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DUNS SCOT E A GÊNESE DA MODERNIDADE RESUMO

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Academic year: 2021

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Níckolas Chrystian Sousa Tenório1

RESUMO

INTRODUÇÃO

Sempre que se fala em uma gênese da modernidade jurídica ainda na idade média, a primeira imagem construída é a do nominalismo de Guilherme de Ockham, com uma remota possibilidade de se expor os pressupostos que Ockham recebeu de um antecessor: John Duns Scot. O presente trabalho busca delinear o Voluntarismo de Scot como um objeto importante da formação do pensamento jurídico moderno, que torna-se diminuído com a figura de Ockham. Para tal, sempre citaremos as influências que serão adotadas posteriormente por Ockham, como pressuposto de continuidade histórica e contextualização.

1 O VOLUNTARISMO SCOTISTA

Duns Scot foi um frade franciscano que viveu entre os séculos XIII e XIV, é o antecessor de Ockham na famosa ruptura do século XIV, que segundo Villey possibilitou o direito moderno. A primeira nota sobre Scot é sua distinção entre conhecimento abstrativo e intuitivo, nas palavras de Etienne Gilson:

O conhecimento abstrativo prescinde ou abstrai da existência e presença do objeto, para apreender-lhe unicamente a essência mediante uma imagem cognoscitiva (“species”). O conhecimento intuitivo, ao contrário, visa o objeto enquanto existente e presente; apreende-o de modo imediato, sem a intervenção de qualquer imagem (GILSON e BOEHNER, 2009, p. 495).

É a partir dessa distinção que Duns Scot chegará à noção de que a natureza de uma coisa é anterior a sua singularidade ou universalidade, esvaziando a necessidade tomista de que haja uma des-singularização seguida de uma universalização para que tenha-se conhecimento sobre um ente, pois para Santo Tomás de Aquino, as essências constituem universais que tornam inteligíveis os seres particulares. O conhecimento abstrativo soa muito como o Idealismo moderno, assim como o conhecimento intuitivo antecipa o modo empirista de ver a realidade – os dois conceitos parecem excluir a

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analogia tomásica da questão. A importância desta distinção será mais bem visualizada quando for absorvida por Ockham.

O franciscanismo é caracterizado por um pessimismo em relação ao homem, herança de um agostinianismo radicalizado, vê que a inteligência do homem, no atual estado de natureza decaída, foi dramaticamente danificada, a ponto de Scot dizer que a alma racional está atualmente em status naturae lapsae. Isso, aliada a distinção entre conhecimento abstrativo e intuitivo, é nota distintiva para um quebra com a analogia tanto na metafísica, quanto na teologia.

Falar em analogia é explicitar a possibilidade racional do homem de alcançar verdades. Um termo unívoco é aquele que consegue completa relação com a coisa que descreve, sem dúvidas sobre o que ele refere-se, distanciado de um singular. O termo equívoco é aquele que possui mais de uma coisa a que faz referência, denominando com o mesmo nome res completamente distintas. A analogia escolástica fala exatamente da possibilidade de se relacionar coisas diferentes que possuem termos iguais, a bondade de Deus com a dos homens por exemplo. A dificuldade em aceitar a analogia vem do demasiado apego à Lógica, que dá ao pensamento duas possibilidades se seguida de forma irrestrita: Ou o panteísmo de Parménides, que chega aos absurdos conclusivos que podem ser vistos na obra de Platão de mesmo nome, metafísica a qual Duns Scot é acusado de se aproximar; Ou o nominalismo atribuído ao próprio Ockham, incapaz de enxerga algo que não seja o singular.

Entretanto, nada tem destaque no Doctor Sutibilis como seu Voluntarismo, essa noção é a de que há um primado da vontade sobre a razão, a vontade não é determinada pelo conhecimento distinto do bem, podendo apartar o intelecto da consideração do sumo Bem e deixar de executar o ato volitivo. Pois “a vontade não se determina por outra coisa que não seja ela mesma” (GILSON e BOEHNER, 2009, p. 515). A vontade impera sobre a razão, pois imperar é próprio apenas da vontade.

