FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS - RJ
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA
CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A GESTÃO
DO
PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO
COMPLEXA:
UMA
AVALIAÇÃO
DA
58
CONFERÊNCIA
MINISTERIAL
DA
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL
DO
COMÉRCIO
-OMC, EM CANCÚN, MÉXICO
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
ANA TEREZA SCHLAEPFER SPINOLA
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E DE EMPRESAS CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA
CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A GESTÃO DO PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO COMPLEXA: UMA
AVALIAÇÃO
DA
5°
CONFERÊNCIA
MINISTERIAL
DA
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO OMC, EM CANCÚN
-MEXICO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA POR ANA TEREZA SCHLAEPFER SPINOLA
APROVADA EM
PELA COMISSÃO EXAMINADORA
Doutor em Gestão de Risco, da Informação e da Decisão
/ Prof. Alexandre Linhares Doutor em Pesquisa Operacional
~~-~
~~
~
P:MariO
CesarRodrigye~/yidal
Anna Maris, Aurélio Wander, Déborah Zouain, Joarez de Oliveira, José
Guilherme Heráclito Lima, Josélio, Marilia, Yann Duzert, Chris, Alê e
Léo, professores da EBAPE, colegas do mestrado.
Pretende-se no presente trabalho avaliar a gestão do processo de negociação complexa
da 5a Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio em Cancún,
ocorrida entre os dias 10 e 14 de setembro de 2003, no México, apontando os
problemas e questões que resultaram no colapso de um possível acordo. O futuro da
OMC é incerto e mudanças traumáticas sofridas por muitos países que vivem sob as
regras da OMC indicam que alguma coisa na OMC terá que mudar, principalmente nos
processos de negociação complexa, de forma que a integridade da organização não seja
comprometida. Buscou-se respostas na análise e avaliação da gestão do processo de
negociação, estudando e pesquisando os conceitos de barganha posicional, detalhando
o processo de negociação baseado em princípios, explorando em profundidade o estado
da arte para gestão de conversas difíceis. Dissecando a questão dos conflitos e das
coalizões, mostrando a dificuldade existente na resolução de disputas públicas e no uso
de instrumentos para quebrar o impasse nas negociações buscou-se estabelecer o
instrumental teórico que possibilitasse aprofundar o diagnóstico da situação atual na
OMe. Como recomendação explorou-se a avaliação de conflitos, com base na eficiência
- teoria dos jogos-, justiça e na eqüidade, a melhor forma de negociação baseada em
princípios, de gestão de público demandante, no diálogo dos multistakeholders, a
importância das conversas informais paralelas, o ambiente da complexidade e a visão
ampla que proporciona o enfoque do funcionamento de sistemas decisórios
autopoiéticos.
Palavras-chave: autopoiese, avaliação de conflito, complexidade, conhecimento comum,
criação de consenso, impasse, mediação, racionalidade limitada, teoria dos jogos,
The present paper has the proposal to assess the management process of complex
negotiation of the 5th OMC that took place at Cancun from September 10th until the 14th,
2003. This thesis points out the problems and questions that resulted on the collapse of a
possible agreement, it also suggest proposal to solve these issues.
The future of OMC is uncertain and traumatic changes suffered by many countries that live
under the rules of OMC shows that something at OMC will have to change, principally on
the process of complex negotiation, such as the integrity of the organization to avoid having
to compromise and being damaged.
There were searches for answers on the analysis and assessment of the negotiation process,
studying and researching the bargain positional concepts, giving full details on the
negotiation process based on principIes, exploring profusely the state of art for the
management of difficult conversation. This thesis also tackles the sources of conflicts and
the building of coalitions such as the G20, showing the difficulty existing in the resolution
of public disputes and in the use of instruments to break the impasses. We also defined
theoretical instrumental, which allowed the diagnostic ofthe actual situation at OMe.
It was recommend to explore the valuation of conflicts, based on justice and equitant, the
best form of negotiation by principIes, of management demanding public, on the multi
stakeholder dialogue and the importance of informal parallel conversation. The environment
of complexity and the extensive vision that it provides to adjust the functioning of
autopoietics systems.
Key words : autopoiesis, conflict valuation, complexity, common knowledge, consensus
Quadro 1: Antecedentes dos conflitos nas relaçãoes comerciais ... 18
Quadro 2: Principais questões dos países industrializados... ... 22
Quadro 3: Principais questões dos países em desenvolvimento... 22
Quadro 4: Principais questões relativas ao TRlPS treaty ... .23
Quadro 5: Principais questões relativas ao tratamento especial e acesso ao mercado ... 24
Quadro 6: Zona de Acordo PossíveL ... 29
Quadro 7: Impasse atual nas negociações: países industrializados x países em desenvolvimento ... 33
Quadro 8: Estágios do processo de negociação baseado em princípios ... 34
Quadro 9: Processo de construção do consenso ... 37
Quadro 10: Posição polarizada - sem acordo ... 37
Quadro 11: Posição polarizada - com possibilidade de acordo ... 38
Quadro 12: Jogos não-cooperativos. Equilíbrio de Nash ... 61
Quadro 13: Impasse das negociações ... 68
Quadro 14: Articulação da gestão do conhecimento para facilitar o consenso ... 79
Quadro 15: Mapa do conflito: causas e intervenções ... 81
Quadro 16: Etapas do processo de construção e testagem de hipóteses para a resolução de conflitos ... 82
Quadro 17: Possíveis resultados de uma disputa ... 84
Quadro 18: Possíveis resultados de uma disputa (representação gráfica) ... 85
Quadro 19: Características estratégicas utilizadas para a resolução de disputas ... 86
Quadro 20: Estratégias de abordagem ... 87
Quadro 21: Múltiplos papéis em um jogo de negócios ... 93
Introdução ... .. 1
I Antecedentes do Comércio Internacional ... 7
1.1 A questão agrícola ... l O 11 Diagnóstico da Situação Atual ... 13
11.1 Organização Mundial do Comércio - OMC ... 13
11.2 Antecedentes das Relações Comerciais ... 16
11.3 A 5a Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio - OMC ... 19
lIA Principais temas de discussões da 5a Reunião Ministerial da OMC ... .20
IIA.I Acordos de negociação na área agrícola ... 20
IIA.2 Acordos relacionados a aspectos comerciais dos direitos de propriedade intelectual (TRlPS) e saúde pública ... 22
IIA.3 Tratamentos preferencial e especial para os países em desenvolvimento ... 23
IlAA Ampliação do poder da OMC através de acordos de investimentos ... .24
11.5 O Fracasso da 5a Reunião Ministerial da OMC ... 25
111 Processos de Negociação . ... 28
III.I Barganha Posicional. ... 30
III.2 Processo de Negociação baseada em Princípios ... 33
111.3 Gestão de Conversas Difíceis ... .. AO IIL3.1 Conciliação ... 43
m.4 Coalizões e Conflitos ... 54
111.4.1 Teoria da Cooperação ... 57
111.4.2 Jogos não-cooperativos ... 58
m.4.3 Teoria dos Jogos ... 59
111.5 Resolução de Disputas Públicas ... 63
m.5.1 Pré-negociação ... 63
111.5.2 Negociação ... 68
m.5.3 Implementação ou Pós-negociação ... 69
111.6 Instrumentos para Quebrar o Impasse ... 70
m.6.1 Abordagem dos Ganhos Mútuos ... 70
m.6.2 Inventando Opções para Ganhos Mútuos ... 71
111.6.3 Colaboração ... 72
m.6.4 Modelo para Viabilizar a Negociação de Conflitos Intratáveis ... 73
111.7 Mídia ... 74
m.7.1 A Mídia em um Fórum de Construção de Consenso ... 75
m.7.2 Regras Básicas a serem Estabelecidas ... 76
IV Recomendações ... 78
IV.l Avaliação de Conflito ... 78
IV.l 1 Possíveis Resultados de Disputas ... 83
IV.1.2 Justiça - Eqüidade - Repartição Justa ... 87
IV.2 Sistema de Solução de Controvérsias ... 89
IV.3 Negociação baseada em Princípios ... 91
IV.4 Co-opetition ... 93
IV.5 Gestão de Público Demandante ... 96
IV.6 Multistakeholders Dialogue - MSD ... 98
IV.6.1 Objetivos do MSD ... I00 IV 7 Conversas Informais Paralelas ... 102
IV.8 O Ambiente da CompIexidade ... l 05 IV.9 Sistemas Autopoiéticos ... 110
V Conclusão ... 114
"We are told that trade can provide a ladder to a
better life and de/iver us from the poverty and
despair ... . Sadly, the reality of the international
trading system today does not match the rhetoric ".
