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ISTO PODE ACONTECER? EDIÇÃO. O impacto do aquecimento global no Brasil O QUE VAI MUDAR COM A COMPRA DA VARIG PELA GOL

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Ipanema, no Rio de Janeiro, com o nível do mar 12 metros acima, um cenário possível para o ano de 2100 U S $ 6 .0 0

COMO A CIÊNCIA

EXPLICA O

DESLIZE DO

RABINO SOBEL

O QUE VAI

MUDAR COM

A COMPRA DA

VARIG PELA GOL

POR QUE O

ALEMÃO

VIROU MANIA

NACIONAL

R$ 7,90 I NO 463 I 2 ABRIL 2007 I www.epoca.com.br

O impacto do aquecimento global no Brasil

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VERDE

VERDE

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EDIÇÃO

A REVISTA DE QUEM TEM OPINIÃO

ISTO PODE

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6 2 I r e v i s ta é p o c a I2 d e a b r i l d e 2 0 0 7

E que medidas o país precisa adotar agora para amenizar

os impactos negativos das mudanças climáticas

cIêncIa & tecnologIa MeIo aMBIente

SoB aS onDaS

Simulação de como ficaria a zona sul do Rio de Janeiro se o nível do mar subisse 12 metros. Pesquisadores dizem que isso poderia ocorrer, no fim do século, com o derretimento da Groenlândia e de parte da Antártida

cOmO O

aQUecimeNto GLoBaL

Vai afetar O Brasil

JUlIana aRInI

cIêncIa & tecnologIa cIêncIa & tecnologIa

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2 d e a b r i l d e 2 0 0 7 I r e v i s ta é p o c a I 6 3

A

s mudanças climáticas já se

im-põem como um dos principais de-safi os para o Brasil no século XXI. O recente consenso científi co sobre o impacto do aquecimento global aponta obstáculos que o país tem de começar a enfrentar desde já. Caso contrário, as conseqüências podem ser devastadoras. Uma boa comparação é o

estado febril em uma pessoa. Um aumento de 2 graus Celsius provoca várias pertur-bações no funcionamento do organismo humano. Os batimentos cardíacos fi cam mais lentos e a transpiração aumenta. Se a elevação for de 5 graus, torna-se grave. Com uma febre de 42 graus, como na malária, a pessoa sofre convulsões. Pode até morrer. Com o planeta, acontece algo semelhante. Segundo os cientistas, se a temperatura sobe 2 graus, sistemas de chuvas e secas já se al-teram, mas as formas de vida que conhece-mos ainda conseguem se adaptar. Com uma elevação de 5 graus, o clima da Terra entra

em colapso. Isso exterminaria a agricultura e a pecuária em boa parte das zonas tropi-cais, inundaria cidades litorâneas e tornaria freqüentes os furacões em quase todos os oceanos, inclusive o nosso Atlântico Sul.

Esse cenário preocupante é resultado de uma alteração na atmosfera da Terra. Um conjunto de gases – principalmen-te o carbônico – regula a quantidade de calor do Sol absorvida pela Terra. A queima de combustíveis fósseis e das fl o-restas vem lançando quantidades inédi-tas desses gases na atmosfera. Hoje, sua concentração é duas vezes maior que s

cIêncIa & tecnologIa MeIo aMBIente

cOmO O

aQUecimeNto GLoBaL

Vai afetar O Brasil

Selo VeRDe O símbolo ao lado, da

consultoria Iniciativa Verde, atesta que as emissões de carbono para produzir, imprimir e distribuir esta reportagem especial foram compensadas com o plantio de árvores

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6 4 I r e v i s ta é p o c a I 2 d e a b r i l d e 2 0 0 7 c Iê n c Ia & t ec n o lo g Ia M eI o a M B Ie n te

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Cerca de 32 milhões de pessoas

do agreste do Nordeste e de Minas Gerais poderão ter problemas de falta d’água

. Isso aumentaria a

migração para as cidades do litoral nordestino e do Sudeste

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e n a d a fo r fe it o , a g eo g rafi a d o br a sil p o d er á te r m u d an ça s d rá st ic as a té o fi m d o s éc u lo , se gu n d o e st u d o s re ce n te s q u e ap on ta m o s p os sí ve is im p ac to s d e u m a u m en to d e te m p er at u ra e n tr e 2 e 5 gr au s C el si u s n o p aí s. As am ea ça s m ai s gr av es s ão d an os à a gr ic u lt u ra , o d e-sa p ar ec im en to d e bo a p ar te d os c ar d u m es d e n os sa co st a e a d es er ti fi ca çã o d o N or d es te . A lé m d is so , o li to ra l d as r eg iõ es S u l e Su d es te p od er ia e n tr ar n a ro ta d e fu ra cõ es . ◆

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A ár ea re m a-ne sc en te p od er á te r m en os ci es d e ár vo re s, d e tr on co m ai s fin o te m p er at u ra e n tr e 2 e 5 gr au s C el si u s n o p aí s. As QUeIMaDaS Os incêndios

florestais, como este em Roraima, deverão ser mais freqüentes

Seca Criança procura água em açude no Ceará. A falta de chuvas poderá gerar os primeiros refugiados do clima do país

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En tr e 60 % e 7 0% d a flo re st a de ho je p od er á vi ra r u m a ve ge ta çã o co m ár vo re s m en or es e m en os d iv er si da de , co m o um a m at a de c ap oe ir a TO P I M A C E R N PB P E A L P A A M A C R O R R R R A P

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A re gi ão o ri en ta l d a flo re st a, m ai s vu ln er áv el a m ud an ça s cl im át ic as , p od er á se ca r. A g ra nd e sa va na d a Ve ne zu el a fo rm ar ia um c or re do r c om o P la na lto C en tr al b ra si le ir o – o qu e af et ar ia o re gi m e de c hu va s na s re gi õe s Su l e S ud es te

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C om m en os c hu va s, a s hi dr el ét ri ca s ge ra ri am m en os e ne rg ia c Iê n c Ia & t ec n o lo g Ia

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2 d e a b r i l d e 2 0 0 7 I r e v i s ta é p o c a I 6 5

Fotos: Marco Antonio Rezende/ÉPOCA, Mirian Fichitner/ÉPOCA, Jefferson Bernardes/AFP, Ag. RBS, La Costa/ÉPOCA e Ricardo Honorato/Folha Imagem

Fo nt es : U ni ca m p, E m br ap a, U FR J, F io cr uz , I pa m , W W F, U SP , A gê nc ia N ac io na l d e Ág ua s, M in is té ri o do M ei o Am bi en te , I np e, H ad le y C en te r e IP C C

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RISco Casa destruída pelo furacão Catarina, na Região Sul, em 2004. Isso poderá acontecer no Sudeste

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O a um en to d a ac id ez n a ág ua do s oc ea no s é um a am ea ça à s es pé ci es q ue fo rm am c on ch as , co m o as o st ra s. T am bé m a fe ta rá cr us tá ce os , c om o ca m ar õe s, ca ra ng ue jo s e la go st as

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80 % d as e sp éc ie s m ig ra tó ri as , co m o ta rt ar ug as e b al ei as ( fo to ), po de rã o se r e xt in ta s po r a lte ra -çõ es n as c or re nt es m ar íti m as , re du çã o da o fe rt a de a lim en to s e de sa pa re ci m en to d e pr ai as

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Ex te ns os p er ío do s de s ec a e po uc a ch uv a af et am o s ci cl os d as

águas no Pantanal. Espécies como o tuiuiú e a arara-azul poderão s

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Fotos: Marco Antonio Rezende/ÉPOCA, Mirian Fichitner/ÉPOCA, Jefferson Bernardes/AFP, Ag. RBS, La Costa/ÉPOCA e Ricardo Honorato/Folha Imagem

