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O saber das classes populares e a prática da educação popular

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Academic year: 2017

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(1)

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

INSTITUTO DE ESTUDOS AVANÇADOS EM EDUCAÇÃO

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

JORGE VICENTE MUNOZ

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O SABER DAS CLASSES POPULARES E

A

PRATICA DA

TIIESAE M967s

EDUCAÇÃO POPULAR

(2)
(3)

Jorge Vicente Munoz

Dissertação submetida como requisito

parcial para a obtenção do grau

de

Mestre em Educação.

Rio de Janeiro

Fundação Getülio Vargas

Instituto de Estudos Avançados em Educação

Departamento de Filosofia da Educação

(4)

do movimento popular.

A Gabriela, Cristiane e Ana.

(5)

CAPITULO

I

Um Saber no Interior da

Experi~ncia

de Vida . . . , .. ,,, . . . 4

1.1. Prãti cas e Saberes ...

4

1.2. Algumas Reflexões Bãsicas ... 14

Referências Bib1iogrãficas ... 22

CAPITULO 11

Saber Popular: Como

e,

Como Endendê-10

24

Referências Bib1iogrãficas

41

CAPITULO 111 -

Questões: Alguns Encaminhamentos ... 43

3.1. O Saber Popular

e

um Todo

Homog~

neo ?

43

3.2. Saber Cientifico, Senso Comum

e

Sa be r Popu 1 a r . . . 49

3.3. Saber Popular: Questão Po1itica.

57

3.3.1. O Po1itico no Saber Popular

59

3.3.2. Saber Popular: O Po1itico

nas

Relações de Classe ... 60

3.3.3. Saber Popular: Mais uma Questão

Po

1

i

t i

ca . . . 65

Referências Bib1iogrãficas .. ,... 69

CAPITULO IV

Saber Popular e Prãtica Educativa .... 70

4.1. Resumo Introdutório .... , ... 70

4.2. Em Busca de Espaços e de Novas Re

lações ., .. , . . . , ... 71

4.3. A Titulo de Encerramento

90

(6)
(7)

Entre as questões de fundo que a reflexão da prátl

ca de educação popular - e de outras desenvolvidas

junto

as classes populares - hoje se coloca, destaca-se a do

Sa

ber Popular.

Inerente as diversas práticas de dominado e a

exp~

riência de vida das classes populares, há um saber.

Práti

cas e saber que se desenvolvem no interior de dadas

rela

ções sociais que, na atual sociedade, são relações de elas

se.

Saber que sõ pode ser real e especificamente

conh~

cido, na medida em que se explicitar quais são as práticas

sociais em cujo interior ele está se dando, quem são

os

grupos que o detêm enquanto agentes dessas práticas e quais

as relações que nestas os agentes entre si estabelecem.

Saber que, enquanto inerente às práticas de domina

do das referidas classes, revela um nucleo comum e atê cer

tas caracteristicas

tamb~m

comuns.

Sabe~

que como

quai!

quer outros, entranha contradições, erros e ambiguidades.

Admitida sua presença, ê preciso re-equacionar

a

relação com outros saberes como o acadêmico/cientifico

ou

com a chamada filosofia cientifica/pensamento superior.

Admitida sua presença, reformula-se não so a

dis

cussao da educação popular mas

tamb~m

de outras práticas

c~

mo a sindical e

at~,

a partidária.

A questão politica dessas práticas passa a ser re

(8)

em questão politica, em certo modo, determinante.

Esse saber diz respeito

ã

busca de espaços por

pa~

te das classes populares.

Espaços que se constituem em reais

oportunidades

para essas classes explicitarem e elaborarem seu saber.

Espaços que são uma experiência de vida

qualitati

vamente nova, porque novas são as relações que superam

a

dominação e expropriação hOje vigentes na nossa

sociedade

caracterizada estruturalmente pelas relações de classe.

Espaço então, substancialmente politico.

(9)

Referenciados fundamentalmente na prática de

educ~

ção popular, abordaremos no presente trabalho, uma questão

que esta prática e outras ligadas ãs classes populares

-vem colocando aos que delas participam direta ou

indireta

mente. Referimo-nos ao Saber Popular.

Trata-se de uma questão que foi se destacando

ao

longo de um processo de discussão, no qual colocava-se

a

ênfase ora na análise da relação prática educativa /

conte~

to sócio-econômico, ora na necessidade e problema da

ava

liação, ora nos desafios pedagógico-metodológicos.

Os caminhos que acabaram desembocando no saber

p~

pular passam por perguntas como: De que maneira equacionar

as relações entre os saberes participantes do processo

ed~

cativo? Quais e o que sao esses saberes? O que

avaliar

nesse processo e de que modo? O que e como analisar essa

prática educativa?

Nosso assunto então

e

o saber popular. Popular,

e~

quanto inerente às práticas de dominado das classes

popul~

res.

(10)

postos da prática educativa, apontamos novos caminhos para

sua efetivação.

Esse trabalho torna-se possivel a partir do materl

al que fomos recolhendo e sistematizando enquanto

partic!

pantes que somos desde 1968 e a diversos níveis, tanto

da

prática da educação popular, como da sua reflexão e

análi

se.

Encontros, seminários, assessorias, estudos e

pe~

quisas os mais diversos foram oportunizando nossa

busca,

nosso trabalho.

Ao longo do texto abriremos espaço para que

pess~

as e grupos ligados frequente mas não exclusivamente

as

práticas de educação popular digam a sua palavra. E entre

eles a presença dos próprios populares ê marcante e decisi

va.

Pretendemos com isto nao só possibilitar que falem

dessas prãticas aqueles que as vivem e efetivam, mas

tam

bêm incorporarmos sua palavra no nosso discurso como parte

integrante do mesmo. No fundo, como parte integrante

do

nosso próprio pensamento.

Dado que nossa reflexão estarã particularmente vol

tada para a prãtica/discussão da educação popular

conside

ramos

~portuno

explicitar desde agora o que por ela

enten

demos.

Reservamos o nome de educação popular para aquelas

prãticas educativas que, desenvolvidas por agentes institu

c

i

o n a

i

sou não

j

u n t o

ã

s c 1 as s e s p,o p u 1 a r e s, v i s a m a

c o n t r

i

(11)
(12)

1.1. Prati cas e Saberes

Entre aqueles que estão ligados

ã

pratica e

reflexão

da Educação Popular, a discussão mais especifica sobre

o

Saber Popular vem se explicitando e se precisando cada vez

mais nesses ultimas sete ou oito anos.