Koji Annan, Secretary General United Nations
A Gestão do Processo de Negociação Complexa : Uma avaliação da 5a Conferência
Ministerial da Organização Mundial do Comércio - OMC, em Cancún, México.
Introdução
Nas negociações, a complexidade do processo para se alcançar o consenso perpassa pelo
mistério presente na forma dos seres humanos fazerem escolhas e responderem ao risco.
Segundo Bernstein, "escolher a alternativa que julgamos nos trará o maior retorno tende a
ser a decisão mais arriscada, pois poderemos provocar a defesa mais forte dos jogadores que perderão com o nosso sucesso. Assim, geralmente aceitamos alternativas de meio-termo, que podem exigir que façamos o melhor de uma barganha ruim" [Bernstein: 1997,
p.232].
As escolhas e decisões dos indivíduos não correspondem às ações isoladas e sim dependem
das decisões e ações dos outros indivíduos com os quais interagem I. Em um ambiente de
negociação multipartite, como o das Reuniões Ministeriais da Organização Mundial do
Comércio, a formulação da teoria dos jogos provê uma representação formal e uma solução
racional única para o problema da escolha estratégica na qual um certo número de pessoas
encontra-se envolvido. Segundo Hardim, a teoria dos jogos é a melhor representação da
interação estratégica que se caracteriza pela importância das ações coletivas sobre uma ação
individual. Nas decisões não se tem como saber se a alternativa escolhida foi boa ou ruim
até se conhecer o resultado final que, por sua vez, irá depender das escolhas dos outros com
quem interagimos. Uma escolha feita tem apenas o poder de restringir o conjunto de
resultados possíveis [ Hadim in Lessa: 1998].
I "As escolhas e decisões dos indivíduos em sociedade são freqüentemente decisões "coletivas ", no sentido de que os
resultados de suas ações isoladas são reconhecidamente dependentes de decisões e ações de outros indivíduos com os
quais eles interagem. Este tipo de interação pode ser teoricamente representado como interação estratégica e modelado
"Sempre que o resultado de uma ação de um indivíduo depende das ações dos outros com quem se interage na mesma medida em que depende de suas próprias ações, suas atividades demonstram um componente estratégico e, logo, se adequam à definição de von Neumann-Morgenstern (1944) de umjogo"[Bicchieri: 1993, p.8].
Toda essa complexidade de comportamento, em uma visão mais ampla, faz parte das
negociações multilaterais, e mais ainda daquelas que envolvem diferentes povos com
diversas culturas. A negociação, em um mundo globalizado, deve levar em consideração os
aspectos culturais, associados ao comportamento daqueles que estão envolvidos no
processo. Nos negócios, padrões de procedimentos ou o modo de ser de cada povo devem
ser observados sob pena de se instalar um clima de rejeição, de animosidade e de
impossibilidade.
A linguagem, os processos mentais, as percepções, os estilos de comunicação e as
personalidades são constituídos por um emaranhado de cultura, gênero e dinâmicas sociais.
A cultura é um amálgama das tendências mais preponderantes em um grupo do que em
outro - a maneira de pensar e comportar-se das pessoas. A cultura não prevê o
comportamento nem as escolhas de ninguém. Com freqüência atribuem-se rupturas ou
dificuldades na negociação a diferenças culturais ou de gênero, quando podem não ser essas
as causas do problema. Culturas diversas às vezes chegam à mesa de negociações com
premissas diferentes, que não são explicitadas e podem criar obstáculos para um consenso.
Michael Watkins descreve que as crenças profundas e freqüentemente não ditas que
permeiam e sustentam os sistemas sociais são como o ar que todos respiram mas nunca
vêem [Watkins: 2000].
Na arena internacional as negociações são intrinsecamente posicionais. Neste caso, os
negociadores são freqüentemente instruídos pelos seus governantes a não improvisar nem
explorar novas opções, mesmo que possam trazer maiores benefícios para ambas as partes.
Sair da posição de negociação posicional implicaria em uma maior liberdade para os
negociadores e em uma melhor preparação prévia, de forma a permitir maior autonomia na
A demanda por novos instrumentos de negociação deveu-se à recente globalização do
mundo, no qual as fronteiras entre cultura e mercado tomaram-se mais frágeis, e à
velocidade das mudanças impulsionadas pelo avanço tecnológico. A intensificação das
negociações de propósitos, propostas e idéias fizeram-se necessárias. A vida média dos
produtos, das idéias, das soluções propostas para situações e eventos da vida diária
encurtou tomando tudo isso rapidamente desatualizado. Desta forma, novos métodos para
resolução de conflitos e de negociação se fazem necessários para que possam acompanhar o
dinamismo dos tempos atuais, permitindo flexibilidade para articular culturas além de
velocidade na resolução de problemas [Almeida: 2002].
Pretende-se no presente trabalho avaliar a gestão do processo de negociação complexa da
53 Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio em Cancún, ocorrida entre
os dias 10 e 14 de setembro de 2003, no México, apontando os problemas e questões que
resultaram no colapso de um possível acordo. Patricia Hewitt, delegada da Inglaterra,
declarou ao final da Conferência que se houve falha isso se tornará um desastre para a
economia mundiat2. No mesmo momento, Pascal Lamy, representante da União Européia
anunciava à imprensa que todos poderiam ter ganhado, mas todos perderam.3
Passadas algumas semanas da Conferência Ministerial de Cancún, a OMC retornou às suas
atividades, iniciando as consultas sobre os temas substantivos da Rodada para que se
pudesse explorar as possibilidades de um acordo nas áreas mais sensíveis - agricultura,
temas de Cingapura, NAMA - Non-agricultural market access - e algodão. O Presidente
do Conselho Geral da OMC iniciou as gestões pelo tema da agricultura.
Para a Reunião Ministerial de Cancún, os EUA e a UE firmaram um grande acordo que
espelhava a relação de seus interesses, não deixando espaço para acomodar os interesses dos
demais países. Se por um lado o resultado foi negativo, por outro lado criou condições para
que, por iniciativa do Brasil aceita pela Índia, África do Sul, Argentina e China, se formasse
2 Patricia Hewitt, representante da UK, em uma entrevista à BBC Radio 4 na manhã de 15 de setembro de
2003, não percebendo a gravidade da situação declarou: "also highlighted just a partial reaction, implying that
everyone were ready to make a concession, and that it was totally surprising and unfathomable as to why the poor countries could not agree". Nota: não são palavras exatas, mas correspondem ao conteúdo interpretado
por Anup Shah (2003) ao analisar suas declarações.