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águas no Pantanal. Espécies como o tuiuiú e a arara-azul poderão s

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InUnDaÇÕeS

Estudos prevêem que haverá mais enchentes, como esta no Rio Itajaí, em Blumenau (SC) R S S C P R S P M G G O TO B A P E A L M T M S A C R O S E d e ch uv as d ev er á pr ej ud i-du zi da e m a té 6 0% , m es m o co m a ir rig aç ão . O a qu ec im en to ta m bé m fa vo re ce o a um en to du zi da e m a té 6 0% , m es m o co m a ir rig aç ão . O a qu ec im en to ta m bé m fa vo re ce o a um en to

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O s re fu gi ad os d a Am az ôn ia e do s em i-á ri do ta m bé m d ev e-rã o le va r d oe as e nd êm ic as pa ra o s ce nt ro s ur ba no s. A s do en ça s ca us ad as p el a ág ua co nt am in ad a, c om o a le pt os pi -ro se , p od er ão a um en ta r c om a s en xu rr ad as R J ES

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R io d e Ja ne ir o e R ec ife d ev er ão s er a s ci da de s m ai s af et ad as p el a el ev aç ão d o ní ve l d o m ar . E ro sõ es n a co st a lit or ân ea p od er ão a fe ta r c er ca de 4 2 m ilh õe s de p es so as

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6 6 I r e v i s ta é p o c a I2 d e a b r i l d e 2 0 0 7

cIêncIa & tecnologIa

a dos últimos 650 mil anos. Nesse inter-valo de tempo, a Terra atravessou meia dúzia de eras glaciais e esquentou entre elas. Mas o calor que virá agora pode ser maior que o de qualquer desses períodos. O aquecimento já começou. Em 1905, quando a atividade industrial era menor, a temperatura média do planeta era de 13,78 graus Celsius. Hoje, está em torno de 14,50 graus. Até o fi m do século, vai crescer para algo entre 16,50 e 19 graus – numa estimativa conservadora.

O prognóstico ofi cial sobre as conse-qüências práticas de um mundo mais quente será divulgado na semana que vem por um painel de cientistas, o IPCC. Coordenado pela Organização das Nações Unidas (ONU), ele concen-tra uma elite de 2.500 dos principais pesquisadores de mudanças climáticas. Esse comitê, formado em 1988, atuali-za as informações sobre o clima e suas conseqüências. Ele avalia milhares de es-tudos e deles extrai o que há de consenso científi co. No início de fevereiro, o IPCC divulgou as previsões sobre aumento de temperatura da Terra. Na semana que vem, um grupo de pesquisadores repre-sentantes dos 130 países que integram o painel, reunidos em Bruxelas, na Bélgi-ca, vai descrever como essas mudanças climáticas afetam cada país.

O Brasil deverá sofrer bastante. Estudos realizados por pesquisadores nos últimos meses já revelam o que pode acontecer com nosso país. ÉPOCA ouviu 12 dos principais cientistas que descrevem os im-pactos sobre nossa geração e a de nossos fi lhos. Não são previsões infalíveis. Se há praticamente consenso sobre a gravidade do aquecimento global, os cientistas diver-gem ao especular sobre seus impactos (leia a reportagem à página 72). Apesar do grau de incerteza, essas pesquisas vão nortear as adaptações necessárias para sobreviver-mos nesse novo mundo. A seguir, apre-sentamos as principais ameaças ao Brasil e um levantamento inédito do que deve ser feito para reduzir seu impacto.

na rota dos furacÕes

A primeira cena que vem à cabeça quando que se fala em aquecimento

global são cidades submersas pela ele-vação do nível do mar. A imagem da zona sul do Rio de Janeiro alagada é uma possibilidade, mas, se isso ocor-rer, difi cilmente será antes de 2100. O futuro das casas litorâneas depende do comportamento imprevisível das gran-des geleiras da Groenlândia e da parte ocidental da Antártida. Algumas pes-quisas mostram que as fraturas na capa de gelo podem provocar um desmoro-namento em larga escala, com centenas de quilômetros de extensão,

numa questão de meses, a qualquer momento. Se isso acontecer, o nível do mar po-derá subir até 12 metros. A melhor comparação é o que

houve 125 mil anos atrás, antes da últi-ma era glacial. A temperatura da Terra estava em um nível equivalente ao que pode ser atingido no fi m deste século. Naquele tempo, a redução dos gelos po-lares fez o mar subir até 6 metros. Isso bastaria para que as ondas chegassem ao 2o andar de prédios no litoral.

As previsões mais moderadas para o país sugerem a elevação de 58 centímetros no nível do mar. Isso já poderia provocar ressacas mais intensas. “Nesse caso, o mar fi ca com ondas de 3 metros em cima de uma elevação de até 1,5 metro”, afi rma Claudio Freitas Neves, pesquisador do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ. “Apesar de o mar retroceder depois de algumas se-manas, o estrago seria grande”, diz Neves. Essas ressacas podem aumentar a erosão em uma grande faixa litorânea do país, acabando com boa parte das praias. Um estudo do Inpe alertou sobre a possibi-lidade de esse processo causar prejuízos a 42 milhões de pessoas que vivem na costa. Os pesquisadores tam-bém chamam a atenção para a possibilidade de ocorrência de ciclones e furacões no Sul e Sudeste, como o furacão Catarina, que assolou o Sul

cIêncIa & tecnologIa

a dos últimos 650 mil anos. Nesse inter- alagaMento

Motoristas em um túnel alagado em São Paulo. Esta cena pode se tornar mais comum, com o aumento de temporais no Sudeste

FUracÕes podem

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sUdeste

Foto: Clayton de Souza/AE

Leia e opine sobre aquecimento

global no Blog do

Planeta em

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2 d e a b r i l d e 2 0 0 7 I r e v i s ta é p o c a I 6 7

cIêncIa & tecnologIa

do país em 2004. Esses eventos podem chegar ao litoral de São Paulo e ao do Rio de Janeiro.

O que fazer

Para lidar com isso, o Brasil

vai ter de comprar ou desenvolver sis-temas de alerta contra furacões, como os usados pelos Estados Unidos e pelo Japão. É uma forma de retirar a popula-ção quando a tempestade se aproxima e reduzir, pelo menos, as mortes. Também será preciso investir em estudos sobre o litoral. Um dos principais obstáculos das projeções sobre elevação do nível do mar é a falta de um mapa cartográfico da costa brasileira. “Não sabemos aonde o mar vai chegar, pois não temos dados precisos da topografia de nossas praias”, diz Neves. O pesquisador afirma que a grande maioria de cidades e portos bra-sileiros – como o de Santos e o do Rio – não tem marcações no chão, chamados de marcos topográficos, para assinalar as elevações no solo. “Sem esses números, é impossível pesquisar”, diz Freitas.

Meia floresta aMazônica

O desaparecimento completo da flo-resta está entre as previsões mais

pessi-mistas. Isso pode acontecer se a tempe-ratura média da região aumentar mais de 5 graus. E essa elevação pode chegar a 8 graus. “Seria um caminho sem retor-no”, diz Carlos Nobre, climatologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A previsão mais aceita para a re-gião é um aumento de temperatura de cerca de 3 graus até 2100. Nobre afirma que, nessa simulação, a floresta perderia mais da metade de sua cobertura origi-nal. “Pode acontecer uma união entre a grande savana da Venezuela e a parte central do Brasil”, diz. Seria um campo com algumas árvores, mas dominado por arbustos e capim, bem menos imponente que a floresta atual.