De inicio, agentes e assessores* perguntaram-se

pela

existência ou não de um saber que fosse próprio das

clas

ses populares**. Posteriormente passaram a tentar entendê

10 melhor e a refletir sobre seu significado a nive1

da

pratica educativa de base, ou seja, aquela que se dá junto

aos grupos populares.

Essa discussão sobre o saber popular, ao nosso

ver,

esta simplesmente lançada e por isso mesmo se constitui em

*

Chamamos de agentes aquelas pessoas ou grupos de setores

das classes medias, que desenvolvem trabalhos educativos

junto a grupos das classes populares. E entendemos

por

assessor as pessoas ou grupos tambem de setores das c1as

ses medias que acompanham de diversas maneiras a pratica

educativa dos agentes, colaborando com estes na sua ana

1 ise. Com certa frequência encontramos assessores

que

desenvolvem ao mesmo tempo, uma pratica de agente.

(13)

um caminho a ser criado ao mesmo tempo que percorrido.

Queremos que o presente trabalho faça parte dessa bus

ca. Para isso tentaremos sistematizar as ideias que

consid~

ramos fundamentais e esboçaremos, ao mesmo tempo, uma

base

teórica que possa referenciar nosso posicionamento.

Nesse sentido, gostariamos de assinalar entre as refe

rências bãsicas que orientam nosso pensamento sobre o saber

popular, uma primeira que nos ocorre como de fundamental im

portância.

Falamos da relação saber/prãtica. Por prãtica

entend~

mos toda atividade humana e social que efetive, no seu

cam

po, uma transformação. Pensamos então nas atividades

mais

diversas, ora da produção econômica e/ou criação artistica,

como da pesquisa cientifica e/ou luta social.

Essa referência, aliãs,

e

frequentemente

explicitada

por pessoas das classes medias ligadas a trabalhos

educati

vos de base e particularmente apontada por pessoas e grupos

das próprias classes populares.

A relação saber/prãtica se constitui numa

referência

teórica que explicita ou implicitamente perpassa quanto

po~

sa ser dito sobre o saber popular ao longo deste trabalho.

Traremos a seguir os testemunhos e depoimentos dessas

pessoas e grupos, começando pelos de classe media.

Vejamos então o depoimento de um assessor/agente

que

jã faz alguns anos estuda e pesquisa sobre o saber popular:

(14)

tal~ troca informações entre si~ interpreta a reali

dade em que vive ... O Saber Popular não é algo

'puro' inteiramente distinto de um outro saber (não

popular). Na realidade os saberes dominante e domi

nado interagem e se confrontam - um não existe se~

o outro. Imaginar um saber sem o adjetivo popular e

imaginar uma sociedade sem classes distintas". 1

Focalizando agora um campo especifico do saber

pop~

lar, qual seja o da medicina popular, transcrevemos as

se

guintes colocações de um pesquisador:

" A medicina popular é capaz de diagnosticar doenças~

fazer anamneses~ prescrever medicamentos especifi

cos para cada moléstia~ estudar suas possiveis etio

logias, além de possuir semiologia especifica, se

bem que de modo precário e não sistematizado, mas

muito longe de ser alguma coisa desprovida de lógi

ca, sem sentido ou que não tenha partido da observã ção concreta da doença e da sa~de humana" . . . "

DI

ante de tal realidadeJ não

é

possivel encarar a me

dicina popular de maneira desprezivel. Tal medicina

precisa ser estudada sob vários ângulosJ para que

se demonstre a grandeza da inteligência popular e

para que a medicina popular não desapareça sob o do

minio da medicina do silêncio". 2

o

agente* de Educação Popular, pela sua

participação

direta e permanente na própria pratica educativa de

base,

tem uma contribuição muito significativa a nos dar.

Assim os participantes do Seminario de Agentes organi

zado pelo Centro de Trabalho e Cultura de Recife em 31

de

maio de 1976 concordaram em afirmar:

* Mantemos a nomenclatura mais usada. Porém, do nosso ponto

de vista, os grupos populares participantes da ação educa

tiva são agentes ativos e co-responsaveis dessa ação.

Ex

cluimos portanto qualquer idéia que nos leve a pensar

nu

(15)

u a populaç50 tem as suas maneiras de organizaç50 e o seu saber. A história fala. Nós (agentes) temos di ficuldades de captar~ por conta de nossa posiç50 e falta de instrumentos.

Usamos contatos artificiais~ técnicas nossas~ quan do o povo tem os seus instrumentos e técnicas".

3

-o

texto a seguir foi extraIdo do depoimento de

um

agente, publicado no Cadernos de Educação Popular nQ 1:

U Sem enxergar esse processo de luta que j5 existe

(independente de nós~ 'classe média') n50 consegui remos fortalecer os espaços que as camadas popula res estão conquistando~ n50 poderemos contribuir na criação de espaços que se inscrevam no processo de luta delas. E

é

por manter uma vinculaç50 com es se processo que nesses espaços elas podem criar um novo conhecimento que vem da pr5tica de pensar cole tivamente a sua própria luta". 4

Gostaria simplesmente, de destacar nesse texto a exis

tência de uma prática (por parte das camadas populares)

de

pensar coletivamente a sua luta, o que nos alerta de

pass~

gem para o significado polltico desse saber. Significado

e~

te a ser explicitado e aprofundado nos próximos capItulos.

A relação experiência diãria de vida/saber das

elas

ses populares tambem se faz presente no campo da técnica.

t

o que confirmam diversas equipes de agentes cuja

educativa se dá em escolas de profissionalização.

prática

Antes de trazer a palavra desses agentes, convem

lem

brar que há um conhecimento técnico, geralmente

produzido

no interior e sob o controle de certas empresas, o qual

se

constitui em propriedade privada diretamente ligada aos

in

teresses do capital.

(16)

transformou em certo patrim6nio da sociedade. Ele

~

comu

mente transmitido pelas faculdades e/ou escolas de

profi~

sionalização contribuindo assim na produção/reprodução

de

uma hierarquia de saber/poder que vai do aprendiz

at~

o en

genheiro altamente especializado e baseada no fundo, na

pr~

pria divisão do trabalho.

Conhecer, penetrar no porquê, ter uma visão

abrange~

te dos processos, é um nlvel do saber técnico reservado

p~

la sua própria organização, àqueles que estão ou sao

prep~

rados para participar dos comandos dessa escala hierárquica.

A mecânica execução de tarefas

~

habitualmente a

pa~

te reservada às classes populares.