3 Pascal Lamy, delegado da União Européia, declarou: "I do not want to beat about the bush: Cancun have
uma inédita e poderosa coligação de países em desenvolvimento - denominada G-20 para
fazer frente aos países desenvolvidos, principalmente aos EUA e à UE.
o
futuro da OMC é incerto. As mudanças traumáticas sofridas por muitos países que vivemsob as regras da OMC nos últimos nove anos significam que alguma coisa na OMC terá que
mudar. A pergunta que se coloca é: o que acontecerá com a Rodada de Doha e, por extensão
com a OMC? Do lado negativo, está a perspectiva de que o impasse em Cancún possa ter
revelado a fragilidade sistêmica da organização, a inconsistência do processo decisório
adotado e a obsolescência do modelo da dinâmica das negociações. Será que os países
poderosos, que ditaram as regras da OMC no passado, irão se adaptar à alguma mudança?
Aqueles que pedem mudanças em leis que prejudicam seus interesses nacionais deixarão de
pertencer à OMC, caso as mudanças requeridas não ocorram ? Qual o processo de
negociação que deverá ser adotado a fim de evitar que as negociações voltem a enfatizar as
relações bilaterais e regionais, por oposição a processos globais ? O desafio que se tem à
frente é impedir que se reproduza o nível de ambição do mandato de Doha, para não
comprometer a integridade da organização.
As respostas para estas questões serão buscadas na análise e avaliação da gestão do
processo de negociação utilizado na 53 Conferência Ministerial da OMC, em Cancún. Para
esta análise, buscou-se amparo na literatura ampla que estabelece a conceituação teórica,
explorada em detalhes no capítulo III.
Estudando e pesquisando os conceitos de barganha posicional, detalhando o processo de
negociação baseado em princípios, explorando em profundidade o estado da arte para gestão
de conversas difíceis, dissecando a questão dos conflitos e das coalizões, mostrando a
dificuldade existente na resolução de disputas públicas e no uso de instrumentos para
quebrar o impasse nas negociações buscou-se estabelecer o instrumental teórico que
possibilitasse aprofundar o diagnóstico da situação atual na OMe.
Este diagnóstico abrangeu a explanação do processo histórico de constituição da OMC, a
descrição detalhada das principais discussões levadas a efeito na 53 Reunião Ministerial de
Cancún e a identificação dos erros e desacertos que provocaram o fracasso desse importante
A compreensão e clareza do diagnóstico da situação e da atuação da OMC, conforme
descrito no capítulo 11, foram facilitadas pelo detalhamento dos antecedentes do comércio
internacional, explicados em detalhe, com o auxílio dos autores clássicos, no capítulo I.
Algumas recomendações foram necessárias, antes que se chegasse à conclusão, para mostrar
quais os parâmetros para avaliação de conflitos, com base na justiça e na eqüidade, qual o
sistema a ser utilizado na solução de controvérsias, qual a melhor forma de negociação
baseada em princípios e como se deve proceder na gestão de público demandante e no
diálogo dos multistakeholders.
Destaca-se também no capítulo IV, quando se mostram as recomendações cabíveis, a
importância das conversas informais paralelas, o ambiente da complexidade e a visão
ampla que proporciona o enfoque do funcionamento dos sistemas autopoiéticos.
o
trabalho científico é uma forma de ampliar o conhecimento atendendo a algumascaracterísticas que o distingue dos demais trabalhos literários: a coerência, a profundidade
da pesquisa, a possibilidade de refutação e o rigor metodológico que protege o pesquisador
de erros, precipitações e conclusões de cunho pessoal. A metodologia compreende o
conjunto de regras capazes de fornecer segurança e fidedignidade à pesquisa científica na
consecução de seus objetivos em relação à obtenção do conhecimento.
Considerando a grande variedade de problemas e aspectos relacionados à negociação, a
pesquisa realizada para elaboração deste trabalho concentrou-se nos aspectos macros dos
processos de negociação, ainda que se utilizassem conceitos aplicáveis, observando as
devidas proporções, nos processos de negociação internos às organizações empresariais. O
tema escolhido focalizou a gestão do processo de negociação em nível internacional, entre
Estados soberanos e organizações de alcance planetário.
Para a classificação da pesquisa, tomou-se como base a taxonomia apresentada por
Vergara, que a classifica em relação a dois aspectos: quanto aos fins e quanto aos meios
Quanto aos fins, trata-se de uma pesquisa descritiva, pois expõe as características e os
processos utilizados na Conferência Internacional do Comércio e a estrutura e
funcionamento do organismo internacional (OMC) encarregado de conduzir os trabalhos.
Quanto aos meios, trata-se de uma pesquisa eminentemente bibliográfica e documental.
Bibliográfica pela realização de um estudo sistemático de textos de autores credenciados e
reconhecidos como referência sobre o tema, proporcionando a fundamentação
teórico-metodológica do trabalho. Documental pela coleta de informações realizada em
documentação oficial da OMC.
Utilizou-se também como fonte de dados e informação atualizada, em função da dinâmica
I. Antecedentes do Comércio Internacional
A Organização Mundial do Comércio é uma instituição global que opera com base em um
sistema de regras comerciais. Desempenha inúmeras funções dentre as quais destacam-se a
busca pela liberalização do comércio e a manutenção de um fórum no qual os governos
podem negociar acordos e resolver disputas comerciais.
As questões sobre as disputas comerciais não surgiram recentemente. Os autores clássicos já
as discutiam buscando regulá-las e encontrar formas de melhor encaminhar os desencontros
que interesses conflitantes pudessem provocar.
O percurso do pensamento econômico, que se inicia em Platão na busca da justiça, procurou
definir os princípios da vida em sociedade e ensinar que o funcionamento da economia não
pode ser determinado por decreto. A organização econômica da sociedade era entendida
como um sub-produto do modo de funcionamento da vida na cidade. Platão definiu um
regime que muito se assemelha à ideologia comunista: cada família receberia um pedaço de
terra idêntico, inalienável e transmissível a um único herdeiro; não se poderia entesourar
nem ouro nem prata pois esses metais estavam reservados para as trocas com o exterior;
caso ocorressem desigualdades, a despeito dos mecanismos de proteção, estabelecer-se-ia
um imposto para corrigi-las; os cidadãos eram agricultores, em sua maioria, e aqueles que
não estivessem vinculados à agricultura só poderiam exercer uma especialidade. A
economia não era auto-suficiente e, para Platão, as transações de importação e exportação
dependeriam de uma autorização, de forma a facilitar o controle. No que se refere à
produção interna, as colheitas seriam estocadas e divididas em 12 partes, uma para cada
mês do ano, e cada um desses doze avos, seriam sub-divididos em três: uma parte para os
cidadãos, outra para os escravos e a terceira para os estrangeiros, sendo assim trocados por
outros produtos. Os estrangeiros, por sua vez, também poderiam vender seus produtos para
os nativos. Platão não se preocupava em controlar a produção dos bens, mas em controlar a
distribuição, como uma forma de evitar distorções nos princípios igualitários estabelecidos.
