http://www.ufrgs.br/bioquimica
Caso Clínico
IDENTIFICAÇÃO
Caso Clínico no 2017/2/11 Espécie: Canina Ano/semestre: 2017/2
Raça: SRD | Idade: 1,5 ano(s) | Sexo: fêmea | Peso: 11 kg
Alunos(as): Alana Tayjen Martins, Carolina Rigotto Murari, Lauren Fontella Margoni, Sarah Karina Leite do Prado Ribeiro
Médico(a) Veterinário(a) responsável: Larissa Dariva
ANAMNESE
O animal foi atendido no Hospital de Clínicas Veterinárias da UFRGS. Na consulta, o proprietário do animal mencionou que a cadela apresentava emagrecimento progressivo há 1 semana devido a
hiporexia, e prostração há 3 semanas. No entanto, o animal ainda se alimentava de ração misturada com ração úmida. Foi relatado também que ela apresentava sinais de dor abdominal e aumento de volume abdominal. Não havia sido vacinada nem vermifugada. Constatou-se ausência de secreções oculares, otorreia, tosse ou espirros e claudicação. A cadela havia sido castrada há cerca de um ano e convive com 19 animais contactantes.
EXAME CLÍNICO
Durante o exame clínico, foi observado mucosas hipocoradas, TPC (tempo de preenchimento capilar) de < 2 segundos (VR= 1-2 segundos), e no olho esquerdo movimento da íris (contração e relaxamento involuntários). Na palpação, foi constatada uma tensão abdominal. Foi então realizada uma
abdominocentese, na qual retirou-se cerca de 200 mL de líquido, que foi encaminhado para análise. O animal apresentava uma frequência cardíaca de 88 bpm (VR= 70-180 bpm), e a frequência respiratória ficava na margem de 30 mrpm (VR= 10-30 mrpm). Não foram percebidas alterações nos linfonodos, cavidade bucal, sistema cardiorrespiratório, sistema tegumentar, musculoesquelético, nervoso e reprodutor. Desse modo, a suspeita inicial foi de hepatopatia ou desvio portossistêmico (shunt portossistêmico).
EXAMES COMPLEMENTARES
Exame radiográfico: foi observado um deslocamento ventral do cólon descendente devido à presença de formação em abdome dorsocranial. Além disso, há aumento da radiopacidade difusa abdominal,
dificultando a visualização das estruturas, compatível com ascite. Sem evidências radiográficas da presença de corpos estranhos/cálculos radiopacos no trato gastrointestinal/urinário. Distribuição uniforme e homogênea dos segmentos de alças intestinais sem sinal radiográficos de processo obstrutivo. Conteúdo fecal preenchendo cólon descendente e reto.
Exame ultrassonográfico: rim esquerdo apresentava aumento de volume (medida em torno de 5,91 cm), cápsula definida, parênquima homogêneo e normoecogênico. Relação cortico-medular preservada. Rim direito com aumento de volume, medindo em torno de 6,65 cm. Completamente preenchido por líquido hipoecoico, com ureter fortemente dilatado (hidronefrose grave).
Fígado com dimensões fortemente aumentadas, com bordos lisos e definidos. Parênquima homogêneo e hipoecogênico. Vasos discretamente dilatados (congestão/hepatopatia).
Presença de moderada quantidade de líquido livre disperso no abdômen. Bexiga repleta, com paredes normoespessas e irregulares. Apresentando conteúdo anecoico.
Estômago com parede caracterizada e normoespessa, medindo em torno de 0,47 cm; apresentando moderada quantidade de gás.
Citologia da massa tumoral abdominal: amostra hipercelular. Grande quantidade de eritrócitos, macrófagos ativados, neutrófilos levemente degenerados, eosinófilos e linfócitos. Presença de células gigantes multinucleadas e estruturas intra e extra celulares sugestivas de Actinomyces spp. ou Nocardia spp. Avaliação citológica sugere lesão piogranulomatosa.
