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ENTRE JURAS DE AMOR E PROCESSOS CRIMINAIS : RELAÇÕES SÓCIO AFETIVAS ENTRE VÍTIMAS E ACUSADOS NOS PROCESSOS-CRIME EM JACOBINA BA

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ENTRE JURAS DE AMOR E PROCESSOS CRIMINAIS”: RELAÇÕES SÓCIO AFETIVAS ENTRE VÍTIMAS E ACUSADOS NOS PROCESSOS-CRIME EM

JACOBINA – BA (1940 – 1960).

Autora: Iris Vanessa de Sousa Silva

Discente da Pós Graduação em História: Cultura Urbana e Memória – UNEB Campus IV Graduada em História – UNEB Campus IV

E-mail: íris.vanessa1989@outlook.com

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como foco a análise de processos-crime por delitos de estupro e sedução na cidade de Jacobina, nos quais as vítimas e os acusados se envolveram afetiva e sexualmente. Ele faz parte de uma pesquisa que procurou analisar as múltiplas relações afetivas, sexuais e sociais entre vítimas e acusados dos processos-crime de estupro e sedução em Jacobina nas décadas de 1940 a 1960, e se existia a possibilidade de haver ou não vínculos afetivos e/ou sexuais entre os mesmos.

O interesse em pesquisar a temática surgiu durante a leitura e análise dos processos criminais das décadas de 1940 a 1960, observando os tipos de violências sexuais sofridas pelas mulheres jacobinenses do período e quais mulheres estavam envolvidas nos trâmites dos processos. No entanto, durante a pesquisa, surgiram outros questionamentos, a partir de um novo olhar diante dos documentos: quais relações existiam entre vítimas e acusados nos processos criminais de sedução e estupro em Jacobina? Como eram as mulheres pobres nas múltiplas relações sociais em Jacobina?

Ao analisar as questões acima, o artigo também trata sobre os casamentos da sociedade jacobinense, buscando compreender as múltiplas relações das camadas subalternas de Jacobina, levando em consideração o exame dos processos criminais ora selecionados, identificando o que era esperado pela sociedade diante das relações sócio afetivas que se constituíam naquele contexto.

Para tratar das relações de gênero, utilizo aqui o conceito de Joan Scott (1990), no qual a mesma afirma que a emergência da História das Mulheres, passou por uma “evolução do feminismo para as mulheres e daí para o gênero” (SOCTT, 1990, p. 65), e desta forma, gênero constitui-se como uma categoria analítica, fazendo abranger uma complexa teia de relações sociais e seus processos historicamente variáveis, buscando compreender as relações entre os sexos, mas não de forma totalmente biológica, e sim voltada para as relações sociais, baseadas pelas forças econômicas, culturais, sociais, ideológicas,i estabelecendo que a construção do

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masculino e do feminino se dá a partir da construção social, ultrapassando as fronteiras biológicas dos sexos.

Esta concepção de gênero é fundamental para responder a diversos questionamentos que permeiam as relações entre homens e mulheres, especialmente aqueles acerca das diferenças sexuais, bem como os vários significados atribuídos ao feminino e ao masculino. A abordagem nessa perspectiva possibilita o caráter das relações entre os sexos. Muitas pesquisas foram realizadas no âmbito das relações de gênero, várias historiadoras brasileirasii vem desenvolvendo trabalhos que tem foco na resistência feminina, rompendo o paradigma da mulher vitimizada e do homem como culpado todo o tempo. Na análise dos processos, atento para as entrelinhas das informações contidas no documento judicial, pois procuro identificar como essas mulheres conseguiram, de certo modo, enfrentar as situações onde elas poderiam ser consideradas apenas como vítimas passivas. Portanto, cabe ao historiador estar atento não somente ao que está de fato escrito no documento, pois ele traz muitas informações que não estão explicitas.

