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GLOBALIZAÇÃO, TRADIÇÃO E RETORNO DA LÓGICA CLÂNICA COLONIAL

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CAXAMBU - OUTUBRO DE 1996

GLOBALIZAÇÃO, TRADIÇÃO E RETORNO DA LÓGICA

CLÂNICA COLONIAL

Paulo Henrique Martins1

A modernidade global e a tradição pré-global não são termos excludentes como muitas vezes tem sido sugerido. A globalização também não é a expressão de algo irremediavelmente novo conforme propõe o mito da modernização. Neste artigo, ao explorarmos as interações entre o novo e o velho na construção da cultura política nacional, tentaremos demonstrar a atualidade da lógica tradicional tanto na organização contemporânea do sistema de poder no Brasil como na reprodução crônica da prática da exclusão social.

Na sua versão mais atualizada, este mito da modernização apresenta a globalização como uma experiência inédita que estaria apagando, definitivamente, os grandes traços das tradições históricas e culturais, nacionais e locais. Segundo este discurso, no lugar dos traços assinalados estaria tomando corpo, a nível planetário, uma nova lógica econômica e cultural de tendência uniformizante e ditatorialmente moderna. Sem minimizar os efeitos positivos da globalização econômica para o surgimento de processo culturais globais (e hipermodernos), entendemos, porém, que esta tendência não é motivo para muitos entusiasmos, quando se consideram os efeitos desestruturadores

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deste movimento do capitalismo sobre os mecanismos de formação das identidades societais.

É ao mesmo tempo atraente e assustador, o impacto psicológico e moral produzido nas nossas significações culturais por uma imagem de sociedade de massa global, que escaparia aos nossos pobres/podres poderes. A lógica maquínica da globalização fascina pelo seu discurso de exatidão e de irreversibilidade que constrasta com as fragilidades emocionais e afetivas dos indivíduos. Para além de sua ambição hipercartesiana, este discurso maquínico não consegue esconder, porém, a crueldade da realidade capitalística - de seus movimentos de violência política, de exclusão social e de degradação ambiental. Neste sentido, a desregulação dos sistemas jurídicos, normativos e morais das sociedades nacionais que ocorre no interior deste processo global está, de certo modo, contribuindo para esgarçar os mecanismos de legitimação e de funcionamento dos Estados-Nação, em vez de dar passagem para uma ordem política mundial unificada. Nas sociedades mais pobres, o domínio no plano nacional das grandes firmas multinacionais também favorece o poder dos tradicionais grupos oligárquicos encastelados no aparato do Estado. Este é um dos efeitos colaterais da globalização, como tentaremos demonstrar através do caso brasileiro.

As vitórias da racionalidade sobre a irracionalidade, do secular sobre o místico, da razão sobre as tradições, que foram exaltadas pelo iluminismo no século XVIII e pelas filosofias do progresso no século XIX, tornaram-se uma bandeira problemática no século XX. Este mito da modernização, como lembra Huyssen, proclamava a vitória de uma sociedade racional onde “a recusa impiedosa do passado era um componente tão essencial do movimento moderno quanto seu apelo à modernização através da padronização e da

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racionalização“ (Huyssen, 1991: 28). Experiências políticas paranóicas e imprevisíveis expressas nas últimas décadas pelo aumento dos conflitos “tradicionais” (nacionais, étnicos etc.) e pelo aumento da criminalidade urbana, põem em cheque a imagem positiva do mito. Para Alain Touraine, a principal fraqueza desta ideologia da modernidade é o de constituir sobretudo uma visão negativa e destrutiva dos antigos padrões ( Touraine, 1989: 33). Por conseguinte, à medida em que se procura definir a modernidade como um movimento anti-tradicional, retira-se dela aquilo que é essencial para definí-la como algo historiamente novo (novidade que apenas se elucida pela antiguidade). No lugar de uma racionalidade definidora da vida social por uma via secular aparece, então, uma racionalidade instrumental cujo discurso de exatidão e de controle é desmanchado por uma realidade cujo imaginário pende dialeticamente entre o caos e a ordem. Por isso, o racionalismo científico e maquínico dominante na modernidade é incapaz de dar conta da complexidade do processo de produção atual da realidade histórico-cultural, que Edgar Morin atribui como sendo próprio não de um sujeito cartesiano, porém de um outro sujeito, mais complexo, de feitura auto-eco-sistêmica (Morin, 1991).

Observa-se, no bojo da atual mudança de registro civilizatório e de aumento daqueles conflitos “tradicionais”, uma reativação de antigas paranóias coletivas. Isto se reflete em cada sociedade pela busca de novos inimigos que expliquem as dificuldades de sobrevivência vividas pelos Estados, Nações, Partidos, Oligarquias, Governantes, Corporações, Classes e Grupos Sociais, Tribos, Etnias entre outros. A presença desses elementos tradicionais, neste momento de globalização, aciona a desestruturação e dificulta os processos identificatórios dos indivíduos dentro dos antigos campos de poder das sociedades nacionais. Esta presença exacerba antigas contradições como o mostram o

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surgimento de novas práticas societais eivadas de fundamentalismos: racistas, étnicos, clânicos, religiosos, nacionalistas e machistas. Estas experiências desfazem em parte o discurso otimista e futurista da globalização ao revelá-lo, também, como um fenômeno que reforça a intransigência contra a tradição hermenêutica moderna, aberta e plural. Por isso, o capitalismo global conhece processos de corrosão em algumas instituições importantes como a da democracia liberal, que produz a manifestação de conteúdos do inconsciente social que aparentemente haviam sido suprimidos pelas modernidades nacionais.

Na tentativa de separar nesta discussão o fundamental e o ilusório, as ciências humanas têm integrado outras perspectivas teóricas mais complexas e mais aptas para expor as vertentes do imaginário global. A partir destas novas abordagens, é possível entendermos a atual globalização como um movimento de dupla sinalização: ao mesmo tempo que unifica, fragmenta as culturas nacionais. Paralelamente à criação de novos processos tecnológicos, econômicos e culturais, ela também produz o retorno de elementos tradicionais que questionam o valor da instituição da cidadania, ao fazer emergir conflitos que ameaçam a organização das representações psíquicas coletivas instituídas. Autores como o francês Löic Wacquant têm buscado novos lugares para uma observação teórica desses acontecimentos. Ao estudar a violência urbana nas sociedades avançadas, ele conclui estar havendo a disseminação de uma nova pobreza e o “ressurgimento” das ideologias raciais (Wacquant, 1994: 18). Recorrendo à metáfora freudiana do “retorno do recalcado”, Wacquant põe em relevo a reaparição no cotidiano social de certos aspectos culturais, como o do racismo, que na formação das culturas nacionais democráticas não tinham sido destruídos, mas apenas reprimidos.