Mas, escutemos a esse respeito o depoimento de um pa!

ticipante do Seminário de Agentes sobre o saber popular, ar

ganizado em Sobral em 1980, pelo NOVA:

"

então tem experiências interessantes . . . o ne

gócio da raiz quadrada~ na au~a de matemática. Por

que para fazer determinadas peças (o operário) tem

que saber raiz quadrada; o négocio é comp~icado .

... Então professora toca a fazer raiz quadrada e

nego não pega. Porque é um negócio chato mesmo. Di

fici~ de fazer a raiz quadrada. O pessoa~ (operári os-a~unos) na prática~ e~e tinha um jeito de fazer

a raiz quadrada~ porque e~e tinha que fazer uma pe

ça. E nego inventou um jeito; pode ser o que for ~

mas fazia a peça e tinha um jeito de fazer a raiz

quadrada. Então~ enquanto nego ficou empurrando a

regra de raiz quadrada que se aprende no gera~~ não

houve jeito. Ai desistiu ... Mas vocês não fazem es

sa peça ? Como é que vocês fazem ? Pronto, ai saiu

a raiz quadrada do pessoal. Ai os que não sabiam pas

saram a entender. Porque faz~ e o resu~tado

é

o mesmo". 5

(17)

faziam, uma peça que exigia a aplicação daquela fórmula. Ou

seja,que a própria pratica da tecnica colocava-lhes e

ao

mesmo tempo os levava a resolver um dado problema por

cami

nhos diferentes dos percorridos pelo saber classista afiei

a

1 .

De fato, conforme falara aquele assessor, o saber

pop~

lar e fruto da experiência de vida (trabalho, vivência

afe

tiva, religiosidade, etc.). A vida

e

tudo isso e muito mais.

E e no seu interior que se aprende, que se sabe.

Os depoimentos ate agora apresentados são de

grupos

e individuas que, sem ser das classes populares, mas

apoi~

dos em praticas especificas junto a essas classes,

falam

de um saber popular.

Achamos fundamental abrir o presente espaço para

que

pessoas dos mais diversos setores das camadas populares

ma

nifestem

individual ou coletivamente seu pensamento.

Nes

te, eles nos falam sobre seu saber,ao mesmo tempo o

eviden

ciam claramente.

O Cadernos de Educação Popular nQ 2, publica um

lon

go depoimento de um operaria que, embora tenha tido

certo

acesso a um saber mais acadêmico, nunca deixou de ser

um

operaria metalurgico-soldador. Vejamos o que ele nos diz:

" ... porque eu acho que ali est& a vida~ a consci~n

cia~ a visão~ a história da classe oper&ria; tudo

isso est& exatamente na experi~ncia de cada oper&

rio que, somados um ao outro, vão dar a história da classe oper&ria.

E com essa forma de obter conhecimento~ nenhum ope

rário vai se tornar o 'can-can' do conh~cimento, ne

nhum individuo fica distanciado da classe.

(18)

gente faz. Eu só quero ver, quero ter a capacidade

de ver as coisas. E na medida em que vejo, eu que

ro apenas gritar o que é realmente descobrir as

coisas. Porque, em geral, o que acontece é o se

guinte: primeiro as coisas devem ser elaboradas p~

los cientistas para só depois passarem a ser do do minio popular. Mas por que as coisas não podem nas cer e ficar no dominio popular? E a partir de que sejam do dominio popular é que elas vão extrapolar e ser conhecidas pelas outras camadas sociais. Então é você buscar o conhecimento lá, no convivio com o povo que realmente está produzindo não só es

se tipo de ciência social, mas todo tipo de ciên

cia; o povo está desenvolvendo, está criando, sem

pre criando coisas novas, de forma artistica mes

mo ... Muita gente diz assim: Tem que fazer uma

'universidade popular' que ensine todas as coisas

para o pessoal poder raciocinar dessa e daquela

forma. Mas a gente adquire as coisas é justamente

nesse convivio. E dentro disso, a gente tem inte

resses que não se distinguem em nada dos in teres

ses dos outros companheiros. Quer dizer, eu nao

sou um cara- que estou sensibilizado com os pro

blemas da classe operária; eu sou um cara que ta~

bém tenho interesse em que essa sociedade se trans forme de fato; eu sou um fi lho 'da c lasse operária;

um filho violentamente sofrido e que preciso da

mesma solução que todos os meus companheiros. E

quem não é da classe operária, na medida em que se coloque apenas 'com peninha', esse não entendeu na

da de história nem de coisa nenhuma; não percebe

que a solução dos problemas dele também depende de que as coisas caminhem e se transformem". 6

Da fala de um cabloco do interior da Bahia,

selecio

namos a seguinte passagem:

" Nós tudo aqui tá no caminho da luta. 20, 30 anos

de luta neste mundo de mato. Vocês tudo já enfren

tou cobra. Eu pergunto: 'quantas pancada mata uma

cobra ?' - Uma - Duas É isso

ai,

Só uma, na

cabeça, a primeira ou a segunda. Antes da terceira

você tá mordido. Todo serviço tem seu tempo e lu

gar, E alguns serviços só se fazem em batalhão.

O

nosso serviço tá sendo a luta contra a onça. Nós

se ajuntou aqui só por isso, porque apareceu a on

ça em todos nossos lugar. Nós começou conhecendo

o

jeitinho dela, as pegada, as vareda, prato que ela

gosta, onde ela bebe. Ela comeu boi, ela deu medo

(19)

agora que nos se ajuntou mais, daqui, da Bahia, de

toda parte, tudo num só caminho de luta. O jeito de

nós se ajuntar foi arrodiando a onça. Nós arrodeia, nos encurrala, nós mete fogo . . . Acabou?

Acabou nada. D.eus é grande, ~ mato é maior. Nós tra

balhador conhece bem as vareda desse mato do mund~

cá enfrenta cobra e onça, todo dia. Agora eu pergun

to: 'Pra onde vai essa vareda toda ? Donde sai os

bichão tudinho que a gente não mais dá conta de

les ?'. Meu pai dizia: 'Tudo vem do entroncamento ~

Quem quiser vá lá mexer no ninho das cobras. Eu não vou. Quem quiser vá lá no curral das onça'. Então a

conversa da gente sobre esse entroncamento vem

de tempo atrás, conversa vai, bla-bla-bla, conversa

vem, ble-ble-ble. Nós se ajuntou de todo canto. As

vareda tudinha se ajuntou neste caminho com nós ,

pau na cobra, olho na onça. Quer dizer: nós quer se

guir pro entroncamento. Nós caminhou um bocado do

nosso jeito: pé no chão, pau na cobra, orelha na di reção do curral das onça lá no entroncamento.