As pesquisadoras brasileiras sobre as temáticas relacionadas às questões de gênero, a exemplo de Rachel Soihet e Joana Pedro (2007), destacam suas preocupações em articular vários estudos que contemplem gênero, raça e classe, desse modo, dando voz para aqueles e aquelas que estavam “emudecidos” e silenciados pela História considerada oficial. No estudo que se segue essa articulação é fundamental, pois os discursos que estão nos processos são marcados efetivamente por hierarquias que são basicamente fundamentadas a partir das desigualdades de gênero, classe e raça.

Para dar suporte teórico e metodológico à utilização dos processos-crimes como fonte de pesquisa histórica, foram adotadas neste trabalho as obras ligadas aos estudos femininos a exemplo de Rachel Soihet “Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana. 1890 – 1920” (1989) e Martha de Abreu Esteves, em “Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle Époque” (1989). Outra obra de destaque nessa perspectiva dos trabalhos sobre as mulheres é o livro de Sueann Caulfield, “Em Defesa da Honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918-1940)” (2000), no qual a autora vai tratar sobre a honra sexual das mulheres e os conceitos de nação brasileira.

Na escrita, devemos levar em consideração a condição social, etnia, raça, religião, portanto, seria pertinente em se falar história das mulheres. Seria relevante aqui ressaltar mais

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uma categoria de análise dos estudos sobre as mulheres, seria ela a interseccionalidade dos estudos de gênero. Segundo Crenshaw, a interseccionalidade é uma das categorias de análise que se constitui no cruzamento das categorias analíticas gênero, raça e classe, nesse sentido a intersecção das mesmas se coloca como ponto de articulação, ligando uma às outras. Não poderia deixar de acrescentar esse termo a este artigo, pois o mesmo irá abordar temas que são intimamente ligados a este conceito de análise, o texto em questão se debruçará sobre as mulheres das camadas subalternas da sociedade jacobinense de outrora.iii

Ao analisar processos criminais pude observar que é um documento totalmente produzido por homens - escrivães, delegados, policiais, oficiais de justiça, promotores, advogados e juízes -, portanto, como qualquer outro tipo de fonte documental, esta deve ser tratada com muito cuidado, já que podemos passear por dois discursos diferentes produzidos por pessoas que queriam obter algum tipo de benefício com o que estava sendo proferido naquele momento. Os documentos não são produzidos para que algum dia se tornem fontes históricas, que de algum modo esperam que os historiadores e pesquisadores apareçam para utilizá-las, eles são inicialmente produzidos para atender a uma demanda especifica, no caso que trato aqui, obedecer que fosse cumprida uma determinada lei contra um indivíduo que a violou, logo há um jogo de interesses que permeia as entrelinhas desse tipo de documento. Ao ler os processos, pude caminhar diante das mesmas histórias, no entanto em versões e visões diferentes: há o olhar do (a) representante, da vítima, do acusado, das testemunhas.

O pesquisador que irá utilizar os processos criminais deve estar atento, pois o processo envolve muitas pessoas (vítimas – quando possível -, réu, testemunhas, escrivães etc.), portanto é preciso entender como os discursos são construídos, quais as narrativas que os envolvidos utilizam durante o andamento do processo. Todos os envolvidos são agentes sociais e que possui as suas verdades. Sabemos que a produção de um documento como este não é a reconstrução de um acontecimento em si, um documento como esse é feito para se fazer cumpri a lei, acusando e punindo ou absolvendo alguém, deste modo cabe ao pesquisador fazer a análise do processo sabendo que pode haver mentiras ou coisas inventadas pelos envolvidos.