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Se o recurso metafórico ao “retorno do recalcado” é instigante, muito mais o é o apelo ao diálogo conceitual entre a psicanálise e a sociologia na busca de trazer à tona novos entendimentos das relações entre o moderno e o tradicional. Nesta perspectiva, é importante observarmos que o “retorno do recalcado” possui dois sentidos diferentes na teoria freudiana e que podem ser usados apropriadamente pelas ciências humanas. O primeiro deles apresenta-se com um sinal negativo, significando a reativação de conteúdos latentes que subsistiam no inconsciente sem representantes que o trouxessem ao espaço da cultura. Ao emergirem na consciência, esses conteúdos rompem a censura (a moral, os costumes e as normas sociais), e se manifestam de forma defensiva na roupagem do sintoma neurótico (ou psicótico). Parece-nos ser este o sentido usado por Wacquant. No segundo sentido, o “retorno” apresenta-se com sinal positivo ao propor a possibilidade de ser encaminhada uma dissolução do conteúdo manifesto e dos padrões de comportamentos neuróticos que restringiam a liberdade e autonomia do indivíduo.

Um grupo de intelectuais formado sobretudo por psicanalistas (Aragão, Calligaris, Costa e Souza, 1991), cunhou a expressão clínica do social para demarcar esta tentativa de releitura de fenômenos sociais que envolvem uma compreensão temática transdisciplinar, como é o caso da atual violência urbana. Mas a transposição das conclusões de Freud para a análise do social devem ser mais discutidas quando nos debruçamos, por exemplo, na análise sociológica dos ideais, mais precisamente na avaliação dos efeitos da idealização sobre a organização sócio-cultural dos objetos do desejo. Aqui, poderíamos concluir, a psicanálise tende a idealizar o imaginário sócio-histórico, negligenciando dois fatos importantes: primeiramente, o pai mítico ou cultural que ela elege como significante necessário à identificação do indivíduo ou do grupo nem

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sempre constitui uma referência neutra associada à experiência amorosa. Pode acontecer que este olhar do Outro que nos mira, seja a de uma esfinge movida pelo impulso da destruição (não é esta a experiência simbólica da grande massa de excluídos do Brasil?). Em segundo lugar, cultura e sociedade não são a mesma coisa, podendo uma sociedade ser constituída por várias culturas ou, inversamente, uma cultura atravessar diversas sociedades. Esse aspecto não era tão importante nas épocas de Freud e de Lacan quando as ideías de cultura nacional e de sociedade nacional se confundiam. Hoje, porém, reconhecer esta diferença é crucial para pensarmos os ideais culturais a partir dos quais se organizam as instituições sociais, permitindo a individuação da sociedade.

Nesta perspectiva, o propósito central deste artigo é de aproximar a sociologia e a psicanálise para que juntas discutam a natureza do movimento ambíguo da globalização na invenção do social. Com suas reflexões sobre o inconsciente e sobre as “doenças do desejo” que dominam os indivíduos, a psicanálise oferece elementos indispensáveis para fazermos uma outra “escuta” dos significados da globalização. A sociologia, por sua vez, ao trazer para o debate informações sobre as naturezas dos conflitos e movimentos sociais oferece uma outra leitura da questão cultural, difícil de ser observada pela clínica individual.

Procuramos problematizar a experiência capitalística da globalização pela revelação do modo paradoxal como os indivíduos e grupos sociais estão vivendo os confrontos entre o moderno e o tradicional. A nosso ver, a balança tem pendido para uma análise relativamente otimista da globalização, prejudicando um olhar mais crítico sobre os efeitos perversos da cultura de massa mundial nos processos identificatórios. Daí, ser necessário ressaltar a importância dos elementos tradicionais, para entendermos que as

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velozes inovações culturais não apontam necessariamente para uma experiência de liberdade dos indivíduos. Podem, diferentemente, apenas significar experiências de regressão narcísica e de perigosa psicotização do social. A histeria coletiva em torno de objetos pornográficos e auto-eróticos que a informatização global está ajudando a promover nos sugere que esta hipótese tem fundamentos no cotidiano.

Por isso, na nossa reflexão procuramos prblematizar a idéia da globalização como um fato total radicalmente novo, como um imaginário histórico que aparenta prescindir dos elementos tradicionais. Nesta perspectiva, a globalização pode também apontar para uma outra questão: a de um discurso ideológico que, se de um parte favorece as estratégias expansionistas das grandes corporações econômicas, de outra, esconde o perigoso processo de dilaceramento dos tecidos sociais e de fragmentação das instituições políticas e culturais modernas.

Globalização como fato total: negligenciando o elemento tradicional

Alguns têm lembrado da necessidade de se diferenciar duas faces da globalização: uma, como processo econômico, outra como mecanismo ideológico. Até que ponto estes termos são excludentes?

Sem dúvidas, os sintomas da complexidade atual da economia capitalista são evidentes. Não apenas pelo volume de dinheiro girando nos diversos centros financeiros e pelo avanço tecnológico da indústria de ponta, mas também pelas mudanças introduzidas com grande rapidez no cotidiano dos indivíduos pela cultura de massa mundial.

Alguns autores vêem, porém, essas mudanças com reticências. É o caso de Touraine que, compartilhando o olhar de outros críticos da globalização, entende que

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estamos submetidos à tirania do discurso econômico. Para ele, estamos envolvidos por uma intensa campanha ideológica que tenta nos convencer da fundação de uma sociedade global a partir do que é narrado como sendo “uma irrefreável tendência do planeta em tornar-se uma imensa zona de livre comércio”. De acordo com o sociólogo francês, esta ideologia difunde-se a partir dos Estados Unidos e do projeto hegemônico de grandes empresas como a Coca-Cola, a CNN e a Microsoft que ambicionam se passar como empresas globais antes de serem norte-americanas. Menos compreensível, porém, arremata Touraine, “é que o resto do mundo aceite tal descrição ideológica” (Touraine, 1996). De fato, as tentativas de se por em prática esta ideologia liberal trouxe consequências nefastas para países que possuem forte tradição de intervenção voluntarista do Estado no funcionamento da economia como aqueles da América Latina. Pode-se citar com destaque a experiência do México, em 1995, quando viu-se envolvido numa crise econômico-financeira sem precedentes, ao tentar se enquadrar disciplinadamente no manual neoliberal proposto pelo Fundo Monetário Internacional.

Fazem, pois, um juízo apressado aqueles que concluem haver uma causalidade linear entre a globalização econômica e financeira - entendida como o processo de formação de corporações econômicas transnacionais que beneficiam a constituição de grandes massas financeiras - e o surgimento de uma sociedade global capaz de unificar todos os povos através de uma cultura de massa anglofílica, pragmática, tecnicista e utilitária. Apresentada como um fato total, a globalização pode estimular ideologias de ambições totalizantes que terminam simplificando em demasia as mudanças em curso.

Como fato total, a globalização parece oferecer três perspectivas: a primeira, a do neoliberalismo, funda-se sobre a velha idéia da livre expressão de mercados e de

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interesses econômicos. Sua especificidade está em descartar o compromisso do mercado na organização de uma sociedade do trabalho garantidora de espaço para todos, como o sugeriam os clássicos e o defendia abertamente John M. Keynes com sua teoria do “pleno emprego”. No Brasil, o grande paladino desta tese neoliberal é o economista Roberto Campos, um importante ideólogo do modelo de desenvolvimento autoritário implantado no Brasil entre os anos cinqüenta, sessenta e setenta.

