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Economia do conhecimento, trabalho imaterial e capital intangível: uma contribuição teórica.

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Academic year: 2021

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Economia do conhecimento, trabalho “imaterial” e capital

intangível: uma contribuição teórica.

Alain HersCoViCi

aBstract

This paper will analyze the nature of the rupture which corresponds to the transition from fordism to post-fordism, and define the mechanisms which characterize the actual capitalism. In a firs part, from a Marxian point of view, I´ll show how the limits of the commodity form may explain the development of immaterial activities and the limits of labor value theory. In a second part, I will show the specificities of “immaterial” capitalism , and the way the value creation and appropriation changed today. I´ll demonstrate how, below different forms, the mercantile logic extends to other social activities. The system is characterized by the private appropriation of knowledge , but the production of this knowledge is highly socialized. So, the system continues being a capitalist one, below new historical forms.

Key words: Post fordism / “Immaterial” capitalism / Knowledge and production.

Sempre houve dificuldades, por parte dos economistas e dos sociólogos, para analisar e expli-car a natureza e as funções sociais e econômicas das atividades imateriais ligadas à Cultura, à Informação e ao Conhecimento; além da simples constatação empírica segunda a qual essas atividades, a partir dos anos 80, têm um papel cada vez mais importante na estruturação social e econômica que caracteriza o pós-fordismo, não está sendo elaborada uma construção teórica capaz de analisar a natureza e a amplitude das rupturas sociais e econômicas que caracterizam este capitalismo “cognitivo”.

Manuel Castels fala em sociedade informacional sem explicitar claramente as mecanis-mos sociais e econômicos que fazem como que está tendo uma modificação das modalidades de criação e de apropriação do valor criada a partir da informação e do conhecimento : ele qua-lifica a economia atual de informacional pelo fato “(....) da produtividade e da competitividade das unidades ou dos agentes econômicos (...) dependerem essencialmente de sua capacidade para gerar, tratar e aplicar uma informação eficiente baseada no conhecimento” (Castells, 1998 p. 94). Da mesma maneira, para Lazarato e Negri (2001, p. 26) “A integração do trabalho ima-terial no trabalho industrial e terciário torna-se uma das principais fontes de produção (...)” . No que diz respeito à dimensão econômica, esta análise carece do estudo dos mecanismos que

permitem explicar as modalidades de criação e de apropriação social do valor criado a partir da informação e do conhecimento.

A análise econômica é sujeita ao mesmo tipo de observações: no âmbito de uma

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e Ricardo , sempre rejeitaram as atividades imateriais fora de seu campo de análise. Da mesma maneira, Marx mostra que o valor, na sociedade capitalista, é assimilado à quantidade de tra-balho abstrato, ou seja, à produção de mercadorias. Não obstante, a autonomia da forma preço permite atribuir um preço para bens que não são o produto de uma determinada quantidade de trabalho abstrato: todas as formas de capital fictício correspondem a este tipo de situações. No que diz respeito à economia clássica, e mais especificamente à economia de Marx, a problemá-tica ligada ao desenvolvimento das atividades imateriais permite questionar o valor explicativo da teoria do valor trabalho; a questão central consiste em saber se a economia ligada à teoria

do valor trabalho não se aplica apenas na fase industrial do capitalismo. O presente trabalho

vai tentar fornecer elementos de resposta em relação a esta problemática.

i) Valor, traBalHoeconHecimento: oslimitesHistóricosDateoriaDoValor

traBalHo

1) Os limites da forma mercadoria

1.1 Em vários trechos de sua obra, Marx já ressaltava os limites da forma mercadoria: a

meu ver, esses limites têm que ser interpretados a partir da autonomia da forma dinheiro e da forma preço: esta autonomia torna possível uma desconexão parcial ou total da forma preço

em relação ao valor, ou seja, em relação à quantidade de trabalho abstrato incorporada na

mercadoria.

No caso de todas as formas de capital fictício, esta desconexão é completa: “ A forma preço não só admite a possibilidade de uma divergência quantitativa entre o preço e a magni-tude do valor (...) mas pode igualmente ocultar uma contradição absoluta, de tal maneira que o preço deixe de expressar valor, apesar do fato do dinheiro ser a forma valor das mercadorias”. (Marx, 1893, Livre I, p. 107). Dentro de certos limites, a forma preço pode se desenvolver in-dependentemente da lei do valor; a forma preço pode atribuir uma expressão monetária a bens que não têm valor, ou seja, a bens cujas modalidades de valorização econômica não se explicam a partir da quantidade de trabalho abstrato necessária para sua produção (Alain Herscovici, 1995, p. 163). O capitalismo permite o desenvolvimento de várias formas de capital fictício, as quais se caracterizam pela existência de um valor fictício: valor fictício pelo fato deste valor “(...) poder aumentar ou diminuir totalmente independentemente do valor do capital real (...)” (Marx 1893, Livre III, p. 502).

Por outro lado, a partir da teoria do valor trabalho construída por Marx, a lei do valor faz com que o trabalho concreto, específico, qualitativamente diferenciado, se transforme em tra-balho social, abstrato, quantitativamente indiferenciado. Dois aspectos devem ser destacados: a mercadoria se caracteriza pelo fato do trabalho concreto ter sido transformado em trabalho abstrato: é esta medida comum entre as diferentes mercadorias que permite compará-las na relação de troca. A lei do valor é tal que, para realizar as trocas, o sistema faz abstração das especificidades do trabalho.

1.2 Neste nível de análise, é preciso especificar as relações que existem, no Capital, entre

o valor e as formas do valor. Para isto, é preciso definir a diferenciação estabelecida por Marx entre trabalho socialmente igualado e trabalho abstrato.