Análise do líquido cavitário: no exame físico foram recebidos 4 mL, de cor rósea, aspecto turvo, consistência fluída, densidade de 1,030. O exame químico constatou glicose (11,0 mg/dL), pH (7,5) e proteínas (6,4 mg/dL). Na contagem celular foi constatado células nucleadas (31.400 /µL). Amostra hipercelular. Fundo de lâmina com moderada quantidade de eritrócitos. População celular composta predominantemente por macrófagos ativados (com aspecto histiocítico com intensa atividade
fagocítica), neutrófilos levemente degenerados a degenerados (picnose, cariorrexia e cariólise), além de células mesoteliais reativas, eosinófilos e pequenos linfócitos. Foram observadas células gigantes
multinucleadas e estruturas filamentosas intracelulares, sugestivas de Actinomyces spp. ou Nocardia spp. A interpretação dessas alterações permite classificar a efusão como exsudato séptico.
URINÁLISE
Método de coleta: cateterização Obs.: Data: 08/09/2017 (Dia 0)
Sedimento urinário*
Células epiteliais: escamosas (0-1) e de transição (0-1) ↑
Cilindros: granulosos (2+) ↑
Hemácias: ausente
Leucócitos: ausente
Bacteriúria: ausente
Outros: cristais de fosfato amorfo (2+) ↑
Exame químico
pH: 6,0 (5,5-7,0)
Corpos cetônicos: negativo
Glicose: negativo
Bilirrubina: negativo
Urobilinogênio: n.d. (<1)
Proteína: +++ [≈300 md/dL] ↑
Sangue: traços [não hemolisado] ↑
Exame físico
Densidade específica: 1,046 (1,015-1,045) ↑
Cor: marrom Consistência: fluida Aspecto: turvo *número médio de elementos por campo de 400 x; n.d.: não determinado
BIOQUÍMICA SANGUÍNEA
Amostra: soro | Hemólise: ausente
Data: 08/09/2017 (Dia 0) Anticoagulante: nenhum Obs.:
Proteínas totais*: g/L (60-80) Proteínas totais**: 70 g/L (54-71) Albumina: 21 g/L (26-33) ↓ Globulinas: 49 g/L (27-44) ↑ Bilirrubina total: mg/dL (0,10-0,50) Bilirrubina livre: mg/dL (0,01-0,49) Bilirrubina conjugada: mg/dL (0,06-0,12) Glicose: mg/dL (65-118) Colesterol total: mg/dL (135-270) Ureia: mg/dL (21-60) Creatinina: 1,1 mg/dL (0,5-1,5) Cálcio: mg/dL (9,0-11,3) Fósforo: mg/dL (2,6-6,2) Fosfatase alcalina: U/L (<156)
AST: U/L (<66) ALT: 216 U/L (<102) ↑ CK: U/L (<121) : ( ) : ( ) : ( ) : ( ) : ( ) Observações:
HEMOGRAMA
Data: 08/09/2017 (Dia 0)
Leucograma Eritrograma
Quantidade: 67.500/µL (6.000-17.000) ↑ Quantidade: 4,84 milhões/µL (5,5-8,5) ↓
Tipos: Quantidade/µL % Hematócrito: 32 % (37-55) ↓
Mielócitos 0 (0) 0 (0) Hemoglobina: 9,6 g/dL (12-18) ↓
Metamielócitos 2.025 (0) ↑ 3 (0) ↑ VCM: 61,1 fL (60-77)
Neutrófilos bast. 4.050 (<300) ↑ 6 (<3) ↑ CHCM: 30 % (32-36) ↓
Neutrófilos seg. 51.975 (3.000-11.500) ↑ 77 (60-77) RDW: % (14-17)
Basófilos 0 (0) 0 (0) Reticulócitos: % (<1,5)
Eosinófilos 675 (100-1.250) 1 (2-10) ↓ Observações: Neutrófilos tóxicos (2+), anisocitose (2+), policromasia (+) e hipocromasia (+). Monócitos 5.400 (150-1.350)↑ 8 (3-10) Linfócitos 3.375 (1.000-4.800) 5 (12-30)↓ Plasmócitos (_) (_) Observações: Plaquetas Quantidade: 400.000/µL (200.000-500.000) | Observações: TRATAMENTO E EVOLUÇÃO
Com base nos resultados dos exames solicitados a partir do dia 0 a paciente teve diagnóstico sugerido de nocardiose. Abaixo pode-se acompanhar a evolução, bem como os resultados dos exames complementares realizados para o acompanhamento do caso.