A segunda perspectiva, a da economia mundial, tem como um dos seus grandes doutrinadores Immanuel Wallenstein e sua teoria sistêmica fundada na idéia de uma acumulação incessante do capital a nível mundial (Wallenstein, 1994a e 1994b). No Brasil, o sociólogo Otávio Ianni está entre os autores que se identificam com esta interpretação da globalização, que tende a relativizar teoricamente o papel dos Estados na organização das atividades econômicas. Para ele, a globalização desenraiza “as coisas as gentes e as idéias”, internacionaliza as estruturas internas e as funções do Estado e transforma este Estado numa “correia de transmissão da economia mundial à economia nacional “ (Ianni, 1992: 24, 92).

A terceira perspectiva, a da mundialização, constitui uma tentativa de resgatar uma abordagem mais propriamente sócio-antropológica do fenômeno global, a partir de uma crítica à visão limitada, simplista e “monótona” da cultura - visão presente na obra de Wallenstein, como foi observado por Roy Boine (1994: 75-78) e por Renato Ortiz (1994: 26). Daí, Ortiz procurar distinguir entre os termos “global” e “mundial”, reservando para o primeiro as referências sobre processos econômicos e tecnológicos e, ao segundo, o domínio específico da cultura. A mundialização remeteria a uma “cultura-mundo” que tenderia a permear o conjunto das manifestações culturais nos planos

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nacionais e locais sem, contudo, se situar fora e acima desses planos culturais. “Uma cultura mundializada corresponde a uma civilização cuja territorialidade se globalizou. Isto não significa, porém, que o traço comum seja sinônimo de homogeneidade” (Ortiz, 1994: 29-31).

Ainda poderíamos lembrar uma quarta perspectiva, próxima à visão da mundialização, mas que minimiza a idéia do fato total em favor de uma leitura que guarda a relevância das culturas nacionais. É a que vem sendo trabalhado pelo inglês Mike Featherstone. Para ele, a idéia de uma cultura global apenas tem importância quando pensamos o surgimento de sistemas de “terceiras culturas” que vêm constituir canais para a passagem de culturas diferentes, mas que no interior de cada sociedade necessariamente não se excluem. Constitui um equívoco, diz, conceber a idéia de uma cultura global necessariamente como um enfraquecimento comprometedor da soberania dos estados nacionais, que, sob o ímpeto de alguma forma de evolucionismo teleológico ou de outra lógica fundamental, “será necessariamente absorvida em unidades maiores, num estado mundial que produz homogeneidade e integração cultural” (Featherstone, 1994:7-8).

No nosso entender, a globalização perde suas referências humanistas em benefício do pragmatismo e do utilitarismo, quando aparece como um imaginário alavancado na ideologia da racionalização. Passa, então, a constituir o símbolo de um imperialismo explosivo que vulnerabiliza a experiência reflexiva, crítica e democrática da modernidade a partir de dois prismas: um deles é o da prática política, o outro, o do plano simbólico e cultural. Pelo primeiro prisma, ao se mostrar bem mais totalizante e generalizante do que globalizante e universalizante, o projeto da globalização expressa uma ameaça efetiva à

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experiência liberal da democracia. Embora procure legitimar sua expansão em nome da doutrina do livre câmbio, a política da globalização corrompe o livre jogo do mercado para favorecer os grandes especuladores do mercado financeiro. Atrás do discurso neoliberal está em jogo um projeto de ambição hegemônica que visa substituir a antiga estrutura societária, regulada pelo contrato coletivo universal, por uma outra, de feição corporativista e regida por contrato particular entre oligarquias financeiras, econômicas, burocráticas e políticas. No lugar de uma democracia liberal, proposta política exemplar da modernidade ocidental, o projeto globalizante estimulado pelas grandes firmas propõe uma autocracia dos iguais, regida por normas que legitimam ordens hierárquicas diferentemente valorizadas no universo da corporação.

Pelo segundo prisma, visualizada no plano simbólico e cultural e lida como ideologia de aspiração totalizante, a globalização revela seus limites históricos na dificuldade de diagnosticar a preocupante fragmentação das instituições e dos mecanismos de identificação psicosociais, que se escondem sob a aparente uniformidade da cultura de massa global. De fato, o desenraizamento cultural e simbólico produzido por esses processos homogeneizadores e velozes tornam trêmulas as imagens identitárias dominantes no interior de cada indivíduo e de cada sociedade.

Por trás dos signos de uma cultura de massa global emerge, logo, um processo de fragmentação das antigas referências culturais nacionais, regionais e locais, produzindo uma cultura do estereótipo e do supérfluo no lugar de uma experiência autonomizante, sócio-psíquica e politica. Assim, as relações sociais são contaminadas por práticas intransigentes, novas e/ou ressignificadas, esvaziando o ideal de uma confraternização de indivíduos racionais felizes por disporem de mais tempo livre para a vivência de uma

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cultura não-repressiva. Estas práticas intransigentes ressaltam certos particulares como o racismo ou o fundamentalismo religioso, e enaltecem o conflito como mecanismo pulsional de prazer coletivo.

Estamos, talvez, observando o agravamento de um tipo de razão repressiva (e depressiva), gerado pela nova técnica, ao invés de se conhecer uma plena “dessublimação não-repressiva” (Marcuse, 1978: 174-182), resultante dos efeitos do avanço técnico sobre a geração do tempo livre e sobre o surgimento de um novo princípio de realidade, fundado em relações mais livres e duradouras. Como se ao lado da esperada dessublimação marcusiana tivesse aparecido um tipo de dessublimação repressiva, que inibiria a razão libertadora, direcionando os instintos para certos aspectos da tradição que funcionam como mecanismos destruidores do social.

Globalização como processo histórico: valorizando o elemento tradicional

A globalização como processo histórico, diz Anthony Giddens, implica uma profunda transformação do padrão do espaço e do tempo influindo tanto no surgimento de um sistema de grande escala, planetário, como de uma nova experiência do cotidiano, ligada ao aqui e ao agora (Giddens, 1992). Mas, a globalização, esclarece o sociólogo inglês, não significa uma ruptura radical com a tradição. A globalização constitui, afirma, uma ordem pós-tradicional, na qual a tradição modifica seu status, abre-se ao questionamento, mas não desaparece. Neste sentido, o surgimento do fundamentalismo (nacional, religioso etc.) na modernidade deveria ser visto como expressão desta sociedade pós-tradicional, como a tradição defendida de forma mais tradicional, justo nos lugares onde ela é mais questionada. O fundamentalismo tende a acentuar a “pureza” de

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um certo conjunto de doutrinas, sugere, não porque deseja destacá-la de outras tradições, “mas porque é uma rejeição de um modelo de verdade, relacionado ao engajamento dialógico de idéias num espaço público” (Giddens, 1994: 11-12).

Por conseguinte, a globalização possui uma tradição histórica que remete aos primeiros movimentos expansionistas do capitalismo ocidental, quando foram desenhadas as Sociedades do Trabalho e ganharam autonomia as Economias de Mercado e se estruturaram os Estados Nacionais. A bem dizer, pode-se falar de um duplo movimento da tradição. De uma parte, temos a tradição pré-moderna que é reorganizada pelo imaginário moderno, refazendo os lugares dos dogmas, dos preconceitos e dos mitos. De outra, temos uma nova tradição, propriamente moderna, responsável pela criação de outros tantos dogmas, preconceitos e mitos.