Ele tinha claramente a idéia de que o funcionamento da economia produzia,
mecanicamente, as desigualdades e, se estas não fossem corrigidas a tempo, poderiam
Mais tarde, Aristóteles defendeu a idéia que o trabalho produtivo deveria ser confiado aos
escravos, enquanto o comércio e as atividades financeiras deveriam ser atribuições dos
habitantes da cidade. As trocas não eram condenadas e eram inerentes à multiplicidade das
necessidades e à especialização dos produtores; a aparição da moeda facilitou em muito as
relações de trocas entre produtores de diferentes regiões. Aristóteles definiu o comércio
como sendo uma necessidade para que um país pudesse importar os produtos que não
conseguisse produzir e exportar o excedente da sua própria produção. Diferentemente de
Platão, Aristóteles não acreditava em igualdade perfeita, pois oferecer a mesma quantidade
de capital igualmente para todos é injusto na medida em que as pessoas são diferentes entre
si. Deve-se oferecer vantagens para aqueles que merecem. Essa idéia era denominada
igualdade proporcional, que é a chave da justiça distributiva. Quanto à justiça comutativa,
ela deve ser imposta dentro dos contratos ou das trocas [Minc:2004].
Os teólogos medievais voltaram suas reflexões econômicas para estabelecer uma filosofia
do risco, que constituiu o ponto de partida do capitalismo. Para Robert de Courçon, cada
comprador/vendedor deve desejar participar dos lucros, mostrar que participa dos riscos e
defender-se de tudo que afeta as compras e as vendas [Minc:2004]. A máxima de Colbert,
na França de 1600, foi defender a idéia de produzir, exportar, enriquecer, entesourar e
dominar, por meio da criação de indústrias, mesmo as de luxo. Com base em suas idéias,
estabeleceu-se um sistema de proteção da alfândega, organizou-se os produtores e
comerciantes em corporações, verificou-se os entraves fiscais nocivos à população,
restituiu-se à França o transporte marítimo de seus produtos, buscando-se desenvolver as
colônias vinculando-as comercialmente à França [Minc:2004].
Duas revoluções da época moderna promoveram amplas transformações nos planos
econômico, social, político e ideológico: a Revolução Industrial, na Grã Bretanha, e a
Revolução Francesa. A Revolução Industrial permitiu, por meio de máquinas movidas a
vapor, uma produção em larga escala. A ampliação da produtividade deveu-se ao
aperfeiçoamento de instrumentos mecânicos de produção que substituíram a habilidade e
destreza do artesão. Dessa forma, a produção fabril ultrapassou a capacidade de demanda
interna pelos produtos, abrindo um grande espaço para as exportações desse excedente. A
Revolução Francesa trouxe o liberalismo como uma força política real. A liberdade política
A oportunidade de acesso ao restrito grupo dos economistas franceses, liderados por
François Quesnay, permitiu a Adam Smith conhecer profundamente o pensamento
fisiocrático, pensamento esse que teria grande influência sobre os aspectos teóricos
fundamentais de seu famoso livro A Riqueza das Nações, publicado em 1776. Essa obra,
que constitui o clássico da economia política, apresenta a teoria do crescimento econômico
baseada no conceito de que a riqueza ou o bem-estar das nações é identificada com o seu
produto anual per capita e não mais pela quantidade de riqueza (ouro e prata) entesourada.
A obra apresenta uma discussão a respeito da propensão inata do homem à troca e do
processo de crescimento econômico.
Francis Hutcheson, professor de Adam Smith, em seu trabalho intitulado System of Moral
Philosophy, discorre no capítulo " Os valores dos bens no comércio e a natureza da
moeda" sobre a necessidade para o comércio, que os bens sejam avaliados e que os valores
dos bens sejam determinados pela procura e pela dificuldade em adquiri-los. Ainda
segundo o autor: "A moeda sempre tem o valor de uma mercadoria no comércio, como
outros bens; e isso, em proporção à raridade do metal, pois se trata de procura universaf' 4
[Smith: 1983, p.22]. Adam Smith, à luz de seu professor, indica que o dinheiro enviado
para o exterior "trará para dentro do país alimentos, roupa e moradia" e "quanto maiores
forem as mercadorias importadas, tanto maior será a opulência do país" [Smith: 1983 p.22]. A fim de garantir uma balança comercial favorável, a Grã-Bretanha impôs restrições
ao comércio com a França, atitude compreendida por Adam Smith como "normas e leis
altamente prejudiciais" [Smith: 1983 pp.7-11]. Por fim, com relação ao comércio entre países, Adam Smith entende que: "Todo o comércio efetuado entre países quaisquer deve
trazer vantagens para ambos. O verdadeiro objetivo do comércio é trocar as nossas
próprias mercadorias por outras que acreditamos serem mais convenientes para nós. Quando duas pessoas comercializam entre si, sem dúvida isso é jeito para que os dois aufiram vantagem ... Exatamente o mesmo ocorre entre duas nações quaisquer. Os bens que
os comerciantes ingleses querem importar da França certamente valem mais para eles, do que aquilo que dão em troca" [Smith: 1983, p.204].
4 "Os valores devem ser medidos com base em algum padrão comum. e que deve ser algo desejado por todos. de sorte que todos estejam dispostos a aceitá-lo na troca. Para assegurá-lo. o padrão deve ser algo divisível sem perda e portátil. além de durável. O ouro e a prata melhor atendem aos mencionados requisitos" (
HUTCHESON, F. System of a Moral Philosophy, v I, p.288-289 in Adam Smith. A Riqueza das Nações. São
David Ricardo, outro representante da escola clássica de economia política, formulou, a
partir da leitura de A Riqueza das Nações, a teoria do valor, da repartição da renda, do
comércio internacional e do sistema monetários. Na sua formulação da Teoria Quantitativa
da Moeda, Ricardo estabeleceu as regras do 'padrão ouro', ao demonstrar que, em
condições de liberdade de comércio internacional, se todos os países utilizarem moeda
plenamente conversível, o volume de moeda se distribuirá entre eles de tal modo que em
cada um o nível de preços será praticamente constante (referido ao metal). O padrão-ouro,
proposto por Ricardo, foi adotado no século XVIII pela maioria dos países capitalistas e
vigorou no século XX até a Segunda Grande Guerra. Sobre esse padrão montou-se um
sistema internacional de pagamentos que funcionava 'automaticamente', sem a interferência
deliberada de qualquer autoridade pública [ Singer in Ricardo: 1983].
1.1 A questão agrícola
Durante os períodos das guerras, no final do século XVIII, a agricultura da Grã-Bretanha
voltava-se para abastecer o mercado interno, diante das dificuldades de transporte e da
nascente industrialização, o que acarretou uma ampliação na população urbana que
necessitava ser alimentada pela limitada capacidade produtiva da agricultura inglesa. Uma
vez restabelecida a paz, países que dispunham de grandes extensões de terras
agriculturáveis, com grande capacidade produtiva, passaram a oferecer à Grã Bretanha sua
produção a preços comparativamente menores. A queda nos preços mobilizou os
agricultores que passaram a exigir uma proteção contra a concorrência do produto
estrangeiro, o que resultou na Corn Law que proibia a importação de trigo, se o seu preço
fosse abaixo de um certo limite. Ricardo se opunha a essa restrição porque entendia que o
favorecimento da liberdade de comércio e dos lucros dos capitalistas seria a única fonte de
acumulação de capital. A manutenção da Corn Law proporcionava um alto custo de vida e
ia de encontro aos interesses industriais. Ao impedir a importação de cereais a preços mais
baixos, a Grã-Bretanha limitava a exportação de bens industriais, principalmente para os
países que só poderiam pagar pelo sistema de trocas com produtos agrícolas.
