• Nenhum resultado encontrado

SÍNTESE X ANÁLISE: A TRANDFORMAÇÃO DA MATEMÁTICA

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "SÍNTESE X ANÁLISE: A TRANDFORMAÇÃO DA MATEMÁTICA"

Copied!
6
0
0

Texto

(1)

SÍNTESE X ANÁLISE: A TRANDFORMAÇÃO DA MATEMÁTICA

Bruna Moustapha Corrêa (SEE-RJ, Cecierj, UFRJ - mestranda)

Tatiana Roque (UFRJ - orientadora)

François Viète viveu no século XVI e desenvolveu um trabalho que marcou a História da Matemática. Com o objetivo de resolver problemas geométricos, propôs um novo método que deu origem à Análise Matemática. Neste trabalho, apresentaremos uma breve contextualização da obra de Viète e destacaremos a diferença entre o método sintético, que era hegemônico até este momento, e o método analítico. Para isto, estudaremos a solução de um problema geométrico pelo método analítico.

Introdução

François Viète (1540 - 1603) é considerado por muitos como o pai da Álgebra, mas foi na tentativa de resolver problemas geométricos que ele foi levado a propor uma nova maneira de se fazer matemática. O presente trabalho apresentará as proposta feitas por Viète no livro In Artem Analyticem Isagoge (Introdução à Arte Analítica). Neste compêndio, o autor sugere o uso de procedimentos algébricos na resolução de problemas, introduzindo o uso de letras para representar tanto grandezas geométricas quanto grandezas aritméticas, tanto quantidades conhecidas quanto quantidades desconhecidas. Apresentaremos uma contextualização histórica desta obra, descrevendo algumas questões matemáticas relevantes na época. Em seguida, faremos uma distinção entre os métodos sintético e analítico, mostrando alguns procedimentos utilizados por Viète em sua Introdução à Arte Analítica. Finalmente, analisaremos um problema resolvido por Marinus Ghetaldi (1566 - 1626) de acordo com as leis da arte analítica.

Contextualização

Para um bom entendimento do trabalho de Viète é importante conhecer o contexto no qual ele foi realizado. O período histórico no qual estes trabalhos estão inseridos é o compreendido entre o

(2)

Renascimento e o Iluminismo, durante os séculos XVI e XVIII, especificamente entre os anos 1550 e 1750. No entanto, enfatizamos nesta contextualização o meio no qual a sua produção matemática está inserida, deixando de lado aspectos históricos mais gerais.

Matemáticos e historiadores da Matemática vêm questionando o que significa a “exatidão matemática”. Porém, para entender o que é considerado “exato”, é preciso saber de qual matemática está se falando, ou seja, a noção de “exatidão” em vigor em uma certa época está ligada à produção matemática realizada neste momento. Por exemplo, quando a matemática era essencialmente geométrica, questionava-se o que significava uma entidade matemática ser “conhecida” ou “dada”, e o que poderia ser considerado um problema “resolvido” e sua solução ser “encontrada”. Neste contexto, uma solução era “exata” quando podia ser construída, de preferência pelos instrumentos euclidianos.

Gostaríamos de investigar aqui a nova noção de exatidão que rege a Matemática a partir dos trabalhos de Viète. Para isto, devemos começar pelo que estava sendo produzido na época em que Viète elaborou seus trabalhos.

Em 1588, com a nova publicação da Coleção de Pappus, a matemática clássica grega voltou à tona. Sendo assim, neste período, a interpretação da exatidão ainda estava relacionada à construção geométrica, uma vez que este livro estuda as questões geométricas de acordo com o padrão grego, ou seja, resolvendo problemas através de construções com régua e compasso.

