras partes da região platina. No Paraguai os Kaiowá são conhecidos como Paĩ-Tavyterã e os Guarani Ñandeva conhecidos como Xiripá ou Avá.

Concentrando a segunda maior população indígena do Brasil, Mato Grosso do Sul registra número significativo de violações de direitos contras os povos indígenas, que desde o tempo da colonização portuguesa, foram vítimas de projetos de colonização levado a cabo pelo Estado brasileiro. Disso resulta toda a problemática social vivenciada por essas comunidades, resultado de perda territorial que se deu de maneira diferente com relação a cada povo.

Nesse processo de colonização, os índios foram retirados de seus territórios tradicionais e confinados em pequenas reservas onde deveriam ser integrados, gradativamente, à comunhão nacional.

A Constituição Federal é marco divisor de águas no direito indigenista, visto que, rompendo com o paradigma da política integracionista, reconheceu aos índios o direito de defenderem seus direitos, bem como o direito originário às terras que tradicionalmente ocupam.

O Art. 67 da ADCT, impôs prazo de 5 anos para que todas as terras indígenas fossem demarcadas, no entanto, dessa inobservância a norma constitucional acarretou e vem acarretando, uma profusão de conflitos entre índios e não índios, ocorrendo, muitas vezes, mortes por homicídio e ao mesmo tempo se contabilizam altos índices de suicídios entre os índios, gerado

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pela perda do território, lato sensu, impossibilitados de sua reprodução física e cultural.

Vale consignar que este mesmo estado registra número significativo de mortes de lideranças indígenas em conflito fundiário: Cacique Marcos Veron, 72 anos, assassinado em 13.01.2003 (Ação Penal no 2003.60.02.000374-2, 1a Vara Federal de Dourados, MS); Dorival Benites, 36 anos, assassinado em 26.06.2005 (Ação Penal no 2005.60.06.000984-3, 1a Vara Federal de Naviraí – MS); Dorvalino Rocha, 39 anos, assassinado em 24.12.2005 (Ação Penal no 2006.60.05.000152-9, 1º Vara Federal de Ponta Porã/MS); Xurite Lopes, 73 anos, assassinada em 09.01.2007 (2007.60.05.00157-1, na 1º Vara Federal de Ponta Porã/MS); Ortiz Lopes, 46 anos, assassinado em 08.07.2007 (Inquérito Policial nº. 046/2007 na Polícia Civil de Coronel Sapucaia – MS); Oswaldo Lopes, assassinado em 29.05.2009; Genivaldo Vera e Rolindo Vera, assassinados em 29.10.2009 (Inquérito Policial nº. 181/2009. Polícia Federal de Naviraí); Teodoro Ricarde, assassinado em 27.09.2011; Nisio Gomes, assassinado em 18.11.2011 (Inquérito Policial nº. 0562/2011 PF/Ponta Porã).

O cone sul do estado registra ainda, número expressivo de acampamentos indígenas que são comunidade que aguardam a demarcação de seu território. Em relação aos Guarani e Kaiowá no sul do estado de Mato Grosso do Sul é a significativa perda do território tradicional que marca este povo, e atualmente, a realidade desses acampamentos expressa uma tentativa de resistência e superação da imposição histórica do confinamento.

Nesta realidade está inserida o que hoje propicia a referência da existência de índios entre a cerca e o asfalto, ou seja, acampados a beira das estradas, também conhecidos como índios do corredor.

Como a população kaiowá não se conformou em sua totalidade à situação de reserva, identifico algumas modalidades de assentamento que não estão diretamente associadas a esses espaços físicos, reconhecidos como terras indígenas. Assim, além das reservas, descrevo: a) os espaços sociais dos acampamentos mobilizados para a retomada de terras consideradas pelos Kaiowá como de ocupação tradicional; b) as populações que vivem em periferias de cidades; e c) as populações de “corredor”, caracterizadas por famílias isoladas e mesmo comunidades que nos últimos anos passaram a

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residir em caráter relativamente permanente nas margens de rodovias e estradas vicinais (PEREIRA, 2007, p.3).

O povo Guarani e Kaiowá sofreu um processo de colonização marcado pela ocupação de seus territórios que foram concedidos a iniciativa privada que tiveram como base o trabalho indígena. Na década de 1940 o governo brasileiro, sob pretexto de promover o desenvolvimento da região, concedeu títulos de propriedades a pequenos agricultores. Essa ação estatal promoveu a expulsão de comunidades de suas terras tradicionais. Ademais, entre os anos de 1915 a 1920 foram criadas pelo Serviço de Proteção ao Índio - SPI oito reservas indígenas nesta região (Caarapó, Dourados, Sassoró, Porto Lindo, Taquapery, Amambai, Limão Verde e Pirajuí) para onde os índios eram levados à força, cedendo assim seus espaços para a instalação dos não índios que implantavam fazendas. Nesses casos o braço estatal denominado Serviço de proteção ao Índio (SPI) atuou contrário aos interesses dos povos indígenas favorecendo o poder local das famílias tradicionais do sul de Mato Grosso.