5 A obra utilizada Princípios de Economia Política e Tributação (1983) de David Ricardo foi traduzida do
Livro On the Principies of Polítical Economy and Taxation. Editado por Piero Sraffa, com a colaboração de
M.H.Dobb. in: The Works and Correspondence of David Ricardo. Cambridge, At the University Press for the
Assim, se por um lado existiam restrições à entrada de produtos agrícolas mais baratos, o
que atualmente gera a discussão sobre o acesso a mercados, tinham-se, por outro lado, os
prêmios à exportação que proporcionavam uma redução do preço dos produtos exportados,
tomando-os mais competitivos no mercado internacional. Esta é a discussão atual a respeito
dos subsídios.
Ricardo, em sua obra, no capítulo intitulado 'Prêmios às exportações e proibição das
importações', afirma que "o efeito de um prêmio às exportações de trigo não consiste, em
última análise, em aumentar ou reduzir o preço no mercado interno, mas em reduzi-lo para o consumidor estrangeiro - na totalidade do montante do prêmio, se o preço do trigo no mercado externo já não fosse iriferior ao do mercado interno - ou em menor grau, se o
preço interno estivesse acima do preço no mercado externo" [Ricardo: 1983 p.20S]'"
Smith, no Livro Quatro de A Riqueza das Nações, explica os efeitos maléficos do
mercantilismo em uma época em que a riqueza de um país era avaliada pelo volume de ouro
e prata entesourado. Para os países que não dispunham de minas de ouro e prata, a única
forma para acumular riqueza era por meio da exportação de bens e serviços, a qual, em
excesso, comprometia os níveis de oferta internos provocando um aumento de preços. Por
outro lado, dever-se-ia reduzir a importação de bens e serviços uma vez que representava
saída de metais preciosos e, conseqüentemente, redução na riqueza das nações. Para inibir a
saída de divisas, mecanismos restritivos à importação eram utilizados, desde altas taxas
alfandegárias até proibições absolutas.
Por outro lado, as exportações eram estimuladas algumas vezes por mecanismos de
drawback, outras vezes por subsídios e por tratados comerciais vantajosos ou ainda pela expansão e exploração de colônias em países distantes [Ricardo: 1983].6
Pode-se depreender que a questão dos prêmios à exportação não é uma discussão recente,
mas vem sendo polemizada desde as Guerras Franco-Inglesas, no período 1793 a 181S, e
constitui o principal foco de tensão nas negociações atuais da OMe. A S3 Reunião
6 Say supõe que a vantagem dos fabricantes nacionais é mais do que temporária. "Um Governo que proíbe
Ministerial da OMC, em Cancún, foi abruptamente encerrada devido ao impasse ocorrido
com a questão agrícola, mais especificamente no que se refere aos subsídios agrícolas à
exportação, recebidos por produtores europeus e americanos. Esses subsídios proporcionam
significativas restrições à colocação dos produtos agrícolas dos países em desenvolvimento
no mercado mundial. As próximas reuniões deverão contemplar nas suas agendas não só a
questão dos subsídios agrícolas como também as de acesso ao mercado.
11. Diagnóstico da Situação Atual
11.1 Organização Mundial do Comércio - OMC
Ao final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos dirigiram uma série de reuniões e
conferências que tinham por objetivo discutir a reconstrução das estruturas políticas e
econômicas internacionais. A principal dessas reuniões aconteceu em Bretton Woods, onde
foram constituídas as organizações que seriam os pilares da hegemonia capitalista: o Fundo
Monetário Internacional - FMI, o Banco Mundial - BIRD e a Organização Internacional do
Comércio - Ole. A criação da OIC, definida ao final de uma Conferência das Nações
Unidas sobre o Comércio e o Emprego realizada em Havana no ano de 1947, jamais ocorreu
por diversos motivos, dentre eles o veto dos Estados Unidos. Assim, o capítulo sobre o
comércio da Carta de Havana foi transformado, com alguns acréscimos, no Acordo Geral de
Tarifas e Comércio - GA TI. O GA TI foi utilizado como um protocolo provisório,
tornando-se definitivo a partir de janeiro de 1948, tendo como objetivo regular as tarifas e
as barreiras não-tarifárias ao comércio, com regras aplicadas exclusivamente quando
consistentes com a legislação em vigor nos países membros [Organização Mundial do
Comércio: 2002].
A Rodada do Uruguai de Negociações Multilaterais na Área de Comércio deu continuidade
ao processo de redução de barreiras ao comércio, concluído após sete rodadas iniciais de
negociações. As mais significativas realizações foram a adoção de novas normas
reguladoras para a comercialização de produtos agrícolas, o estabelecimento de
instrumentos de controle sobre o uso de medidas sanitárias e fitosanitárias, e um novo
acordo sobre um diferente processo para a resolução de disputas comerciais? Terminada em
1994, a Rodada do Uruguai foi a última de um conjunto de oito rodadas de negociações
multilaterais realizadas pelo GA TI, que levou à sua reformulação e deu origem à criação
da OMC. A OMC é uma instituição internacional responsável tanto pelo monitoramento da
implementação pelos estados dos seus acordos constitutivos8, quanto pelo julgamento de
7 Relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos sobre agricultura e comércio internacional,
"AgricuIture and the WTO"divulgado em dezembro de 1998, in Revista Eletrônica da USIA, VoI. 4, N° 2,
Maio de 1999 - http:jusil1f().state,g\):-:Ll!:~Ll1.1t~Ü~i1ç'-,~jÍl59í)jiicp!ii0.5.2~lLh!Ll}, em 27022004
8 Os acordos constitutivos da OMC são as regras que orientam todo o comércio internacional, que devem ser
seguidas e implementadas pelos governos e setores produtivos de cada país-membro. Os principais acordos
disputas entre países com relação a esses acordos. Além disso, também é responsável por
organizar as rodadas de negociações entre países-membros.
A OMC foi constituída como o centro do sistema multilateral de comércio que estabelece
os principais direitos e obrigações aos quais os países membros devem obedecer para
comercializarem bens e serviços entre si, oferecendo um mecanismo para a solução de
disputas surgidas na aplicação desses princípios9.
A OMC é um fórum no qual os governos discutem as disputas comerciais, negociando
acordos com base em um sistema de regras, que têm por objetivos a elevação dos níveis de
vida, o pleno emprego, o aumento do volume de poupança e demanda efetiva, a expansão
da produção e do comércio de bens e serviços, a proteção do meio ambiente, o uso ótimo
dos recursos naturais em níveis sustentáveis e a necessidade de realizar esforços positivos
para assegurar uma participação mais efetiva dos países em desenvolvimento no comércio
internacional. As regras substantivas da OMC priorizam sistematicamente o comércio sobre
todos os outros valores e objetivos, sendo os países membros obrigados a adaptar suas
leis, regulamentos e procedimentos administrativos a essas regras. Políticas e leis nacionais
que violem as regras da OMC devem ser eliminadas para que os países membros não
venham a sofrer sanções comerciais [ INESC: 2003].