Mas entre a data em que a obra de Pappus foi escrita e a data desta nova publicação houve o trabalho dos árabes, que desenvolveram uma matemática que já podemos chamar de “algébrica”, ainda que muito relacionada a situações do cotidiano. Sendo assim, podemos dizer que, no século XVI, de alguma maneira a álgebra já tinha sido introduzida na Matemática. No entanto, a geometria ainda era absolutamente soberana e a álgebra era utilizada apenas como ferramenta analítica para a solução de problemas geométricos.

Mesmo que a ferramenta algébrica não estivesse dentro dos padrões gregos de exatidão, pois as soluções obtidas por esta via não podiam ser consideradas “exatas”, uma vez que não eram construídas, não se podia mais ignorar a sua importância. A álgebra tornar-se-á cada vez mais uma ferramenta poderosa, que pode ajudar na solução de problemas cada vez mais numerosos, além de propor também novas questões.

Sendo assim, foi preciso rever os padrões de exatidão em vigor. O novo padrão de exatidão deveria estabelecer quais seriam os procedimentos aceitáveis dentro da prática de resolução de problemas geométricos. É importante observar que, mesmo que outros procedimentos passassem a ser aceitos pela comunidade matemática, os problemas para os quais eles iriam servir ainda eram geométricos.

(3)

Portanto, fica evidente que o método analítico e os procedimentos algébricos foram fundados para servir à geometria.

Mas a todo o momento os matemáticos se perguntavam sobre a legitimidade dos procedimentos propostos. Sendo assim, ao se apresentar um novo método, era essencial a apresentação de uma boa justificativa, pois, caso contrário, o procedimento seria ignorado.

É justamente neste ponto que se introduz a grande inovação de Viète. A maneira que ele encontrou para legitimar seus procedimentos foi aceitar a exatidão como estando ainda associada à construção. A diferença estava no fato de considerar o seu método como um postulado, propondo com isso novas ferramentas de construção. Uma vez que estes novos postulados levavam-no a resolver mais problemas geométricos, eles deveriam ser admitidos como princípios da Matemática.

Ficou claro mais tarde que a importância de seu trabalho não estava relacionada ao mérito deste postulado, mas sim ao interesse e à produtividade das ferramentas resultantes. Queremos dizer, para resumir, que Viète fundou um novo ramo da Matemática, a Análise, na busca de novos procedimentos para servir à Geometria, que até este momento era predominantemente sintética.

Análise X Síntese

Na primeira página de sua Introdução à Arte Analítica, Viète afirma:

“Encontra-se na Matemática uma certa maneira de procurar a verdade, que diz-se ter sido primeiramente inventada por Platão, que Theon chamou ‘Análise’ e que, para ele, define a suposição daquilo que procuramos com se estivesse concedido para chegar a uma verdade procurada, por meio de conseqüências; ao contrário, a ‘Síntese’ é a suposição de uma coisa concedida para chegar ao conhecimento daquilo que procuramos pelo meio de conseqüências.”

Sendo assim, pode-se considerar a análise como raciocínio ao inverso, uma decomposição da verdade em termos mais simples; e a síntese, como um raciocínio direto, a recomposição de termos simples para se chegar à verdade. Um bom exemplo de raciocínio sintético é o da Geometria Euclidiana, na qual construímos uma solução; e de raciocínio analítico é o da Álgebra, que parte das soluções consideradas conhecidas (incógnitas) e opera com elas como se fossem conhecidas até chegar a um resultado que determina a solução.

Com já dissemos, Viète foi um dos primeiros a introduzir métodos analíticos na resolução de problemas geométricos, mas, como a tradição grega ainda permanecia presente, ele devia se preocupar em apresentar uma justificativa geométrica (nos moldes do modelo sintético) para cada

(4)

problema que ele resolvia. Na verdade, ele utilizava o método analítico para descobrir a solução e, no caso de problemas geométricos, sempre apresentava a construção que levava à solução.