Nos últimos anos vem ocorrendo o avanço expansivo da agricultura mecanizada com a monocultura da soja, do milho e da cana de açúcar, intensificando o desmatamento das pequenas áreas de mata ainda existentes nas fazendas. Com o crescimento avassalador do agronegócio e do desmatamento, as comunidades indígenas que se encontravam em pequenas áreas de matas foram descobertas e expulsas dando lugar ao agronegócio e agroindústria.

O século XXI privilegiou o plantio da cana e instalações de usinas sucroalacooleiras, no estado do Mato Grosso do Sul, ocupando grande parte de áreas antes destinada ao gado, muitas delas incidentes em terras dos Guarani Kaiowá. Devido este fenômeno chamado desenvolvimento do bio combustível, as terras nesta região estão sendo supervalorizadas. Esse fato dificulta cada vez mais o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas que estão em posse dos fazendeiros, os quais arrendam ou vendem as terras para as empresas multinacionais responsáveis pelo plantio da cana para a fabricação do etanol.

Em entrevistas realizadas com o missionário indigenista Egon Heck, é possível apontar três processos diferenciados que levam a formação de acampamentos.

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Primeiro: luta pela terra através das retomadas que surgiram na década de 80 e teve o seu processo de articulação nas Aty Guasu –movimento indígena que foi retomado nos anos 70 com objetivo de discutirem as formas de produção para subsistência.

Segundo: conflitos internos nas minúsculas reservas, causados pela justaposição de tekoha, por pressões ou pelas imposições de igrejas protestantes que tentam impedir a realização dos rituais de rezas tradicionais, pelo crescimento populacional que se deu no final da década de setenta e começo de oitenta, quando os poucos índios que ainda estavam morando nos fundos das fazendas foram expulsos e levados a força para as reservas, para ceder espaço a agricultura mecanizada e monocultura. Esse fato causou o inchaço das reservas, aumentou o índice de violência e o conflito entre lideranças de famílias extensas. Todas essas pressões levam os grupos familiares a retornarem para os locais de onde foram expulsos, partindo direto para as retomadas ou montando acampamento próximo da área que desejam retomar.

Terceiro: acontece quando as famílias são expulsas das fazendas se recusam a irem para as reservas. Por não terem para onde ir, instalam-se as margens das rodovias, montando seus acampamentos “entre a cerca e o asfalto”, mas sempre próximo do lugar do qual foram expulsos por entender que ainda podem retornar para seu tekoha.

Nas três situações em que se formam os acampamentos indígenas as margens das rodovias conhecidos como “índios do corredor”, ou “índios entre a cerca e o asfalto”, as comunidades vivem sob opressão, sofrendo ameaças e sendo turbadas do acesso a direitos mínimos como saúde, educação, água potável, moradia, entre outros.

Quadro 1: Acampamentos Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul

Município Acampamento indígena

Dourados Ñu Porã

Picadinha Apika’y Guyraroká Ñuvera Pacuryty Mboqueirão Itaum-Jaguary Kalifórnia

Douradina Itay Kaguirusu

Guyra Kamby Rio Brilhante Laranjeira Ñanderu

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Sete Placas

Amambai Guayviry

Karaja Yvy Kajary Samakuã

Naviraí Porto Kaioa

Tarumã Santiago Kuê Borevi Arodi Bataguassu Juncal Bataguassu São José

Jardim Laranjal Takuaju

Bouqueirão

Juti Juti

Aldeinha receber Guia Lopes da Laguna Cero’i

Paranhos Ypo’y

Coronel Sapucaia Kurussu Amba

Novo Horizonte do Sul Acap. N. Horizonte do sul

Iguatemi Mbarakai/Puelito Kue

Fonte: ELOY AMADO, L.H. Poké’exa ûti: o território indígena como direito

fundamental para o Etnodesenvolvimento local. Dissertação de Mestrado.

PPGDL-UCDB. Campo Grande, 2014.