Mais na frente nós encontrou o padre, um padre qu~

rendo ajudar ao trabalhador: 'Vejam só, esse cam~

nho de vocês vai longe, a pé não vai dar. Vocês qu~

rendo tal o cavalo da Igreja 'A gente bem que

suspeitou: 'Padre empresta cavalo mas é pra não cor

rer'. A{ faltou falar: 'Nós aceita sim, mas olhe ~

padre, o cavalo é da Igreja mas a espora é nossa' .

Espora pra enfrentá, não pra fugi. Quer dizer que

com cavalo de padre eu posso continuar caçador de

onça, eu posso virar sacristão.

Depois nós entrou no asfalto. Padim Ciço dizia :

'Nascerá um rio preto, todo mundo acha que por ele

chegará a salvação, eu vejo a desgraça chegando'

Chegou, com aquele barulhão todo a nossas costas,

foi a rural. Nós toc-toc, a cavalo bem na beira

Quando a rural brecou. É o pessoal amigo, o advoga

do, os técnicos. De novo a conversa, a história das

cobra, do entroncamento longe e os cavalo cansado ,

cavalo de padre, a{ eles também quer ajudar: 'Vocês

querendo, a gente pode seguir de rural'. Eta moto

rista bom na direção! Eta viagem pai d'água. Da

até pra uma boa durmida, nem sonho com cobra e on

ça ... A{ a gente acorda. Tamos parado. O que foi?

chegou? - Chegou nada. Deu prego. Dois doutor foi

na cidade trocar a peça. Dois fica mais os trabalha

dor. A{ já muda a conVersa: - vai dar pra chegar no

entroncamento mas vai demorar. - É a rural que não

presta, até cavalo velho era melhor . . . - mas será

que a gente não entrou no desvio ? - Mas o advogado

falou que era atalho ... - vocês sabem duma coisa?

acho que pra enfrentar as onça não precisava seguir este caminho, escuta lá: a raiva delas tá passando,

vai ver que fica mansinha como gato. - É mesmo; tem

(20)

~ ~

Nesta conversa todo o miolo e que a onça e onça,

gato é gato, doutor é doutor~ trabalhador é traba

lhador. Padre vai a cavalo~ doutor vai de rural,

trabalhador vai a pé. Também padre e doutor podem

enfrentar a onça, do jeito deles. Então eu vou si~

mas vou do nosso jeito~ do jeito do trabalhador ,

pelo caminho do trabalhador que não é dos doutor.

O atalho deles é arrodeio pra nós. Ora~ eles qu~

rem entrar no atalho da gente ? •.. Mas talvez vai

ser arrodeio pra eles . .• ". 7

Finalmente destacamos alguns trechos da análise

que

-um campones cearense escreveu sobre a seca e que fora publl

cada no IICadernos de Educação Popular nQ 4

11

:

" Este livrinho é uma analise da realidade que vive

mos. Não foi preciso pesquisa; somente com a prátI

ca da vida que a gente vive~ como camponês que so~

já é tudo para fazer uma análise desta.

t

uma ana

lise totalmente minha.

Sei que não é perfeição mas é honesta com meus pe~

samentos ...

... A iniciativa desta minha análise partiu de um

longo momento de estiagem que estamos vivendo. Mo

mento este que deu muita margem para os donos de

mundo aproveitarem mais ainda das consequências ,

necessidades e mentalidades menos esclarecidas por

parte do povo atingido~ para enriquecer mais e te

rem mais poder".

"A seca é uma doença que pode ser curada facil

mente, mas como existe muitos interesses por part~

dos ricos e politicos pelaseca~ ela nunca sera

curada" . ..

"Por outro lado a seca é vista como causadora

de toda miséria. Tirando toda possibilidade~ visi

bilidade do povo de ver o sistema econômico e pol7

tico como verdadeiro culpado.

-Mas se analizarem a situação da classe pobre vendo os ângulos, veremos bem claro que realmente os cau

sadores de toda esta situação não é a seca, e sim

esse tal poder. Porque nunca houve tempo bom para

pobre, é sempre ele morrendo de trabalhar, e seca

é só de dez ou quinze anos uma. E porque o pobre é

cada vez ficando mais pobre ? E trabalhando mais ?

POl'que o pobre fez sua safra mas não pode guardar

para se arremediar ? Porque a produção do pobre

(21)

que vender todinha, depois, precisar comprar nova

mente muito caro para comer ? O pobre começa su

jeitar a sua produção ainda no plantioJ porque

ele não tem mais o que comerJ dai precisa se fo~

necer nos comerciantesJ ou arranjar dinheiro em

prestado para pagar com a produção que está pla~

tando.

Quando entra um novo ano ele já está devendo toda

sua produção porque toda produção perde o valor.

Dai já vai ter seu valor quando está nas mãos dos ricos. Os pobres não tem mais e já está é compran

do novamente. A seca não é culpada disto. Assim

como eles planejam a indústria da secaJ planejam

também a indústria da produção do pobre". 8

Depois de lermos os depoimentos de agentes,

assess~

res, pesquisadores (todos de classe media) e tambem os

de

pessoas das classes populares, nos permitimos destacar nes

te momento, só três aspectos que consideramos de grande im

portância:

a presença de um saber inerente à experiência

de

vida e mais especificamente, às diversas práticas

que essa experiência comporta;

de um saber que percebe, que analisa e que

tem

"seus caminhos";

de um saber que pelo fato de fazer parte da

exp~

riência de vida, faz parte das relações

sociais

que a perpassam. Relações essas que se apresentam

de diversas maneiras e que aparecem nos

depoime~

tos com roupagem diferente.

(22)

Pois bem, sao esses pontos ou aspectos que abordar!

mos a seguir, tendo sempre como referência o próprio

pr~

cesso de prãtica/reflexão do movimento popular, do qual fa

zem parte, entre outras, as prãticas que nos oferecem

os

diversos depoimentos.

1.2. Algumas Reflexões Bãsicas

Queremos agora dar inlcio a uma reflexão mais siste

mãtica que percorrera os próximos capltulos.

Vamos falar do saber, o que nos leva a entrar

no

campo da discussão epistemológica e da sociologia do conhe

cimento. Vamos falar do saber popular, ou seja, de um

sa

ber inerente às diversas prãticas das classes populares

e

diferente do saber das outras classes ou setores de

ses.