Além dos processos-crime analisados, foram também utilizados os Jornais que circularam na cidade de Jacobina no período proposto da pesquisa. Os periódicos que pesquisei foram O Lidador e o Vanguarda, que circularam entre as décadas de 1940 a 1960. O trabalho com esse tipo de fonte deve ser cuidadoso, o pesquisador que lançará mão da

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mesma deve estar atento ao processo de produção do jornal. Como o mesmo foi produzido, para que público circulou, quais ligações e segmentos políticos seguiam. Informações como essas são fundamentais para elucidar alguns questionamentos que por ventura possam nascer durante a pesquisa. (LUCA, 2010, P. 111)

A cidade de Jacobina está situada a 330 km da capital do Estado, posicionada no norte da Chapada Diamantina, fazendo parte do território de identidade Piemonte da Chapada. Jacobina é cortada por dois rios, Itapicurú e do Ouro, que foram muito importantes para a cidade, mas que hoje já não tem mais as mesmas correntezas de antes, águas essas que serviam para sanar todos os tipos de necessidades que tinha a população. No período explorado neste artigo, a cidade viveu vários ciclos de exploração aurífera, o que desencadeou uma série de alterações econômicas, sociais e culturais.

Entre Juras de amor e processos criminais

Nuca esquecida noiva Jasmin.

Beijoti do lonjeja que não posco beija di perto. Sim Jasmin eu recebi tua amavel carta [...]

Mi espere sextafera como sem falta aceite120 lembrança do teu noivo que é Bento Ezequiel de Souza [sic] (Processo-crime contra Bento Ezequiel de Souza, nº 253)

Declarações apaixonadas para as namoradas, promessas de casamento, fazer companhia para a moça entre as festas e sua casa, envio de cartas e bilhetes para a amada que morava distante, juramentos de que daria presentes, uma boa vida e dinheiro eram tradicionais momentos de sedução e de fazer promessas dos conhecidos defloradores. Entre as juras de amor e o início dos inquéritos policiais havia uma tênue linha. Em alguns casos a moça fazia questão de que o seu responsável prestasse a queixa na delegacia para que o pretenso acusado fosse “obrigado” a casar, dessa forma a mocinha se casaria com o tão sonhado amado. Esse episódio foi verificado em alguns dos processos analisados, que para conseguir ter relações com a pretendida o rapaz prometia casamento ou até mesmo viver amasiado.iv

Segundo Caufield (2000), as promessas se tornariam imprescindíveis para confirmação do delito na abertura do processo, quanto mais insistente fosse o rapaz nas promessas que fazia, mais rápido ele conseguiria chegar ao seu objetivo final, que era ter com a moça relações sexuais antes do casamento, confirmando assim o crime de defloramento, sedução ou até “desvirginamento”. A partir da confirmação dessas promessas, tendo

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testemunha ou não, sendo as promessas públicas ou não, ficava mais fácil para a família da moça comprovar o delito cometido pelo acusado. Os crimes sexuais representavam uma forma diferente de afrontar um tipo diferente de honra, e atingindo a honra das famílias, atingiam também o Estado, visto que a honra sexual era a base da família, e esta, a base de toda a Nação.

Nem sempre as promessas de casamento realmente se constituíam. Para as famílias das camadas subalternas economicamente a oficialização do casamento se tornava muito dispendiosa, optando os rapazes a propor o amasiamento para as futuras companheiras, visto que ele teria muitas despesas com a casa, já que supostamente era considerado o chefe da família e provedor do lar, mesmo que as companheiras trabalhassem dentro e fora de casa para ajudar no provimento das despesas domésticas.

De acordo com Soieth (1989), para a classe dominante, o único meio de uma mulher se unir ao homem seria através do matrimônio, no entanto para as classes populares o casamento oficial não preponderava. Havia muitos casos de casamentos não legalizados e filhos considerados ilegítimos. Esses fatores demonstram que havia certa flexibilidade nos valores e que essa parcela da população não convergia com o que era ditado pela elite burguesa, construindo um novo modelo de núcleo familiar. Em decorrência de não poder viver de acordo com as normas estabelecidas por uma sociedade marcada pela divisão entre as classes, “essas camadas estabelecem um sistema ampliado de normas em que a união não legal é igualmente considerada normativa e positivamente avaliada, embora menos preferida que o casamento” (SOIETH, 1989, p. 249). O casamento legítimo seria de interesse maior da elite branca, entre as classes mais pobres da população predominava o concubinato, até porque os custos para oficializar a união eram muito altos.