Viète propôs assim um método analítico dividido em três partes: zetetique, poristique e retique ou exegetique. A zetetique pode ser considerada como a arte de traduzir o problema, transformando-o em uma ou mais equações; nesta tradução o problema era suposto resolvido e uma propriedade característica dele era encontrada (tal propriedade era chamada de porisma). A poristique era o estudo da legitimidade da síntese como procedimento inverso da análise, nas palavras de Viète “é aquela pela qual examinamos a verdade de um Teorema já conhecido por meio da igualdade ou proporção”. Já exegetique era a arte de reconhecer soluções aritméticas ou geométricas das equações fornecidas pela zetetique e transformadas pela poristique; ela pode ser considerada como a resolução efetiva do problema e, no caso de problemas geométricos, ela é a própria descrição da construção.

Ao analisar bem o significado destas três partes do método analítico de Viète, pode-se perceber que a zetetique e a poristique de fato têm uma característica analítica, enquanto a exegetique tem uma característica sintética, o que mostra a preocupação de Viète em se adequar ao padrão grego. Para Viète, a zetetique devia ser praticada com o uso da lógica, uma lógica que “não exerce mais o seu raciocínio pelos números”. Ele funda, assim, a sua Logística Speciosa, na qual introduz o uso de letras para determinar tanto as grandezas conhecidas como as desconhecidas e opera com estas grandezas sem se importar com a sua condição de existência, o que propiciou um avanço no sentido analítico.

No segundo capítulo de sua Introdução à Arte Analítica, Viète faz uma lista com dezesseis postulados. Na verdade, o seu objetivo é mostrar como o seu método analítico iria considerar os símbolos das equações e proporções. Estes postulados visam explicar o que Viète está considerando para ser usado no seu novo sistema, a Logística Speciosa. O primeiro postulado, por exemplo, é “Que o todo é igual a suas partes”, o sexto, “Que se divide coisas iguais por coisas iguais, então os quocientes são iguais” e o último “Se existem três ou quatro grandezas e que se tem a mesma razão da primeira para segunda e da segunda para a terceira, ou da terceira para a quarta, aquilo que se contém nos extremos será igual aquilo que se contém nos meios”.

Nos capítulos seguintes ele detalha toda a sua arte analítica, explicando com minúcia tudo que é possível ser efetuado. Ao fundar as leis para operar com as grandezas, Viète acabou se guiando pela geometria, mostrando mais uma vez a sua preocupação com o padrão grego. A lei dos homogêneos dizia que “Os homogêneos se comparam aos homogêneos”, por exemplo, para uma grandeza ser somada com outra grandeza elas precisam ser homogêneas. Viète utiliza o termo “homogêneo” para

(5)

indicar que as grandezas têm a mesma natureza, ou seja, grandezas que representam cubos são homogêneas entre si, mas são heterogêneas às que representam um quadrado.

No último item do último capítulo Viète afirma seu objetivo maior “a Arte Analítica (...) resolve o problema o mais relevante de todos os problemas que é RESOLVER TODOS OS PROBLEMAS”.

Um problema a e a sua solução

Para entendermos o método de Viète, é interessante analisar um problema sob a perspectiva da arte analítica. Utilizaremos aqui um exemplo apresentado por Ghetaldi, discípulo de Viète, em um livro publicado cerca de trinta anos após a sua morte (BARBIN e BOYÉ, 2005). Esta apresentação é interessante, pois Ghetaldi se preocupou em apresentar a solução divida nas três fases do método analítico, mostrando a influência do método e do padrão de exatidão proposto por Viète em sua época.

O problema consiste em determinar um triângulo retângulo a partir da hipotenusa e da diferença entre os catetos. Para resolvê-lo, Ghetaldi associa, em primeiro lugar, consoantes às grandezas conhecidas e vogais, às desconhecidas, obtendo assim duas equações. É importante observar que Ghetaldi não trabalhava com as equações como nós fazemos atualmente, na verdade ele obteve duas relações que, na linguagem atual, são equivalentes a equações. Assim como Viète, ele evitava o uso de símbolos, ou seja, o que hoje é escrito de maneira simplificada com o uso dos símbolos naquela época era escrito com palavras (Por exemplo, a expressão aequabitur designava o símbolo “=”). Repare que, de acordo com a notação introduzida por Viète, esta associação de letras às grandezas nada mais é que a exegetique.