Las tesis características del voluntarismo: La voluntad es causa determinante del acto libre y a ella pertenece, y no a la razón, el acto de imperio; la bienaventuranza consiste formalmente em el acto de amor de la voluntad y no en la contemplación de la inteligencia; la libertad es de la esencia de la voluntad, por lo tanto esta permanece libre aún ante el Bien sumo [...] La voluntad es libre de toda determinación proveniente de outra facultad distinta de ella misma, incluindo el intelecto, la conclusión obvia es que ella es autodeterminante, y que el acto de imperio es propio de la voluntad y no de la razón, pues a la voluntad compete moverse a sí misma a querer, y por lo mismo mueve a todas las otras potencias, incluida la inteligencia; en cambio, ésta se mueve a sí misma, ni respecto de lo superior ni de lo inferior (WIDOW, 2001, p. 126-129).

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O voluntarismo é assim a substituição das funções próprias do intelecto e da razão pela vontade, tornando-a desta forma a faculdade superior que rege a todas as outras. É a vontade (voluntas) e não a razão (intellectus) que tem de ser considerada a potência propriamente racional, pois entende-se como potência racional a potência que é capaz de opostos (HONNEFELDER, 2010, p 159-160). Nesse caso a vontade, e não a razão, deve ser considerada a potência genuinamente racional, pois só a vontade é capaz de opostos.

Quanta diferença é dada a essa relação em Santo Tomás de Aquino, para este o intelecto é superior à vontade, pois o que impera ou manda dirige o outro para algumas condutas determinadas, ordena ou regula seus atos – dá uma regra de conduta; e regrar, ordenar as coisas ou dirigir para um fim é próprio da razão (HERVADA, 2008, p. 232).

Dentro desse contexto que entra a vontade absoluta de Deus, que não pode ser limitada por algo que não seja o princípio de contradição, há, portanto, um “pensamento marcado pela desconfiança em relação à ideia de ordem natural” (VILLEY, 2005, p. 202).

A existência e a ordem do mundo finito são absolutamente contingentes, isto é, o mundo finito realmente poderia não existir e a ordem do mundo realmente poderia ser diferente daquela que de fato é. A causa primeira não tem nenhuma inclinação natural a comunicar o seu ser. Se ela o fez, isto é, se ela criou entes finitos, isto se deu de modo totalmente voluntário, livre, contingente (CEZAR, 2014, p. 51).

O único condicionamento para o poder absoluto de Deus é a exigência de estar livre de contradição. Em razão desse poder infinito, Deus pode substituir qualquer ordem criada por outra, desde que não haja contradição nessa ação (CULLETON, 2008, p. 309). A lei natural compreenderá todos os mandamentos, portanto, pela ordem atual denotar neles uma necessidade, evitando que se implique contradição (se for algum retirado).

Transpondo esta noção para o campo ético, têm-se que uma ação, portanto, é moralmente boa não porque ela aperfeiçoa a natureza moral e o desejo natural próprio a ela – como é no pensamento tomista – mas porque ela preenche um critério de conformidade (HONNEFELDER, 2010, p. 169), pois tenho uma vontade livre , a qual é capaz de querer ou não querer algo, de amar ou odiar algo, dada exatamente as mesmas condições exteriores a elas (CEZAR, 2014, p. 65). É patente o subjetivismo que caracterizará a “liberdade de consciência” moderna, em germe nesse pensamento.

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Esse pensamento leva Duns Scot a conceber um direito natural que necessita da positivação divina nas escrituras, o decálogo possui como lei natural estrita apenas os chamados mandamentos da primeira tábua, sempre partindo do primeiro, que diz que se deve amar a Deus sobre todas as coisas. Todas as outras orientações de conduta só existem por consonantia – o critério de conformidade supracitado no âmbito ético – com esta, inclusive os demais mandamentos da segunda tábua. Como Culleton demonstra, para Scot só existe pertencimento à lei natural se houver necessidade conceitual.