Um estudo realizado em dez anos pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) encontrou algumas pistas sobre como a floresta desaparece-ria. Segundo o biólogo Daniel Nepstad, coordenador do estudo, a temperatura elevada aumenta os períodos de estiagem. A queda na umidade natural da floresta acaba com o vapor de água da transpira-ção das plantas, que protege as árvores das queimadas. A vegetação fica mais exposta ao fogo. Como o fogo agrava a seca, cria-se um ciclo de destruição. O baixo nível dos cursos da água pode dei-xar grande parte da população local com problemas de transporte e alimentação. O desaparecimento de metade da Floresta Amazônica também pode reduzir em até 35% a umidade nas regiões Sul e Sudeste do país, afetando os ciclos de chuvas.

O que fazer

Salvar a floresta depende de

al-gumas ações preventivas. A primeira delas é a criação de mais unidades de conserva-ção, como reservas e parques ecológicos, para conter o fluxo devastador. As pesqui-sas do Ipam concluíram que a porção mais

importante a ser preservada é o sudeste da floresta, entre os Estados do Pará e do Maranhão. “Essa região é fundamental para garantir a umidade, responsável pelas chuvas em toda a Região Norte”, afirma Nepstad. Uma segunda ação seria o reflorestamento, com espécies nativas, das áreas já degradadas. “É uma forma de criar um mecanismo para capturar carbono e ao mesmo tempo restabelecer a umidade na região”, diz ele. Essas ár-vores também podem ser utilizadas pela indústria de celulose e nas siderúrgicas. O reflorestamento poder ser intercalado com sistemas de exploração da madeira nativa, a partir de práticas não-preda-tórias. Mas a ação mais importante é a criação de programas para acabar com a utilização do fogo para limpar o solo. São essas queimadas que saem do controle e carbonizam florestas já fragilizadas. “Sem o combate ao uso do fogo, não há como conservar a Amazônia”, diz Nepstad.

uM deserto no nordeste

O Nordeste brasileiro é a região mais sensível ao aquecimento global. Podemos ter o primeiro deserto do país em uma área com 32 milhões de habitantes. Caso esse cenário se torne real, uma nova onda de migração pressionaria as capitais do Nordeste e Sudeste. Seriam os primeiros refugiados do clima do Brasil. A depres-são sertaneja, entre os Estados da Bahia e do Piauí, é a região mais crítica. Os pesquisadores traçam três cenários para o semi-árido brasileiro. Mesmo no mais favorável, com a elevação da temperatura em 1,5 grau, parte do lençol freático po-derá desaparecer. Os açudes construídos desde o tempo do Império para abastecer a população nos períodos de seca podem sumir. Com a falta de água subterrânea para a irrigação e os açudes com seus li-mites baixos, teríamos um ambiente pior que o registrado na seca de 1983. Para-doxalmente, chuvas incomuns também podem ocorrer. Como em 2004, quando choveu em um mês mais que toda a taxa anual. Isso aumenta a erosão do solo.

O que fazer

Apesar dos prognósticos

ruins, medidas de conservação ambiental s

mais da metade da

flOresta amazônica

poderá desaparecer

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6 8 I r e v i s ta é p o c a

cIêncIa & tecnologIa MeIo aMBIente

podem evitar a desertifi cação. No caso de um cenário de aquecimento global de até 2 graus, o processo pode ser freado. O primeiro passo seria a criação de áreas protegidas. Hoje, só 0,5% da caatinga está em unidades de conservação. Evitar que esses remanescentes sejam destruídos preserva a cobertura de árvores, funda-mental para interromper a desertifi cação. Ao mesmo tempo, será preciso melhorar o acesso à água, com cisternas ou barragens subterrâneas. A idéia é colocar um im-permeabilizante – que pode ser até uma lona de plástico – para evitar que a água dos rios temporários seja absorvida pelo solo durante a estiagem.

“Estamos trazendo tecnologias de ou-tros semi-áridos, como Israel e México, para garantir a sobrevivência da agricul-tura familiar”, afi rma Iedo Bezerra Sá, engenheiro fl orestal da Embrapa Petro-lina, na Bahia. Também será preciso de-senvolver novas variedades para o plan-tio, como o feijão caupi, da Embrapa, que consegue brotar em temperaturas mais elevadas. A empresa também pes-quisa novos tipos de arroz e pastagens para garantir a criação de pequenos ani-mais, como as cabras. “Não há receita de bolo, mas é possível salvar o semi-árido da desertifi cação”, diz Bezerra Sá.

a destruiÇÃo da laVoura

Os impactos na agricultura nacional são as conseqüências mais alarmantes do aquecimento global. Em um cenário de aumento de temperatura de até 5 graus, a produção agrícola brasileira perderia mais da metade de sua área cultivável. Lavouras como o café desapareceriam do território nacional. A capacidade de alimentar a população fi caria compro-metida. Um cenário intermediário, de aumento de até 3 graus na temperatura regional, é o mais provável, segundo o pesquisador da Embrapa Eduardo As-sad. Nesse caso, o país perderia muitas áreas cultiváveis. A da soja seria reduzida dos atuais 3,3 milhões de quilômetros quadrados para 2,2 milhões. O plantio fi caria restrito a algumas áreas na Ama-zônia, para o temor dos ambientalistas que lutam para defender a fl oresta.

O que fazer

Uma das chances para reverter

esse cenário são as variedades de plantas adaptadas às mudanças climáticas. “Com o melhoramento genético, podemos ga-rantir que não ocorram grandes alterações na área plantada”, afi rma Assad. Essa adap-tação acontece por meio do cruzamento das espécies comerciais, como a soja, com plantas do cerrado, escolhidas por serem resistentes a extremos de calor e seca. “O cerrado é a esperança de salvação para o agronegócio”, diz. “Precisamos preservar esse ecossistema para buscar plantas nati-vas que vão garantir a agricultura.” O cer-rado, no entanto, é hoje a área mais visada para a expansão da soja e dos canaviais. Dois terços de sua vegetação original já desapareceram. O esforço de preservação tem de começar logo.

o fiM da Pesca

A pesca é a atividade humana de busca por proteína mais antiga da humanidade. Talvez não tenha muito futuro. Pesquisas demonstram que restarão poucos pesca-dores depois das mudanças climáticas.

Muitas das espécies de peixes de águas doces e do mar que consumimos correm o risco de ser extintas. Pior: há pouca dis-ponibilidade de espécies criadas em cati-veiro. No total, menos de 10% dos peixes ingeridos no mundo são de criadouros.

Nos oceanos, o problema parece ser maior. Os ambientes já pressionados pela poluição e pesca descontrolada devem so-frer. Uma das ameaças é a destruição dos mangues, passíveis de ser alagados pela elevação do nível do mar, e dos corais, que seriam destruídos por uma mudança de acidez da água (provocada porque o mar absorve parte do carbono da

cIêncIa & tecnologIa

podem evitar a desertifi cação. No caso

BRancoS e FRacoS

Corais do Caribe ficaram doentes pela temperatura elevada da água. Isso também aconteceu em nosso litoral

cerca de 80% das

esPÉcies De PeiXes

podem sUmir do

litOral e DOs riOs

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2 d e a b r i l d e 2 0 0 7 I r e v i s ta é p o c a I 6 9

cIêncIa & tecnologIa MeIo aMBIente

ra). Ambos funcionam como berçários naturais, que garantem a reposição dos estoques pesqueiros. Um estudo da Or-ganização das Nações Unidas para a Agri-cultura e a Alimentação (FAO) afi rma que espécies de peixes migratórios e de alto-mar também podem ser extintas.

Uma amostra do que pode vir por aí aconteceu em Abrolhos, na Bahia. Em 1998, durante uma onda de calor, houve um queamento de 85% dos corais. No bran-queamento, os organismos que mantêm o coral vivo (e colorido) morrem, deixando apenas a estrutura calcárea, branca. “Foi um grande susto”, diz Guilherme Dutra, bió-logo da ONG Conservação Internacional. “Com sorte, cerca de 90% desses corais se recuperaram. Mas não sabemos o que pode acontecer caso a temperatura aumente 2 graus.” Sem os recifes, muitas espécies de peixes, como os meros e as garoupas, per-dem seu hábitat e local de reprodução.