Isto significa, ao mesmo tempo, que vamos

clas

referen

ciar nossa reflexão nas relações de classe que

caracteri

zam nossa sociedade e que perpassam as mais diversas

pr~

ticas, particularmente, no caso, as que dizem respeito

ao

conhecimento e suas representações.

(23)

destina ou a Vlsao de vida dos posseiros de tal area do Pa

ra.

De qualquer maneira, precisamos fazer essa

abstra

ção, mesmo porque tentamos identificar algumas

categorias

teóricas que nos permitam uma aproximação dos saberes

con

eretos e especificos.

Então, retomando em parte nosso pensamento, podemos

afirmar o seguinte:

e

muito comum hoje entre os grupos

e

pessoas ligadas ãs práticas de educação popular, a

convic

çao de que, fazendo parte da experiência de vida das

clas

ses populares, existe um saber, ou seja, um modo de

enten

der, de ver e valorar, de posicionar-se na vida e nas rela

çoes sociais que esta comporta, que

e

próprio dessas

clas

ses.

Tal convicção decorrente dessa prática educativa

e~

contra seu correspondente a nivel da teoria quando

afirma

mos com Schaff, Lefebvre e outros que tão somente a prática

nos coloca em contato com as realidades objetivas e que

o

conhecimento só existe na prática concreta e sensivel.

O próprio Lefebvre ao abordar a teoria do

conheci

mento vai acrescentar: "Antes de elevar-se ao nivel

teõri

co, todo conhecimento começa pela experiência, pela

prátj.

ca". 9.

Nesse sentido

e

importante lembrar uma das

ideias

básicas expostas pelos autores de "A Ideologia Alemã": não

e

a consciência que determina a existência social mas e es

ta que determina a consciência".

(24)

do conhecimento,resume com precisão: lias homens pensam te.!!.

do como base aquilo que fazem e o modo como se

relacionam

nesse fazer; e agem conforme seu modo de pensar e suas

re

lações sociais".

10.

Digamos então que a relação prática/conhecimento

e

consequentemente prática/saber (concebemos o saber como co

nhecimento, mas tambem como posicionamento e açao, nao

se

esgotando portanto a nivel da conceituação) e constitutiva

da própria gênese/processo do conhecimento.

Ainda mais, para 5chaff o caráter ativo por excelê.!!.

cia do sujeito que conhece está em relação com o fato

que

o conhecimento equivale a uma atividade prática; e uma

pr~

I ( ,

tica. 50 analiticamente podemos separar o sujeito que

co

nhece (sujeito ativo, agens) e a prãtica no interior

da

11

qual o sujeito conhece.

11.

Palavras que fazemos nossas.

Donde, enquanto explicitamos a relação prática /

c~

nhecimento, tomamos posição no tocante à relação cognitiva

sujeit%bjeto em termos da reciproca interação, ou seja,

uma relação "na qual tanto o sujeito como o objeto mantem

a sua existência real e objetiva, ao mesmo tempo que

atua

um sobre o outro". 12.

Aquela constatação das pessoas ligadas às

práticas

de educação popular e por vezes claramente explicitada

em

algumas pesquisas (ref. supra: depoimento dos

pesquisad~

res) não sã alerta para a relação prática/saber como

tam

bem nos leva a assinalar uma caracteristica desse

saber,

a qual consideramos fundamental. Trata-se de um saber

pr~

(25)

tes, no fundo, diferente do saber oficial, quer dizer,

da

quele reconhecido como tal na sociedade e que perpassa

com

seus criterios e valores as mais diversas prãticas e

rela

çoes.

Face a essa

especificidade~

uma primeira

pergunta

que imaginamos, pode ser a seguinte: o que faz com que esse

saber não seja simplesmente diferente dos outros, mas possa

ser qualificado como próprio de um determinado grupo

so

cial ? E como equacionar essa questão na nossa sociedade de

classes?

Uma resposta muito inicial que nos ocorre de imedia

to diz respeito ao contexto cultural e condiç6es de vida em

que se dão as diversas prãticas dos grupos humanos. Quer di

zer, que em sendo fundamental a relação prática/saber,

preciso identificar de quais práticas se trata, qual a

lidade cultural, quais as necessidades e interesses.

-e

rea

Porem nada disso seria suficientemente esclarecedor

enquanto não fosse referido às relaç6es sociais que caracte

rizam aquele dado grupo social.

Em outras palavras, só poderemos explicar porque

e~

ses saberes são diferentes quando possamos conhecer

"0

que

aqueles homens fazem", em qual contexto cultural e

"como

se relacionam nesse fazer".

Mas se focalizássemos por exemplo, os inumeros

gr~

pos das classes populares participantes ou não das

ativida

des de educação popular, verificariamos uma grande

heterog~

neidade.

(26)

ses grupos se o modo como estão se dando as relações sociais

nas diversas práticas específicas; se a realidade

cultural

e as próprias condições de vida diferem de grupo para

gr~

po

?

Uma coisa é pensar no pequeno proprietário de Sobral

(Cearã) e outra no pequeno proprietãrio gaucho de Ijuí;

uma

coisa é pensar no peao metalurgico da industria automobilís

tica de são Bernardo e outra no peão metalurgico da Belgo Mi

neira em Monlevade; uma na doméstica em Teresina e outra

na

doméstica em São Paulo.

Porém cabe mais alguma interrogação: mesmo

diante

dessa heterogeneidade, seria possível descobrir alguns

ele

mentos ou nucleo comum a essas diversas experiências de vida

e consequentemente aos saberes que elas entranham?

Se assim fosse, de um lado se veria enriquecido o re

ferencial teórico que nos orienta no acesso aos saberes

con

eretos e de outro, teríamos condições de explicitar e de

ju~

tificar até, o fato de pensarmos num saber próprio das

elas

ses populares.

Acreditamos que casos análogos aos que narraremos

a

seguir colocam as bases para uma resposta.

No 39 Encontro Nacional das Comunidades Eclesiais de

Base (João Pessoa/1978) do qual pessoalmente participamos

grupos populares vindos de praticamente todas as regiões

do

Brasil, discutiram e trocaram experiências ao longo de

vári

os dias.

(27)

sua anãlise dos principais problemas que elas enfrentam no

seu dia-a-dia. Feita a anãlise e definidas algumas

de ação, chegou-se à avaliação final do encontro.

linhas

Foi por ocasião dessa avaliação que um campones da

região centro-oeste falou assim:

" Chegamo aqui operario~ agricultor e at5 um cacf

que {ndio~ sem a gente se conhecer e cada um pen

sando no seu problema. Hoje nós vai sair daquI

vendo que somo a mesma coisa~ que temo o mesmo

problema e a luta ~ igual". 13.

