Brief Communication
Mariana de Almeida Neubauer1 Fernanda Dreux Miranda Fernandes1
Descritores
Autistic disorder Linguagem Comunicação Avaliação Fonoaudiologia
Keywords
Autism disorder Language Communication Evaluation Speech, language and hearing sciences
Endereço para correspondência:
Fernanda Dreux Miranda Fernandes Rua Cipotânea, 51, Cidade Universitária, São Paulo (SP), Brasil, CEP: 05630-160. E-mail: fernandadreux@usp.br
Recebido em: 01/11/2013
Aceito em: 18/11/2013
Trabalho realizado na Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil. (1) Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil.
Fonte de financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Conflito de interesses: nada a declarar.
fonoaudiológico de crianças do espectro autístico:
uso de um checklist
Functional Communication Profile and speech-language
diagnosis in children of the autism spectrum: checklist use
RESUMO
Objetivo: A utilização de um protocolo que analise os mesmos aspectos que o Perfil Funcional da Comunicação (PFC) pode colaborar para a determinação de perfis individuais de habilidades e dificuldades de forma mais rápida e econômica. O objetivo deste estudo foi verificar a utilização de um checklist, em substituição ao protocolo completo, como elemento de facilitação do processo de acompanhamento clínico-terapêutico.
Métodos: Participaram do estudo 50 crianças entre 3 e 12 anos, que têm diagnóstico incluído no espectro do autismo e recebem atendimento fonoaudiológico especializado há pelo menos seis meses. Os participantes foram filmados em situação de interação com o fonoaudiólogo e os dados, transcritos para o protocolo do PFC. Antes da análise, foi solicitado que as terapeutas respondessem ao checklist da Funcionalidade Comunicativa.
Resultados: Todas as respostas do checklist e do PFC foram comparadas. Os resultados indicaram que, quando se compara a ocorrência de cada uma das funções, tem-se resultados diferentes em nove das 20 funções comunicativas e em nove das 50 crianças. Esses resultados indicam que o checklist mostra-se eficiente na descrição do grupo de crianças, mas não na caracterização individual. Assim, é possível identificar diferenças nos perfis pragmáticos, mas não especificar a frequência de ocorrência das funções. Conclusão: O checklist pode ser usado como instrumento de acompanhamento de processos terapêuticos de crianças com Distúrbios do Espectro do Autismo, mas não substitui o instrumento completo.
ABSTRACT
INTRODUÇÃO
O lugar da linguagem nos distúrbios incluídos no espectro do autismo é singular, pois, ao contrário de outras alterações amplas do desenvolvimento, em que as desordens de linguagem são sin-toma ou consequência de outros déficits, distúrbios ou transtornos, no espectro do autismo as alterações de linguagem correspondem a um dos três critérios fundamentais para o diagnóstico.
Assim, elas têm sido investigadas por inúmeros autores há várias décadas(1) e foram objeto de revisões anteriores(2,3).
Esses estudos evoluíram para a noção de que o ponto central das alterações de linguagem no espectro do autismo está re-lacionado com seu uso funcional e passaram a contar com as contribuições das teorias pragmáticas, que possibilitam a arti-culação da linguagem com os aspectos de interação e cognição, ao longo do desenvolvimento, abrangendo exatamente a tríade de domínios fundamentais para o diagnóstico dos Distúrbios do Espectro do Autismo(4).
No que diz respeito aos aspectos de conceituação e diag-nóstico, o conceito de espectro do autismo(5) inclui os eixos que
compõem os sistemas de diagnóstico propostos pela American Psychiatric Association para o Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais(6) e pela Organização Mundial
da Saúde na Classificação Internacional de Doenças(7).
Os cri-térios de diagnóstico sempre envolvem a observação e a iden-tificação de comportamentos, pois ainda não foi identificado um marcador biológico para o autismo(8).
A noção de espectro do autismo admite a complexa in-ter-relação entre os diversos quadros clínicos e não apenas sua justaposição(9). Mas ainda existe discussão a respeito de
quais, exatamente, são os distúrbios que devem ser incluídos no espectro do autismo, embora haja pouca discordância a respeito da noção de que existe um espectro.