O que fazer

Há poucos levantamentos de

quais medidas podem evitar um colapso na pesca. De qualquer forma, a criação em cativeiro não parece ser a solução, porque ela destrói justamente as regiões de mangues e corais.

uM efeito PositiVo

Nem todas as previsões são negativas. Com a possibilidade de aumento das chu-vas no Sul, podemos ter um crescimento na produção de energia do país. Na região está 40% da capacidade instalada de geração de energia. “Isso pode ser um ponto positivo, apesar de aumentar o sedimento e reduzir o tempo de vida útil das usinas”, diz Carlos Tucci, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O incremento pode até compensar as perdas de geração em usi-nas do Nordeste, como Paulo Afonso, Três Marias e Sobradinho. Ou as perdas no Su-deste, que terá menos chuvas no inverno.

Apesar de todos esses cenários e possíveis soluções, ainda falta muito para o Brasil ter

um plano de combate ao aquecimento glo-bal. No início do mês, uma articulação en-cabeçada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, começou a debater a questão com a Presidência da República. “Precisa-mos criar um plano nacional para o aque-cimento global, pois os efeitos vão além da esfera ambiental e passam pela econômica e social”, afi rmou Marina. Agora, ela circu-la de ministério em ministério, tentando alertar o alto escalão para a gravidade da questão. Apesar do esforço da ministra, o governo federal ainda não acenou com datas para iniciar alguma ação.

Para alguns cientistas, organizar ações e projetos de controle das mudanças climáticas pode ser uma grande chance para o país. Mesmo diante de todas as previsões catastrófi cas, muitos pesquisa-dores são otimistas: acreditam nas possi-bilidades brasileiras de aproveitar nossos recursos naturais para ajudar os países industrializados a reduzir – ou compen-sar – suas emissões poluentes. Esses países são os responsáveis por mais de 70% das emissões de gases que aquecem o planeta. E estão comprometidos na Convenção Mundial do Clima, da ONU, a reduzir suas emissões. Hoje, pelo Protocolo de Kyoto, os países signatários devem re-duzir suas emissões em 5%. A partir de 2012, as metas devem ser revistas. Podem chegar a 50% de redução.

Isso cria oportunidades para o Brasil. Uma delas é propor que os países desen-volvidos paguem pela conservação das fl orestas tropicais. A outra seria vender cotas em projetos que capturam os gases poluidores. São os mecanismos de desen-volvimento limpo (MDLs). Os projetos envolvem ações como captura de metano dos lixões, refl orestamento e técnicas agrí-colas de consórcio entre pasto e lavoura. Para alguns, é uma nova oportunidade de melhorar nossa economia. Desta vez, preservando nossos recursos naturais. “Já perdemos o bonde da História em relação à industrialização, ao crescimento econô-mico e à educação”, diz Carlos Nobre, do Inpe. “Agora, temos elementos sufi cien-tes – fl orestas, combustíveis renováveis e energia limpa – para nos tornar uma potência em serviços ambientais.” Seria uma chance inédita de crescer sem destruir nossa riqueza natural. ◆

PenDURaDo

Caranguejo em um manguezal baiano. A elevação dos mares pode destruir a vegetação dos mangues e afetar o berçário de peixes. Além disso, a acidez da água pode ter impacto no desenvolvimento dos crustáceos

o BrasiL pode

lucrar cOm a

coNserVaÇÃo de

suas flOrestas

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7 0 I r e v i s ta é p o c a I 2 d e a b r i l d e 2 0 0 7

cIêncIa & tecnologIa meIo ambIente

cIêncIa & tecnologIa

n

a metade de 2001, a seção do Departamento de Defesa dos Es-tados Unidos, chefi ada por An-drew Marshall, chegou à conclusão de que a maior ameaça aos EUA era um ataque por terroristas estrangeiros no próprio território. O relatório apresentado ao go-verno americano pareceu exagerado para muita gente. O 11 de setembro mostrou que Marshall, um octogenário careca co-nhecido por seus subordinados como Yoda, o mestre Jedi de Guerra nas Estrelas, sabe se antecipar aos golpes. Desde 1973, ele é pago para imaginar quais serão os problemas de segurança que ameaçarão os EUA e, por extensão, o mundo todo. Em 2003, quando os EUA invadiam o Iraque, Yoda já estava na próxima guerra. Sua maior preocupação àquela altura era o aquecimento global.

Yoda encomendou um estudo sobre o impacto que as mudanças climáticas te-riam na segurança do mundo. Foi o pri-meiro de um punhado de estudos sobre o tema e, embora controverso, continua sendo a referência no debate sobre o tema. O que mudaria em termos geopolíticos e estratégicos com o aquecimento global? A conclusão é assustadora. O mundo afeta-do pelas mudanças climáticas seria muito mais instável e perigoso. Antigos padrões de segurança e de alianças estratégicas não serviriam mais. Regiões há muito pacifi -cadas, como a Europa Ocidental, estariam sob pressão de hordas de imigrantes. As

invasões para obtenção de recursos pura e simples estariam de volta ao cenário inter-nacional. Seria, em certa medida, uma vol-ta à barbárie. Mas o arsenal à disposição desses novos bárbaros seria o moderno. E alguns dos países potencialmente mais afetados têm armas nucleares.

para os estrateGistas Do peNtÁGoNo

,

quanto mais rápida a mudança climática, piores serão suas conseqüências estraté-gicas. Uma mudança gradual ao longo de 50 ou cem anos pode ter soluções im-plementadas em tempo hábil. Mas o que aconteceria se as mudanças ocorressem em uma ou duas décadas? Para imaginar um cenário como esse, Marshall con-tratou Peter Schwartz e Doug Randall. Schwartz é quase um escritor de fi cção científi ca. Dirigiu a seção de planejamen-to do grupo Shell e já presplanejamen-tou serviços para clientes tão diferentes quanto a CIA, a central de inteligência dos EUA, e o es-túdio Dreamworks, para o qual imaginou

maRcelo mUSa caVallaRI

Guerra por comida, hordas de migrantes, disputa por

recursos. Estudos recentes sugerem que o mundo

pós-aquecimento poderá ser mais instável e perigoso que hoje

“A MUDANÇA DO

CliMa É a Mais

SÉRIA AMEAÇA QUE

eNFreNtaMos HoJe”

o futuro tal como ele aparece no fi lme Minority Report – A Nova Lei.

Schwartz e Randall levantaram toda a ciência até então disponível sobre aqueci-mento global. E escolheram como ponto central um dos possíveis cenários apon-tados pela ciência: o bloqueio da corrente marítima quente que aquece a Europa. Isso gelaria o norte do continente e transfor-maria a Escandinávia, por exemplo, num deserto gelado inabitável. Foi esse relató-rio do Pentágono que deu origem ao fi lme O Dia depois de Amanhã.

“A função desse estudo é imaginar o impensável”, escreveram Schwartz e Ran-dall. “É empurrar os limites da pesquisa sobre mudança climática para entender melhor as potenciais implicações para a segurança dos EUA.” E do mundo todo. Depois do trabalho de Schwartz e Ran-dall, outros poucos estudos foram feitos. Em 2004, o principal assessor científi co do governo britânico, sir David King, es-creveu para a revista Science que “a mu-dança do clima é o mais sério problema

retorNo À

BARBÁRIE?

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2 d e a b r i l d e 2 0 0 7 I r e v i s ta é p o c a I 7 1

cIêncIa & tecnologIa meIo ambIente

Deserto

Helicóptero sobrevoa o que já foi um lago no Quênia. A diminuição de chuvas pode afetar gravemente os países tropicais. Isso aumentaria a imigração rumo a terras mais férteis e os conflitos por recursos básicos

que enfrentamos hoje, mais até que a ameaça do terrorismo”. De olho nisso, o Oxford Research Group, um grupo inde-pendente sediado no Reino Unido, estu-dou o aquecimento global em seu Global Responses for Global Threats (Respostas Globais para Ameaças Globais).