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O valor é uma forma social historicamente determinada: isto significa que a cada modo de produção, ou a cada período determinado, corresponde uma forma histórica do valor:

“(...) O valor é visto como uma forma que expressa o fato da igualação social do trabalho, fato que ocorre não somente numa economia mercantil, mas pode ocorrer em outras economias. ” (Rubin, 1987, p. 133)

“ Para passar do trabalho, considerado como conteúdo, para o valor como forma, (....) deve-mos reconhecer agora o trabalho abstratamente universal como o conteúdo do valor”. (Idem).

Essas definições mostram em que Marx se opõe à Smith e a Ricardo: as análises de Smith e de Ricardo, a considerar que o conteúdo do valor seja o trabalho humano “em geral”, vão universalizar formas que são características do capitalismo (Marx, 1893 Livre I, p. 75 e 76). Ao contrário, Marx ressalta a historicidade do modo de produção capitalista.

Essas afirmações permitem levantar questões chaves em relação à problemática deste trabalho:

1) Em que medida, no sistema capitalista, a igualação social dos trabalhos privados se efe-tua a partir da lei do valor, a partir da redução dos diferentes trabalhos em trabalho abstrato, ou seja, a partir da generalização da lógica da mercadoria? Em outras palavras, será que é possível

definir um sistema capitalista sem a generalização da forma mercadoria? Esta problemática se

relaciona diretamente com os limites da forma mercadoria, no próprio sistema capitalista. 2) No caso de responder afirmativamente a essas perguntas, é preciso focalizar o estudo sobre as novas formas de trabalho que constituem o conteúdo do valor e, conseqüentemente, sobre as novas formas do valor que caracterizam a fase pós-industrial do capitalismo. É pre-ciso, igualmente, analisar as modalidades de apropriação privada do valor: à medida que a mercadoria deixa de ser predominante, é preciso examinar (a) as novas formas de criação e de apropriação do valor (b) a maneira como se implementa o processo de igualação social dos dife-rentes trabalhos privados (c) quais são as novas formas de subsunção do trabalho ao capital (d) como é possível definir, na sua natureza e na sua função, o capital. Tais são, a meu ver, os ele-mentos fundamentais para analisar, no âmbito de uma perspectiva marxiana, as modificações ocorridas no capitalismo pós-industrial.

2) As novas formas da concorrência

2.1 Existem dois tipos de conhecimento: o conhecimento tácito, que está diretamente

liga-do a determinaliga-dos agentes, e o conhecimento codificaliga-do que é fixaliga-do em determinaliga-do suporte (livro, Cd, internet, etc...) e pode ser divulgado sob a forma de informação.

Por outro lado, do ponto de vista econômico, o conhecimento apresenta as seguintes ca-racterísticas: não exclusividade, não rivalidade e cumulatividade. Esta última característica sig-nifica que a produção atual do conhecimento depende do estoque herdado do passado. Várias observações fazem-se necessárias:

i) quanto mais “aberto” o sistema de produção e de divulgação de conhecimento, mais intenso o caráter cumulativo do conhecimento, ou seja, maior a produção atual.

ii) Em função da abertura do sistema, a produção de conhecimento gera externalidades positivas para o conjunto da coletividade considerada; ao contrário, os diferentes sistemas de

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Direitos de Propriedade Intelectual (DPI) limitam essas externalidades pelo fato de endogenei-za-las no seio de sistemas fechados

3) Estamos na presença de duas lógicas de produção e divulgação do conhecimento: a primeira se relaciona com um clube aberto (o conhecimento aberto), clube dentro do qual a função de bem-estar coletivo é privilegiada. Esta economia não funciona a partir de uma lógica mercantil: ou trata-se de uma economia cooperativa ou solidária, como, por exemplo, no caso dos programas livres como Linux, ou ela se relaciona com a pesquisa financiada pelas instân-cias públicas. A segunda, ao contrário, corresponde ao conhecimento fechado, que consiste em limitar propositalmente a divulgação do conhecimento a clubes fechados, assegurando assim rendas temporárias de monopólio.

iv) Finalmente, este caráter cumulativo permite questionar o próprio princípio da proprie-dade intelectual e da legitimiproprie-dade dos direitos que lhe são ligados.

2.2 Existe uma interdependência muito maior, hoje, entre o setor dos serviços e o setor

industrial: parte dos serviços consiste em fornecer a infra-estrutura adequada ao desenvol-vimento de determinadas atividades industriais (Pascal Petit fala em large network services, 2003). Esses serviços são produtivos, no sentido deles serem trocados por capital e não por ren-da, como isto acontece no caso dos serviços domésticos analisados pelos economistas clássicos. De uma certa maneira, a complexificação das modalidades de produção e de distribuição dos bens materiais tornou necessária a exteriorização desses tipos de serviços e a constituição desta infra-estrutura de redes de serviços. Parte das atividades de serviço está integrada numa lógica ligada à produção de mercadoria, ou seja, à produção industrial. A concorrência se implementa a partir da capacidade diferenciada dos diferentes agentes econômicos para endogeneizar as externalidades produzidas a partir da existência de tais redes.

Em nível mais meso e microeconômico, a dicotomia tradicional entre hard e soft-ware ressalta o fato que está tendo uma diminuição dos preços relativos dos materiais, em relação aos programas. Por outro lado, no âmbito de uma lógica industrial, o aumento da produtividade do trabalho social se traduz por uma queda do valor dessas produções industriais, este fenômeno não sendo constatado nas atividades de soft-ware.

Finalmente, a concorrência atual se implementa fora do mecanismo dos preços: o valor de troca da mercadoria depende da quantidade e da qualidade da informação embutida na mercadoria.

O valor de uso dos bens e serviços é determinado pela quantidade de informação incorpo-rada. Conseqüentemente, o valor de uso depende diretamente (a) dos conhecimentos tácitos de cada consumidor/usuário (b) dos resultados das aplicações desses conhecimentos tácitos para decodificar as informações contidas nessas mercadorias. No que diz respeito a este segundo ponto, tendo em vista a complexidade dessas informações, o consumidor não pode avaliar, ex-ante, a utilidade que a mercadoria lhe propiciará. O valor de troca depende da quantidade de informação que é potencialmente utilizável pelo consumidor/usuário.