As implicações de critérios diagnósticos fundamentados principalmente na observação clínica têm sido amplamente discutidas(10), assim como o diagnóstico diferencial entre
os diversos quadros que compõem o espectro do autismo(11).
A noção de que a maior contribuição que a Fonoaudiologia pode oferecer, tanto para as pesquisas a respeito da etiologia do autismo quanto para os processos diagnósticos, é a deter-minação de um fenótipo de linguagem cada vez mais nítido norteou pesquisas a respeito dos melhores critérios para a descrição da linguagem dessa população, a melhor forma de obtê-los, alternativas para eliciar o melhor desempenho e a análise minuciosa dos dados obtidos.
O objetivo desta pesquisa foi verificar a utilização de um checklist, em substituição ao protocolo completo, como elemen-to de facilitação do processo de acompanhamenelemen-to clínico tera-pêutico. Foram sujeitos 50 crianças entre 3 e 12 anos de idade, pacientes em atendimento semanal num serviço especializado. Os procedimentos não envolvem a modificação de nenhum elemento da rotina de reavaliações semestrais de cada paciente em atendimento, apenas o preenchimento, pelas terapeutas, de um checklist verificando a frequência de ocorrência de cada função comunicativa e sua forma de expressão. Os resultados buscaram comparar estatisticamente as respostas obtidas no checklist com o desempenho de cada criança revelado pelo
protocolo do Perfil Funcional da Comunicação para verificar se há equivalência na aplicação dos dois instrumentos na investigação da comunicação de crianças e adolescentes do espectro do autismo.
MÉTODOS
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa da instituição, sob número 228-11. Participaram do estudo 50 crianças entre 3 e 12 anos, que estavam em atendimento sistemático semanal há pelo menos seis meses (sendo no mí-nimo três meses com a mesma terapeuta) e tinham diagnóstico incluído no espectro do autismo.
Os critérios de inclusão estabelecidos na pesquisa foram: as-sinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por um responsável de cada um dos participantes, diagnóstico incluído no espectro do autismo e idade da criança inferior a 12 anos.
O material usado para o registro de dados foi: filmadoras digitais, mídia (mini-DVDs), protocolos do Perfil Funcional da Comunicação (Anexo 1) e checklist de Funcionalidade Comunicativa (Anexo 2).
Cada um dos sujeitos foi filmado entre abril e maio de 2012 a fim de que os dados dessas filmagens fossem transcritos para o protocolo de Perfil Funcional da Comunicação. Antes que as transcrições fossem feitas, as terapeutas (fonoaudiólogas) foram solicitadas a responder ao checklist da Funcionalidade Comunicativa. Depois de respondidos e entregues à pesquisa-dora, foram feitas as transcrições dos dados das filmagens. Após a transcrição dos dados das filmagens para o protocolo de Perfil Funcional da Comunicação, estes foram também entregues à pesquisadora, a fim de compilar as informações em uma tabela para que a comparação de dados pudesse ser realizada com a utilização de um método estatístico.
RESULTADOS
Os 50 checklists da Funcionalidade Comunicativa foram preenchidos e foram transcritas 50 filmagens nos protocolos de Perfil Funcional da Comunicação. Todas as respostas do checklist da Funcionalidade Comunicativa foram tabeladas, assim como os dados dos protocolos de Perfil Funcional da Comunicação.
Primeiramente, foi necessário igualar a forma de classificação dos resultados apresentados em ambas as provas. Dessa forma, nas respostas do Perfil Funcional da Comunicação, foi usado o conceito de quartil e ficou estabelecido que, se uma função não acontecesse, seria classificada como “nunca ocorrente”; se acon-tecesse de uma a quatro vezes, seria classificada como “raramente ocorrente”; se acontecesse de cinco a 12 vezes, seria classificada como “muitas vezes ocorrente” e se acontecesse 13 ou mais vezes, seria classificada como “frequentemente ocorrente”.
Os resultados indicaram que, quando se compara a ocor-rência de cada uma das funções, tem-se resultados diferentes em nove das 20 funções comunicativas (Tabela 1), sendo estas pedido de informação, protesto, comentário, autorregulatório, performativo, não focalizado, jogo, narrativa e expressão de protesto, e em nove dos 50 sujeitos (Tabela 2).
perfis pragmáticos diferentes, porém não é possível identificar a frequência de ocorrência das funções.