Após algumas manipulações, Ghetaldi determina o porisma. As manipulações são descritas por palavras e representam a segunda fase do método analítico de Viète: poristique. Antes de apresentar a construção, Ghetaldi enfatiza que o porisma caracteriza o problema e que com ele é possível resolvê-lo. Sendo assim, para resolver o problema é preciso determinar geometricamente (através de construção com régua e compasso) a solução encontrada. Na terceira parte da resolução, além de construir a solução, Ghetaldi demonstra a legitimidade da construção apresentada, o que evidencia a sua preocupação em se enquadrar nos padrões gregos.

Um novo status para a álgebra

No movimento de releitura das obras gregas clássicas, Viète se afastou da visão mercantil da álgebra centrando sua atenção na maneira de encontrar uma solução geral para problemas

(6)

geométricos. Como já dissemos, para encontrar tal solução, Viète fez uso da arte analítica, cujo objetivo era resolver qualquer problema através da análise que, por sua vez, tinha a álgebra como ferramenta fundamental. Vale lembrar que Viète não via a álgebra como uma técnica envolvendo números, mas sim como um método de cálculo simbólico envolvendo grandezas abstratas.

Sendo assim, a Logística Speciosa era uma entidade matemática independente, cujos axiomas reproduziam o comportamento tanto das grandezas geométricas quanto das grandezas numéricas. A abordagem de Viète era, portanto, independente da aritmética e da geometria. Mesmo rejeitando o uso de símbolos, a preocupação de Viète em criar leis gerais acabou dando origem à álgebra simbólica. Dessa forma, a álgebra adquiriu um poder demonstrativo que nunca tivera antes, tornando-se uma ferramenta nobre. A álgebra ganhava, assim, um novo status.

Referências

Barbin, Évelyne & Boyé, Anne (2005). François Viète: um mathématicien sous la Renaissance: Paris: Vuibert, pp. 53-73.

Bos, H.J.M. (2001). Redefining Geometrical Exactness: Descartes’ Transformation of the Early

Modern Concept of Construction. New York: Springer-Verlag, pp 4-22, 146-158

Roque, T. (2006). A Matemática através da história. Notas de aula do curso de História da Matemática. UFRJ.

Vasser, A. (1630). L'Algèbre nouvelle de Mr Viète. Gallica, 2007.

Referências

Documentos relacionados

LSS, 6 anos de idade, sexo masculino, apresentando vômitos, baixo ganho de peso e disfagia desde quan- do lactente, sem resposta clínica ao tratamento clínico para DRGE.. O

Outras informações Não existe informação disponível. SECÇÃO 12: Informação

Diante de tais fatos, apesar da generaliza~ao de Harris (1991), conclui-se que 0 genero das formas nao-verbais do PB e imprevisivel e idiossincrlitico e e inerente nos itens

As etapas que indicam o processo de produção do milho moído são: recebimento da matéria prima pela empresa, transporte manual, armazenamento, elevação mecanizada do produto,

A proposta também revela que os docentes do programa são muito ativos em diversas outras atividades, incluindo organização de eventos, atividades na graduação e programas de

A transformação do IPCA em fundação pública de regime privado implica algumas alterações ao nível do modelo organizacional, gestão financeira e patrimonial, autonomia e modelo

De forma geral, observamos que os estudantes não conseguiram construir argumentos, segundo as especificações fornecidas por Toulmin em seu padrão de argumentação, faltando

Pois bem, o trabalho por projetos suscita nos educandos todas essas qualidades e muitas outras necessárias a formação integral que contribua não só para a vida escolar (preparação