E na anãlise da seca escrita por aquele

campones

cearense ao se referir às regiões Sul e Nordeste, lemos:

" Pensando certo ou errado~ eu defino tudo da se

guinte maneira: a classe pobre ~ a indústria. Co

mo toda fabrica funciona por seção~ tem a seçao

dos trabalhadores do campo, e a seção operarios

da indústria e das fabricas, operários das cida

des~ seção pol{tica, seção seca, seção comércio

e muitas outras~ até que forma um conjunto de se

ções que significa uma Indústria. Tendo na clas

se pobre tudo o que for necessario para a engr~

nagem dessa Indústria.

Como tem que existir classe pobre, no nordeste e

no Sul, para sustentar a classe rica do pa{s ,

por causa das regiões Sul e Nordeste serem dife rentes~ lá no Sul foi bolado um sistema de domI

nação que causa a mesma pobreza que nem aqui no

Ceara e no Nordeste. Só ~ diferente o sistema

por causa da região. Mas os pobres de lá só se

obrigam se sujeitarem aos patrões, ricos e pol{

ticos por causa das necessidades. E assim, a vI

da da classe pobre ~ a mesma: aqui no Ceara no

Nordeste e no Sul, ou em todo mundo". 14.

Depoimentos e testemunhos como esses abrem determi

nadas pistas à nossa reflexão.

(28)

populares, estã dado pela sua situação de classe* e as ine

rentes relações de expropriação e dominação que a

sam e identificam.

perpa~

Trata-se em outras palavras e como já o destacamos,

das classes que se caracterizam pela radicalidade da

sua

situação de exploração e dominação na presente divisão

so

cial do trabalho.

Trata-se das classes que, enquanto tais,

experime~

tam no seu dia-a-dia e de maneira dolorosamente real, todo

o peso da relação contraditória entre capital e trabalho.

Enfim, acreditamos que, inerente a essa situaçãode

classe,. muito real nas mais diversas práticas das

classes

populares, existe um saber diferente dos outros saberes

porque diferente das outras situações de classe.

Certamente que essa afirmação levanta de

imediato

questões complexas e diversas. Delas trataremos

oportun!

mente.

Ao encerrar este capitulo, gostariamos de

lembrar

resumidamente que nossa reflexão teve como ponto de partida

não só os depoimentos e testemunhos de pessoas e grupos de

setores das classes medias que participam a diversos niveis

de práticas que se desenvolvem junto ãs classes populares,

mas, particularmente, de pessoas e grupos populares.

Depoimentos e testemunhos que assinalam

explicit!

mente a relação saber/prática ou saber/experiência de vida

(29)

(entendida esta, como um saber acumulado).

A seguir desenvolvemos uma reflexão mais sistemãti

ca tendo como referência fundamental as relações de classe

e nos detendo mais especificamente na relação

"prãtica/sa-ber/situação de classe/nucleo comum aos diversos

das classes populares.

saberes

(30)

REFERtNCIAS BIBLIOGRÃFICAS

CAPITULO

I

1.

Garcia, Pedro Benjamim,

Educação Popular: algumas

refl~

xoes em torno da questão do saber, Cadernos do CEDI/2

Rio de Janeiro. Tempo e Presença Ltda., 1981, p. 14.

2.

Carrara, Douglas,

Medicina Popular: uma medicina

expro

priada. Trabalho apresentado no Seminãrio de

Educação

Popular convocado pelo IBRADES, Rio de Janeiro,

dezem

bro/82.

3. NOVA-Pesquisa, Assessoramento e Avaliação em Educação,

Relatório do Seminário de Agentes em Recife, Rio de

Ja

neiro, 1976.

4. Weid, Bernard Von Der,

Educação .Popular: um depoimento,

Cadernos de Educação Popular nQ 1, Rio de Janeiro,

VO

ZES/NOVA, 1981.

5. NOVA-Pesquisa, Assessoramento e Avaliação em Educação,

Debates do Seminário de Agentes sobre o Saber Popular /

Sobral. Rio de Janeiro, 1980.

6. NOVA-Pesquisa, Assessoramento e Avaliação em Educação,

Depoimento: fala um operário. Cadernos de Educação

Po

pular nQ 2, Rio de Janeiro, VOZES/NOVA, 1982, p. 59.

7. Centro de Estudos e Ação Social,

Conversa dum cabloco ,

Salvador, 1980.

8. NOVA-Pesquisa, Assessoramento e Avaliação em Educação,

(31)

9.

Lefebvre~ Henri)

lõgica Forma1/lõgica Dialética, Rio de

Janeiro, Civilização Brasileira S.A., 1975, p. 49.

10.

Cardoso~ Miriam Limoeiro~

la Construcciõn de1

cimiento, Mexico, Ed. Era, 1979, capo 2.

Conoci

11.

Sahaff~ Adam~

Histõria e Verdade, São Paulo,

Martins

Fontes Editora ltda., 1978, Primeira Parte, Capo l.

12.

Idem~ Ibidem.

13.

NO~-Pesquisa~ As~essoramento e Avaliaç50 em Eduaaç50 ~

Re1atõrio do 39 Encontro Nacional das CEBs em João

Pes

soa, Rio de Janeiro, 1978.

14. NOVA-Pesquisa~ Assessoramento e Avaliaç50 em Eduaaç50 )

(32)

SABER POPULAR: COMO

t,

COMO ENTENDt-LO

Hã uma opção metodológica que mantemos ao

longo

de toda a dissertação, ou seja, a de ir relacionando

perm~

nentemente de uma parte a prãtica/reflexão existente

nao

só na educação popular mas tambem no próprio movimento

p~

pular, e de outra, nossa prãtica/teorização pessoal

que

faz parte desse processo mais amplo.

t

dentro dessa opção que abriremos espaço mais uma

vez para que os agentes se manifestem.