Boa parte das conclusões dos dois estu-dos coincide. O aquecimento global pode mudar padrões de produção de alimento. A produção agrícola mundial diminuiria. e haveria carência de grãos. As mudanças afetariam grandes produtores de alimentos, como Austrália, Argentina, Brasil e regiões temperadas da Europa. Mas seriam mais graves na região tropical. É aí que vive gran-de parte das pessoas que se gran-dedicam à agri-cultura de subsistência. A desertificação de largas porções da África pode aumentar a pressão imigratória, principalmente em di-reção à Europa. Como o sul europeu pode perder produtividade e boa parte de sua água, o continente teria menos condições de abrigar mais imigrantes. E, se o esfria-mento do norte da Europa ocorrer,

hipó-tese pouco provável, também de lugares como a Escandinávia virão imigrantes.

Dois países são especialmente vulnerá-veis: a China e a Índia. Os dois mais popu-losos do mundo teriam poucas condições de enfrentar a diminuição da produção agrícola. Além disso, o relatório do Pentá-gono mostra que a diminuição dos recursos disponíveis teria efeitos mais devastadores em países que vivem grande tensão interna. Especialmente se causada por diferenças étnicas e religiosas. A tensão social causada pela fome se tornaria muito mais explosiva combinada à tensão étnico-religiosa. Para obter mais comida, a Índia e a China po-deriam tentar invadir terras mais férteis de vizinhos. A China pode mirar a Mongólia e a Rússia, ao norte, ou o sudeste asiático, ao sul. Ou a porção norte da Índia. A Índia pode mirar o Paquistão e a própria China. A tensão entre esses países é potencialmen-te catastrófica. Índia, Paquistão, China e Rússia têm armas nucleares.

O arqueólogo de Harvard Steven Le-Blanc, também professor em West Point, a

principal academia militar dos EUA, vê o risco de o mundo todo, não apenas China e Índia, voltar ao padrão de três séculos atrás. Até 300 anos atrás, invasões feitas com o objetivo de tomar recursos, basicamente comida, eram o padrão da maioria dos conflitos. “Quando esse tipo de conflito ocorre”, diz LeBlanc, “25% da população masculina adulta morre.”

A elevação do nível do mar deverá afe-tar a produção pesqueira de boa parte do mundo. E a pesca na beira da costa é a que concentra as populações mais pobres e vul-neráveis ao impacto. Além disso, a inunda-ção de mangues e deltas de rio aumentará a pressão migratória vinda de partes pobres do mundo, como Bangladesh e o Delta do Mekong, no Vietnã. Os países que não ti-verem sua agricultura fortemente afetada terão de se proteger de invasores.

Novas oportuNiDaDes abertas pela

mudança climática também podem gerar conflitos. Um dos efeitos já sensíveis do aquecimento global é a diminuição da ca-lota polar no Ártico. Se o gelo que cobre o Pólo Norte recuar muito ou derreter por completo, um novo oceano estará aberto para exploração. E ele já é disputado por cinco países: EUA, Canadá, Dinamarca, No-ruega e Rússia. Se o derretimento avançar apenas mais um pouco, a Passagem Noroes-te se tornará uma importanNoroes-te rota marítima. Atualmente, ela só é utilizável durante umas poucas semanas no verão. Se se tornar na-vegável durante o ano todo, será excelente opção de navegação entre o Atlântico e o Pacífico. Como ela passa entre duas ilhas que pertencem ao Canadá, os canadenses reivindicam a soberania sobre ela. Os EUA não aceitam. E, para deixar claro que con-sideram as águas internacionais, freqüente-mente mandam navios da Marinha passar por lá sem pedir autorização ao Canadá.

No fundo do Oceano Ártico há petróleo. Há também potencial para a pesca. E, se a rota marítima pelo norte da Rússia se abrir com o degelo, a exploração de gás, petró-leo e minérios na Sibéria retoma impulso. Tudo isso depende de quem tem o con-trole territorial do Oceano Ártico. Velhos aliados, como EUA, Canadá e Dinamarca, estão na briga. Velhas rivalidades, como a que existe entre Rússia e EUA, serão alimentadas por novas desavenças. u

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7 2 I r e v i s ta é p o c a I2 d e a b r i l d e 2 0 0 7

CIÊNCIA & TECNOLOGIA CIÊNCIA & TECNOLOGIA MEIO AMBIENTEEDITORIARETRANCA MEIO AMBIENTE

A

mobilização internacional em torno do aquecimento global tem sido tamanha que é cada vez mais comum ouvir uma reação cética. “Para que tanto alarme?”, perguntam. “Por que devemos acreditar no que di-zem os cientistas se eles mal conseguem prever se vai chover amanhã?”

Um grupo de cientistas, políticos e eco-nomistas tem questionado as previsões alarmistas de modo bastante persuasivo. O maior expoente desse grupo de céticos é o estatístico dinamarquês Bjorn Lom-borg, autor do livro O Ambientalista Cé-tico, publicado em 2001. No livro, Lom-borg pinta um quadro otimista do futuro do planeta. De acordo com ele, as previ-sões dos especialistas em clima são exa-geradas. Outro representante célebre da comunidade cética é o escritor de fi cção científi ca americano Michael Crichton. Em seu romance Estado de Medo, de

2004, Crichton cria uma trama em que ecoterroristas usam pseudociência para ameaçar reféns. “A sociedade ocidental está assombrada por medos exagerados ou inadequados”, diz Crichton. Ele foi recebido recentemente pelo presidente americano George W. Bush – outro cé-tico famoso em relação ao clima – em jantar na Casa Branca saudado por um resenhista da revista americana New Yorker como um encontro entre dois dos maiores autores de fi cção sobre ter-rorismo do planeta.

Ironias à parte, os céticos levantam uma questão essencial: até que ponto podemos confi ar nas previsões dos cien-tistas sobre o clima? “Há mais dúvidas que certezas”, afi rma o administrador de empresas João Luiz Mauad, um estu-dioso que acompanha de perto o debate em torno do aquecimento global. “Os céticos me parecem muito mais bem fundamentados que os outros. O

aqueci-mento global virou um negócio, há mui-to dinheiro envolvido em pesquisa e, por isso, os cientistas estão forçando a barra. Apelar para um suposto consenso é uma velha estratégia para evitar o debate.”

O tal consenso vigente entre os pes-quisadores – formado pela elite cientí-fi ca que integra o maior painel sobre clima do mundo, o IPCC – afi rma que nosso planeta está ameaçado por causa da ação humana. E bastariam 3 graus Celsius de aumento na temperatura do planeta para a Terra fi car irreconhecível. Tais previsões são baseadas em estudos de probabilidades, alimentados pelo co-nhecimento científi co mais avançado até agora. De concreto, pode-se dizer que, provavelmente, assim como houve diversas outras eras em que o planeta es-quentou e esfriou, estaríamos entrando numa fase de aquecimento global mes-mo sem a interferência humana. Mas também é possível afi rmar que, com

LUCIANA VICÁRIA

CIENTISTAS?

CIÊNCIA & TECNOLOGIA MEIO AMBIENTE CIÊNCIA & TECNOLOGIA CIÊNCIA & TECNOLOGIA MEIO AMBIENTE CIÊNCIA & TECNOLOGIA CIÊNCIA & TECNOLOGIA MEIO AMBIENTE

Por enquanto, só há uma certeza sobre o aquecimento global: duvidar das

previsões catastrofistas pode ser mais arriscado que se preparar para o pior

DÁ PARA CONFIAR NOS

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EDITORIARETRANCA

certeza, a ação humana, por meio da emissão de gases, é uma grande contri-buição para o aquecimento da atmos-fera. Nossas certezas acabam aí. É bom que o debate em torno do aquecimen-to global seja movido pela incerteza. O ceticismo sempre fez a ciência evoluir. A seguir, tentamos apresentar o que se sabe sobre as principais dúvidas que cercam o aquecimento global.