Nesta perspectiva, lembram Hobsbawm e Ranger, a modernidade deve ser vista como um conjunto de “tradições inventadas”, entendendo-se por esta expressão conjuntos de práticas rituais e/ou simbólicas visando inculcar valores e normas através da repetição, “o que implica, automaticamente, uma continuidade em relação ao passado” (Hobsbawm e Ranger, 1984: 9). Os autores classificam as “invenções inventadas” pela Revolução Industrial em três tipos: a) aquelas que estabelecem ou simbolizam a coesão social ou as condições de admissão de um grupo ou de comunidades reais ou artificiais; b) aquelas que estabelecem ou legitimam instituições, status ou relações de autoridade; c) aquelas cujo propósito principal é a socialização e a inculcação de idéias, sistema de valores e padrões de comportamento (Hobsbawm e Ranger, 1984: 17).

Entre os pensadores contemporâneos, Sigmund Freud foi, certamente, um dos que alcançaram mais profundamente o significado prático e teórico da tradição na organização

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da cultura moderna. Primeiro, porque na clínica freudiana a cura da neurose passa necessariamente pelo resgate do passado; a cura é um conjunto de práticas voltadas para reanimar traços inconscientes recalcados pelo indivíduo na sua infância e que seriam causas de sofrimentos infinitos, por não serem trazidos à consciência. A tarefa terapêutica com relação ao neurótico, dizia ele, é de ajudar a liberar a libido recalcada por inserções subtraídas ao Eu, levando-o a reinvestir sua libido em outros objetos mais viáveis para sua saúde mental (Freud, 1984: 247). Para o fundador da psicanálise, a tradição não constitui apenas um conjunto de normas, valores e práticas herdadas de um contexto histórico cronologicamente anterior. Aqui, a tradição passa a ser um conjunto de fantasias e fantasmas de grande atualidade, gravados na psique dos indivíduos e da coletividade e que precisam ser resgatadas para superação do trauma e normalização do comportamento. Assim, para Freud, quaisquer relações entre o indivíduo e seus objetos de amor - pais, irmãos, professores, médicos entre outros - são, também, e necessariamente, fenômenos sociais (Freud, 1921: 123), devendo ser considerados como tradições relevantes na cura psicanalítica. Através do reconhecimento dos afetos e fantasias provocados por estas relações, podem os indivíduos fazerem afluir ao estágio de consciência certas experiências inconscientes que até então eram mantidas em segredo.

Do ponto de vista teórico, a tradição é realçada por Freud pela importância que ele atribui ao Complexo de Édipo na organização do processo civilizatório, Complexo que teria uma importância decisiva na organização do pacto psíquico e social do homem moderno (Freud, 1965). O pai da psicanálise defende a idéia que este pacto edípico é o único modo de resolver a bisexualidade originária da criança e dissolver a disposição triangular da relação edipiana - pai-mãe-filho(a). No plano da organização cultural, a

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interdição do desejo infantil de possuir a mãe, que o pai executa em nome da Lei, seria a repetição de um fenômeno histórico, arcaico e totêmico. Pelo Complexo de Edipo, este interdito psíquico-cultural ocidental, e pelo surgimento de um superego, os indivíduos modernos seriam obrigados a acatar a renúncia aos desejos incestuosos que se formam no interior do modelo familiar burguês.

Apenas mais tarde, na vida adulta, eles poderiam reacender seus desejos incestuosos. Isto se daria através da reorientação dos investimentos libidinais sobre figuras amorosas de homens e mulheres - símbolos sutis do encontro “faltado” com os entes parentais (ou outros substitutos que possam vir a exercer esta função). Assim, estaria sendo produzida a cultura presente, através de um passado imaginário.

Recalcamento e retorno do recalcado

Num sentido próprio e primário, recalcamento ou recalque constitui a operação pela qual o indivíduo procura repelir ou manter no inconsciente representações (pensamentos, imagens, recordações) ligadas a uma pulsão, cuja satisfação ameaçaria provocar desprazer (Laplanche e Pontalis, 1970: p.553). O “retorno do recalcado”, por sua vez, é o processo pelo qual os elementos recalcados mas não suprimidos, na busca de satisfação terminam por burlar as resistências para emergir na consciência sob a forma de sintomas e de compromissos entre os representações recalcadas e as instâncias recalcantes. Para Freud, esses conteúdos indestrutíveis tendem a reaparecer na consciência através de seus derivados, que são ramificações do inconsciente. O retorno do conteúdo recalcado ocorre quando são reforçadas as pressões pulsionais ou quando

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aparecem acontecimentos atuais que evocam o material recalcado (Laplanche e Pontalis, 1970: p.601).

Na perspectiva sociológica, interessa-nos perguntar sobre o uso deste conceito psicanalítico para a compreensão do processo social. Em que circunstâncias o movimento recalque x retorno do recalque traduz uma ação de desinvestimento e reinvestimento libidinal cujo resultado é a produção de objetos culturais simbolicamente mais importantes para a edificação da solidariedade social? Ou, ao contrário, em que circunstâncias este movimento contribui para produzir processos de regressão e degradação dos objetos culturais, dificultando os mecanismos de formação das identidades societais?

No lado promissor, as pulsões primárias do indivíduo e dos grupos sociais ao serem reativadas seguem o caminho da sublimação. Reinvestidas em outros objetos simbolicamente mais complexos, abrem espaços para o surgimento de práticas sociais e culturais ligadas às expressões artísticas, filosóficas, religiosas, científicas e políticas mais ricas. Pensando o funcionamento da sociedade, diríamos que na medida em que a cultura global permite aos indivíduos se identificarem com objetos mundiais e transnacionais, ela contribui para o alargamento da consciência social e política. Este nos parece ser o aspecto positivo que uma cultura global pode produzir a nível das identidades sociais.

Infelizmente, nem toda operação de recalque de um representante pulsional com propósito civilizatório, ou de solução do conflito reativado pelo reinvestimento da libido sobre um novo objeto cultural, tem um final (ou início) gratificante para o indivíduo ou para um grupo social. Lacan, ao elaborar o conceito de foraclusão (verwerfung),

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demonstrou existir casos em que a exclusão do significante primordial - o Nome do Pai -, provoca o fracasso do recalque originário. Nessas situações, manifesta-se um quadro psicótico diferente da simples neurose: a castração não é simbólica, mas real. A foraclusão é uma experiência de eliminação de um significante central - o qual asseguraria a intervenção simbólica do Pai - que deixa a criança presa ao desejo da mãe. A foraclusão aparece, então, como uma espécie de “buraco” aberto no simbólico, pois o nome do pai não é colocado no lugar do significante fálico, produzindo perturbações importantes nos registros do real, do simbólico e do imaginário. Neste sentido, este acontecimento é anterior a qualquer possibilidade de recalque “pois o recalque para se realizar exige um reconhecimento prévio qualquer do objeto a ser recalcado, e no caso não se dá este reconhecimento” (Lemaire, 1985: 285). No plano sociológico, o conceito de foraclusão tem grande importância para se compreender fenômenos desorganizadores da cultura como o aumento da atual criminalidade urbana. Ajuda igualmente no entendimento do momento simbólico da fundação do pacto social, como veremos ao estudar mais adiante o caso brasileiro.