Não foi incomum, além das promessas de casamento, ver também juramentos de amasiamento e concubinatos nos processos-crimes analisados durante essa pesquisa. Os acusados se utilizavam desse artifício para persuadir as moças a terem com eles relações sexuais, prometendo que essa seria apenas uma “prova” que garantiria posteriormente o cumprimento da promessa que fora feita antes.

Foi essa a história vivida pela menor Érica, 17 anos, solteira, de cor morena, doméstica, deflorada por Laurindo Pedreira Sampaio na casa da própria vítima.

Naquela noite, depois da janta, Laurindo lhe propôz que iria dormir consigo em seu quarto [...] Laurindo veio sutilmente e entrou no quarto indo-se juntar em sua cama

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[...] Tendo a declarante antes lhe advertido que não a deixasse desamparada depois do ato. Passados seis meses, Laurindo continuava frequentando sua casa, prometendo como sempre que se casaria logo. [sic](Processo-crime contra Laurindo Pedreira Sampaio, nº 121. 03/12/1949 – 01/01/1950. Folha 8 e 8 v.)

No caso de Érica, não houve a ilusão de viver amancebada com Laurindo Pedreira e sim a promessa de que se casariam legalmente e constituiriam família. Segundo Ferreira Filho (2003), o casamento tinha como objetivo principal a manutenção das relações entre as famílias da elite e do prestígio social, os ricos tinham quase por obrigação casar legalmente seus filhos para que a riqueza das famílias fosse mantida. Já as classes populares, não tendo compromisso com a manutenção da riqueza e do prestígio social, distanciavam suas vivências afetivas e cotidianas do modelo conjugal da burguesia. (FERREIRA FILHO, 2003, p. 115).

A possibilidade de ganhar presentes, agrados, dinheiro, casar ou “amigar”, fez com que várias jovens se entregassem as volúpias dos prazeres do sexo antes do casamento. Pensando em mudar de vida que Amarílis, 14 anos, solteira, de cor morena, trabalhadora em garimpo deixou-se seduzir pelas promessas de Raymundo José de Almeida, dono do garimpo onde a mesma trabalhava.

Certa feita, ao voltar da escola noturna onde estudava, Amarílis que estava acompanhada por uma amiga, foi surpreendida por Raymundo José que a acompanhou pela rua e em um dado momento conseguiu deflorá-la, conseguindo assim “[...] turbar a pureza de costumes de uma pobre moça que vivia e vive do seu trabalho honesto”. v Além do estupro cometido pelo acusado, o mesmo ainda prometeu “lhe dar casa, um anel e vestidos”.vi Nesse caso em particular verifiquei que a promessa nada teve de juras amorosas com propostas de casamento. O patrão se aproveitou de sua posição social em relação à da ofendida e utilizou o fator financeiro para ludibriar a moça em questão, conseguindo dessa forma, ter com ela relações sexuais.

De acordo com Falci (1997), o que movia essas moças, que estavam longe da parca vigilância familiar em defesa de sua virgindade, era o fato de que desejavam estabelecer relações amorosas com seus companheiros, sendo inclusive desnecessárias as promessas de que se casariam de forma legal posteriormente, o casamento para essas jovens dispensavam os aparatos legais dispostos no Código Civil e os sacramentos da Igreja, para essa parcela da população, o casamento tinha outra conotação, principalmente por livrarem-se dos custos financeiros. Ainda assim, mesmo que não tivessem a mesma conotação que o casamento da

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elite, a união entre um rapaz e uma moça das classes mais populares também tinha seu valor. (FALCI, 1997, p. 262).