Somente para esses princípios auto evidentes, o que eles prescrevem é absolutamente necessário para alcançar o fim último. Este absolutamente necessário significa que é inconcebível que alguém pudesse repudiar a bondade prescrita nesses mandamentos, sem, ao mesmo tempo, repudiar a bondade do próprio fim último. Desde que o fim último de toda ação seja alcançar o bem maior, e isso é idêntico a Deus, os únicos mandamentos que podem pertencer à lei natural, em sentido estrito, são aqueles que têm o próprio Deus como objeto. Em sentido estrito, somente os mandamentos da primeira pedra pertencem à lei natural. (CULLETON, 2008, p. 307-308).

Culleton mostra que esse processo de derivação argumentativa da consonantia é limitado pela coerência lógica, portanto, mantém a possibilidade que de dentro de um determinado ordenamento estipulado por Deus haja uma lei natural que possa definir condutas razoáveis em casos cotidianos, e que somente leis gerais possam ser mudadas por uma completa troca do ordenamento, e não qualquer preceito simplesmente por uma vontade divina desarrazoada. É preciso que Ockham radicalize o pensamento scotista para que a lei natural possa esvaziar-se de conteúdo, pois pelo menos na ordem atual estabelecida há a possibilidade de extração de condutas corretas, mesmo que Deus possa mudá-la. O único problema nisso é a necessidade legislativa de Deus, já que é por essa razão que Scot entende que foi adequado Deus ter positivado os preceitos da lei natural, mesmo aqueles que pertencem a lei natural em sentido estrito, para que os que o são em sentido lato, pudessem ser conhecidos naturalmente (CULLETON 2008, p. 312).

O voluntarismo é uma característica marcante da modernidade, a própria construção teórico-político do direito subjetivo feita por Ockham denota a importância de Scot. Ockham vai delegar ao cidadão o poder de alienar seu dominium natural à uma autoridade. A instituição da autoridade, tanto como da propriedade privada, enquanto determinada pela razão, deriva de Deus, mas só de modo indireto (GHISALBERTI, 1997, p. 287). Uma vez estabelecida a autoridade de legislador positivo a Deus – de forma direta quando for de legislação positivada nas escrituras e indireta quando por convenção popular (com autoridade fundada na vontade de Deus), não tardará para que

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essa função seja substituída pelo Soberano (absolutismo) e posteriormente, no iluminismo, pela Vontade Popular.

O Logos Ordenado de que fala o professor Nelson Saldanha tem seu esvaziamento, “o conceito de Logos, especificamente grego, passou à história da cultura como uma imagem essencial, a um tempo forma e fundamento das coisas, configuração do pensamento e também da realidade” (SALDANHA, 2005, p. 22). Ele é esvaziado não por falta de uma força que ordene a realidade, Deus ainda é um pressuposto de Duns Scot, mas por deixar de ser Logos e passar a ser Potestas, um puro ato de vontade.

CONCLUSÃO

O objetivo deste texto era expor o voluntarismo de Duns Scot, apontando algumas noções que serão incorporadas por Ockham e que tem mais importância para a história da filosofia do direito do que se imagina. Apontando um ponto que tem relevância para a história do pensamento humano, com consequências atuais para as Teorias do Direito Natural.

Palavras-chave: Vontade, Lei Natural, Intelecto.

REFERÊNCIAS

SALDANHA, Nelson. Da Teologia à Metodologia – Secularização e crise do pensamento jurídico. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

CEZAR, Cesar Ribas. Compreender Scotus. São Paulo: Loyola, 2014.

CULLETON, Alfredo. O ordenamento moral e o iusnaturae em Duns Scotus. Prisma

Jurídico, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 305-320, jul/dez. 2008.

GILSON, Etienne; BOEHNER, Philotheus. História da filosofia cristã: desde as

origens até Nicolau de Cusa. Petrópolis: Vozes, 2009

HERVADA, J. Lições propedêuticas de filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

HONNEFELDER, L. João Duns Scotus. Tradução de Roberto H. Pich. São Paulo: Loyola, 2010.

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WIDOW, Juan Antonio. Gestación y nacimiento del voluntarismo de San Buenaventura a Marsilio de Padua. In: DIP, Ricardo Henry Marques (org). Tradição, Revolução e

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