2- OCUPAÇÃO TRADICIONAL PELA COMUNIDADE INDÍGENA

O Artigo 231, segunda parte, da CF/88 reconhece os direitos

originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. O direito originário

significa dizer um direito de nascença, direito congênito, direito anterior a qualquer outro direito. Essa é a extensão da afirmativa constitucional.

Cabe consignar que o texto constitucional de 1988 inovou com relação aos requisitos para definição de terra indígena. Se antes era posto como requisito a imemorialidade, o caput do Artigo 231 trouxe como requisito fundamental a tradicionalidade.

Na lição de José Afonso da Silva, o tradicionalmente refere-se não a

uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção.

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Ou seja, significa dizer que os povos indígenas têm direito sobre seus territórios tradicionais que tem seu conceito vinculado a norma constitucional. Melhor dizendo, a própria constituição no §1º do Artigo 231 traçou o conceito de tradicionalidade, ou seja, terra indígena não é invenção da FUNAI ou da União como defende o impetrante, mas decorre da própria quadra constitucional, tendo seus parâmetros vinculados a Constituição Federal de 1988.

Segundo dicção do dispositivo constitucional (Art. 231 § 1º) terra

tradicionalmente ocupada são as habitadas em caráter permanente; as utilizadas para suas atividades produtivas; as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

[...] a terra indígena deve contemplar o espaço necessário para as habitações (moradias) da comunidade. Deve ainda, englobar os recursos naturais, como a mata onde se possa caçar e colher as plantas medicinais, os rios e lagos onde se possa pescar e onde as crianças possam desfrutar de momentos de lazer. O espaço deve ser o suficiente para as atividades culturais e para a convivência harmoniosa dos grupos familiares presentes e as futuras gerações. Este território deve abarcar também eventual montanha, rio, mata, gruta ou outro elemento qualquer considerado sagrado pela comunidade, dentre outros, o cemitério (ELOY AMADO, 2014, p. 35).

Assim, evidencia-se que as atuais reservas indígenas de Mato Grosso do Sul estão bem longe do que traçou a Constituição de 1988, logicamente porque terra indígena reservada é diferente de terra indígena demarcada, razão pela qual todas as reservas indígenas de Mato Grosso do Sul deverão ser demarcadas de acordo com as lentes constitucionais de 1988.

Em muitas situação, tal como da Terra Indígena Guyraroká, os proprietários rurais fundamentam a pretensão na anulação dos estudos de demarcação de terra indígena na argumentação de que tais terras estava “desafetada da presença indígena em 1988”. No entando, os estudo de identificação e delimitação antropológica realizado pela Funai demonstra de forma cabal como os Guarani Kaiowá foram expulsos de seu território.

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Entre os anos de 1915 a 1920 foram criadas pelo Serviço de Proteção ao Índio - SPI oito reservas indígenas na região (Caarapó, Dourados, Sassoró, Porto Lindo, Taquapery, Amambai, Limão Verde e Pirajuí) para onde os índios eram levados à força, cedendo assim seus espaços para a instalação dos não índios que implantavam fazendas. Nesses casos o braço estatal denominado Serviço de proteção ao Índio (SPI) atuou contrário aos interesses dos povos indígenas favorecendo o poder local das famílias tradicionais do sul de Mato Grosso, in verbis:

Vários documentos evidenciam que os Kaiowá não aceitaram passivamente a saída das terras que tradicionalmente ocupavam. O Diretor da Colônia Agrícola Federal de Dourados, queixa-se no Ofício n.º 4724 de 1951 de que os Kaiowá não se sujeitam ao aldeamento, que freqüentemente abandonam a vida disciplinada do Posto Indígena do SPI e retornam as suas matas de origem, mesmo na reserva de Dourados que considera uma “terra ampla e esplêndida” (Apud, Brand, 1997: 104). O processo de retirada dos índios dos fundos das fazendas onde permaneceram refugiados em trechos de matas, se prolonga até a década de 1980. Assim, Brand (1997:104) cita a Comunicação de Serviço n.º 211/9/DR/81, onde o delegado da FUNAI determina o deslocamento de um motorista e de um caminhão por um período de três dias para o P.I. de Caarapó, “objetivando efetuar o transporte de índios que desejam regressar ao P.I., provenientes de fazendas circunvizinhas”. Esse desejo de regressar (mesmo que nunca estivessem residido no local), expressa a ideologia que orienta a prática do confinamento dos índios nas reservas, pois segundo o consenso não explicitado nos documentos, lugar de índio era na reserva e eles não poderiam desejar outra coisa. Cabe ressaltar que as reservas de Caarapó e Dourados são justamente aquelas que receberão o maior número de Kaiowá expulsos de Guyraroká. O chefe de Posto do P. I. Dourados solicita através do Ofício n.º 046/79, a cedência de uma Kombi para “atender aos vários problemas que surgem com indígenas desaldeados, principalmente no transporte destes índios no retorno à aldeia” (Apud, Brand, 1997: 105). Aqui aparece a idéia de “índio desaldeado”, categoria forjada para dar conta daqueles casos em que os Kaiowá continuam insistindo em não aceitar a vida na reserva sob a proteção e assistência do Estado. A idéia de “retorno” à reserva desempenha assim a função de ocultar o confinamento desses índios, que é o que está realmente acontecendo no período. É revelador o fato de que o crescimento demográfico nas reservas demarcadas pelo SPI atinge seu índice mais alto a partir da década de 1970, quando desaparecem os últimos refúgios dos índios que ainda viviam nos fundos de fazendas. Vale lembrar ainda que o aumento da população nas reservas supera em muito as