Dia 0: dia da primeira consulta e início da internação, a suspeita era de hepatopatia ou shunt
portossistêmico; foram prescritos fluidoterapia com Ringer Lactato (hidratação), butilbrometo de escopolamina + dipirona sódica monoidratada (antiespasmódico e analgésico), ampicilina
(antimicrobiano), metronidazol (antimicrobiano), cloridrato de metoclopramida (antiemético) e metadona (analgésico). Neste dia foi coletado o fluido da cavidade abdominal através de abdominocentese e enviado para análise.
Dia 3: realização de laparotomia exploratória. Foram identificadas durante a exploração da cavidade abdominal lesões tumorais disseminadas e foi coletado material para citologia.
Dia 5: a partir dos resultados da análise de líquidos cavitários (figura 1) e da citologia (figura 2), concluiu-se como sugestivo de nocardiose e a partir de então a conduta terapêutica passou a ser administração de sulfametoxazol + trimetropima (antimicrobiano), aliado a metronidazol (antimicrobiano) e metadona (analgésico) durante todo o período de internação.
Dia 19: paciente recebeu alta e segue em tratamento em casa atualmente com sulfametoxazol + trimetroprima (antimicrobiano).
Foram realizados exames laboratoriais para controle do estado da paciente, como hemograma, bioquímico e urinálise. Os resultados estão apresentados na tabela 1, a seguir:
Tabela 1. Parâmetro avaliado (VR) 08/09/17 Dia 0 13/09/17 Dia 5 15/09/17 Dia 7 19/09/17 Dia 11 22/09/17 Dia 14 Bioquímica sanguínea Albumina (26-33 g/dL) 21↓ n.d 16↓ n.d n.d Creatinina (0,5-1,5 mg/dL) 1,1 0,81 1,3 n.d n.d ALT (<102 UI/L) 216↑ n.d 14 n.d n.d Fósforo (2,6-6,2 mg/dL) n.d n.d 6,1 n.d n.d Ureia (21-60 mg/dL) 22 n.d 28 n.d n.d
AST (<66 U/L) n.d n.d 49 n.d n.d Proteínas Totais (24-71 g/L) n.d n.d 58 n.d n.d PPT (60-80 g/L) 70 54↓ 68 66 72 Hemograma Eritrograma: Eritrócitos (5,5-8,5) 4,84↓ 2,7↓ 2,2↓ 2,13↓ 2,58↓ Hemoglobina (12-18 g/dL) 9,6↓ 5,2↓ 4,3↓ 5,9↓ 6↓ Hematócrito (37-55%) 32↓ 19↓ 18↓ 19↓ 18↓ VCM (60-77 fL) 66,1 70,4 81,8↑ 89,2↑ 69,8 C.H.C.M (32-36%) 30,0↓ 27,4↓ 23,9↓ 31,1↓ 33,3 RDW (14-17%) n.d 23,1↑ 32,4↑ n.d n.d Metarrubricitos (/100 leu) 2 1 1 Observações: Policromasia + + 3+ + + Anisocitose 2+ + 3+ + + Hipocromasia + 2+ 3+ + n.d Neutrófilos tóxicos 2+ 2+ n.d n.d n.d Monócitos ativos n.d + n.d n.d n.d Corpúsculo de Howell-Jolly n.d n.d + + n.d Leucograma: Leucócitos totais (6.000-17.000 µ/L) 67.500↑ 41.600↑ 64.800↑ 53.300↑ 42.500↑ Mielócitos (zero) 0 0 0 0 0 Metamielócitos (zero) 2.025↑ 832↑ 1.944↑ 1.066↑ 0 N. bastonetes (0-300 µ/L) 4.050↑ 2.080↑ 5.184↑ 2.132↑ 850↑ N. segmentados (3.000-11.500 µ/L) 51.975↑ 30.368↑ 46.656↑ 42.640↑ 36.550↑ Eosinófilos (100-1.250 µ/L) 675 1.248 1.296↑ 533 425 Basófilos (raros) 0 0 0 0 0 Monócitos (150-1.350 µ/L) 5.400↑ 2.496↑ 6.480↑ 5.330↑ 2.125↑ Linfócitos (1.000-4.800 µ/L) 3.375 4.576 3.240 1.599 2.550 Plaquetas (200.000-500.000 /µL) 400.000 720.000↑ 900.000↑ 800.000↑ 660.000↑ Urinálise