No universo da cultura, o aspecto negativo do mecanismo de “retorno do recalcado” é revelado pelos riscos de desaparecimento de significantes tidos como importantes para a consciência dos indivíduos e grupos, e.g., a ameaça de perdas da identidade nacional e da referência familiar. Aqui pode ocorrer um movimento coletivo de retorno de antigas paranóias, provocadas pelo deslocamento da libido para objetos persecutórios que permitem esconder o ressentimento nutrido com relação ao objeto de amor. Podem também ser revelados elementos que fragmentam as formações narcísicas, criando uma situação em que a volta do recalque funcionará para desligar a libido dos

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objetos culturais, rebatendo negativamente na formulação de pactos edípicos e sociais que até então eram estruturantes. Nesta situação de “retorno do recalcado”, o fluxo libidinal poderá até mesmo provocar rupturas nos pontos mais frágeis da psique, reinvestindo objetos que já tinham sido abandonados pelo recalcamento. A regressão pode não se contentar em atingir a fase do narcisismo (que se manifesta no delírio de grandeza), chegando até “ao completo abandono do amor objetal e ao retorno ao auto-erotismo infantil” (Chemama, 1995: 62-63). No plano imaginário, o indivíduo (ou grupo) que vivência o delírio psicotizante tende a conceber realidades fantasmáticas que assume como verdadeiras mesmo que elas não correspondam à experiência dos fatos sociais e históricos (Nasio, 1989: 159-160)..

É nessa perspectiva que acreditamos que as práticas correntes de intransigência e intolerância entre indivíduos e grupos por motivos diversos (religiosos, raciais, clânicos, étnicos, nacionais) devam ser discutidas. Estas práticas tendem a reforçar reações culturais que pensávamos estivessem desaparecidas - quando apenas estavam “adormecidas” - no passado cultural do Ocidente. O ressurgimento dessas práticas comprometem aqueles movimentos sociais voltados para a democratização política. Daí ser necessário, conhecer mais a fundo a relação entre os processos macrosociológicos e os sóciopsíquicos.

Recorrendo ao conceito de “posições” em Melanie Klein, o sociólogo italiano Francesco Alberoni desenvolve uma teoria - a do Estado Nascente - para explicar situações de depressão social, consideradas decisivas para definir os novos rumos dos movimentos sociais (Alberoni, 1991: 135-168). Pela teoria do Estado Nascente, Alberoni procura demonstrar que as instituições não constituem o melhor caminho para a

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compreensão da gênese dos movimentos sociais. Segundo ele, o estado de transição entre uma antiga e uma nova ordem social é o momento adequado para se analisar os mecanismos de formação das novas identidades sociais. A discussão teórica avançada pelo autor nos parece pertinente para se esclarecer os momentos de depressão social desencadeados pela atual conjuntura de globalização, quando estão sendo largamente refeitos os mecanismos identificatórios dos indivíduos e dos grupos sociais.

Alberoni inspirou-se na análise kleiniana que concebe dois obstáculos importantes para o crescimento do indivíduo: a) uma posição esquizoparanóide em que o sujeito do inconsciente não está separado do objeto (o momento em que a criança se percebe como pertencente à mãe, cuja possibilidade de ausência mesmo que ilusória é motivo de fortes sensações de perda) e b) uma posição depressiva, que marca a separação entre o sujeito do inconsciente e o objeto. Nesta segunda posição, a perda dos objetos parciais presentes na cena imaginária (o seio e o pênis que representam os dois símbolos centrais na teoria kleiniana), até então associados fisicamente à figura materna, não é ilusória mas real. Esta perda permite a passagem para uma posição depressiva e para a reorganização da relação do sujeito com o objeto amado, implicando no amadurecimento do indivíduo. A passagem para esta posição é evitada apenas pela produção de objetos persecutórios que desviam o desejo libidinal dos reais objetos de amor da criança. Assim, a fantasmatização de inimigos concorre para o adiamento da experiência de contato com a dimensão ambívalente (bom e mal) vivido pelo indivíduo com relação à sua mãe biológica ou com relação às funções substitutas desta (a Nação, a Pátria...).

No caso dos movimentos sociais, diz Alberoni, também se verifica a produção de objetos persecutórios que substituem em certas situações o confronto com a realidade, e

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que funcionam do mesmo modo daquele verificado com a criança. Assim, no plano social, os indivíduos e grupos encontram-se muitas vezes na situação de não poderem aceitar a frustração que seria gerada pelo reconhecimento da ambivalência inerente ao objeto de amor ou até mesmo pelo desaparecimento deste objeto. A perda de visibilidade das sociedades nacionais, por exemplo, pode ser um fator provocador de uma experiência desmedida de medo e raiva. Por conseguinte, estando impedidos de investirem um objeto de amor conhecido (o Estado paternalista, a Nação, o Partido, o Sindicato etc.), os indivíduos e grupos terminam deslocando seus investimentos eróticos para objetos persecutórios tanto externos como internos à sociedade. Esses inimigos fantasmáticos funcionam como bodes expiatórios que canalizam a frustração e a agressividade coletiva (no atual estágio de globalização, os principais objetos de amor ameaçados de serem retirados são a Nação e o Estado, referências importantes das funções simbólicas Mãe e Pai).

Infelizmente, a experiência da globalização parece estar agravando os conflitos psíquicos que se escondem nesses objetos persecutórios. A realidade virtual contribui não apenas para adiar a passagem para uma posição depressiva onde as vivências das frustrações, perdas e lutos reverteriam positivamente para um movimento de sublimação da libido coletiva, mas até mesmo para impedir esta passagem. A transformação de objetos persecutórios em objetos alucinatórios responde à dificuldade dos indivíduos de tolerarem a frustração inevitável que se conhece quando os impulsos de prazer encontram limites no princípio da realidade (social e política). No caso, o fantasma individual e coletivo se produz sobre uma cena imaginária virtual, pseudo-sublimatória. Esta cena, ao canalizar a libido para certos objetos ilusórios super-atraentes, proporciona um

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afastamento provisório do sofrimento provocado pelo impasse da experiência direta gerada no confronto com a realidade. Isto permite se evitar temporariamente o contato com a consciência, que é inevitável quando o indivíduo/grupo penetra o estado depressivo e contata lucidamente a dor que lhe provoca o objeto amado. No exemplo da Mãe-Nação acima sugerido, a produção de objetos alucinatórios se dá pela atração ofertada por produtos da cultura de massa que exercem efeitos psicodélicos e anestésicos consideráveis sobre os processos psíquicos dos indivíduos. A cultura de massa global permite a materialização do clima extático necessário à vivência alucinatória desses objetos. As vitrines e as praças de alimentação dos shopping centers como os rocks pauleiras e os filmes de terror, entre outros exemplos, são ingredientes indispensáveis para se viver essas emoções excitantes. Emoções que poupam provisoriamente o sujeito de entrar em contato reflexivo com seus afetos e, por conseguinte, com a angústia produzida pela realidade mutilada. Aqui., a a busca de gratificação pela experiência alucinatória derivada dos objetos ilusórios aparenta ser bem mais graves que no caso dos objetos persecutórios. Pois os indivíduos podem manter por mais tempo o prazer da experiência virtual, adiando o retorno para o estágio depressivo (onde seria efetivada a experiência real).