Como é possível prever o clima do futuro se os pesquisadores erram até a previsão do tempo?

A meteorologia pertence a um grupo de disciplinas conhecidas como ciências da complexidade. Como o próprio nome diz, são ciências complexas. O maior exemplo disso é o clima da Terra, um fenômeno que envolve um sem-número de variáveis. Vá-rios fatores se comportam praticamente ao acaso, como a pressão do ar e o comporta-mento dos ventos. Por isso, toda previsão está sujeita a fatores imponderáveis, que impedem previsões precisas. É virtual-mente impossível, por exemplo, saber se vai chover ou fazer sol no dia 25 de dezembro deste ano em São Paulo. Mas as ciências da complexidade têm uma característica peculiar: embora não permitam previsões com alto grau de precisão, permitem de-tectar tendências nos fenômenos. Embora não dê para dizer se vai chover no Natal, é corriqueiro prever com grande precisão quanta chuva vai cair em dezembro. “O clima dos últimos três verões foi bastante parecido em São Paulo”, diz Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pes-quisas Espaciais (Inpe). Isso signifi ca que a média de temperatura variou pouco e a quantidade de chuva que caiu na região foi equivalente à de outros anos. É por isso que errar na previsão do tempo não signifi ca errar na previsão do clima.

Como os cientistas sabem como es-tará o clima da Terra em 2100?

As grandes equações que tentam prever o clima futuro são aceitas como seguras porque foram testadas, antes, para prever o passado. Com base no comportamento de variáveis climáticas como correntes marinhas, ventos e incidência dos raios solares, os cientistas constroem, em com-putadores, modelos capazes de simular o clima. A primeira coisa que eles fazem é testar esses modelos com variáveis do passado. Os computadores tentam cal-cular como teria sido o clima em 1950 ou 1901. Em seguida, os pesquisadores levantam os registros históricos de ob-servações meteorológicas para conferir se os modelos acertaram ou erraram. E tentam adaptá-los e corrigi-los, progressi-vamente. Os modelos estão cada vez mais sofi sticados. Nos anos 90, as simulações passaram a ser feitas em supercomputa-dores, com novas variáveis atmosféricas e um volume maior de informações.

Por que só agora os cientistas dizem que há consenso sobre o aquecimento global?

Num dos primeiros encontros mundiais sobre mudança climática, em 1975, em To-ronto, metade dos cientistas imaginava que a Terra esquentaria, a outra metade estava certa de que o planeta esfriaria. De lá para cá, o conhecimento evoluiu. Os últimos cinco anos foram decisivos. Havia poucos modelos climáticos e eles eram defi cientes. Os modelos de clima não consideravam a infl uência de alguns ciclos naturais, como a circulação do gás carbônico na Floresta Amazônica. Entre 1990 e 2001, os pesqui-sadores consideravam apenas 12 modelos em suas previsões. O relatório divulgado em fevereiro deste ano considerou os 20 modelos climáticos mais confi áveis. Cada um foi desenvolvido por um centro de pes-quisas independente. “Ter mais modelos signifi ca mais embasamento teórico para um consenso”, diz o climatologista holandês Paul Crutzen, prêmio Nobel de Química em 1995. “Os modelos de computador s

ESCRITO NO GELO Pesquisador retira amostra de gelo na Antártida. As bolhas geladas ajudam a estudar a temperatura do planeta ao longo da História PESQUISA NO CAMPO Cientistas monitoram a chegada de uma tempestade ao Kansas. Nos últimos cinco anos, eles reuniram um volume inédito de informações sobre o clima

OS ÚLTIMOS

RELATÓRIOS

DE MUDANÇAS

CLIMÁTICAS ERRARAM.

PARA MENOS

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

7 4 I r e v i s ta é p o c a I 2 d e a b r i l d e 2 0 0 7 não chegam exatamente ao mesmo resulta-do. Mas todos apontam a mesma tendên-cia: o planeta vai continuar esquentando pelos próximos 2 mil anos”, diz o geógrafo Jack Williams, da Universidade de Wiscon-sin-Madison, dos Estados Unidos.

A Terra já enfrentou períodos quen-tes e frios. Por que acreditar que nós, seres humanos, somos responsáveis pela mudança climática atual?

É fato que o planeta passou por perío-dos de frio e calor antes de os humanos o ocuparem. “A diferença é que esses períodos de aquecimento e resfriamen-to da Terra duraram milhares de anos”, diz Peter Cox, professor de Dinâmicas de Mudanças Climáticas da Universida-de Universida-de Essex, no Reino Unido. “O planeta nunca se aqueceu tão rapidamente.” Há outra razão científi ca para acreditar que o homem vem sendo responsável por este aquecimento. Os modelos climáticos só conseguem explicar o aquecimento global dos últimos séculos quando consideram os gases despejados pelo homem. Não há processos naturais conhecidos que expli-quem o fenômeno. “É por essas duas ra-zões principais que, pela primeira vez na História, os pesquisadores chegaram a um consenso: o homem é o principal agente da mudança climática”, afi rma Cox.

Como os cientistas podem dizer que um aumento de apenas 3 graus na tem-peratura fará tanta diferença?

Para chegar a essa conclusão, os pes-quisadores comparam as condições climáticas de hoje com as do passado. Estudos do clima na Pré-História mos-tram como era a atmosfera terrestre até milhões de anos atrás. Isso é possível pela análise de bolhas de ar que fi caram presas em blocos de gelo do Ártico e da Antár-tida. Eles sabem a idade das bolhas pela profundidade em que foram encontradas (o gelo se acumula em camadas ao longo dos milênios). Para prever como seria a Terra 3 graus mais quente, os cientistas estudam o último período em que o pla-neta alcançou tal temperatura, entre 120 mil e 100 mil anos atrás. “A temperatura estava exatamente na faixa esperada para o fi m deste século”, diz o climatologista americano Kerry Emanuel, do Instituto

de Tecnologia de Massachusetts. Na épo-ca, o aumento na temperatura foi pro-vocado por alterações na órbita da Terra em relação ao Sol. Geólogos que estudam erosão, sedimentação e as mudanças do litoral do planeta ao longo dos milhões de anos sugerem que metade da Groen-lândia e parte da Antártida derreteram há 120 mil anos. O mar estava até 6 me-tros mais elevado que hoje. Esse retrato da Terra daquela época ajuda a ilustrar o que poderá acontecer neste século.

Qual o grau de acerto dos cientistas em suas previsões?