Método de coleta cateterismo cistocentese
Densidade (1015-1045) 1,046↑ 1,032
Cor marrom amarelo escuro
Aspecto turvo turvo
Consistência fluido fluido
pH (5,5-7,0) 6,0 6,0
Glicose negativo negativo
Bilirrubina negativo 1+
Cetona negativo Negativo
Sangue oculto traços
intactos 2+ Proteína 3+ 2+ Células epiteliais Escamosas (0-1) e de transição (0-1) Escamosas (0-2) e de transição (0-3) Cristais fosfato
amorfo 3+ urato amorfo 1+
Cilíndros granulosos
2+ granulosos 1+
Neutrófilos negativo <5
Bactérias negativo 3+
Muco negativo 1+
Relação proteína-creatinina negativo 1,6
n.d.: não determinado. Tabela 1 (continuação) Parâmetro avaliado (VR) 26/09/17 Dia 18 04/10/17 Dia 26 18/10/17 Dia 40 31/10/17 Dia 53 Bioquímica sanguínea Albumina (26-33 g/dL) n.d n.d n.d n.d Creatinina (0,5-1,5 mg/dL) 1 0,8 1,2 1,6↑ ALT (<102 UI/L) n.d n.d n.d n.d Fósforo (2,6-6,2 mg/dL) n.d n.d n.d 5,6 Ureia (21-60 mg/dL) n.d 26 46 71↑
Fosfatase alcalina (<156 U/L) n.d n.d n.d n.d
AST (<66 U/L) n.d n.d n.d n.d Proteínas Totais (24-71 g/L) n.d n.d n.d n.d PPT (60-80 g/L) 84↑ 60 94↑ 110↑ Hemograma Eritrograma: Eritrócitos (5,5-8,5) 1,79↓ 8,28 4,64↓ 5,5 Hemoglobina (12-18 g/dL) 6,4↓ 7,5↓ 10,6↓ 12,6 Hematócrito (37-55%) 22↓ 22↓ 33↓ 38 VCM (60-77 fL) 78,4↑ 67,1 71,1 69,1 C.H.C.M (32-36%) 31,4↓ 34,1 32,1 33,2 RDW (14-17) n.d n.d n.d n.d Metarrubricitos (/100 leu) n.d n.d n.d n.d Observações: Policromasia n.d + 3+ + Anisocitose + + 3+ + Hipocromasia n.d n.d 3+ + Neutrófilos tóxicos n.d n.d n.d n.d Monócitos ativos n.d n.d n.d n.d Corpúsculo de Howell-Jolly n.d n.d + + Linfócitos reativos n.d n.d + n.d
Outros n.d n.d esquistócitos raros codócitos 1+
Leucograma: Leucócitos totais (6.000-17.000 µ/L) 22.300↑ 16.500 13.000 13.000 Mielócitos (zero) 0 0 0 0 Metamielócitos (zero) 0 0 0 0 N. bastonetes (0-300 µ/L) 669↑ 168 0 0 N. segmentados (3.000-11.500 µ/L) 15.387↑ 10.080 7.800 7.540 Eosinófilos (100-1.250 µ/L) 669 1.176 1.430↑ 3.380↑ Basófilos (raros) 0 0 0 0 Monócitos (150-1.350 µ/L) 3.122↑ 2.856↑ 780 780 Linfócitos (1.000-4.800 µ/L) 2.453 2.520 2.990 1.300 Plaquetas (200.000-500.000 / µL) 500.000 664.000↑ 900.000↑ 520.000↑ Urinálise
Método de coleta cistocentese cistocentese
Densidade (1015-1045) 1,034 1,034
Aspecto Discretamente
turvo límpido
Consistência fluido fluido
pH (5,5-7,0) 5,0 6,0
Glicose negativo negativo
Bilirrubina negativo negativo
Cetona negativo negativo
Sangue oculto negativo negativo
Proteína 1+ negativo
Células epiteliais Escamosas (0-2) e
de transição (0-1) de transição (0-1)
Cristais urato amorfo 2+
oxalato de Ca mono (1+) e desidratado
(2+)
Cilíndros hialino 1+,
granulosos 3+ hialinos raros
Leucócitos <5 <5
Neutrófilos <5 <5
Bactérias 1+ negativo
Muco raro negativo
Relação proteína-creatinina negativo 0,03
n.d.: não determinado.