Recalque cultural e pacto fundador

O surgimento de uma cultura de massa planetária é profundamente importante para a formação de novas identidades marcadas pela transterritorialidade e pelo multilinguismo. Nessa perspectiva, Canclini percebe ser possível se repensar a cidadania em conexão com o consumo e como estratégia política, abrangendo novas práticas,

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sobretudo de caráter público, que não são consagradas pela ordem jurídica moderna/tradicional (Cancline, 1995: 23-25). Por outro lado, vimos que um problemático processo de reativação de certos conteúdos arcaicos, acompanhada de fragmentação das antigas referências culturais nacionais, regionais e locais, emerge por trás dos signos aparentemente alvissareiros de uma cultura de massa mundial. Não é fácil, então, se adivinhar quando esta globalização/fragmentação é instituinte de um novo modelo cultural mais democrático, ou quando é apenas um movimento entrópico, que reativa tanto antigas neuroses sociais como formas perversas de organização do poder político.

No nosso entender a apreciação valorativa do efeito-global sobre as mudanças das sociedades nacionais, e mais especificamente sobre o movimento dialético do recalque/reativação do conflito sócio-psíquico, depende do modo como se produziu o pacto fundador do imaginário sócio-histórico em cada uma das atuais sociedades nacionais. Aqui, creio ser importante diferenciar o processo europeu e o latino-americano. Na Europa, o pacto fundador assumiu a forma de um pacto civilizatório, reunindo diversos grupamentos societários na construção histórica de um projeto cultural comum. As alianças políticas foram costuradas, a duras penas, pelos atores envolvidos - a aristocracia, a burguesia comerciante, a pequena burguesia, o campesinato, o proletariado urbano entre outros -, significando perdas e renúncias para uns e ganhos e reconhecimentos para outros. O momento de fundação da modernidade é, logo, aquele de fixação das representações simbólicas e do ordenamento histórico de um pacto que obrigou a ressignificação dos imaginários instituintes. Lá, o recalcamento dos elementos tradicionais alcançou níveis significativos através das revoluções nos campos da política, da ciência e da economia. Favoreceu a livre iniciativa e o livre câmbio, o respeito aos

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direitos à igualdade e à liberdade política e o surgimento de uma cultura urbana de feição profana e crítica.

Na América Latina, diferentemente, a imagem de um pacto civilizatório é menos visível, pois a fundação dessas sociedades nacionais está marcada pelo espírito da empresa colonial. O sucesso desta não foi o resultado de um acordo histórico resultante dos desejos culturais heterogêneos presentes naquele momento inicial em que luzitanos e tupis se observaram pela primeira vez. Ao contrário, o sucesso deste pacto seguiu a lógica depredadora dos viajantes europeus, sendo obtido pelo poder das armas, pelo medo e pelo saque. Constituiu, por conseguinte, uma prática essencialmente anti-civilizatória. O sucesso do pacto fundador dependeu da arrogância e valentia de uns (a nobreza e os aventureiros portugueses), da destruição de outros (os povos ameríndios), e da escravização de terceiros (os povos africanos). Em vez de um pacto de vida que assegurasse a diferença - e a liberdade e a igualdade de direitos - os colonizadores estabeleceram nessas áreas pactos de morte, onde foi imposto a lei dos déspotas.

Os movimentos de recalcamento dos representantes pulsionais fundadores seguem caminhos bem diversos nas duas situações. No caso europeu, o significante que deu sentido às representações de uma autoridade coletivamente legitimada e reconhecida (símbolo do pai cultural), que apareceu como núcleo fundador do processo de instituição imaginário do sócio-histórico, e particularmente do Estado, foi exercido pela burguesia. Esse agrupamento de empreendedores econômicos conseguiu, de fato, através da sua cultura utilitária, pactuar um projeto histórico que integrou as diferenças comunitárias e raciais, para viabilizar a universalidade do mercado. A burguesia lutou avidamente para quebrar o monopólio do poder patrimonial do Ancien Régime, porque o espírito

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despótico e onipotente da realeza era um impedimento decisivo para a fundação de uma sociedade aberta à circulação de mercadorias.

No caso da América Latina, o agrupamento que exerceu o papel de significante foi o oligárquico, reunindo interesses diversos: religiosos, econômicos, financeiros, políticos, religiosos e burocráticos. Aqui, a linguagem de poder era formulada menos pela autoridade do dinheiro e mais pela autoridade da glória e da ostentação. A oligarquia edificadora do pacto colonial se interessava em fundar uma empresa econômica e não uma civilização. Daí, a importância de se preservar os privilégios e o espírito onipotente que davam sentido às aventuras de enriquecimentos fundados nas práticas da barbárie.

O lugar do social é, logo, muito diferente em ambas as situações. No caso europeu, o recalcamento cultural foi obtido pelos limites edípicos impostos pela lógica burguesa aos padrões de comportamento transgressores manifestados pelos diferentes interesses em jogo e pela violência burguesa, fundadora da modernidade, que se materializou sobre a repressão de outras violências tradicionais. O mercado de bens e serviços funcionou como uma instituição central no processo de formação da sociedade. O Estado era uma instituição complementar cuja principal finalidade era assegurar a representação da pluralidade de interesses e de instrumentalizar as soluções institucionais para os diversos conflitos políticos. Abriu-se a possibilidade para a experiência democrática, já que a moral burguesa comportava a diferença e a negociação. Perdeu o autoritarismo aristocrático e venceu o liberalismo burguês.

No segundo caso, o recalcamento foi feito de forma destrutiva, pois o preço da preservação da soberba dos “donos do poder” foi a destruição, a humilhação e o avassalamento de terceiros: tanto os povos ameríndios e africanos como aqueles

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segmentos de europeus mais humildes que se integraram à empresa colonial como servos e trabalhadores braçais livres. O mercado de bens e serviços não possuía esta função socializadora porque era sobretudo voltado para financiamento do projeto colonizador e exportador. A instituição central (de legitimidade duvidosa) era o Poder Colonial e o Estado aparece como uma iniciativa estratégica para a fundação da sociedade nacional, no século XIX, por uma via autoritária que negligencou a idéia de uma negociação aberta com todos os segmentos cidadãos da época. Sendo nossas elites herdeiras não de uma cultura religiosa reformada pelo protestantismo, mas de um catolicismo medieval, compreende-se porque elas reagiram com muito mais firmeza às pressões liberais voltadas para autonomizar tanto o indivíduo como as instituições sociais, econômicas e políticas.

O imaginário clânico tem como símbolo central a figura histórica e polêmica do colonizador e não a do colono. Por conseguinte, a representação imaginária do poder instituinte necessário à organização da política volta-se para o culto da tradição patrimonialista e de uma ancestralidade confusa. A psicanálise faz um registro interessante sobre as características deste momento fundador da empresa colonial. Para Contardo Calligaris (1992), o colonizador que funda a empresa colonial era uma figura incestuosa por excelência e o motivo principal de sua vinda ao Brasil era possuir um referente maternal longe da ameaça da castração paterna. Na aventura colonial, ele se viu livre para possuir sadicamente, num gozo ilimitado, os significantes da mãe que eram representados por diferentes objetos: a terra produtiva, a natureza pródiga, os filhos(as) da Ameríndia e os filhos(as) da África. Como resultado, perdeu o liberalismo burguês que propunha o contrato para criar limites entre parceiros sociais e venceu o autoritarismo

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clânico e oligárquico, que se representa simbolicamente pelo vínculo indissociável entre figuras clânicas.