Um estudo publicado em fevereiro na revista científi ca Science analisou as previ-sões dos três relatórios do painel climático

da ONU, o IPCC, nos últimos 15 anos. A conclusão foi surpreendente. De acor-do com a análise, os últimos relatórios erraram. O painel não acertou os índices de emissão de gás carbônico, nem o au-mento do nível do mar, nem o aumen-to da temperatura global. Mas os erros ocorreram dentro da margem prevista e, o mais importante, de modo conser-vador. A temperatura, o nível do mar e a emissão de poluentes subiram mais que o previsto. “É por isso que, até agora, o IPCC só pode ser acusado de excesso de cautela”, diz Paulo Artaxo, pesquisador da Universidade de São Paulo. A valer a conclusão dessa análise, preparar-se para o pior pode ser mais sábio que duvidar das previsões catastrofi stas. ◆

NO AR

Pesquisador lança um balão meteorológico com sensores para medir condições atmosféricas. Os dados são usados para prever o clima futuro

CIÊNCIA & TECNOLOGIA

não chegam exatamente ao mesmo

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P

arece o triunfo dos ambienta-listas. Quinze anos depois da Eco-92, quando empresários de diversos países iniciaram discussões sobre como as companhias poderiam operar sem agre-dir a natureza, presidentes de empresas do mundo todo assumem publicamente o compromisso de tornar seus negócios am-bientalmente responsáveis. São líderes do porte de Jeffrey Immelt, principal executivo da gigante industrial General Electric, que investe no desenvolvimento de tecnologias limpas. O que colocou o assunto defi niti-vamente na agenda empresarial não foi a destruição da biodiversidade ou a extinção das espécies. Foi o aquecimento global. “Os desafi os ambientais tornaram-se dilemas empresariais e as mudanças climáticas re-velaram a urgência do problema”, afi rma Fernando Almeida, presidente do Conse-lho Empresarial Brasileiro para o Desen-volvimento Sustentável (Cebds).

Essa disposição empresarial para cui-dar do meio ambiente é um indicador da gravidade das mudanças climáticas. Ela mostra como a onda verde atual difere do modismo ambiental do início da década de 90. Provavelmente, a diferença está na atmosfera da Terra. “O setor produtivo está se preocupando. E, quando eles resolvem investir dinheiro, é porque o assunto é sé-rio”, diz o físico David King, cientista-chefe do Reino Unido. Ele explica por que o

cli-ma de urgência dos cientistas fi nalmente contaminou quem tem poder econômico. “Passamos do ponto de poder evitar a mu-dança climática perigosa. Falamos agora de evitar a mudança catastrófi ca”, diz.

Embora muitos homens de negócios tenham uma preocupação genuína com a ecologia, eles não estão falando em cui-dar do ambiente porque são bonzinhos. Há dinheiro envolvido nessa história. De um lado, a escassez de recursos naturais ou novos limites das emissões de gases do efeito estufa podem elevar os custos. Já os negócios ambientalmente responsáveis podem agradar a consumidores conscien-tes e gerar fonconscien-tes de receita. Interessadas em transformar os riscos ambientais em economia e lucro, cada vez mais empre-sas aderem à onda verde. “O que foi um movimento de uma minoria no passa-do está se transformanpassa-do na grande tendência”, afi rmou o empresário suíço Stephan Schmidheiny, pio-neiro no discurso da responsabilida-de socioambiental. Eis como algumas companhias estão se mexendo.

1) Produtos ecológicos – Todos os anos, os executivos da GE reúnem-se com seus principais clientes para discutir o futuro. O objetivo é analisar as tendên-cias que afetarão os negócios nas décadas seguintes. Três anos atrás, os clientes da GE alertaram a empresa para um tema até então inédito nessas conversas: a crise s

CYNTHIA ROSENBURG

VERDE

É 0 TOM

DOS NEGÓCIOS

O investimento ambiental das grandes empresas

indica a gravidade da crise ecológica. Também

revela que dá para ganhar dinheiro com ela

CAPITAL

Projeto da nova sede ecológica do Bank of America. Eles vão investir US$ 20 bilhões em negócios contra o efeito estufa DIREÇÃO Turbinas eólicas da GE na costa da Irlanda. A empresa já ganhou US$ 20 bilhões vendendo produtos ecológicos Fotos: divulgação

CIÊNCIA & TECNOLOGIAMEIO AMBIENTE

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7 6 I r e v i s ta é p o c a I2 d e a b r i l d e 2 0 0 7

CIÊNCIA & TECNOLOGIAMEIO AMBIENTE

CIÊNCIA & TECNOLOGIA

ambiental. “Nossos parceiros estavam preo-cupados com as novas regulamentações, a escassez de água e os gastos crescentes com energia”, afi rma Lorraine Bolsinger, vice-presidente da GE. “Percebemos que pode-ríamos criar os produtos que ajudariam a resolver esses problemas.”

De lá para cá, Lorraine vem ajudando a GE numa iniciativa batizada de Ecomagi-nation. Foram criadas locomotivas capa-zes de percorrer maiores distâncias com menos combustível, turbinas de energia eólica, lâmpadas fl uorescentes mais eco-nômicas e até sistemas de dessalinização da água do mar. Todos os itens combinam baixo impacto ambiental com melhor de-sempenho econômico.

A iniciativa já trouxe bilhõesde dólares para a GE. A meta da empresa era alcançar vendas de US$ 20 bilhões de produtos eco-logicamente corretos até 2010. Em 2006, as vendas chegaram a US$ 11,5 bilhões. Em fevereiro, o total de pedidos de itens com o selo Ecomagination totalizou US$ 20 bilhões. “As vendas desses produtos já crescem três vezes mais que a média da companhia”, diz Lorraine. Em meados de março, a executiva visitou o Brasil. Um dos objetivos era conhecer de perto a cadeia do etanol e avaliar novas oportunidades de negócios para a GE – como o desenvolvi-mento de equipadesenvolvi-mentos para as usinas.

2) Investimento responsável – Nas úl-timas semanas, bancos de investimentos, como Goldman Sachs, J.P. Morgan e Mer-rill Lynch, chamaram a atenção ao anunciar que estão incorporando critérios socioam-bientais em suas decisões de investimentos. Na recente negociação que selou a venda por R$ 45 bilhões da TXU, a maior forne-cedora de energia do Estado americano do Texas, para dois fundos de investimento, coube ao Goldman Sachs convencer os compradores a estabelecer restrições am-bientais. A TXU, que planejava construir 11 novas usinas de carvão, teve de eliminar oito usinas de seus planos.

O Goldman Sachs se comprometeu a não fi nanciar setores irresponsáveis, como o de exploração de madeira ilegal, e está

in-vestindo em energia renovável. Na mesma linha, o Bank of America – que está gas-tando mais de US$ 1 bilhão na construção de uma sede verde em Nova York – anun-ciou neste mês que vai destinar US$ 20 bilhões para novos negócios voltados para o combate ao aquecimento global. “Está fi cando claro para o setor fi nanceiro que a preocupação socioambiental vai além da gestão de riscos e pode se transformar em boas oportunidades de negócios”, diz Miguel Martins, especialista em sustenta-bilidade do departamento fi nanceiro do International Finance Corporation (IFC), braço fi nanceiro do Banco Mundial. “Os bancos brasileiros, inclusive, estão entre os mais avançados nisso.” Desde o início da década, instituições como o BBA Credi-tanstalt, adquirido pelo Itaú,

o Unibanco e o ABN Amro Real consideram aspectos so-cioambientais na concessão de empréstimos.

3) Processos mais limpos – Os especialistas em mudan-ças climáticas afi rmam que,

OS BANCOS

INCORPORARAM

CRITÉRIOS

AMBIENTAIS

se as empresas realmente quiserem lutar contra o aquecimento global, terão de re-duzir suas emissões de gases poluentes. Por isso, muitas companhias estudam formas de diminuir a quantidade de gás carbôni-co que liberam na atmosfera – reduzindo o consumo de energia em suas fábricas ou ampliando o uso de fontes alternati-vas. No Brasil, a siderúrgica CST-Arcelor, baseada em Vitória, no Espírito Santo, já conseguiu. A empresa descobriu que era possível reaproveitar o gás da fabricação do aço para gerar energia nas usinas ter-melétricas. “Hoje, somos uma das poucas companhias brasileiras auto-sufi cientes em energia, o que é uma vantagem competiti-va”, afi rma Luiz Antonio Rossi, gerente de meio ambiente da CST. A empresa também espera reduzir suas emissões substituindo os caminhões que levam as bobinas de aço por navios, que queimam menos combus-tível. A empresa investiu R$ 15 milhões na construção de um terminal de barcaças no Porto de Tubarão. A mudança também vai garantir uma redução de 60% nos custos com transporte. Esses casos desfazem o mito de que reduzir as emissões fere a economia. O melhor exemplo é o Reino Unido, de David King. Desde 1990, o país cortou 14% dos gases po-luentes e cresceu 40%. ◆ Uma reportagem especial sobre empresas e meio ambiente está na edição 2 de Época Negócios, dia 4 de abril nas bancas