Encontrei entre os processos-crime analisados, um caso excepcional que fugia da ordem de que somente às mulheres era reservado o desejo de casar-se e constituir família. Foi o caso de Magnólia, 14 anos, solteira, dos serviços domésticos, branca, sabendo ler e escrever, no qual a mesma se recusa insistentemente em se casar com o namorado José Francisco da Costa que demonstra interesse em se casar com a menor, pedindo inclusive o consentimento dos pais de Magnólia para poderem estabelecer o namoro. Inquirida sobre se teria vontade de casar-se com José Francisco a menor responde “que não” e ainda questionada sobre o porquê da recusa em casar, responde que “ela não quer”.vii

No entanto, no depoimento do acusado José Francisco perguntado se ele depoente teria vontade de casar com Magnólia, o mesmo respondeu: “que sendo devedor da virgindade de Magnólia, deseja ampará-la”.viii José Francisco diz ainda que logo após ter atentado contra a hora de Magnólia, foi até seus pais pedir o consentimento para casar-se com a moça, seguindo com o pai de Magnólia para a Vila de Pindorama ajustar os papeis para o referido casamento. Mesmo com a recusa de Magnólia e a insistência de José em casar, o matrimônio é por fim realizado como consta certidão de casamentoix ao final do processo e estando Magnólia ainda grávida de José, como consta no exame de corpo de delito.x

Esse caso específico mostra que o desejo de casar e se tornar mãe que era ditado pela sociedade burguesa, que colocava a figura feminina em consonância apenas com os papeis de esposa e mãe, não era absorvido por todas as mulheres. Ainda que posteriormente Magnólia tenha assumido matrimônio com José Francisco, em seu depoimento fica claro que ela não possuía desejo se casar, mesmo estando grávida do mesmo, tão pouco fica claro que ela tenha nutrido por ele algum tipo de enlace amoroso antes do ocorrido. Segundo Del Priori (2011), ela fez parte da parcela das mulheres que não nutriam anseio em se tornar o centro das relações estabelecidas pelo matrimônio, abrindo mão da virgindade e do próprio casamento para explorar sua sexualidade e prazer, mesmo que esse prazer acabasse em filhos para criar sozinhas. (DEL PRIORI, 2011, p. 165).

A história de Magnólia remete, guardadas as devidas proporções de tempo e espacialidade, ao relatado pela autora Sandra Lauderdale Graham (2005) em “Caetana diz

não”. Na obra, a escrava Caetana, que vivia no rico Vale do Paraíba, em São Paulo, é

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com as ideias de gênero do período, o seu proprietário não aceitava que uma serviçal solteira cuidasse das suas filhas, com receio de um mau exemplo. Sendo assim, Caetana casou-se, mas se negou a deitar-se com o seu esposo. Exemplos como esse indicam como muitas mulheres, mesmo pressionadas pelas convenções de gênero e sexualidade acabavam decidindo o seu destino, e tomando atitudes divergentes do esperado, como donas de seus próprios corpos. Mulheres jacobinenses, como demonstrou Ricardo Batista (2010), tinham atitudes de ressignificação e de ambivalência das normas sociais de gênero, em relação ao amor romântico e às expectativas de casamento.

A partir da análise do conjunto de processos-crime encontrados no Fórum Jorge Calmon, evidencia-se que as mulheres que sofreram o ato violento contra sua virgindade ao assumir e manter relações sexuais com seus namorados e noivos antes do casamento, desafiaram a vigilância e o controle familiar que eram impostos pela sociedade na guarda da honra feminina. Algumas dessas vítimas declararam em seus depoimentos que constituíam namoros e noivados sólidos e longos com seus pretendentes, no intuito de chegar ao casamento, relacionamentos esses consentidos pelas famílias das moças. Caso como esse se deu a mocinha Jasmin, 16 anos, solteira, de cor parda, tendo formação primária.

Jasmim era noiva de Bento Ezequiel de Souza já havia algum tempo. O namoro dos dois jovens foi permitido pela família de Jasmim, conforme conta o depoimento de seu pai Angelo de Oliveira Santos, que confirma ter consentido o namoro da filha menor com Bento Ezequiel.xi A ofendida declarou ao ser inquirida que confiava na honestidade do noivo, ele demonstrava ter bom comportamento, sempre reafirmando o desejo de assumir matrimônio com ela, justamente por esse motivo Jasmim não procurou os meios legais para que Bento cumprisse com o que havia sido prometido, a moça aguardou que o noivo viesse cumprir o que fora antes estabelecido, por confiar na honestidade do rapaz, visto que o namoro já havia sido antes aceitado pelos pais da moça.