O imaginário moderno brasileiro é, assim, profundamente marcado pelo poder de certas elites que não se comportam propriamente como classes sócio-econômicas mas como oligarquias despóticas, legitimadas a partir de uma multiplicidade de fatores: econômicos, financeiros, políticos, burocráticos, militares e religiosos. Oligarquias antigas e novas, na medida em que a experiência de modernização nacional - política, econômica e industrial - obrigou as antigas oligarquias a se reciclarem e darem espaços para o surgimento de novos agrupamentos movidos por razões culturais complexas, nesta mudança para a modernidade. A lógica clânica expressa a estratégia de poder desenvolvidas por esses grupos oligárquicos para controlarem os mecanismos de captação e de distribuição de recursos públicos e coletivos. Perdeu a democracia, porque a moral clânica suporta com dificuldades a abertura para a negociação e a supressão de favores e privilégios.

O que diferencia estas oligarquias patrimoniais e clânicas da moderna burguesia urbana não é simplesmente o fato do imaginário burguês ser dominado por avassaladoras paixões econômicas que submeteram eficazmente as antigas paixões da glória (Hirschman, 1979). Afinal, partilhar dos prazeres de uma moral utilitária e econômica não é um problema para as oligarquias. Ao contrário, quando se fez necessário assegurar a sobrevivência de cada grupo, as divergências entre oligarcas e burgueses foram minimizadas em favor da manutenção de regimes despóticos capazes garantir a partilha comum e personalizada do poder. A própria burguesia européia tem afinidades problemáticas com a democracia porque nunca conseguiu abandonar, de fato, o apego a

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certos valores e formas tradicionais de exercício do poder. Por isso, Castoriadis propõe que mesmo as sociedades ocidentais ricas não passam de regimes de oligarquia liberal (Castoriadis, 1992: 176).

Na América Latina, a introjeção na prática cotidiana, e não apenas no discurso, dos significados do liberalismo sempre foi um problema de difícil resolução. Porque é um condicionante central do imaginário oligárquico a existência de certos procedimentos hierárquicos que diferenciam os indivíduos segundo códigos de classificação clânica. Estes códigos não podem ser revistos por uma estratificação social aberta como propuseram os teóricos liberais. São esses procedimentos particularistas que definem as oligarquias como clãs - e não como classes - e lhes conferem prestígio numa seleta coletividade cujo acesso é permitido a alguns segmentos: grandes famílias proprietárias, grupos políticos e burocráticos influentes, militares poderosos e, também, industriais e dirigentes de importantes grupos econômicos (que se apresentam como classes no mundo burguês do trabalho e como clãs no mundo oligárquico-patrimonial da ostentação e da glória). Daí, serem essas oligarquias modernas da América Latina e do Brasil tão identificadas com códigos de valores tradicionais fundados no racismo, na honra e no prestígio, e tão voltadas ao cultivo da posse direta de certos objetos representativos da mãe matricial (a posse obsessiva de terras, de títulos e de homens).

Nesta perspectiva, parece-nos relevante compreender mais a fundo a natureza e a importância da lógica clânica colonial, que serviu à fundação e à reprodução da estrutura corporativista e patrimonial, impondo igualmente o ritmo da implantação do Estado nacional nos períodos de internacionalização e de globalização do capital. Esta lógica produziu fortes pressões sobre o funcionamento das instituições políticas nacionais no

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período da modernização e da industrialização nacional, na medida em que sua função seletiva e seu caráter particularista impõem um modelo de poder que assimila às duras penas a presença de novos atores sociais no sistema. A aproximação de cada novo indivíduo significa, de fato, um esforço de alargamento da rede de clientela, traduzindo-se pelo aumento seja dos custos financeiros, seja do tempo necessário à negociação com o novo cliente (requisito básico para se medir a confiança que é símbolo da fidelidade política). Entende-se, assim, porque o sistema de poder reagiu tão rapidamente para desarticular os momentos sociais e políticos autonomizantes quando os conflitos ameaçavam a estabilidade do sistema político clânico. Os momentos de fratura da ordem constitucional no Brasil (1930, 1937, 1945, 1964) denunciam a intolerância do despotismo oligárquico em conjunturas de alto risco para a reprodução do poder instituído e para a regulação via Poder Central das esferas da política, da burocracia, da economia e da cultura. Nestas situações, elas deixaram de lado a retórica liberal para assumir suas origens autoritárias.

Ao longo do século XX, as resistências da lógica clânica à abertura do sistema político e à reforma cultural continuaram importantes, servindo à sustentação do imaginário social fragmentado. A racionalização do aparato estatal e a democratização dos procedimentos de acesso aos empregos e aos recursos econômicos e financeiros públicos foram objetos permanentes de ações desarticuladoras por significarem uma ameaça permanente para a reprodução dos clãs. Daí o esforço importante de parlamentares, banqueiros, industriais e ruralistas na preservação tanto dos anéis de pressão privilegiados como de certos mecanismos personalizados de controle sobre o Estado e sobre as políticas públicas.

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É verdade que a criação de um Estado nacional, a liberalização das atividades sociais e econômicas e a implantação do regime republicano, favoreceram a manifestação de novas classes e movimentos sociais, criando novas condições de negociação. Sobretudo, obrigaram o sistema oligárquico a reconhecer a importância política do conflito social no funcionamento das instituições, permitindo que um número significativo de indivíduos passassem a vivenciar experiências políticas democratizantes nos planos da vida privada e pública. A luta pela democracia na contemporaneidade como veremos, contribuiu decisivamente para recalcar parcialmente os desejos onipotentes e incestuosos das oligarquias, mas não foram suficientes para refazer o pacto fundador da cultura política brasileira.

Lógica clânica e modernização global

Diferentemente das “oligarquias liberais” das sociedades ricas, no Brasil, o pacto político que viabilizou a modernização econômica e social refletiu a presença de grupos oligárquicos menos liberais e mais autoritários. Naquelas sociedades, os grupos dominantes foram lapidados pelo espírito da reforma protestante e do cálculo econômico, e educadas por uma rígida disciplina moral bastante útil na organização da moderna sociedade do trabalho. No Brasil, ao contrário, diz Raimundo Faoro, o liberalismo nunca foi uma ideologia da sociedade civil, mas uma ideologia do Estado para a sociedade civil “que recebe as diretrizes do tipo de Estado que pode criar” (Faoro, 1994: 114). De fato, na organização do Estado, este liberalismo encontrou seus limites práticos em resistências arcaicas fortemente implantadas nos elos e núcleos do poder instituído. Se teve algum eco no imaginário da tecnocracia desenvolvimentista, durante as últimas décadas, sua

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influência sobre as práticas dos políticos e executivos governamentais tem sido questionável.