DISCUSSÃO
Hemograma:
Os eritrogramas (figura 3) da paciente, realizados a partir do dia 0, mostram uma anemia normocítica hipocrômica regenerativa. A partir do dia 14, o quadro se alterou para uma anemia normocítica hipocrômica não regenerativa, e no último exame do dia 53 seus resultados voltaram aos valores de referência. As anemias não regenerativas, podem indicar uma hipoplasia na linha eritrocítica ou deficiência de nutrientes necessários para a produção de eritrócitos (KANTEK, 2005). Nos dias 7 e 11, foram observados corpúsculos de Howell-Jolly, indicando uma liberação precoce dos eritrócitos.
(KRAUSPENHAR; FIGHERA; GRAÇA, 2003) Nos leucogramas (figura 4), do dia 0 ao dia 18, indicou-se uma inflamação crônica com desvio a esquerda (aumento dos neutrófilos bastonetes e, em alguns dias, aparecimento de metamielócitos), tendo em vista a leucocitose, monocitose e trombocitose. Posteriormente, houve persistência da trombocitose. Nos dias 0 e 5, foram constatados neutrófilos tóxicos, indicando, segundo Biondo (2005), uma deformação nos neutrófilos devido a rápida produção. Além disso, observou-se linfócitos reativos, no dia 40, os quais determinam uma capacidade dos linfócitos B de formarem anticorpos, confirmando a suspeita de cronicidade inflamatória. (STOCKHAM; KEETON; SZLADOVITS, 2003)
Urinálise:
No primeiro exame de urina (dia 0), segundo Freitas, Veado e Carregaro (2014), o discreto aumento da densidade pode estar relacionado à presença de líquido na cavidade abdominal levando o animal a um desbalanço hídrico. A presença de traços intactos de sangue pode ter relação com o método de coleta. A proteinúria pode indicar, ainda segundo Freitas, Veado e Carregaro (2014), perda de função renal, sendo um bom parâmetro de prognóstico e acompanhamento desta função; essa poderia ainda estar
relacionada à hipoalbuminemia observada nos exames bioquímicos, pois estaria havendo maior excreção de albumina na urina. Além disso, se ressalta que a presença de cilindros granulosos pode estar
evidenciando lesão tubular. (SANTIN et al., 2006) No dia 7, seguiu-se observando proteinúria, cilindros granulosos e cristais (urato amorfo). Neste mesmo dia apresentou-se aumento de bilirrubina, cujo excesso pode significar lesão no fígado, baço, rins ou vesícula biliar (FLEISCHMAN, 2012). A presença de
bactérias pode representar eliminação de Nocardia spp. ou cistite; e o aumento da relação proteína-creatinina (1,6) tem função de avaliar o nível de lesão renal. No dia 18, foi realizado urinálise por cistocentese, a qual indicou discreta queda do pH, cilindros hialinos e granulosos e cristais de urato amorfo. Os cilindros hialinos têm pouca significância patológica, mas poderiam estar relacionados à lesão glomerular quando em associação a uma acentuada proteinúria. (CAMARGO et al., 2006; FREITAS; VEADO; CARREGARO, 2014) No dia 40, a amostra de urina foi coletada novamente por cistocentese e apresentou cristais de oxalato de cálcio desidratado e monoidratado (cálculos renais) e queda na relação proteína-creatinina para 0,03, que evidencia resposta à terapia (WAKI et al., 2010).