O resultado também é sugestivo de que o checklist pode ser utilizado como uma forma alternativa de avaliação, complemen-tando o Perfil Funcional da Comunicação a cada período de tempo.
CONCLUSÃO
A possibilidade de uma investigação minuciosa das habilidades de uso funcional da comunicação de indivíduos do espectro do au-tismo a partir da utilização de instrumentos simples e aplicáveis aos familiares ou terapeutas representa uma importante alternativa para a avaliação fonoaudiológica dessa população. O checklist pode ser usado como instrumento de complementação da avaliação periódica da pragmática de pacientes do espectro do autismo, pois evidencia questões pontuais de cada indivíduo, sendo indispensável o uso do Perfil Funcional da Comunicação para um total conhecimento das funções utilizadas pelo paciente.
*MAN elaborou a proposta inicial do estudo, organizou e aplicou os procedimentos, analisou os resultados e redigiu o texto em colaboração com FDMF, que organizou o projeto, colaborou na análise dos dados e na discussão dos resultados.
REFERÊNCIAS
1. Wetherby A, Prutting C. Profiles of communicative and cognitive-social abilities in autistic children. J Speech Hear Res. 1984;27:364-77. 2. Fernandes FDM, Molini-Avejonas DR, Sousa-Morato PF. Perfil funcional
da comunicação nos distúrbios do espectro autístico. Rev CEFAC. 2006;8(1):20-6.
3. Fernandes FDM, Molini DR, Barrichelo VMO. Aspectos funcionais e correlatos sociocognitivos na terapia fonoaudiológica para autismo infantil – um estudo preliminar. Infanto Rev Neuropsiquiatr Infanc Adolesc. 1997;5(2):77-83.
4. Bernard-Opitz V, Ing S, Kong TY. Comparison of behavioural and natural play interventions for young children with autism. Autism. 2004;8(3):319-32. 5. Barbaro J, Dissanayake C. Developmental profiles of infants and toddlers
with autism spectrum disorders identified prospectively in a community-based setting. J Autism Dev Disord. 2012;42(9):1939-48.
6. American Psychiatric Association. Manual de diagnóstico e estatística de distúrbios mentais (DSM - IV). São Paulo: Manole; 1994.
7. Organização Mundial da Saúde. Classificação Internacional de Doenças. 10a ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1983.
8. Bedford R, Elsabbagh M, Gliga T, Pickles A, Senju A, Charman T, et al. Precursors to social and communication difficulties in Infants at-risk for autism: gaze following and attentional engagement. J Autism Dev Disord. 2012;42(10):2208-18.
9. Klin A. Asperger syndrome: an update. Rev Bras Psiquiatr. 2003;25(2):103-9.
10. Filipek PA, Steinberg-Epstein R, Book TM. Intervention for Autism Spectrum Disorders. Neuro RX. 2006;3:207-16.
11. Howlin P. Outcome in high-functioning adults with autism with and without early language delays: implications for the differentiation between autism and Asperger syndrome. J Autism Dev Disord. 2003;33(1):3-13. 12. Schendel DE, Diquiseppi C, Croen LA, Fallin MD, Reed PL, Schieve
LA, et al. The Study to Explore Early Development (SEED): a multisite epidemiologic study of autism by the Centers for Autism and Developmental Disabilities Research and Epidemiology (CADDRE) network. J Autism Dev Disord. 2012;42(10):2121-40.
13. Fernandes FDM, Amato CAH, Balestro JI, Molini-Avejonas DR. Orientação a mães de crianças do espectro autístico a respeito da comunicação e linguagem. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(1):1-7.