A autoridade máxima da OMC é a Conferência Ministerial, formada por representantes de
todos os seus 148 membros, que se reúne pelo menos a cada dois anos, sendo que desde sua
criação já ocorreram cinco reuniões - Cingapura (Dez 1996), Genebra (Mai 1998), Seattle
(Dez 1999), Doha (Nov 2001) e Cancún (Set 2003). Abaixo dela, há o Conselho Geral,
TarifJs and Trade), Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS - General Agreement on Trade in Services), Acordos sobre aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs -Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) e o Entendimento sobre Regras e Procedimentos de
Solução de Controvérsias (DSU - Dispute Settlement Understanding). Há ainda acordos sobre agricultura,
barreiras técnicas (TBT - Agreement of Technical Barriers to Trade ), medidas sanitárias e fitosanitárias (SPS
- Agreement on the Application of Sanitary and Phitisanitary Measures), têxteis e confecções, investimentos
(TRIMs - Trade-Related Investiments Measures), subsídios (SCM - Agreement on Subsidies and
Countervailling Measures), anti-dumping (ADFP - Agreement on Anti-dumping Practices) e salvaguardas.
9 São os seguintes princípios fundamentais dos acordos que regem a sua implementação e o próprio
comportamento da OMC : (i) proteção à produção nacional somente por meio de tarifas, na medida em que outros tipos de proteção, como quotas de importação, são pouco transparentes e dificultam as negociações para liberalização; (ii) redução e consolidação das tarifas, em que, nas sucessivas rodadas de negociação, os países devem esforçar-se para reduzir as suas tarifas até um patamar negociado, não podendo elevá-Ias sem
justificativas; (iii) nação mais favorecida (MFN - Most Favored Nation), em que o que cada país concede a
responsável pela direção geral da OMC, podendo inclusive reunir-se como órgão de solução
de disputas entre países, como comitê de negociações comerciais e como órgão de revisão
das políticas comerciais de cada país. Abaixo desses, há os conselhos de comércio de bens,
serviços e propriedade intelectual, além de diversos comitês e grupos de trabalho
especializados, divididos em assuntos como agricultura e meio ambiente. A OMC tem sido
utilizada para estabelecer uma extensa série de políticas relativas ao comércio, aos
investimentos e às desregulamentações que exacerbam a desigualdade entre os países
industrializados e os países em desenvolvimento. O sistema da OMC possui um alcance
quase universal, englobando mais de 97% dos intercâmbios comerciais mundiais.
A OMC tem por função administrar e aplicar os acordos comerciais multilaterais (acordos
que devem ser cumpridos por todos) e plurilaterais (com validade apenas para os membros
que concordaram com a sua adoção) que, em conjunto, configuram o novo sistema de
comércio; servir de foro para as negociações multilaterais; administrar o entendimento
relativo às normas e procedimentos que regulam as soluções de controvérsias; supervisionar
as políticas comerciais nacionais; e cooperar com as demais instituições internacionais que
participam da fomentação de políticas econômicas em nível mundial - FMI, BIRD e
organismos conexos.
Existe uma grande discórdia entre os países signatários sobre o que deve ser incluído na
futura agenda da OMe. Em Cancún, ocorreu uma séria crise de legitimidade da instituição
com o colapso da Reunião Ministerial, causado pela resistência dos Estados Unidos (EUA)
e da União Européia (UE) aos pedidos da maioria dos países signatários da organização que
reivindicavam regras comerciais globais mais justas. Após o fracasso da Conferência,
ocorreu uma reunião em Genebra para avaliação e, ao invés de se analisar o modelo de
globalização e a estrutura da OMC, os interesses corporativos e de seus governos-clientes
tentaram justificar o fracasso colocando a culpa em tudo e em todos: na maioria dos países
membros que defendeu interesses nacionais na OMC, no diplomata mexicano que defendeu
a cúpula, na sociedade civil global e até nos movimentos sociais.
Atualmente a OMC está trabalhando sob pressão de expectativas dos seus 148 membros que
desejam sua legitimidade como organização. A OMC toma suas decisões por consenso,
alcançado quando não existe qualquer objeção à proposta apresentada. A base de todo o
conseqüência de uma negociação. Os princípios básicos de funcionamento do sistema
multilateral fundamentam-se na não-discriminação entre os membros da organização
[Organização Mundial do Comércio: 2002]. Supostamente, os países em desenvolvimento
teriam parcialmente preservado o seu direito histórico a um tratamento especial e
diferenciado (Parte IV - GA TI) que possibilitasse atingir o desenvolvimento econômico.
Na prática da resolução de conflitos da OMC, observa-se que esse tratamento está sendo
negado. Por exemplo, na área do Acordo da Propriedade Intelectual relacionada ao
Comércio - TRIP's, o caso de litígio mais conhecido é o confronto entre o Brasil - Embraer
e o Canadá - Bombardier, relacionado ao comércio de aeronaves; ou outro exemplo ocorre
com relação às restrições às importações impostas pela Índia e contestadas pelos EUA. O
Brasil e a Índia descobriram que suas concessões na Rodada do Uruguai tornaram-se
conflitos comerciais com os EUA, e que devido ao tamanho de seus mercados estes países
tornaram-se alvo das investigações americanas.
A OMC possui um banco de dados dos acordos e negociações já assinados por todas as
nações que mantém relações comerciais. Esses documentos constituem o conjunto das
regras legais básicas para o comércio internacional e servem para auxiliar os produtores de
bens e serviços, assim como os exportadores e importadores, a conduzir seus negócios, para
dar suporte aos governos oferecendo transparência para as negociações.
11. 2 Antecedentes das Relações Comerciais
A Rodada do Uruguai de negociações multilaterais na área de comércio deu continuidade ao
processo de redução de barreiraslOao comércio iniciado em rodadas anteriores. As mais
significativas realizações dessas negociações foram: a adoção de novas normas a respeito da
política de comércio de produtos agrícolas; o estabelecimento de instrumentos de controle
no uso de medidas sanitárias e fitosanitárias (SPS); e um acordo sobre um novo processo
multilateral de Resolução de Disputas, sendo que este último deu origem à criação da OMe.
[Relatório Agriculture and the WTO: 1998]
10 Entende-se como barreiras não-tarifárias ao comercIO, quaisquer normas e regulamentos técnicos
A nova política de comércio agrícola definida na Rodada do Uruguai, não só convertia todas
as barreiras não-tarifárias ao comércio agrícola em barreiras tarifárias como também se
preocupava em reduzi-las. Como as tarifas eram excessivas para determinados produtos,
ficou estabelecido um sistema de quotas segundo o qual se aplica uma tarifa mais baixa
sobre os produtos importados, dentro de uma determinada quota, permitindo que seja
imposta uma tarifa mais elevada sobre a quantidade que excede esse limite, de forma a
assegurar a manutenção de níveis históricos de comércio e a criação de algumas novas
oportunidades. Ficou acordado, também, que os países que utilizavam subsídios!! à
exportação reduziriam o valor e o volume das suas exportações subsidiadas, no decorrer de
um período de implementação especificado. [Relatório Agriculture and the WTO: 1998]
Até o momento, as questões agrícolas e a manutenção da relação de dependência dos países
em desenvolvimento em relação aos países industrializados constituem um "calcanhar de
Aquiles" nas relações entre esses dois grupos. Os países industrializados estão com sua
capacidade produtiva no setor agrícola cada vez mais limitada. Os EUA não conseguirão
ampliar sua produção porque a tecnologia existente já foi incorporada e não há mais
fronteiras para plantar. A UE já está com suas áreas agrícolas completamente exploradas.