Apesar de suas limitações, a estratégia de fundação de uma sociedade nacional inspirada no modelo republicano, no século XX, e a experiência de uma democracia populista semi-liberal, no pós-guerra, tinham contribuído para recalcar, parcialmente, as representações pulsionais destrutivas da lógica clânica sobre os movimentos autonomizantes. O golpe de 1964 pôs a pique, porém, as esperanças dos movimentos democráticos de firmarem, pela primeira vez na história brasileira, um real pacto civilizatório que fosse fruto de um amplo consenso das principais forças sociais e políticas, rompendo com o pacto colonial. O modelo desenvolvimentista avalizado pelas forças armadas conseguiu atualizar a tradição positivista da cultura de poder no Brasil sem romper com a estrat;égia da centralidade política. O mote do “desenvolvimento com segurança” resume este modelo, que viabilizou a entrada no “clube clânico” do grande empresariado industrial e financeiro sem que o antigo pacto colonial fosse demolido.

A supressão da democracia por um golpe de força favoreceu o direcionamento das pulsões sádicas dos grupos oligárquicos para aqueles segmentos (trabalhadores, intelectuais, estudantes etc.) que simbolizavam uma ameaça política visível para o funcionamento da lógica clânica. Assim, a aventura do desenvolvimento nacional nas décadas de sessenta e setenta é marcada por um estranho paradoxo: de um lado, a modernização econômica abriu espaços para a ampliação dos agentes econômicos e de novos atores sociais e políticos que passam a reivindicar participação ativa na sociedade; de outro, a eliminação das lideranças e dos canais institucionais que asseguravam a

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participação dos grupos mais combativos antes do golpe, inibiam a criação de mecanismos políticos que viabilizassem mudanças profundas na estrutura de poder.

A falta de canalização política apropriada das pulsões libidinais dos movimentos populares e da classe média esclarecida nas veias de uma estrutura de poder marcadamente clientelista, contribuiu para tirar a visibilidade das lutas durante a fase de redemocratização nos anos oitenta. Este fato é particularmente visível na fase pós-eleições diretas (a partir de 1985), quando mais uma vez os setores progressistas se mobilizaram inutilmente para por em discussão os fundamentos legítimos do pacto colonial. O incidente da morte de Tancredo Neves permitiu que as oligarquias comandadas por nomes como José Sarney, Marco Maciel, Antônio Carlos Magalhães, Paulo Maluf e outros tomassem conta da cena política e cooptassem parcelas importantes de intelectuais da esquerda, trazendo confusão às estratégias das forças democráticas. A disseminação das idéias neoliberais, por sua vez, contribuiu para legitimar ideologicamente o assalto que o agrupamento oligárquico fez sobre os recursos do Estado, numa conjuntura de emagrecimento das contas públicas.

Por todas essas razões, parece-nos que o efeito-global está incidindo de modo ambíguo sobre o atual movimento de ‘retorno do recalcado” e sobre as relações entre o moderno e o tradicional no Brasil. De uma parte, tem reforçado os processos de exclusão a nível da estrutura social, do sistema de poder, e do acesso à cultura. Neste sentido, a lógica especulativa dos processos econômicos e financeiros da globalização reforçam os interesses das oligarquias, diminuindo as chances de recalcamento de seu imaginário autoritário. De outra parte, o efeito-global tem permitido arejar o cotidiano político e cultural com informações e experiências que estão mudando a face do país como o

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testemunham as novas lutas sociais: dos indígenas, dos negros, das mulheres, dos ecologistas, dos sem-terra entre outros. A novidade política é percebida no acirramento da luta pela reforma agrária, no avanço das mulheres sobre os mecanismos de organização da família, do trabalho e da política, no questionamento radical da juventude sobre a legitimidade dos valores sexuais, religiosos e familiares dominantes, nas ações de diversas minorias como os negros e índios que passam a exigir novas representações nos planos social e político.

Mundos diferentes se digladiam e disputam os recursos de poder existentes. Esses são sinais importantes de novas práticas da cidadania, desconhecidas na vida política do país até algumas décadas atrás. Esses conflitos reativam velhas contradições e provocam o aparecimento de novos desafios. A própria concepção liberal de democracia é profundamente questionada por esses conflitos, cujas complexidades tornam parcialmente ineficaz a experiência de legitimação da política pelo voto.

Asssim, as propostas voltadas para a adoção das idéias neoliberais na concepção de um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil, nesta conjuntura dos anos noventa, aparecem como ameaçadoras para vários forças das sociedades: de um lado, os sindicatos de trabalhadores reagem contra a ideologia neoliberal prevendo o aumento da exclusão social - apreensão mais que legítima num país como o Brasil que nunca conseguiu implantar satisfatoriamente uma sociedade do trabalho. De outra parte, as forças clânicas temem a perda de privilégios e a possibilidade de fratura do pacto colonial. Elas são tomadas do medo de aniquilamento, o que favorece a manifestação de comportamentos reacionários e a proliferação de práticas corruptas, seguindo a lógica do “salve-se quem puder”. Por conseguinte, a crise revela um fenômeno de desregulação nas instituições e

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uma crise de identidade que não é conjuntural. Ela acusa a fragmentação dos mecanismos de identificação, fragilidade que está presente desde o momento inicial do pacto fundador que gerou o imaginário político brasileiro.

A desregulamentação institucional atual da sociedade nacional ameaça os ganhos alcançados através das experiências democratizantes. As imagens paranóicas ocupam o imaginário político. Para os clãs, o Outro deixa de ser um “potencial amigo” ou um “protegido” para se tornar um inimigo ou um perseguidor, sentimento que contamina toda a rede de clientela. Como diz Enriquez, em contexto como este “os indivíduos se sentem em uma situação de stress (econômico e psicológico) favorável ao retorno dos valores mais tradicionais como à emergência possível do homem providencial” (Enriquez, 1991: 274). Por conseguinte, lideranças controvertidas como o ex-presidente cassado Fernando Collor estão sempre de prontidão para emergir num sistema de poder que é originariamente perverso e aberto às aventuras e a aventureiros capazes de oferecer pílulas douradas num contexto confuso de pensamento e de ação (como confuso foi a empreitada da colonização).

A globalização no Brasil se torna, pois, um processo muito árido e de difícil solução na medida em que as áreas de resistências e impasses são expressivas, e o sistema político não é suficientemente complexo para integrar e regular as tensões e conflitos presentes. A cidadania como uma instituição aberta à interação entre identidades diferentes e iguais fica fragilizada pela violência desses processos paranóicos. As oligarquias e seus clientes são levadas a produzirem inimigos fantasmáticos que hipoteticamente estariam ameaçando o patrimônio político e econômico. Sonham com

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soluções mórbidas capazes de recalcar os novos conflitos sociais e culturais e de restabelecer a velha hierarquia dos desiguais.

É difícil, logo, a especulação sobre uma saída tranqüila para a conjuntura, pois há um “buraco negro” entre o sistema societal vigente - balizado sobre estruturas econômicas estreitas e estruturas políticas autoritárias - e as exigências crescentes da massa por participação na sociedade de consumo globalizada. A lógica clânica explica como as elites oligárquicas podem se adequar à cultura global (e.g. através da remessa de dinheiro para o exterior ou pela compra de imóveis em Miami), mas ela não esclarece como o sistema de clientela e de apropriação patrimonial pode sobreviver num clima de violência que ameaça o pacto colonial e as instituições políticas vigentes. Talvez, a globalização tomando novos rumos ainda desconhecidos, traga alguma solução para este impasse.

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