1) Essas mercadorias são o objeto de modalidades de apropriação cognitiva e socialmente diferenciadas. Os processos socialmente diferenciados de aquisição dos conhecimentos tácitos se traduzem por utilidades socialmente diferenciadas.

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2) Esta lógica corresponde aos processos de segmentação da demanda que caracterizam o “pós-fordismo” e a acumulação intensiva que lhe é própria (Herscovici, 2000). Esta segmen-tação é implementada a partir da quantidade e da complexidade da informação incorporada nas mercadorias.

3) Neste caso, os custos de aprendizagem não são mais assegurados pelo produtor. Con-trariamente ao que ocorria no período fordista, quando esses custos eram embutidos na própria mercadoria, na lógica pós-fordista, os custos de aprendizagem são implementados fora do mer-cado e são socialmente diferenciados. As diferentes modalidades concretas de re-apropriação das TIC e de construção das modalidades de uso (o que corresponde a uma lógica de demand

push ou de user driver) podem ser explicadas à luz de tais análises.

As modalidades concretas de valorização das mercadorias dependem cada vez mais es-treitamente, da informação nelas contidas; assim, a informação e o conhecimento, ou seja, o

componente imaterial embutido na mercadoria, constituem um elemento decisivo no que con-cerne à sua valorização econômica.

A concorrência entre os produtores vai depender, cada vez mais, das modalidades de acesso à informação e ao conhecimento. O sistema de direito de propriedades intelectuais

(DPI) constitui, assim, um fator chave nas modalidades de concorrência capitalistas hoje:

per-mite ter acesso à inovação tecnológica, construir barreiras à entrada nos diferentes mercados e gerar rendas de monopólios para os agentes detentores desses direitos .

A partir de tal abordagem, o problema consiste em analisar os elementos que determinam o valor da informação e do conhecimento incorporado nessas mercadorias. É interessante ob-servar que esta problemática apresenta semelhanças muito grandes com aquela ligada à análise econômica dos produtos culturais, pelo fato das modalidades de valorização econômicas não se explicarem a partir do trabalho abstrato aplicado no processo de produção material. Neste caso,

é preciso estudar a natureza do trabalho imaterial assim como suas modalidades de subsunção em relação ao capital ; esta natureza do trabalho determina a natureza econômica desses bens

e serviços.

Em resumo, é possível afirmar que esta economia, e as modalidades da concorrência que lhe correspondem, não é mais baseada sobre uma lógica quantitativa de custos ligada aos custos em trabalho e em capital material, mas sobre uma lógica de conhecimento codificado incor-porado nas mercadorias. A própria concorrência se explica a partir dos seguintes elementos: (a) os diferentes conhecimentos tácitos dos trabalhadores e das organizações/instituições nas qual eles atuam (b) as modalidades de acesso ao conhecimento codificado, essas modalidades sendo definidas a partir dos ativos imateriais. Assim, esses conhecimentos tácitos específicos se traduzem por capacidade diferenciada dos diferentes agentes econômicos para endogeneizar as externalidades.

No capitalismo atual, o conceito de trabalho abstrato é substituído pelo de conhecimento codificado, e o conceito de trabalho concreto pelo de conhecimento tácito. Tendo em vista o grau de complexidade da informação que os trabalhadores têm que manipular, o conhecimento tácito à disposição dos trabalhadores e das diferentes instituições é um elemento importante de valorização do capital. Por outro lado, a concorrência se expressa a partir do conhecimento tácito, e conseqüentemente específico, dos trabalhadores e das diferentes instituições (Arrow, 2000). Assim, em função das formas específicas da concorrência, a transformação do

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con-hecimento tácito em concon-hecimento codificado é limitada: da mesma maneira, nas indústrias culturais, a concorrência entre os diferentes produtores culturais se implementa a partir das especificidades do trabalho artístico, e os processos de transformação do trabalho concreto em trabalho abstrato são intrinsecamente limitados.

2.3 Uma outra característica da concorrência atual se relaciona com a obsolescência dos

bens e dos serviços, ou seja, com uma aceleração do progresso técnico: neste caso, conforme mostrarei mais adiante, as variáveis ligadas ao tempo de circulação se tornam um elemento importante do processo concorrencial. Uma liquidez menor, ou seja, um ciclo de circulação maior, corresponde a taxa de lucro menores: quanto maior for o tempo de circulação, menores as possibilidades da firmas para se apropriar das rendas de monopólio ligadas à inovação tec-nológica. O diferencial de tempo de circulação do capital vai explicar a dinâmica concorrencial e as modalidades concretas de desvalorização do capital (Dieuaide P., 2003 p. 228)..

3) Capitalismo e produção imaterial

3.1 Apesar do capitalismo deixar, pelo menos parcialmente, de ser industrial, a forma dinheiro

continua sendo o equivalente geral e, ao mesmo tempo, a representação mais abstrata de um direito sobre o valor produzido socialmente. Neste nível, é importante ressaltar os seguintes pontos:

1) o capital financeiro e todas as formas de capital fictício não deixam de ser capital à medida que, em relação ao ciclo do capital dinheiro, o D´, no final do ciclo, tem que ser superior ao D inicial. Isto caracteriza um economia essencialmente especulativa, cujo mecanismo é ba-seado sobre a auto-valorização do capital, que este capital seja produtivo ou não (Marx, capítulo VI inédito, 1895, p. 40)

2) O capital dinheiro representa a forma mais abstrata do capital , como equivalente geral totalmente desmaterializado, totalmente desconectado das atividades produtivas.