Por outro lado, os países em desenvolvimento estão em uma posição de vantagem em
relação aos países industrializados. O Brasil, que possui a maior reserva de terras
agriculturáveis ainda disponíveis do planeta, ocupa uma posição privilegiada no curto prazo
pois a Índia, Canadá e Rússia que possuem grandes extensões de terra, enfrentam limitações
geográficas e climáticas para ampliar a produção. A China tem uma grande área
agriculturável, porém enfrenta duas barreiras: possui 20% da população mundial para
alimentar e necessita de investimento para preparar o solo para produzir. O potencial
brasileiro equivale a agregar uma área agrícola igual à dos EUA, que atualmente ocupa 140
milhões de hectares, com a vantagem de poder exportar grande quantidade de produtos
agrícolas uma vez que o seu consumo interno (175 milhões de habitantes) é inferior ao dos
EUA que possui 290 milhões de habitantes [Revista Veja: 3/3/2004].
Na OMC, as regras referentes ao comércio internacional de alimentos e a política agrícola
doméstica dos países membros são definidas pela AoA - Agreement on Agriculture. Essas
11 Subsídios são beneficios concedidos pelo governo a determinados setores, por meio da transferência de
regras aceleram a concentração rápida do agribusiness, diminuindo a capacidade dos países
pobres de manter a soberania e a segurança alimentar por meio da agricultura. Como na
OMC as regras são definidas por pressão dos países mais ricos e poderosos, não interessa a
esses membros discutir o ítem da agricultura nas reuniões e fóruns internacionais. Os países
industrializados poderosos insistem em discutir novos temas conhecidos como os temas de
Cingapura: política de competição, compras governamentais, investimento e facilitação de
comércio.
Pode-se dividir os conflitos nas relações comerciais na OMC em antes e depois de Cancún,
conforme é possível avaliar a partir do Quadro I a seguir:
Quadro 1 : Antecedentes dos conflitos nas relações comerciais
Questões Agrícolas - pré - Cancún
EUA x UE
D
. Conflitos no setor agrícola- barreiras tarifárias e subsídios.
1990/93
. Conflito minorado para permitir alcançar uma legislação internacional, em matéria de comércio, funcional aos interesses dos EUA, UE e Japão.
Questões Agrícolas - pós - Cancún
EUA x Países em Desenvolvimento
• Condenação como ilegais dos subsídios às exportações dos países em desenvolvimento.
• Legalização dos subsídios praticados pelos países industrializados (agrícolas, P&D, auxílios regionais e auxílios para a resolução de problemas ambientais).
Questões Comerciais - pré - Cancún
EUA x
D
. Exigência de reciprocidade.Países em Desenvolvimento
D
. Aumento das obrigações nas relações comerciais.
. Perda do direito legal ao tratamento especial e diferenciado para atingir o desenvolvimento
econômico.
Questões Comerciais - pós - Cancún
Países Industrializados
• Abertura acelerada nas áreas de interesse: tecnologia da informação, propriedade intelectual, serviços e eliminação das medidas restritivas aos investimentos diretos.
x
Países em Desenvolvimento
• . Abertura lenta e limitada nas áreas de interesse exclusivo: vestuário, têxtil, calçados e produtos tropicais.
• Legislação protecionista dos processos
Os conflitos no setor agrícola inicialmente eram de natureza tarifária - barreiras e subsídios
entre os EUA e a UE. No período 1990/93, este conflito foi minorado dando lugar a
negociações sobre uma legislação internacional de comércio que fosse funcional aos
interesses dos países industrializados - EUA, UE e Japão. Já se percebia, então, um domínio
dos países industrializados na OMC. Os EUA passaram a exigir uma reciprocidade dos
países em desenvolvimento, enquanto estes perdiam o direito legal ao tratamento especial e
diferenciado para atingir o desenvolvimento econômico.
Pós-Cancún, na área agrícola, os países industrializados condenaram, como ilegais, os
subsídios concedidos às exportações pelos países em desenvolvimento enquanto
legalizavam os subsídios por eles praticados. Por outro lado, esses países industrializados
forçavam a inclusão dos temas de Cingapura como prioritários aos temas agrícolas.
11. 3 A 5a Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio - OMC
A 5a Reunião Ministerial da OMC, realizada em Cancún, aberta em 10 de setembro pelo
Presidente do México Vicente Fox, presidida pelo Secretário das Relações Exteriores do
México Luis Ernesto Derbez, com a participação do Diretor Geral da OMC Supachai
Panitchpakdi, do Presidente do Conselho Geral e Embaixador do Uruguai para a OMC
Carlos Pérez dei Castillo, do Secretário Geral da UNCT AD Rubens Ricupero, constituiu
mais uma etapa importante do programa da Rodada de Doha para o desenvolvimento dos
países pobres.
A pauta de negociações de comércio internacional incluía a avaliação do progresso das
promessas feitas em Doha, em 200 I, com relação às novas liberalizações comerciais entre
os países industrializados ricos, do hemisfério norte, e os países em desenvolvimento
-pobres, do hemisfério sul. As principais questões em pauta eram: (i) acordos de negociação
na área agrícola; (i i) acordos relacionados a aspectos comerciais dos direitos de propriedade
intelectual (TRIPS treaty - Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property
o
encerramento da Conferência Ministerial, ao final do quinto dia de deliberações,anunciado pelo presidente da Conferência Luis Derbez, sem qualquer Declaração de
Encerramento substantiva a respeito do encontro, fez com que a Conferência parecesse mais
com um enclave medieval. Segundo o representante da União Européia, Pascal Lamy, a
razão pelo qual o consenso não foi alcançado deveu-se à organização medieval da OMC
I2[Shah:2003].
Nesse encontro era esperado que os países industrializados promovessem substanciais
concessões considerando medidas protecionistas e de acesso de mercado, principalmente no
setor agrícola, que pudessem favorecer os países em desenvolvimento. Por outro lado, os
países industrializados esperavam que essa rodada de negociações constituísse um grande
passo ao encontro da liberalização do mercado global e um sinal de crescimento para a
estagnada economia global.
11. 4 Principais temas de discussões da
sa
Reunião Ministerial da OrganizaçãoMundial do Comércio - OMC
Durante a realização da 5a Reunião Ministerial da OMC, as principais discussões giraram
em torno dos acordos de negociação na área agrícola; dos acordos relacionados a aspectos
comerciais dos direitos de propriedade intelectual e saúde pública; do tratamento
preferencial e especial para os países em desenvolvimento; e da ampliação do poder da
OMC através de acordos de investimentos.