Acreditar na honestidade do rapaz e não procurar a justiça antecipadamente para resolver legalmente o ocorrido não foi o que fez o pai da menor Margarida, 16 anos, solteira, lavradora, de cor morena, sem saber ler nem escrever, ao descobrir que Epifânio Simões Sampaio maculou a honra da sua filha. O representante da menor, Bento Pinto de Araújo, afirma que o acusado era namorado da mesma e que a família sabia e consentia o namoro do jovem casal. No entanto ao saber do defloramento de sua filha procurou os meios legais para que fosse resolvido o acontecido e não deixou que a filha acreditasse apenas nas promessas

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feitas por Epifânio Sampaio antes do defloramento.xii Atitudes como a do pai de Margarida foram muito empregadas no intuito de defender a honra das famílias e das moças e mulheres que as constituíam.

Nos relatos acima, percebi que o caminho percorrido entre as promessas e juras feitas pelos acusados e o início do inquérito policial era muito curto. Vários foram os motivos que levaram os requerentes a dar abertura ao que seria um processo-crime. A perda da virgindade era algo sério para a moça solteira. (CAUFILED, 2000, p. 226) Algumas ofendidas tinham interesse maior em se casar com o ofensor da sua honra ou mesmo ter com ele uma vida conjugal fora dos moldes tradicionalistas normatizados pela elite jacobinense. A aventura de descortinar sua sexualidade, a ideia do amor romantizado prometida e oferecida por jovens rapazes, levaram algumas moças aos cenários dos processos-crime analisados.

Os processos-crime analisados, ajudam a compreender a forma pela qual essas moças, avaliando as possibilidades de viver e garantir para si uma vida amorosa a conjugal a partir dos padrões estabelecidos na época, fizeram a opção em muitos casos, por viver as alternativas que eram viáveis e reais, no amasiamento. Atitudes como essas deram novo sentido ao conceito de núcleo familiar estabelecido pela sociedade burguesa, estabeleceram novos parâmetros para os valores morais e principalmente estruturaram novas formas de viver o casamento e as formas de viver sua afetividade e sexualidade. As juras de amor e as promessas de casamento e vida em comum fizeram parte desse cenário onde moças e rapazes, propuseram e aceitaram novas formas de relacionamento e comportamento social.

REFERÊNCIAS

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FALCI, Mirian. Mulheres do sertão nordestino. In: DEL PRIORI, Mary (org.) História das

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SOIETH, Rachel. Condição feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana (1890-1920). Rio de Janeiro: Forense Universitária.

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i Para saber mais ver: SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In: Revista Educação e Realidade. Porto Alegre, n. 20 v. 2, jul/dez 1995. p. 71-99.

ii Dentre tantas cito aqui RAGO (1984) e SOIHET (1998), considerando que as décadas de 1980 e 1990 foram marcos no que diz respeito aos estudos relacionados a temática de gênero.

iii Para saber mais sobre o tema ver: Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero Kimberlé Crenshaw, disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ref/v10n1/11636.pdf, acesso dia 09/07/2014.

iv Processo-crime contra: Antônio Hora; Manoel Peixoto Filho; Epifânio Simões Sampaio; Laurindo Pedreira Sampaio; Manoel Correia; Daniel Aleixo da Silva; João Benedito dos Santos; Bento Ezequiel de Souza; Milton Macário dos Santos.

v Processo-crime contra Raymundo José de Almeida, nº 69. 11/12/1947 – 06/12/1949. Folha 2.

vi Idem, folha: 7.

vii Processo-crime contra José Francisco da Rocha, s/nº. 14/09/1942 – 30/12/1942. Folha 9.

viii Idem, folha 5 v.

ix Idem, folha 38.

x Idem, folha 13 v.

xi Processo-crime contra Bento Ezequiel de Souza, nº 253, 24/04/1953 – 01/10/1956. Folha 5.

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