INDÚSTRIA PESADA Fabricação de aço

na siderúrgica CST-Arcelor, em Vitória. A empresa mudou processos industriais, reduziu as emissões e ainda cortou custos

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7 8 I r e v i s ta é p o c a I2 d e a b r i l d e 2 0 0 7

CIÊNCIA & TECNOLOGIAMEIO AMBIENTE

CIÊNCIA & TECNOLOGIA

O

sonho do comerciante paulista Flávio Marchesin, de 41 anos, era recuperar a fl oresta que um dia cobriu o sítio de sua família. É uma pequena propriedade, dividida com mais cinco irmãos, em São Carlos, no interior de São Paulo. Marchesin con-ta que, ainda criança, viu os tratores derrubar 30.000 metros quadrados de Mata Atlântica, em um pedaço do ter-reno que beira um ribeirão. A área foi usada para plantar milho e arroz. Mas a família não vinha plantando nada ali nos últimos anos.

Com dinheiro do próprio bolso, Marchesin plantou 200 árvores – pou-cas para tanto espaço. Suas perspectivas de recuperar a mata original mudaram, em setembro passado, quando soube que uma empresa de consultoria am-biental, a Iniciativa Verde, procurava áreas para realizar refl orestamento. A parceria deu certo. Hoje, Marchesin já plantou 3.400 mudas de 85 espécies. Dessa futura fl oresta, 2.003 mudas foram pagas por ÉPOCA, para com-pensar o carbono que emitimos na produção, impressão e distribuição da Edição Verde publicada em outubro. Agora, plantaremos mais 1.338 árvo-res, para compensar o carbono emitido na série de reportagens sobre ecologia desta edição.

As árvores ajudam a tirar do ar o ex-cesso de gás carbônico que provoca o aquecimento global. Isso ocorre por-que as plantas, por meio da fotossíntese, transformam o carbono em troncos, folhas e raízes. “Meu maior prazer é que minhas crianças vejam isso e pro-tejam”, diz Marchesin.

A neutralização das emissões de gás carbônico permitiu a Marchesin refl o-restar uma área de mata ciliar do Rio Feijão, que abastece cerca de 40% dos

200 mil habitantes da cidade de São Carlos. O refl orestamento ainda pode realizar outros sonhos. Com o plantio, Marchesin quer transformar o sítio num centro de educação ambiental, onde 20 mil crianças de escolas mu-nicipais e estaduais da cidade deverão ter aulas. Já existe uma parceria com a Embrapa. Agora, Marchesin diz que está fechando acordos com o Instituto Internacional de Ecologia e o Centro Universitário Central Paulista

(Uni-RENATA LEAL E RITA NARDY

As emissões deste especial verde foram compensadas com mudas de

Mata Atlântica e Cerrado. É uma boa opção para amenizar o efeito estufa

cep). “Se tudo sair como planejado, deixo meu emprego de vendedor para ser um educador ambiental”, afi rma.

Cada vez mais empresas compensam suas emissões de carbono com o plan-tio de árvores. Percebendo essa opor-tunidade, a fundação paulista SOS Mata Atlântica, uma das principais ONGs ambientalistas do Brasil, incor-porou os plantios para neutralização de carbono a seu projeto de refl ores-tamento. O programa de reconstrução da Mata Atlântica começou em 2004, com o objetivo exclusivo de recuperar as faixas de vegetação nas margens dos rios, que ajudam a manter a qualidade e a quantidade da água que bebemos. São as matas ciliares. Já no ano seguin-te apareceu a primeira empresa inseguin-te- inte-ressada em compensar suas emissões, a Volkswagen. A SOS Mata Atlântica planta dez árvores para cada caminhão

AS

1.338

ÁRVORES DESTA EDIÇÃO

Foto: Frederic Jean/ÉPOCA

NOVA FLORESTA

Marchesin ao lado de uma das mudas que plantamos em outubro para compensar nossa primeira Edição Verde. Vamos plantar mais

AS ÁRVORES

TIRAM DO AR

O CARBONO

QUE

AQUECE O

PLANETA

(18)

2 d e a b r i l d e 2 0 0 7 I r e v i s ta é p o c a I 7 9

CIÊNCIA & TECNOLOGIAMEIO AMBIENTE

produzido na fábrica da empresa, em Resende, no Rio de Janeiro. O plantio compensa as emissões da produção do caminhão, embora não recupere o que o veículo despeja na atmosfera quando roda pelas estradas.

Com o dinheiro investido em compensação que vem de contratos como o da Volks, o número de ár-vores plantadas se multiplicou de 80 mil, em 2004, para 269 mil, em 2005. Até 2007, segundo o coordenador do programa, Adauto Basílio, 878 mil árvores foram plantadas, reflores-tando uma área de mata equivalen-te a 593 campos de fuequivalen-tebol (ou 517 hectares). Até o momento, já são 35 contratos assinados, 13 em andamen-to e 20 novas propostas de empresas. Somente em fevereiro deste ano, 70 empresas procuraram a SOS Mata Atlântica para compensar a fumaça de suas chaminés. O reflorestamento das matas ciliares, que começou com ambições limitadas, se transformou no maior programa da ONG.

O PLANTIO É UMA AÇÃO EMERGENCIAL

CONTRA

as mudanças climáticas. E tem um bom efeito colateral. Além de limpar a at-mosfera, ajuda a recuperar ecossistemas ameaçados, como a Mata Atlântica, que já perdeu 93% de sua área original. “A neutralização não vai resolver todos os problemas ambientais. Mas é um come-ço”, diz Flavio Brando, presidente da Max Ambiental, consultoria que faz os cálculos das emissões para os parceiros da SOS Mata Atlântica. A vantagem é que os projetos obrigam os donos dos sítios onde ocorrem os plantios, como Marchesin, a garantir que manterão a fl oresta preservada.

O potencial brasileiro para o refl o-restamento é imenso. Só na Amazônia há 20 milhões de hectares de áreas des-matadas hoje ocupadas por pastagens malcuidadas ou abandonadas. Cada hectare de fl oresta nativa replantada absorve até 5 toneladas de carbono por ano. Se a terra abandonada na Amazô-nia fosse refl orestada, poderíamos tirar da atmosfera 100 milhões de toneladas de gás carbônico por ano. É mais que o emitido por toda a queima de combustíveis fósseis no Brasil. ◆

Cada brasileiro teria de

plantar 78 árvores Cada brasileiro teria de instalar 17 lâmpadas

eficientes

Seria preciso instalar

13 metros quadrados de painéis solares

PLANTAR ÁRVORES

Uma árvore de espécie nativa remove cerca de 22 quilogramas de gás da atmosfera por ano

TROCAR LÂMPADAS

Uma lâmpada mais eficiente economiza cerca de 100 quilos de carbono durante sua vida útil

GERAR ENERGIA

Um metro quadrado de painel solar economiza cerca de 130 quilos de carbono por ano

Sua contribuição para o efeito estufa

Quanto gás carbônico um brasileiro emite, em média, por ano. E como isso pode ser compensado

Cada brasileiro emite 1,7 tonelada de gás carbônico

1,7 tonelada de gás

carbônico Daria para encher meio balão de ar quente De onde vem o gás carbônico do Brasil?

22,5%

Queima de combustíveis fósseis

75,4%

Desmatamento, queimadas e mudanças no uso do solo

1,6%

Produção industrial

0,5%

Extração de carvão, petróleo e gás natural

Referências

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