O texto a seguir foi tirado do relatório das

dis

cussoes havidas no Seminãrio de Agentes (Cearã/1980) jã as

sinalado anteriormente:

" Eu penso assim, diferença entre o pensamento de

um trabalhador e de ... um intelectual. Por exem plo, quando um antropólogo faz uma pesquisa, ele

dedica a introdução ou o primeiro capitulo a mos

trar ao leitor ... que conceitos ele vai usar ~

e no resto do livro todo, ele se dedica a botar

aqueles conceitos numa área que ele tá pensando

... E no caso de um lavrador .. , ele não faz es

sa separação ... conceituar primeiro, pra depois

explicar a realidade ... A coisa vai junto e co

mo vai junto, né ? já ele bota a vivência dele

ali. Ele não tá separado da realidade, ele

junto da realidade porque ele mesmo já é a reali

dade, né ? O intelectual, não. Ele dedica trinta

páginas para explicar cinco conceitos que ele

vai usar nas cento e cinquenta páginas seguintes, quer dizer, é uma coisa totalmente diferente, eu acho".

" ... Agora se observar os escritos (do povo) da qui, é uma análise da"sociedade ... mas totalmen

(33)

exemplo~ ele se coloca como oppimido e começa a se pepguntap quem é ele na sociedade e a paptip dai ele começa a conceituap. Então só me tpaz é coisa nova mesmo. Não é só um problema de que _o povo escreveu . . .

t

muito difepente a expressa0 neste pessoal". 1

Aliãs, lembremos o nucleo do pensamento

daquele

cabloco baiano:

" . . . Nesta conVersa toda 3 o miolo é que a onça é

onça 3 gado é gad0 3 doutor é doutor 3 trabalhador é trabalhador. Padre vai a caval0 3 doutor vai de rural 3 trabalhador vai a pé. Também padpe e dou

tor podem enfrentar a onça~ do jeito deles. En

..

tão eu vOU 3 sim3 mas vou do nosso jeit0 3 do je~

to do trabalhador, pelo caminho do trabalhador que não é o dos doutor. O atalho é arrodeio para nós. Ora, eles querem entrar no atalho da gen te ? ... Mas talvez vai ser arrodeio pra eles

"

Os depoimentos citados no inIcio deste trabalho

como os agora transcritos e muitos outros colhidos em

as

sessorias, seminãrios e contatos na base nos levam a

reto

mar e complementar o assunto que encerra o capItulo anteri

or: a diferença existente entre a visão de mundo, valores,

lôg;ca e tomadas de posição dos grupos populares e dos agen

teso

A diferença estã ai, apontada pelos prôprios

gr~

pos populares, pelos agentes e assessores. Porem, como

en

tendê-la; o que acrescentar

ã

discussão sobre o nucleo

co

mum assinalado no capItulo anterior? O que acrescentar

a

relação saber/situação de classe?

(34)

Não que a gênese dele enquanto conhecimento

(le~

bremos esquematicamente: experiência senslvel de um

objeto

do conhecimento no interior de uma prãtica e sistema de

re

lações, representação mental decorrente, a qual se expressa

num conceito) se processe de maneira diferente.

Porem, consideramos que a relação prãtica / conheci

mento no caso das classes populares se apresenta com

fre

quência de maneira mais dialetica e menos dicotômica do que

no caso dos saberes das outras classes e/ou grupos sociais.

Lemos na anãlise da seca:

" Este livrinho

i

uma an~lise da realidade que vi

Vemos. Não foi preciso pesquisa. Somente com a

pr~tica dh vida que a gente vive~ como camponês que sou~ j~

i

tudo para fazer uma an~lise desta.

t

uma an~lise totalmente minha".

2.

E

O

depoimento do operãrio destaca o seguinte:

" .. . Porque quando a gente est5 de macacãoJ igual

a todo mundo~ ninguém nos vê como um cara que s~

be mais do que os outros não.

Pelo contr5rio~ muitas vezes o companheiro chega

e d1.:z: 'Pô~ você é o que? Você é um oper5r1.:0 ~

você não entende nada f' E quando você contesta

uma idéia dele~ ele diz: 'Você não sabe coisa ne

nhumaJ como é que você Vem me contestar ?'

Ele quer dizer que tanto você pode estar certo J

como ele pode estar certo; você é igual a ele .

... A não ser que você fale alguma coisa com

muito cuidado e que realmente tenha a ver com a

visão que o companheiro tem e com a realidade de le.

Pode até contrariar a idéia dele; mas é preciso

ele perceber que realmente a experiência dele

mostra que aquela posição que você est5 colocan

do

i

uma posição certa.

Ai

ele vai respeitar a sua opinião. De outra for

(35)

Ou seja, que há uma caracteristica predominante do

saber que nos ocupa, qual seja a intima e dinâmica

relação

entre prática e conhecimento.

E nessa relação a prática e referência fundamental

nao so na elaboração de quaisquer conhecimentos

(11 •••

com

a prática da vida que a gente vive, como camponês que sou,

já e tudo para fazer uma análise desta

ll

. ) ,

mas tambem

na

aceitação e incorporação de novos

(11 •••

e preciso ele perc!

ber que realmente a experiência dele mostra que aquela

e uma posição certa

ll . ) .

Assim tudo que diz respeito a um conhecimento mais

discursivo, ou seja, baseado muito mais na abstração e

na

articulação de noções e definições, e ãs vezes paralelo ate

às próprias práticas (encontrado na academia, escola e

ou

tras instituições de ensino e veiculado nos livros, cursos,

seminários) parece ter um peso muito secundário no processo

de elaboração do saber das classes populares.

Para estas, sua referência e a vida diária, sua ex

periência social, o que viu e sentiu e não por exemplo,

o

mais recente livro ou conferência de tal escritor.

Entretanto e bem diferente a presença efetiva

e

marcante desse conhecimento discursivo na elaboração e

de

senvolvimento do saber das outras classes, como e o

caso

das classes medias.

(36)

sistência, moradia, saude, trabalho bem remunerado,

educa

ção dos filhos) que essas classes vão definindo prioridades,

estabelecendo valores, descobrindo estratégias,

sua lógica e fazendo suas anãlises.

recrtando

r

sem duvida, um saber que se constitui no

interi

or de lutas muito concretas e de relações contraditórias

cabendo ao saber dominante e seus interesses o outro

polo

da relação contraditória.

-A esse respeito assinala- aquele campones cearense:

" Era muito bom que n6s refletisse todas essas

coisas sozinhos, depois com mais alguém, depois

com mais outros de nossa classe. Eu fiz estas

perguntas e esta história para n6s mesmo da nos

sa classe. Não foi para as outras classe não. Ca

da c lasse que faça· sua his t6ria, como eles

tem muitas .