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possibilidades de crescimento vegetativo nas décadas de 1960, 70 e 80.

Assim, fica evidente que a atuação do Estado brasileiro (SPI e depois FUNAI) foram no sentido de deslocar para o interior das reservas a população guarani dispersa por um território muito mais amplo, ocupado segundo sua forma tradicional de residência. Este procedimento permitia liberar as terras para a ocupação pelas empresas privadas.

A atuação do SPI e depois FUNAI foram marcadas pela ineficiência, negligência e má fé no cumprimento das obrigações constitucionais atribuídas a estas instituições. A atual situação dos Guarani em Mato Grosso do Sul e os inúmeros conflitos pela posse da terra entre índios e fazendeiros, com prejuízo para ambas as partes, é resultado da incapacidade do órgão indigenista oficial em reconhecer e demarcar as terras indígenas, antes da efetiva ocupação da terra pelas atividades agropecuárias.

3- SITUAÇÃO JURÍDICA DAS TERRAS GUARANI

Em 12 de novembro de 2007, foi firmado pela Funai com o Ministério Público Federal, perante as lideranças do Conselho Aty Guasu, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), estabelecendo uma série de obrigações para o órgão indigenista, que deveriam resultar na entrega de relatórios de identificação e delimitação de terras indígenas no estado, em 30 de junho de 2009. A Funai também deveria ter encaminhado ao Ministro da Justiça, até 19 de abril de 2010, os procedimentos referentes à demarcação de terras indígenas em Mato Grosso do Sul.

Mato Grosso do Sul tem a segunda maior população indígena do país, cerca de 78 mil pessoas divididas em várias etnias. Apesar disso, somente 0,2% da área do estado é ocupada por terras indígenas. As áreas ocupadas pelas lavouras de soja (1.100.000 ha) e cana (425.000 ha) são, respectivamente, dez e trinta vezes maiores que a soma das terras ocupadas por índios em Mato Grosso do Sul.

A taxa de mortalidade infantil entre a etnia guarani-kaiowá é de 38 para cada mil nascidos vivos, enquanto a média nacional é de 25 mortes por

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mil nascimentos. A taxa de assassinatos - cem por cem mil habitantes - é quatro vezes maior que a média nacional, enquanto a média mundial é de 8,8. O índice de suicídios entre os guarani-kaiowá é de 85 por cem mil pessoas.

No município de Dourados, há uma reserva com cerca de 3600 hectares, constituída na década de 1920. Existem ali duas aldeias - Jaguapiru e Bororó - com cerca de 12 mil pessoas. A densidade demográfica é de 0.3 hectares/pessoa.

Quadro 2- Situação jurídica das TI’s Kaiowá e Guarani em Mato Grosso do Sul

Terra Indígena Município/MS Etapa Vítima Ação judicial

Taquara Juti Declarada Marcos Veron Sim. Existem processos na justiça federal em

Dourados e no STF. Guayviry Aral Moreira Em estudo Nisio Gomes 10 ações

possessórias na justiça federal de

Ponta Porã Pindo Roky Caarapó Em estudo Denilson Barbosa Existem

processos na justiça federal de

Dourados Sombrerito Sete Quedas Declarada Dorival Benites Existem

processos na justiça federal de

Naviraí Ñande Ru

Marangatu

Antônio João Homologada Dorvalino Rocha Homologação suspensa pelo

STF Kurusu Ambá Amambai Em estudo Xurite Lopes e

Ortiz Lopes

Existem processos na justiça federal de

Ponta Porã Ypo'i Paranhos Em estudo Genivaldo Vera e

Rolindo Vera processos naExistem justiça federal de

Ponta Porã Campestre Antônio João Regularizada Marçal de Souza **

Samakuã Amambaí Em estudo Samuel Martins Judicializado Guyraroká Caarapó Declarada Edileuso Modesto Judicializado Arroio Korá Paranhos Homologado Eduardo Pires Homologação suspensa pelo

STF Fonte: Ministério Público Federal com adaptações dos autores.