11.4.1 Acordos de negociação na área agrícola
A agricultura é o assunto mais polêmico das negociações. O comércio internacional dos
produtos agrícolas e produtos alimentícios é regulado pelo Acordo sobre a Agricultura
(AoA), um dos principais acordos constitutivos da OMe. Esse acordo, que cobre as áreas de
acesso ao mercado e os subsídios à produção doméstica e à exportação de produtos
agrícolas, tem como objetivo reduzir o protecionismo e a proteção aos mercados agrícolas
impedindo distorções no comércio e garantindo o acesso a esses mercados. Neste acordo,
12 Pascal Lamy, representante da União Européia justifica, dessa forma, não se ter alcançado o consenso:
"Despite the commitment ofmany able people, the WTO remains a medieval organization".[Shah, 2003, p.7]
estabelecido a partir de negociações entre os EUA e a UE, aceito pelos outros membros da
OMC num pacote de outras pequenas concessões, os EUA e a UE ficaram praticamente
isentos da redução de subsídios enquanto os países em desenvolvimento, que não tinham
subsídios, foram proibidos de utilizá-los. Por outro lado, os países industrializados e os
países em desenvolvimento estão divididos em sub-grupos que têm diferentes interesses
sobre a mesma questão. Os Exportadores Agrícolas do Cairns Group demandam uma
redução de tarifas; o Like-minded Group demanda uma proteção aos pequenos fazendeiros
que foram afetados pela importação de produtos mais baratos sugerindo uma aplicação de
tarifas de importação para os produtos essenciais; La Via Campesina - Aliança Global de
Pequenos Fazendeiros, com base no conceito de soberania dos alimentos, demanda que a
agricultura deixe de integrar o sistema da OMe. Do outro lado, os EUA demandam uma
maciça redução nas tarifas de comércio, ao mesmo tempo que preservam os subsídios para a
produção doméstica; a UE, o Japão, a Suíça, a Noruega e a Coréia do Sul desenvolvem o
conceito de agricultura multi-funcional que tem por objetivo promover subsídios nas áreas
de bem-estar animal, conservação da paisagem e desenvolvimento rural. Após um longo
período de estagnação, a aliança EUA-UE trouxe uma nova dinâmica ao processo de
negociação com a Farm Bill que torna as negociações praticamente inviáveis a médio prazo.
Sob a liderança do Brasil, um grupo de 17 países, dentre eles os integrantes do Cairns
Group, a Índia e a China, submeteram uma proposta alternativa, pois o AoA impôs regras
que aceleram a concentração rápida do agribusiness e diminuem a habilidade de países
pobres de manter a soberania e a segurança alimentar através da agricultura de subsistência.
Um dos principais problemas seria substituir as barreiras tarifárias e comerciais por
barreitas fito sanitárias que promoveriam restrições às exportações dos países em
desenvolvimento para os países industrializados baseadas nos acordos de Sanitary and
Phytosanitary Standards - SPS (Padrões Sanitários e Fitossanitários). Esses acordos criam
restrições às políticas governamentais relacionadas à segurança alimentar (pesticidas,
inspeção, contaminação e rotulagem) e saúde animal e vegetal (pestes e doenças
importadas). As regras da SPS tendem para o lado do comércio, protegendo o fluxo de bens
Quadro 2 : Principais questões dos países industrializados
EUA
. Demandam uma maciça redução
nas tari fas de comércio, ao mesmo tempo que preservam os
subsídios para a produção doméstica.
UE
. Ignora a segurança de alimentos/ abordagem
de soberania e a demanda por regras
especiais para produtos estratégicos.
UE + Japão + Suíça + Noruega -t Coréia do Sul
. Promovem o conceito de agricultura multi-funcional que tem por objetivo conceder
subsídios nas áreas de bem-estar animal, conservação da paisagem e desenvolvimento
rural.
Quadro 3 : Principais questões dos países em desenvolvimento
"Cairns Group" .Demandam uma redução de tarifas. "Like-minded Group"
. Demandam uma proteção aos pequenos fazendeiros que foram afetados por importação de produtos mais baratos sugerindo uma aplicação de tarifas de importação
para os produtos essenciais.
"La Via Campesina"
. Demandam que a agricul tura saia do sistema da OMC utilizando como base o conceito de soberania dos
alimentos.
11.4.2 Acordos relacionados a aspectos comerciais dos direitos de propriedade
intelectual (TRIPS treaty - Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property
Rights) e saúde pública
Essa é uma questão também polêmica. Em Doha, os países em desenvolvimento
conseguiram um acordo no qual, a despeito da proteção de patentes definida no TRlPS
para atender a doenças básicas, para uso interno e sem orientação para a exportação. A
Declaração Ministerial de Doha confirma que seria dado o direito ao Estado de proteger a
saúde do cidadão e habilitaria acesso à produção de remédios com licenças compulsórias. A
questão permaneceu aberta para Cancún uma vez que não ficou definido como proceder,
caso um país não tivesse capacidade tecnológica, nem produtiva, para produzir um
medicamento genérico e, também, para definição das doenças que poderiam estar cobertas
com essa Declaração. A indústria farmacêutica, nos países em desenvolvimento, concordou
em utilizar o relaxamento da proteção de patentes somente para propostas humanitárias e
não para conquistar mercados. As regras do TRIPS causaram um conflito internacional
sobre os direitos dos países em desenvolvimento de emitir licenças compulsórias para
medicamentos essenciais.
Quadro 4 : Principais questões relativas ao TRIPS treaty
TRIPS treaty -Agreement on Trade-Related Aspects olIntellectual Property Rights
Países em Desenvolvimento
Seria permitido produzir medicamentos mais baratos, para atender a doenças básicas, para uso interno e sem orientação para a exportação.
. Restringir o licenciamento para a produção de remédios.
(Doha)
. Não ficou definido:
- como proceder caso um país não tenha capacidade tecnológica nem produtiva para produzir um medicamento genérico
e,
- a relação das doenças que estariam cobertas por essa definição.
11.4.3 Tratamento preferencial e especial para os países em desenvolvimento
Os tratados da OMC contemplam a possibilidade de que os países em desenvolvimento
tenham um tratamento preferencial e especial para contrabalançar diferenças econômicas
entre os países industrializados e os países em desenvolvimento. De acordo com os termos
da Rodada de Doha, todas essas regras deverão ser revistas com o objetivo de corrigir os
comerciais. Os países em desenvolvimento estão demandando acesso aos mercadosI3,
redução nas tarifas de comércio para produtos estratégicos, assim como uma revisão nos
acordos do TRlPS. Os países industrializados não estão interessados em fazer qualquer
concessão e estão atrasando as negociações.
Quadro 5 : Principais questões relativas ao tratamento especial e acesso ao mercado
Tratamento Especial e Acesso ao Mercado
~ses
Industrializados~
. Não estão interessados em fazer qualquer concessão e
estão atrasando as negociações.
C : : s e s em
Desenvolvimento~
. Demandam acesso aos mercados, redução nas tarifas de comércio para
produtos estratégicos, revisão nos acordos do TRIPS.
11.4.4 Ampliação do poder da OMC através de acordos de investimentos
Os países industrializados aceleraram suas agendas para Cancún forçando discussões das
questões de Cingapura, quais sejam: investimentos, política de competitividade,
transparência nas ações do governo e facilitação do comércio. Os EUA e o Japão
articularam-se para iniciar a rodada das negociações em Cancún pelos acordos multilaterais
de investimento. O que interessa aos investidores é obter um melhor acesso aos mercados
do hemisfério sul e obter uma melhor proteção aos seus direitos de propriedade, enquanto os
deveres dos investidores com relação aos aspectos sociais, econômicos e de meio ambiente
não deverão ser determinados na estrutura do acordo de Cancún. As principais discussões
entre os diversos países membros podem ser resumidas da seguinte forma:
- Países Industrializados: forçam a discussão sobre investimentos diretos, política de
competitividade, transparência nas ações do Governo e facilitação do comércio; adiam
discussão sobre questões agrícolas; e, exercem forte pressão sobre os países em
desenvolvimento para mantê-los em posição de submissão.
13 Negociar acesso a mercados significa debater como os mercados domésticos para bens industriais e