Bioquímica Sanguínea:
No dia 0, o primeiro exame revelou hipoalbuminemia (21 g/dL; VR= 26-33 g/dL), que se intensificou no dia 7, atingindo 16 g/dL. Esta condição pode estar relacionada a albuminúria. Em associação com lesão hepática, segundo Tennant e Center (2008), a hipoalbuminemia condiz com o quadro de ascite
apresentado pela paciente, que foi confirmado após a realização do raio x, sendo que, nos demais exames os valores de albumina permaneceram dentro dos valores de referência. Ainda no dia 0 verificou-se moderada alteração (216 UI/L) da enzima ALT (alanina-aminotransferase), que pode ter ocorrido em associação ao aumento das dimensões do fígado constatado na ultrassonografia,
evidenciando uma lesão hepática em cães. (HOFFMANN; SOLTER, 2008) O aumento de PPT, presente nos dias 18, 40 e 53, aponta um aumento de globulina, podendo ser decorrente, de acordo com Emanuelli (2007), da obstrução do ureter por uma massa séptica (Nocardia spp.). Com relação ao dia 53, foi identificado aumento discreto na creatinina e na ureia; os valores foram 1,6 mg/dL e 71 mg/dL, respectivamente, conforme o esperado para um comprometimento renal, de acordo com Braun e Lefebvre (2008), neste caso por obstrução do ureter em decorrência da massa aderida na região do rim direito, formada a partir da infecção por Nocardia spp. Nas demais análises bioquímicas do sangue não foram constatadas alterações.
Considerações gerais sobre o quadro clínico:
Nocardia spp. é uma bactéria filamentosa causadora de infecções graves e de difícil tratamento. Causa reações piogranulomatosas como a observada no caso clínico e tem comportamento intracelular, o que dificulta a ação do sistema imune contra o patógeno. Além disso, apresenta resistência a
antimicrobianos de uso convencional. (CONDAS, 2011) No entanto, segundo Condas (2011) e Tortora, Funke e Case (2017), este microrganismo é mais comumente encontrado no solo, e mais referido em infecções tegumentares ou do trato respiratório, principalmente em indivíduos imunodeprimidos, devido a seu comportamento oportunista. Há, portanto, a suspeita de que a contaminação tenha sido iatrogênica, possivelmente durante a realização de ovário-salpingo-histerectomia (OSH) eletiva, uma vez que o animal é jovem e não apresentava sinais compatíveis com imunodepressão previamente a
infecção, bem como nenhum dos seus contactantes apresentou sinais similares.
Os resultados hematológicos esperados neste tipo de infecção são de leucocitose por neutrofilia, com desvio à esquerda, monocitose e discreta anemia, compatíveis com os apresentados já no dia 0 do acompanhamento do caso. O diagnóstico definitivo é esperado pela realização de isolamento bacteriano a partir de aspirado citológico, pois existe grande similaridade entre Nocardia spp e Actinomyces spp. (CONDAS, 2011; TORTORA; FUNKE; CASE, 2017)
CONCLUSÕES
Observando as relações entre os resultados tanto hematológicos, como bioquímicos e citológicos, pudemos concluir que suas interpretações são compatíveis com o diagnóstico sugerido de nocardiose, no entanto, idealiza-se que se obtenham os resultados de isolamento bacteriano, bem como realização de antibiograma, objetivando uma confirmação ainda mais concreta do diagnóstico e do tratamento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BIONDO, A. W. Interpretação do leucograma. In: González, F.H.D., Santos, A.P. (eds). Anais do II Simpósio de Patologia Clínica Veterinária da Região Sul do Brasil. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2005. p. 29-35.
2. BRAUN, J.; LEFEBVRE, H. P. Kidney Function and Damage. In: KANEKO, J. J.; HARVEY, J. W.; BRUSS, M. L. Clinical Biochemistry of Domestic Animals. 6. ed. San Diego: Elsevier, 2008. Cap. 16. p. 485-528. 3. CAMARGO, M.H. B. et al. Alterações morfológicas e funcionais dos rins de cães com insuficiência renal
crônica. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, [s.l.], v. 58, n. 5, p.781-787, out. 2006. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0102-09352006000500013.
4. CONDAS, L. A. Z. Caracterização fenotípica, genotípica e termorresistência à fervura em linhagens do gênero Nocardia spp isoladas de animais domésticos e humanos. 2011. 104 f. Dissertação
(Mestrado) - Curso de Medicina Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Botucatu, 2011.