3) Finalmente, este capital funciona a partir de uma lógica rentista (Serfati, 2003, p. 184) à medida que sua lógica é essencialmente ligada à apropriação do valor e relativamente desco-nectado de sua produção. É como se o ciclo D---M---D´ foi substituído pelo ciclo D---C imaterial---D´. Neste caso, as atividades ligadas à circulação e a liquidez dos ativos, tornam-se elementos determinantes desta nova economia. De fato, a tradição heterodoxa fornece dois tipos de respostas:

(a) a resposta clássica consiste em analisar o capital financeiro, assim como todas as for-mas de capital fictício, como “punções parasitárias” operadas sobre o setor produtivo (Ches-nais, 2001); neste caso, a produção de valor continua sendo realizada a partir da mercadoria e do trabalho abstrato.

(b) Não obstante, é igualmente possível explicar este capitalismo pós-industrial a partir de uma modificação das modalidades de produção e de apropriação do valor. Neste segundo caso, a problemática geral é totalmente diferente: é preciso redefinir as características qualitativas

do trabalho que forma o conteúdo do valor no capitalismo pós-industrial.

3.2 Os direitos de propriedade sempre foram o objeto de uma atenção particular por parte

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1) no âmbito da análise clássica, esses direitos fazem parte das condições gerais necessá-rias à acumulação capitalista (A. Smith), ou, no caso da análise de Marx, constituem a base da teoria da exploração.

2) A teoria walrasiana da remuneração dos fatores de produção a sua produtividade mar-ginal permite conceber o lucro como a remuneração do serviço produtor fornecido pelo capital (Denis, 1974, p. 507); o lucro seria a remuneração do proprietário do capital para compensar o fato de imobilizar o capital durante um tempo determinado. Neste sentido, o lucro é concebido como o preço para a espera.

3) Hoje, certos autores justificam a existência de direitos de propriedade pelo fato desses constituirem o fator que permite maximizar a taxa de crescimento da inovação (North, 1981)

Por outro lado, está sendo colocado o problema da natureza do mercado e das transações que ocorrem neste mercado. Marx já observava que às transações monetárias não correspon-dem, sistematicamente, um movimento, em sentido inverso, das mercadorias: assim, ele afirma que o que se move é o título de propriedade relativo ao objeto da transação e não obrigatoria-mente o objeto em si (Marx, 1895, Livre II, p. 150). Na mesma linha de raciocínio, Commons (1934) afirma que uma transação é, em primeiro lugar, uma transferência legal de propriedade, e não obrigatoriamente, a transferência física do bem. O preço pago no mercado representa a contrapartida monetária relativa à transferência dos direitos. (Coriat, Weinstein, 2005, p. 2).

1) Contrariamente à visão neoclássica padrão, os objetos com os quais se relacionam essas transações e os direitos de propriedade que lhe são ligados nem sempre são claramente identificados; é assim impossível implementar, concretamente, um processo de maximização do lucro a partir da igualação ente o custo e a receita marginal, já que não é possível identificar as receitas geradas a partir da posse desses direitos.

2) A troca no mercado não implica a necessidade da troca “física” das mercadorias: neste sentido haveria uma desmaterialização possível do objeto trocado no mercado; as modificações dos DPI e a extensão da lógica de mercado para as diferentes formas de conhecimento e as combinações genéticas vão neste sentido.

Em última instância, trata-se de definir o modo de produção capitalista e o peso de seus diferentes componentes: uma primeira tese consiste a assimilar o capitalismo com a produção industrial, ou seja, com o trabalho abstrato e a produção de mercadorias que lhe corresponde. Uma outra tese concebe o capitalismo a partir da generalização do mercado como regulador social e como mecanismo que permite implementar a igualação social dos trabalhos privados. Neste caso, o dinheiro, como equivalente geral, permite igualar os diferentes trabalhos privados e a produção de valor não está diretamente ligada à produção de mercadorias. Por outro lado, o capital dinheiro não está diretamente ligado à produção de mercadorias: no âmbito de uma

lógi-ca rentista, ele não participa diretamente da produção mas se apropria rendas de monopólios construídas a partir de determinado sistema de direitos de propriedade: esses direitos

corres-pondem às novas formas institucionais que caracterizam esta fase pós-industrial do capitalismo (Herscovici, 2005); são esses novos arranjos institucionais que permitem construir socialmente os mercados (Bourdieu, 2000).

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ii) o capitalismo “imaterial”: umatentatiVaDeDefinição

1) “General Intellect” e trabalho intelectual

1.1 A ciência e suas aplicações tecnológicas diretas constituem um novo fator de

pro-dução: na medida em que ele é “abundante”, ele pode ser incorporado no capital fixo sem custo para o capitalista. O sistema de DPI tende a criar uma escassez, no que diz respeito à produção de conhecimento: a privatização deste tipo de produção imaterial cria uma escassez social e faz com que suas modalidades de apropriação social sejam o objeto de transações mercantis. É interessante observar que, na Teoria Geral, Keynes (a) define o rendimento do capital a partir de sua escassez e (b) define a técnica como “ os recursos naturais isentos de custos ou que custam uma renda, conforme sua escassez ou abundância, e dos resultados do trabalho anterior , incorporados aos bens patrimoniais, que auferem, também, um preço variável segundo sua escassez ou abundãncia “ (Keynes, 1990, p. 169). Conseqüentemente, a escassez criada a partir dos DPI explica o rendimento, sobre a forma de renda de monopólio temporário, destas formas de capital imaterial; este movimento corresponde à ampliação da lógica de mercado para novos campos sociais.

1.2 Nos Grundisse, Marx evoca a possibilidade de um capitalismo pós-industrial

basea-do em formas altamente socializadas basea-do conhecimento : “o desenvolvimento basea-do capital fixo indica até que grau o saber social geral, o conhecimento, tornou-se força produtiva imediata e, conseqüentemente, até que ponto as condições do processo vital da sociedade passaram sob o controle do genera lintellect (...)” (Marx, 1857-1858, tome II, p. 192; os grifos são meus).