... Classe rica e classe pobre são duas hist6ri

as totalmente opostas, diferentes. Se juntar as

duas s6 interessa mesmo ao rico. Por isto seria

muito bom que a classe rica nunca visse os pensa

mentos da classe pobre, para nunca saberem que

a classe pobre sabe pensar. Porque eles fazem tu

do para a nossa classe nunca se organizar ... " ~

t

no interior dessa luta que os saberes nascem

e

se consolidam. Pensã-los fora dessa relação equivale a

des

conhecê-los.

E

é

exatamente voltando nossa atenção para

relação, que descobrimos mais uma caracteristica que

essa

acre

ditamos ser comum aos diversos saberes dos grupos populares,

e que ao nosso ver, e uma caracteristica fundamental.

O saber popular constitui no minimo

embrionariame~

(37)

forme o permitirem as mais diversas circunstâncias.

t

interessante ver como aquele camponês,

depois

de analisar o problema da seca, vai encerrar seu

depoime~

to do seguinte modo:

" Agora o que resta ~ perguntar a nos mesmo.

Qual ~ mesmo o nosso compromisso com a clas se ?

- Com a nossa classe ? Comigo mesmo ? Com minha fami. lia ?

- Ser~ com estes tris anos de seca seguidos~ j~ não d~ para pensar como se preparar para ou tros anos de seca que poderão vir ?

- Ser~ bom nós ficar mesmo do jeito que esta mos ?

- Assim como os governos e poli.ticos sabem pre parar a indústria da seca às nossas custas ; ser~ que nós não sabemos se preparar como clas se pobre para se defender destas indústrias e-armadilhas dos governos~ poli.ticos e ricos? Sem precisar ser peças das máquinas das indús

trias de les ?

-A inteligincia ~ deles~ o trabalho

é

nosso Ser~ que nunca podemos mudar isto ?

- Será que nós~ cablocos pobres~ analfabetos não podemos pensar nisto ? DeVemos deixar para os sabidos pensarem? . . .

. . . Muitas lutas que existe na nossa classe e~

bre ~ com estes objetivos: DPotestos~ exigen

cias~ peclamações~ reivindi~ações aos poderosos. Porque a nossa luta não ~ com o objetivo de constpuirmos o nosso ppóppio mundo". 5.

o

texto é muito claro: é preciso a classe

perc~

ber que a luta de fundo

e

construir uma outra sociedade.

Voltemos mais uma vez ao depoimento do

metalurg~

co para observar essa força/poder e suas estratégias:

" Agopa~ o que ~ tomap decisões em comum? Pop

exemplo~ naquele caso da faxina - quando a fi~

(38)

tica dos companheiros, uma vez que todo o resto

da turma estava assumindo a faxina; mas ele não

ia contra o que os companheiros estavam pensa~

do. Quer dizer, o pessoal estava aceitando fa

zer o serviço mas achava que a atitude correta

era aquela de não aceitar fazer; aceitava por

que no momento estava tão pressionado que nãO

tinha condições de reagir. Um companheiro até

chegou junto do que não pegou na faxina e f~

lou: 'Olha, você está agindo certo, mas eu es

tou nessa situação, agora não posso entrar em

conflito com a firma " . ' . Quer dizer, o cara

que não fez a fazina tinha toda a solidariedade do pessoal, Tanto é que, na hora em que ele se

retirou do local de trabalho e foi para o ba

nheiro para não pegar a faxina, foram dois conPQ

nheiros atrás dele e falaram: 'Olha, o problema

é o seguinte: a gente acha que tinha que ficar

com você aqui, a gente não podia ir para lá fa

zer a faxina . . . " O outro ai, respondeu: 'Olha-;

vocês tem que resolver sabendo qual é a situa

ção. Então vão, façam a faxina, e não esquentem

a cabeça comigo porque eu estou a fim de qual

quer negócio'.

Quer dizer, o cara que não fez a faxina tinha a

solidariedade do resto da turma; eles estavam

apoiando embora não tivessem condições de fazer

o mesmo. E talvez essa solidariedade é que ga

rantiu dele não ser mandado embora da firma. Eu

acho até que o próprio engenheiro - que seria

quem o mandaria embora - percebia que todo mun

do estava do lado dele, estava solidário com

ele. Então, foi uma atitude individual mas que

tinha o apoio de todo mundo", 6.

o

saber popular enquanto força/poder está sempre

presente e atuante, porem se regendo por uma lógica e

in

teresses próprios, a qual as vezes nos surpreende e

deso

-rienta, porque seus caminhos nao sao os nossos.

Por outra parte, de tal maneira ele constitui uma

força/poder de transfQrmação da sociedade que a

presente

organização do saber (a qual responde aos interesses

domi

nantes) não lhe concede um espaço, a não ser na medida

em

que possa cooptá-lo.

(39)

-nes, qual a luta que enfrentam as classes populares na bus

ca de espaço para seu saber:

" E o pior

é

que tudo que pensamos e fazemos~

aprendemos deles. Das histórias deles. Nós não

pensamos nada da nossa própria história. Da

nossa própria vida. E se nós descobrissemos a

nossa história~ a gente via como não dava. Era

impossivel a nossa classe pensar o que eles e~

sinam. Era terrivelmente proibido nós pensar

do jeito deles. Não pudia nem sonhar. Classe

rica e classe pobre~ são duas histórias total

mente opostas~ diferentes. Se juntar as duas

só interessa mesmo ao rico. Por isto seria mui

to bom que a classe rica nunca visse os pens~

mentos da classe pobre~ para nunca saberem que

a classe pobre sabe pensar. Porque eles fazem

tudo para a nossa classe nunca se organizar Por isso colocam em nossas cabeças os pensamen tos deles. E nós como pensamos que não sabemos pensar~ ·aceitamos tudo que e les ensinam. Só fa

zemos o que eles pensam e ensinam".

7.

-Força/poder porque o aparecimento, elaboração

c~

letiva e consolidação do saber das classes populares - que

e

conhecimento e experiência das práticas de dominado

e

que diz respeito às lutas pelos seus interesses e

necessi

dades - acaba se constituindo num espaço/poder

contraditõ

rio aos interesses dominantes.

Isto

e

claramente exposto por um grupo de

oper~

rios que, baseados nas suas prãticas produtivas e de

luta

diãria na fãbrica,explicitam o seguinte, no Seminário

de

Operários, reunido em são Paulo em dezembro de 1982:

" ... A partir do momento que o grupo de fábrica

começa a pensar a fábrica~ a recuperar e siste

matizar a memória de luta da fábrica~ está se

formando um poder organizado contra o capi

tal . . . Sem esse saber operário~ criado no dia

Referências

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