5. EMANUELLI, M. P. Hemograma, metabolismo oxidativo dos neutrófilos e peroxidação lipídica em cadelas com piometra por Escherichia coli. 2007. 38 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2007.
6. FLEISCHMAN, W. Anemia: determining the cause. Compend. Contin. Educ. Vet., Yardley, v. 34, n. 6, p.1-8, jun. 2012.
7. FREITAS, G. C.; VEADO, J. C. C.; CARREGARO, A. B. Testes de avaliação de injúria renal precoce em cães e gatos. Semina: Ciências Agrárias, [s.l.], v. 35, n. 1, p.411-426, 27 fev. 2014. Universidade Estadual de Londrina. http://dx.doi.org/10.5433/1679-0359.2014v35n1p411.
8. HOFFMANN, W. E.; SOLTER, P. F. Diagnostic Enzymology of Domestic Animals. In: KANEKO, J. J.; HARVEY, J. W.; BRUSS, M. L. Clinical Biochemistry of Domestic Animals. 6. ed. San Diego: Elsevier, 2008. Cap. 12. p. 351-378.
9. KANTEK, C. E. Manual de Hematologia Veterinária. São Paulo: Livraria Varela, 2005. Cap. 2-5, p. 29-81 10. KRAUSPENHAR, C.; FIGHERA, R. A.; GRAÇA, D. L. Anemia hemolítica em cães associada a protozoários.
Medvep. Rev. Cient. Med. Vet., Curitiba, v. 1, n. 4, p.273-281, out. 2003.
11. SANTIN, F. et al. Acompanhamento laboratorial da função renal de cães sadios tratados
experimentalmente com doses terapêuticas de anfotericina B. Ciência Rural, [s.l.], v. 36, n. 6, p.1816-1823, dez. 2006. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0103-84782006000600023. 12. STOCKHAM, S. L; KEETON, K. S; SZLADOVITS, B. Clinical assessment of leukocytosis: distinguishing
leukocytoses caused by inflammatory, glucocorticoid, physiologic, and leukemic disorders or conditions. Vet Clin North Am Small Anim Pract, Manhattan, v. 33, n. 6, p.1335-1357, nov. 2003. 13. TENNANT, B. C.; CENTER, S. A. Hepatic Function. In: KANEKO, J. J.; HARVEY, J. W.; BRUSS, M. L.
Clinical Biochemistry of Domestic Animals. 6. ed. San Diego: Elsevier, 2008. Cap. 13. p. 379-412. 14. TORTORA, G. J.; FUNKE, B. R.; CASE, C. L. Procariotos: domínios Bacteria e Archaea. In: TORTORA, G.
J.; FUNKE, B. R.; CASE, C. L. Microbiologia. 12. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. Cap. 11, p. 321. 15. WAKI, Mariana Faraone et al. Classificação em estágios da doença renal crônica em cães e gatos:
abordagem clínica, laboratorial e terapêutica. Ciência Rural, [s.l.], v. 40, n. 10, p.2226-2234, out. 2010. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s0103-84782010005000168.
FIGURAS
Figura 1. Análise do líquido cavitário. Presença de estruturas filamentosas intracelulares compatíveis com Nocardia spp. Coleta da amostra por
abdominocentese. Aumento 100x. Coloração panótico.
Figura 2. Citologia da massa tumoral. Presença de elevado número de eritrócitos e estruturas filamentosas compatíveis com Nocardia spp. Coleta da amostra por aspirado. Aumento 100x. Coloração panótico.
Figura 3. Análise do eritrograma. O gráfico representa o padrão hematológico ao longo do tempo, com o aparecimento de algumas estruturas (1 - corpúsculo de Howell-Jolly) e células imaturas (2 - reticulócito e 3 - metarrubrícito), mostrando no início do tratamento uma anemia da inflamação e com o passar do tempo o retorno aos valores de referência.
Figura 4. Análise do leucograma. O gráfico representa o padrão hematológico ao longo do tempo, com o aparecimento de alterações celulares (1 - neutrófilos tóxicos, 2 - monócitos ativados e 3 - linfócitos reativos), mostrando no inicio uma inflamação crônica com desvio à esquerda e com o passar do tratamento o retorno aos valores de referência.