Por outro lado, Marx afirma que “ A ciência, como produto intelectual geral do desen-volvimento social, apresenta-se assim como diretamente incorporada no capital (....) na medida em que opera como força produtiva do capital que se defronta com o trabalho (...) (Marx 1985, capítulo VI inédito, p. 126).

À medida que o conhecimento se torna um elemento cada vez mais importante no que diz respeito às modalidades de valorização econômica das mercadorias, o trabalho abstrato incor-porado na produção dessas mercadorias não é mais o instrumento adequado para determinar o valor de troca dessas mercadorias; é possível, mais uma vez, estabelecer um paralelo com as produções culturais.

O capitalismo produziu um “operário intelectual coletivo” capaz de gerar ciência e progres-so técnico: este progresprogres-so técnico está incorporado no capital fixo, o que corresponde exatamente a tese avançada segundo a qual está tendo uma interdependência cada vez mais estreita entre pro-dução material e propro-dução imaterial, entre serviços e indústria: em outras palavras, a informação e o conhecimento incorporados nas produções materiais são cada vez mais importantes. O trabal-ho aplicado neste tipo de atividade é, por natureza, cumulativo e altamente socializado (Herscovi-ci, Bolaño, 2005). Essas características fazem com que não é possível avaliar a produtividade local ou setorial do trabalho: dito de outra maneira, a produtividade do trabalho é, por natureza, social, pelo fato de depender (a) do estoque de conhecimento herdado do passado e (b) da produção “conjunta” de conhecimento, ou seja, das externalidades de oferta geradas pela própria produção de conhecimento. Esta tendência era já presente no fordismo: por isto, neste modo de regulação, o aumento do salário operário era indexado sobre a produtividade média, ou seja, a produtividade do trabalho social, independentemente das especificidades locais ou setoriais. Um dos inúmeros

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paradoxos da fase pós-industrial reside no fato das modalidades de remuneração do trabalho serem cada vez mais individualizadas , das modalidades de apropriação do conhecimento serem privadas, enquanto as modalidades de produção são, elas, cada vez mais socializadas.

O erro de várias análises de cunho heterodoxo consiste em assimilar a socialização da produção do conhecimento à uma ampliação de suas modalidades de apropriação social: mes-mo se o General Intellect for uma forma de “intelectualização” do trabalho no capitalismes-mo pós-industrial, não é possível deduzir que, nesta fase, o saber está sendo divulgado e não tem mais proprietários (André Gorz, 1997). A ressocialização do conhecimento se implementa nas atividades produtivas ligadas à produção deste conhecimento, e não nas modalidades mais am-plas de re-apropriação desses conhecimentos socialmente produzidos; ao contrário, o sistema de DPI revela uma privatização das modalidades de acesso ao conjunto dos conhecimentos (Coriat 2003, Herscovici 2005). Em última análise, o problema relativo à natureza do modo de produção atual está sendo colocado novamente.

Se, como afirmam Negri e Lazzarato, “o trabalho imaterial não se reproduz (...) na forma de exploração, mas na forma de reprodução da subjetividade” (op. cit., p. 30), o sistema está numa fase pós-capitalista e a economia, a partir do conceito de “multidão”, se tornou solidária e cooperativa: formas não mercantis de produção e de apropriação do valor substituíram as formas mercantis do capitalismo industrial.

Não obstante, é possível interpretar a fase atual do capitalismo a partir de outras hipóte-ses: as formas de criação do valor e do conteúdo do valor se modificaram. Conseqüentemente, existem outras modalidades de reapropriação privada do valor criado socialmente, e outras formas de exclusão e de exploração que não estão mais ligadas à produção de mercadorias e de mais-valia (Delaunay J.C., 2003, p. 207). Finalmente, a generalização da lógica de mercado e do capital dinheiro ressaltam, a meu ver, uma intensificação dos processos capitalistas: a lógica de mercado se estende para o conjunto das atividades sociais.

A importância do conhecimento tácito do trabalhador para decodificar a informação cada vez mais complexa incorporada nos processos de produção e no capital permite explicar o fato da subsunção do trabalho ao capital ser apenas formal e não mais real, como no caso do fordis-mo ( Vercellone C. e Herrera R., 2003, p. 29 e 53).

O sistema capitalista, na fase atual, reproduz uma contradição que lhe é inerente: à umas modalidades de produção cada vez mais socializadas correspondem modalidades cada vez mais restritas de apropriação social, conforme mostram as evoluções recentes em termos de DPI (Che-snais, 2003, p. 177). Finalmente, é preciso ressaltar o fato que este processo não é linear: ao lado deste movimento de privatização, o sistema torna possível o desenvolvimento de espaços sociais não mercantis nos quais as modalidades de produção e de apropriação são solidárias e coope-rativas : tanto de uma ponto de visto teórico quanto histórico, o capitalismo sempre precisou de elementos extra-econômicos para assegurar seu desenvolvimento: o Estado, as instituições, etc... (Polanyi, 1983 ). No entanto, ao mesmo tempo que o sistema de mercado precisa dessas formas institucionais, ele precisa limitar seus desenvolvimentos: o desenvolvimento dos gastos do Esta-do, além de um certo valor crítico, explica o esgotamento do fordismo, por exemplo.

2) Capital intangível, capital imaterial e modificação da natureza do capital

O capital intangível, ou seja, todas as formas de capital imaterial, é um dos conceitos cen-trais da análise econômica, a partir dos anos 70: as teorias do capital humano e do crescimento

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endógeno ressaltam o papel fundamental das atividades de formação e de pesquisa e desenvol-vimento no processo de crescimento econômico. Da mesma maneira, o desenvoldesenvol-vimento de todas as formas de capital financeiro e a formação de bolhas financeiras colocam o problema relativo à natureza e à medida deste tipo de capital. Esta problemática lembra, por certos aspec-tos, a controvérsia de Cambridge do final dos anos 60.