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A judicialização fica evidente demonstrando o altíssimo número de ações judiciais. Neste levantamento é possível averiguar as inúmeras ações judiciais em trâmite perante a Justiça Federal de Mato Grosso do Sul, bem como os recursos interpostos perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região que é a segunda instância de jurisdição. A judicialização é flagrante ainda mais em virtude das ações que tramitam no Supremo Tribunal Federal, que tem por missão julgar causas constitucionais admitindo-se apenas ações excepcionais ou extraordinárias. No entanto, tem-se chegado a aquele tribunal ações de cunho possessório e petitórias.

O procedimento de demarcação de terra indígena está previsto para tramitar na via administrativa, iniciando-se na FUNAI e concluindo com expediente da presidência da república (atos do poder executivo). No entanto, com as ações intentadas pelos interessados na não-demarcação, tais procedimentos ficam paralisados por força de decisão judicial, decisões estas que são dadas baseando-se apenas em argumentos jurídicos de cunho civilista (Código Civil), enquanto que o direito dos povos indígenas foi tratado com profundidade pelo direito constitucional (Constituição Federal). O levantamento das ações judiciais demonstra justamente essa tendência do judiciário federal de Mato Grosso do Sul, mas que não é o posicionamento dos Tribunais Superiores, razão pela qual grande parte dessas decisões são revertidas nas instâncias superiores.

Na justiça federal de Mato Grosso do Sul estão em trâmite atualmente 388 processos judiciais que versam sobre demarcação de terra indígena e demais conflitos possessórios. Sendo 154 processos na subseção judiciária de Campo Grande; em Dourados temos 73 processos, em Ponta Porã temos 93 processos e em Naviraí 68 processos. Estes são apenas ações que estão tramitando na primeira instância, sem contar outras centenas de recursos pendentes nos tribunais superiores.

No Supremo Tribunal Federal encontram-se 13 (treze) ações judiciais envolvendo demarcação de área indígena somente do estado de Mato Grosso do Sul. Há casos em que o Estado de Mato Grosso do Sul ingressa como parte no processo atuando como assistente litisconsorcial do fazendeiro

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fazendo com que o processo seja deslocado da Vara Federal de primeira instância para o Supremo Tribunal Federal. Esta sistêmica ação por parte do estado (leia-se: governador) tem o nítido objetivo de levar o processo para o STF e consequentemente aumentar a demora por uma decisão do poder judiciário. A evidência é que a judicialização tem sido um dos principais entraves a demarcação e, nessa lógica, várias são as manobras processuais para o retardamento da prestação jurisdicional, dentre eles, o ingresso do estado de Mato Grosso do Sul como parte nos processos.

Atualmente existe em Mato Grosso do Sul mais de 40 acampamentos indígenas, que são comunidades que estão acampadas na beira de rodovia, em fundos de fazendas e/ou nas periferias das cidades, esperando a demarcação de seu território tradicional. É justamente neste contexto de instabilidade social que acontecem as violações da vida, da privação a saúde e educação e direitos sociais básicos. Mas sobretudo a negativa do acesso ao território ancestral.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRAND, Antonio. Os complexos caminhos da luta pela terra entre os Kaiowá e

Guarani no MS. Tellus, Campo Grande, 3(4): 137-145. 2004.

ELOY AMADO, L.H. Poké’exa ûti: o território indígena como direito

fundamental para o Etnodesenvolvimento local. Dissertação de Mestrado.

PPGDL-UCDB. Campo Grande, 2014.

LUTTI, Aline Castilho Crespe. Acampamentos indígenas e ocupações: novas

modalidades de organização e territorialização entre os Guarani e Kaiowa no município de Dourados - MS: (1990-2009). Dissertação de Mestrado. Programa

de Pós-Graduação em História da UFGD. 2009.

PEREIRA, Levi Marques. Módulos de assentamento Kaiowá atuais. Tellus, Campo Grande, 6(10): 69-82, 2006.

________. Mobilidade de processo e processo de territorialização entre os Guarani atuais. História em Reflexão, Dourados, 1(1): 1-33, 2007.

_________. Relatório circunstanciado de identificação e delimitação da terra

indígena Guarani/Kaiowá Taquara. Portaria Nº 140/PRES/FUNAI. Brasília,

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