Tabela 2. Diferenças significativas na comparação, com o teste de Kruskal-Wallis, da ocorrência das funções no checklist e no perfil
funcional da comunicação em cada sujeito
Valor de p
Sujeito 2 0,003
Sujeito 3 0,002
Sujeito 10 0,025
Sujeito 12 0,033
Sujeito 28 0,045
Sujeito 30 0,018
Sujeito 40 0,048
Sujeito 43 0,002
Sujeito 48 0,033
Tabela 1. Diferenças significativas na comparação, com o teste de Kruskal-Wallis, da ocorrência das funções no checklist e no Perfil
Funcional da Comunicação em todos os sujeitos Valor de p
PI 0,027 PR <0,000 C 0,004 AR <0,000 PE 0,002 NF 0,010 J 0,001 NA 0,022 EP 0,001 DISCUSSÃO
Desde o início da sua descrição, o autismo bem como seu diag-nóstico e o tipo de funções comunicativas utilizadas pela criança autista são estudados a fim de encontrar informações cada dia mais completas sobre o assunto e os indivíduos do espectro. É amplamente registrado na literatura(12) que a procura por métodos alternativos de
diagnósticos que sejam eficientes e utilizem dados fornecidos pelos pais de crianças do espectro do autismo aumenta rapidamente.
Apesar de existirem muitos estudos que comparem o Perfil Funcional da Comunicação com testes diagnósticos(13) e
que identifiquem as funções comunicativas mais usadas pela criança, este é o primeiro estudo que traz uma análise compa-rativa entre o Perfil Funcional da Comunicação e o checklist de Funcionalidade Comunicativa.
Perfil funcional da comunicação Ficha – síntese individual
Nome: Data: Sujeito número: Avaliador: Atos comunicativos
Total: Por minuto: %:
Meios e Funções Comunicativas
Função Meio N % Função Meio N % Função Meio N %
J VE PO VE N VE
N VO N VO N VO
% G % G % G
NF VE PA VE EX VE
N VO N VO N VO
% G % G % G
XP VE PS VE XP VE
N VO N VO N VO
% G % G % G
PR VE PI VE NA VE
N VO N VO N VO
% G % G % G
AR VE RO VE EP VE
N VO N VO N VO
% G % G % G
RE VE E VE JC VE
N VO N VO N VO
% G % G % G
PE VE C VE TOTAL VE
N VO N VO N VO
% G % G % G
Anexo 1. Perfil Funcional da Comunicação FICHA DE IDENTIFICAÇÃO
Nome:
Data de nascimento: Número
Diagnóstico psiquiátrico: Contato:
Endereço: Telefone:
Anexo 2. Perfil Funcional da Comunicação – Checklist
Perfil Funcional da Comunicação - Checklist
Nome: ____________________________________Idade: ______________ Data: ____/____/______ Entrevistado: ______________________________
Funções Comunicativas Ocorrências Meio
S MV R N G VE VO PO A criança pede objetos? Ex: quando quer um brinquedo pede de alguma forma. PA A criança pede para que você faça coisas para ela? Ex: pede ajuda para desmontar um brinquedo.
PS Há um tipo de brincadeira habitual que seja realizada entre você e a criança que esta solicite? Ex:
Legenda: S = Sempre; MV = Na Maioria das Vezes; R = Raramente; N = Nunca; G = Gestual; VE = Verbal; VO = Vocal
Funções Comunicativas Ocorrências Meio
S MV R N G VE VO
PR A criança impede que façam o que ela não quer? Ex: segura sua mão quando não quer que
penteie o cabelo.
RO Agradece ou cumprimenta? Ex: diz “oi”, “tchau”, “obrigada”.
E Faz coisas para chamar sua atenção? Ex: quando você está distraído, ela se exibe para que
você olhe.
C Mostra coisas ou fala sobre elas? Ex: mostra brinquedos que gosta enquanto anda na rua ou
comenta o que fez na escola.
AR Regula o comportamento por meio de gestos ou fala? Ex: diz “não pode” quando sabe que não
pode fazer algo.
N Nomeia objetos ou figuras? Ex: diante de uma figura fala o que tem nela.
PE A criança brinca, imita gestos (ou sons) de forma convencional? Ex: imita sons, imita ações de
fazer comidinha.
EX Expressa reações emocionais? Ex: olha uma coisa que gosta e mostra que gostou.
RE A criança reage a estímulos ambientais? Ex: a criança ri com cócegas. Assusta-se quando ouve
um barulho forte.