2.1. As receitas ligadas à valorização econômica da informação (e isto valeria para todas

as outras formas de capital imaterial) se determinam independentemente dos custos em trabal-ho necessários (Bellon, 2004, p. 308): (a) o caráter particularmente aleatório de sua valorização não permite determinar uma correlação entre os custos e as receitas (b) tendo em vista a

com-plexidade dos processos de produção implementados e o caráter essencialmente cumulativo da produção deste tipo de bens, não é mais possível determinar a quantidade direta indireta de trabalho necessária para sua produção (Bolaño, Herscovici, 2005).

Trata-se, igualmente, de uma economia intrinsecamente especulativa: nesta, o preço é determinado em função das expectativas de receitas que este capital pode, potencialmente, produzir; no âmbito de uma lógica keynesiana, o valor do capital depende de sua eficiência marginal, ou seja, das receitas previstas que o investimento geraria durante sua vida útil (Ke-ynes, 1990). No entanto, na Teoria Geral, Keynes opõe os investimentos especulativos aos in-vestimentos produtivos (Idem) e ressalta, no âmbito de uma economia de “cassino”, os perigos ligados ao desenvolvimento deste tipo de investimento. Se, no âmbito de uma análise (pós) keynesiana, o valor do investimento depende das receitas que ele pode gerar, e se o universo se caracteriza pela incerteza, no sentido definido por Knight, o valor do investimento produtivo é, por natureza, diferente daquele do investimento especulativo:

1) no que diz respeito ao investimento produtivo, seu valor é calculado em função das receitas previstas durante a totalidade de sua vida útil: este valor se relaciona com uma pers-pectiva de longo prazo e o investimento é concebido como um ativo que apresenta uma liquidez fraca. Por outro lado, no que diz respeito ao capital produtivo, o investidor pode determinar

sua vida útil, o que não é o caso no que diz respeito ao capital intangível; este elemento vem

intensificar a incerteza ligada à valorização do capital especulativo financeiro, no curto prazo. Essas expectativas se caracterizam pela sua instabilidade, o que explica a volatilidade desses capitais.

2) Ao contrário, o investimento especulativo se define numa perspectiva de curto prazo, e se caracteriza por uma liquidez quase imediata. A especulação consiste em prever, antes do público, as evoluções do mercado

3) Finalmente, enquanto a partir do multiplicador de despesas, o aumento do investimento produtivo se traduz por um aumento da produção e do emprego, ao aumento do investimento especulativo não correspondem evoluções deste tipo.

A “nova economia” é, por natureza, uma economia especulativa: o capital não é concebi-do em função das receitas que ele pode “normalmente” gerar, mas a partir das rendas de

mono-pólio diretas e indiretas que os DPI permitem de se apropriar, num ambiente que se caracteriza por uma incerteza forte. Em função das modificações da natureza dos DPI, essas rendas de

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monopólio são virtuais particularmente aleatórias. Do ponto de vista keynesiano, trata-se de uma modificação da natureza das expectativas; a partir de uma abordagem clássico- marxiana, isto deve ser interpretado como uma modificação da natureza do capital.

2..2 A análise das bolhas financeiras racionais mostra que elas aparecem em mercados

cujo valor fundamental dos ativos é dificilmente determinável (A. Frois, 1991, p. 356). Esses mercados se caracterizam pelo fato do preço do ativo ser determinado a partir de seu preço esperado; neste sentido, há uma auto-realização das expectativas. Enfim, na medida em que este movimento de alta do valor dos ativos não é infinito, a crise se traduz pelo estouro dessas bolhas especulativas.

qual é a natureza dessas bolhas “tecnológico-financeiras”? Em que medida esses merca-dos se caracterizam por uma incerteza forte?

A incerteza provém da natureza desse ativos; conforme já mostrei (Herscovici, 2004), não é possível prever, com um certo grau de confiança, as receitas que eles podem gerar. Con-trariamente ao que afirmam as teorias fundamentalistas, não é possível determinar o valor fundamental deste tipo de ativo: conseqüentemente, não é possível determinar o desvio entre o valor real desses ativos e seu valor fundamental. Uma explicação alternativa é fornecida pelo conceito keynesiano de convenção (Boucher C., 2004, p. 299): este se define como uma crença coletiva que permite elaborar expectativas a partir da opinião “média” do mercado, à medida que o estado atual se perpetue no futuro (Keynes, 1990, p. 126). A lógica especulativa como aquela da NASDAq, por exemplo, pode ser analisada desta maneira: à medida que não é possí-vel determinar o valor fundamental de desses ativos imateriais, a especulação se auto-alimenta, a partir de um jogo de mimetismo. A crise marca o fim da convenção existente e a emergência de uma nova convenção (Herscovici, 2004 ).

Esta incerteza se explica a partir de três fatores: (a) a obsolescência cada vez mais veloz das tecnologias diminui a vida útil da inovação e seu valor econômico (b) as estratégias desen-volvidas pelas firmas tornam mais aleatória a implementação de uma inovação (c) em função da complexidade da informação contida nesses bens, a formação do uso dos bens por parte dos consumidores/usuários se torna mais complexa e aleatória.

Essas reflexões permitem colocar, de maneira adequada, os problemas relativos à medida e à natureza do valor das diferentes formas de capital intangível; permitem assim fornecer uma explicação alternativa para o paradoxo de Solow: em que medida os sistemas de contabilidade social permitem avaliar corretamente as diferentes formas de capital intangível? Em que medi-da as avaliações dos ganhos de produtivimedi-dade do trabalho são confiáveis (Pascal Petit, 2003)? 3) Valor e capitalismo pós-industrial: elementos de análise

Certos autores falam da passagem histórica do valor tempo de trabalho para o valor saber (Vercellone, Herrera, 2003, p. 38). Conforme já visto, vários autores ressaltam o papel prepon-derante da informação e do conhecimento no capitalismo atual, sem explicitar os mecanismos de criação e de apropriação de valor, sem identificando as rupturas institucionais e econômicas em relação ao fordismo. É a natureza dessas rupturas que pretendo identificar e definir agora.

