D I S T R O F I A M U S C U L A R P R O G R E S S I V A : A L G U N S ASPECTOS DO D I A G N Õ S T I C O D I F E R E N C I A L
SYLVIO SARAIVA *
A R O N J. D I A M E N T * * JOSÉ ANTONIO L E V Y * * *
Conquanto, em suas formas clássicas, não seja difícil o diagnóstico da distrofia muscular progressiva ( D M P ) , há uma série de afecções neuroló-gicas e metabólicas, com as quais pode haver confusão. Nesse sentido jul-gamos excelente o esquema de Swynyard e col.9
, classificando as afecções com as quais deve ser feito o diagnóstico diferencial dessa miopatia. Além dos dados clínicos e dos exames complementares (electrodiagnóstico, electro-miografia, dosagens bioquímicas) que podem ser utilizados para a diferen-ciação diagnostica, tem sido salientada3
a importância da biopsia muscular e é sobre e s t e aspecto que nos estenderemos mais longamente. As lesões musculares na D M P se caracterizam pela presença de fibras musculares em vários estádios de atrofia, ao lado de fibras normais; entre as fibras existe grande quantidade de células adiposas, responsável pelo maior volume de certos músculos nas formas pseudo-hipertróficas; pode existir pequena rea-ção celular (alguns mononucleares); não há sinais regenerativos (nucléolos proeminentes e citoplasma basófilo).
Na presente exposição não procuraremos estudar pormenorizadamente todas as doenças com as quais o diagnóstico diferencial com a DMP deve ser feito. Nosso objetivo é chamar a atenção para algumas entidades clí-nicas menos conhecidas e de reconhecimento mais difícil.
Atrofia muscular espinal progressiva infantil {doença de Werdnig-Hoff-mann) — A moléstia inicia-se no primeiro ano de vida e manifesta-se por
deficits motores proximais. Parece ser secundária a uma denervação, de modo que, na evolução, instalam-se fibrilações musculares. Pode haver comprometimento da musculatura do tronco e região cervical. Essa sinto-matologia é acompanhada de amiotrofias e arreflexia profunda. A confusão com a D M P pode ser feita antes de surgirem sinais de lesão das vias mo-toras; o próprio Werdnig considerou inicialmente os seus casos como sendo de distrofia muscular progressiva, forma Leyden-Mõbius4
. Nesta fase a
T r a b a l h o da C l í n i c a N e u r o l ó g i c a da F a c . M e d . da U n i v . de S ã o P a u l o ( P r o f . A d h e r b a l T o l o s a ) , a p r e s e n t a d o a o S i m p ó s i o s ô b r e M i o p a t i a s r e a l i z a d o no D e p a r t a -m e n t o de N e u r o p s i q u i a t r i a da A s s o c i a ç ã o P a u l i s t a de M e d i c i n a , e -m 9 a b r i l 1960.
biopsia pode fornecer elementos para o diagnóstico. O quadro anatomo-patológico caracteriza-se pelo encontro de grupos de fibras musculares di-minuídas de tamanho, entre as quais se encontram fibras musculares normais ou hipertrofiadas. Não há proliferação de colágeno endomisial. P o -dem ser encontrados pequenos infiltrados de linfócitos ao redor dos vasos.
Amiotonia congênita (doença de Oppenheim) — Não nos parece
opor-tuno discutir aqui as relações patogênicas entre as doenças de Werdnig-Hoffmann e de Oppenheim. Incluem-se neste último grupo crianças que apresentam, nos seis primeiros meses de vida, fraqueza com flacidez dos músculos proximais, e que ulteriormente viriam a apresentar melhoras. Este quadro, descrito primitivamente por Oppenheim, inclui-se no grupo re-centemente descrito por Walton como "hipotonia congênita benigna" 1 0
. A biopsia muscular não mostra anormalidade alguma; as fibras musculares apresentam-se pequenas, mas de acordo com a idade do paciente.
Poliomielite anterior aguda congênita — Deve ser lembrada esta
possi-bilidade como causa de fraqueza e de atrofias musculares em recém-nasci-dos, principalmente quando a gravidez tenha coincidido com períodos epi-dêmicos de poliomielite anterior aguda. Naturalmente, as paralisias apre-sentam os caracteres próprios da poliomielite anterior aguda.
Artrogripose múltipla congênita — Caracteriza-se pela presença, desde o
nascimento, de atrofias musculares mais ou menos acentuadas, associadas à limitação dos movimentos articulares. Cerca de 300 casos já foram des-critos, com incidência maior no sexo masculino. A afecção pode ser pre-nunciada na gravidez, pelo fato dos movimentos fetais serem pouco nume-rosos e de aparecimento tardio. Aos cortes histológicos, as fibras muscula-res se apmuscula-resentam grandes, com alterações estruturais e fagocitose; ao redor dos vasos encontram-se polimorfonucleares e linfócitos; há aumento de co-lágeno endomisial. A patogenia da afecção não está ainda estabelecida; os dados anátomo-patológicos podem ser interpretados como decorrentes de miosite ou de uma forma de distrofia com reação inflamatória e conjuntiva. Adams e col.1
descreveram uma neuropatía com essa sintomatologia. Ou-tros autores admitem que a lesão se localize na ponta anterior da medula
(rarefação ou desaparecimento das células motoras)6 .