3.1 A partir da integração cada vez mais importante entre serviços e indústrias,

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Conforme mostrei em trabalhos anteriores (Herscovici, 2005), a natureza do progresso técnico e das externalidades que lhe são ligadas se modificou radicalmente a partir dos anos 80: as novas formas de concorrência se traduzem por modalidades de apropriação assimétricas das externalidades geradas pelo progresso técnico, pela constituição de barreiras à entrada parti-cularmente eficientes e por falhas de mercado, no sentido novo-keynesiano da palavra. Neste nível intermediário de análise , o valor poderia se explicar a partir do grau de integração dos sistemas produtivos em relação a este tipo de infra-estrutura de serviços (Petit, Soete, 2003, p. 98) e das modalidades social e economicamente diferenciadas de endogeneização das externali-dades no seio de determinados clubes (Herscovici, 2005), pela quantidade e pela qualidade das conexões que os agentes possuem, em relação a determinadas redes, e pelos ativos imateriais possuídos pelo agente considerado; esses ativos imateriais se relacionam principalmente com conhecimentos tácitos e DPI.

3.2 Um outro tipo de elemento explicativo pode ser encontrado no conceito de liquidez

e de tempo de circulação das mercadorias e do capital dinheiro. A este respeito, Marx faz as seguintes afirmações:

“(...) o período de circulação do capital restringe, de uma maneira geral, seu período de produção e, conseqüentemente, seu período de valorização.” (Livre II, p. 127)

“ (...) quanto mais o período de circulação se aproxima de zero, (...) maior sua produtivida-de, sua auto-valorização.” (Idem).

Por ouro lado, Marx ressalta a correlação positiva que existe entre a taxa de lucro e o número de rotações do capital.

No ciclo D----Pt----M´----D´, a circulação corresponde à fase D--- Pt e M´---D´, e a pro-dução a Pt----M´. quanto o capital fica imobilizado na esfera da circulação, não está tendo criação de valor, pelo fato do processo de produção estar parado (Livro II, p. 46); para o capital se valorizar, o valor produzido na produção tem que se realizar no mercado. Assim, logica-mente, quanto menor o tempo de circulação, maior o lucro auferido pelo capitalismo. Já que a economia capitalista é diretamente ligada à lógica do valor de troca, em oposição ao valor de uso, quanto menor o tempo de circulação, maior a mais-valia realizada durante determinado período. O ideal, para o capitalista, consiste em diminuir o máximo o período de circulação, para realizar a mercadoria, auferir a mais-valia e reiniciar o conjunto do ciclo.

Nesta perspectiva, o processo de produção é concebido apenas como um mecanismo que permite produzir mais-valia; por outro lado, na medida em que esta mais valia se realiza na esfera da circulação, a lógica de auto-valorização do capital consiste em diminuir, o quanto

for possível, os períodos de produção e de circulação. A economia do conhecimento pode ser

analisada em função dessas duas dimensões.

No que diz respeito à diminuição do tempo de produção, a economia “cognitiva”, a partir do sistema atual de DPI, corresponde a modalidades de apropriação privada de conhecimen-tos que fazem parte de um patrimônio comum. Esta acumulação primitiva do conhecimento (Bolaño, 2002) utiliza formas de conhecimento produzidas socialmente e herdadas do passado

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(Herscovici, 2005): é uma maneira de diminuir de maneira substancial o processo de produção deste conhecimento “novo”.

Por outro lado, o progresso técnico se caracteriza por uma obsolescência cada vez maior das mercadorias e dos serviços que lhes são ligados, ou seja, por um aumento da velocidade do progresso técnico: o tempo disponível que o capitalista dispõe para realizar sua mercadoria é cada vez menor: a concorrência se implementa a partir da redução do ciclo do capital, tanto as fases relacionadas com a circulação (Dieuaide P. 2003, p. 228) quanto aquelas ligadas à produção.

A liquidez torna-se um elemento chave da concorrência própria à esta economia “cog-nitiva”. Esta concorrência é profundamente diferente daquela que prevalecia durante o

for-dismo: ela depende cada vez menos dos processos de produção material e cada vez mais das modalidades de circulação/realização. É possível entender melhor, a partir de tal perspectiva, a financiarização da economia e os imperativos de liquidez que lhe são ligados; esta dinâmica está cada vez mais desconectado do processo produtivo “real” e cada vez mais dependente das condições de realização, ou seja, de liquidez, dos ativos financeiros. É possível fazer o mesmo tipo de observações no que diz respeito a todas as formas de capital imaterial.

3.3 Neste sentido, o período atual é profundamente diferente do fordismo: no último, as

modalidades de regulação dependiam diretamente da distribuição da renda que permitia um ajustamento da demanda à produção, a partir das formas institucionais que caracterizavam o fordismo. No que diz respeito ao período atual, as modalidades de regulação dependem de uma liquidez crescente e geograficamente diferenciada (Chesnais, 2001) : as crises financeiras, incluindo a crise da NASDAq, no final dos anos 2000, são crises de liquidez. Por outro lado, tendo em vista essas modificações, o tempo de trabalho necessário não constitui mais um ele-mentos explicativo dessas novas formas concorrenciais: o trabalho “produtivo” seria aquele que permite aumentar, a partir das duas dimensões analisadas, a liquidez do capital: este trabalho é, apenas, parcialmente mercantil e altamente socializado, por parte no seio de uma mesma firma, por parte entre as diferentes firmas.

É igualmente interessante observar que o fordismo se caracteriza pelo aumento da produ-tividade do trabalho social: isto significa que o valor de cada mercadoria, ou seja, a quantidade de trabalho social contida em cada mercadoria, diminui obrigatoriamente. Esta é uma mani-festação da tendência à queda da taxa de lucro, no que diz respeito à produção de mercadorias (Marx, 1893, Livre I, p. 310, Livre III, p.248). Em função do aumento da produtividade do trabalho social, o valor de cada mercadoria diminui; mesmo se a taxa de mais-valia aumenta, a fonte de criação desta mais-valia, ou seja, o trabalho vivo, diminui, em relação ao capital constante (Herscovici, Bolaño, 2005); assim, as possibilidades de manter a taxa média de lucro acima de um nível mínimo desaparecem. O caso extremo seria representado por uma fábrica totalmente automatizada: neste caso, não haveria criação de valor, à medida que apenas o tra-balho vivo cria valor. Por isto, a concorrência se implementa fora dos mecanismos de preços, a partir de uma dimensão qualitativa ligada à complexidade da informação contida nas diferentes mercadorias (Herscovici, 2005).

O capitalismo cognitivo não significa que a produção ligada às TIC , por exemplo, chega a representar a maior parte da produção medida a partir do PIB: os setores ligados as TICs não representavam, em 2000, mais de 8% do PIB do conjunto dos países industrializados (Pascal Petit, 2002). Não obstante, a natureza da concorrência e as modalidades de valorização dos

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bens estão cada vez mais ligadas à informação contida neles e à infra-estrutura em termos de serviços que lhes acompanha.

Estabelecendo mais uma vez um paralelo com os bens culturais, a concorrência atual não se explica a partir dos componentes materiais dos bens, mas sim a partir de seus componentes em termos de informação e de conhecimento. As modificações ocorridas desde o fordismo são muito mais qualitativas do que quantitativas. Da mesma maneira que, nas indústrias culturais, a valorização econômica não se explica a partir dos custos em trabalho abstrato (Herscovici, 1995), no capitalismo cognitivo, a valorização econômica não se explica mais a partir dos custos em trabalho ligados à produção dos diferentes suportes materiais. Nesta dimensão qualitativa, está embutida uma série de serviços e um conjunto de conhecimento, sob a forma de informação.

3.4 Finalmente, aparecem outras modalidades de criação e de apropriação do valor,

di-ferentes daquelas que prevaleciam durante as fases industriais. Em função das novas formas concorrenciais e do aumento generalizado da liquidez, a criação de valor depende diretamente das modalidades de apropriação privada de uma produção social do conhecimento, apropriação privada permitida pelo sistema atual dos DPI. No âmbito de uma lógica rentista, sua realização depende, ela, da liquidez desses ativos imateriais, e das rendas de monopólios temporárias que esta liquidez permite de se apropriar. quanto menor o tempo de circulação, maiores as possibilidades de auferir uma renda ligada à posse de certos DPI. O caráter especulativo desta economia pode ser explicado em função desta liquidez crescente.

O capitalismo industrial se caracteriza pela abundância do conhecimento e pela escas-sez do capital material: os economistas clássicos consideram, explícita ou implicitamente, o conhecimento como um fator abundante, ao mesmo título que certas propriedades naturais: conforme visto neste trabalho, o capital industrial representa o fator escasso e, como tal, gera determinado lucro. No capitalismo pós-industrial, as evoluções são as seguintes: o sistema dos DPI consiste em “construir” a escassez do conhecimento, enquanto o capital material torna-se abundante, este último ponto explicando a queda da taxa de lucro do capital material. De um capitalismo baseado na lei do valor trabalho e na produção de mercadorias, o sistema evolui para um capitalismo imaterial cujos mecanismos se relacionam diretamente com uma lógica rentista, ligada às modalidades de apropriação privada do conhecimento social. Enquanto no primeiro, o sistema é regulado pelos custos em trabalho social, este regulador não existe no segundo caso: a lógica especulativa se explica justamente a partir da ausência de regulador e pela existência de rendas de monopólios temporárias.

A oposição entre o capital constante e o capital variável é substituída pela oposição entre conhe-cimento codificado e conheconhe-cimento tácito: o trabalhador tem que decodificar, ou seja, “manipular”, um quantidade cada vez maior de informações contidas no capital. Por outro lado, neste capitalismo cognitivo, a subsunção do trabalho é apenas formal: o conhecimento tácito, o qual depende das espe-cificidades dos trabalhadores, é um elemento indispensável para todas essas formas de organização e de instituições baseadas na manipulação e no controle de informações relativamente complexas. É a aplicação deste conhecimento tácito a determinado conhecimento codificado que permite valo-rizar o capital material. Conforme ressaltam os diferentes dados empíricos, o desenvolvimento das TIC não se traduz por uma substituição capital trabalho importante (Pascal Petit, 2002).

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conclusão

Em conclusão, os elementos explicativos elaborados neste trabalho permitem ressaltar os se-guintes pontos:

1) no âmbito de uma problemática marxiana, é possível mostrar que o capitalismo atual não está mais ligado à teoria do valor trabalho nem à generalização da mercadoria, no sentido definido por Marx.

ii) No entanto, contrariamente ao que muitos autores afirmam, entre eles autores hetero-doxos, isto não significa que o sistema deixa de ser capitalista e que, em função da socialização crescente do conhecimento, o sistema se tornou cooperativo e solidário. Vários elementos res-saltam os limites desta interpretação: o atual sistema de DPI representa uma intensificação das modalidades de apropriação privada do conhecimento produzido socialmente, a lógica de mer-cado e do dinheiro como equivalente geral se amplia para novas atividades sociais e naturais, os fenômenos de exclusão social se intensificam, etc...

O objetivo deste trabalho consiste em fornecer elementos para mostrar (a) como, e porque o sistema continua sendo intrinsecamente capitalista e (b) quais são as principais modificações, que, em relação ao fordismo, permitem explicar os novos mecanismos de criação e de apro-priação social de valor.

De fato, aqui constam os primeiros elementos explicativos, os quais precisariam ser com-plementados a partir de uma análise histórica, antropológica e cultural.

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Referências

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