Tesaurismose glicogênica (doença de von Gierke) — Trata-se de
"Central core disease" — Shy e M a g e e8
descreveram recentemente 5 casos em três gerações de uma família, caracterizados por fraqueza mus-cular desde o nascimento, com hipotonia e conservação dos reflexos pro-fundos, sem pioras. O quadro anátomo-patológico é característico: ao corte transversal encontra-se, no centro das fibras, um grupo de miofibrilas mais amorfas que as circunvizinhas; pelo método de Gomori essas miofibrilas adquirem coloração azul. Essa a origem da denominação da moléstia dada pelos autores; seria uma doença do "âmago central" da fibra muscular.
CoVxgenoses (dermatomiosite e polimiosite crônicas) — Geralmente
ini-ciam-se com sintomatologia prodrômica, inexistente na D M P : febre, ema-grecimento, dores musculares e fatigabilidade. A fraqueza muscular em geral é proximal, bilateral e simétrica, como na distrofia muscular progres-siva. Pode haver comprometimento de músculos oculares e velofaríngeos, com disfagia. A biopsia muscular evidencia edema intersticial com disso-ciação das fibras musculares, além de infiltração linfocitária; há também edema e atrofia das fibras musculares -.
Miopatia tireotóxica crônica — Clinicamente caracteriza-se por fraqueza
e atrofias musculares, sendo mais gravemente atingidas as cinturas escapu-lar e pélvica. Os pacientes podem queixar-se inicialmente de dificuldades para subir escadas. Os sintomas musculares podem aparecer antes das ma-nifestações tireotóxicas ^ O estudo anátomo-patológico demonstra tratar-se de uma lipomatose, de modo que a biopsia muscular evidenciará células gor-durosas entre os feixes musculares; verifica-se também atrofia das fibras musculares.
Distrofia muscular da menopausa — Foi descrita por Shy e McEachern 1 . A moléstia se iniciaria após os 40 anos, caracterizando-se por fraqueza mus-cular, que atinge predominantemente as cinturas. Os reflexos profundos estão presentes ou diminuídos. Corresponderia à miopatia progressiva
tar-dia, descrita anteriormente por Nevin 5
. O quadro anátomo-patológico é de necrose e degeneração focal das fibras musculares, formando-se placas ne-cróticas; a reação intersticial é pequena. Os casos relatados apresentaram melhoras com cortisona.
S U M M A R Y
Progressive muscular dystrophy : some aspects of differential diagnosis.
trophy). The importance of muscle biopsy in the differential diagnosis is emphasized.
R E F E R Ê N C I A S
1. A D A M S , R . D . ; D E N N Y - B R O W N , D . ; P E A R S O N , C. M . — E n f e r m e d a d e s d e l M ú s c u l o . T r a d , c a s t e l h a n a . L a F r a g u a , B u e n o s A i r e s , 1957. 2. G A R C I N , R . ; L A -P R E S L E , J.; G R U N E R , J.; S C H E R R E R , J. — L e s p o l y m y o s i t e s . R e v . N e u r o l . , 9 2 : 465-510, 1955. 3. G R E E N F I E L D , J. G.; C O R N M A N , T . ; S H Y , M . G. — T h e p r o g n o s t i c v a l u e o f t h e m u s c l e b i o p s y in t h e " f l o p p y i n f a n t " . B r a i n , 81:461484, 1958. 4. M E -L A R A G N O , R . — C o n t r i b u i ç ã o p a r a o e s t u d o das a m i o t r o f i a s e s p i n h a i s f a m i l i a i s in-f a n t i s . T e s e , S ã o P a u l o , 1952. 5. N E V I N , S. — T w o cases o in-f m u s c u l a r d e g e n e r a t i o n o c c u r r i n g in l a t e a d u l t l i f e w i t h a r e v i e w o f t h e r e c o r d e d cases o f l a t e m u s c u l a r d y s t r o p h y ( l a t e p r o g r e s s i v e m y o p a t h y ) . Q u a r t . J. M e d . , 5:51-68, 1936. 6. R A V E R D Y , P . — A r t h r o g r i p o s e m u l t i p l e c o n g é n i t a l e . E n c y c l . M é d . - C h i r . , sect. N e u r o l o g i e , 17181, 1-1959. 7. S H Y , M . G . ; M c E A C H E R N , D . — T h e c l i n i c a l f e a t u r e s and response t o c o r t i s o n e o f m e n o p a u s a l m u s c u l a r d i s t r o p h y . J. N e u r o l . N e u r o s u r g . P s y c h i a t . , 14: 101-107, 1951. 8. S H Y , M . G . ; M A G E E , K . R . — A n e w c o n g e n i t a l n o n p r o g r e s s i v e m y o p a t h y . B r a i n , 79:610621, 1956. 9. S W Y N Y A R D , C. A . ; D E A V E R , G. G . ; G R E E N S P A N , L . — P r o g r e s s i v e m u s c u l a r d y s t r o p h y : d i a g n o s i s and p r o b l e m s o f r e h a b i l i t a t i o n . M u s c u l a r D y s t r o p h y A s s o c i a t i o n s o f A m e r i c a I n c . , N o v a Y o r k , 1958. 10. W A L T O N , J. N . — A m y o t o n i a c o n g e n i t a : a f o l l o w u p study. L a n c e t , 270:10231028 ( j u -nho, 3 0 ) 1956.