• Nenhum resultado encontrado

A primeira concepção freudiana de angústia: uma revisão crítica.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "A primeira concepção freudiana de angústia: uma revisão crítica."

Copied!
21
0
0

Texto

(1)

Psicólogo, m estrando do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Bolsista do CNPq.

Érico Bru n o Via n a Ca m p os

RES UMO:Analisa-se a prim eira década de produção teórica

freu-diana, com o intuito de circunscrever a prim eira concepção m etapsi-cológica de angústia. A angústia é referida a um a psicopatologia particular, a neurose de angústia, sendo esta tom ada com o m odelo para a prim eira teoria sobre a angústia. Discute-se o m ecanism o que articula excesso energético e insuficiência de elaboração psí-quica, além das am bigüidades na teoria dos representantes psíqui-cos. O objetivo é m ostrar que um contraponto à teoria da repre-sentação psíquica pode ser traçado desde as origens da m etapsico-logia, apontando alguns desdobram entos para investigações poste-riores sobre o m ovim ento do pensam ento freudiano.

Pa la vra s - c h a ve : Metap sico lo gia, n eu ro se d e an gú stia, an gú stia

autom ática, elaboração psíquica.

ABSTRACT: Freud’s first conception of anguish: a critical review.

The paper analyses the first decade of Freud’s theoretical produc-tio n in o rd er to d efin e th e first m etap sych o lo gical co n cep t o f anguish. Anguish is related to a specific psychopathology, the neu-rosis of anguish, electing it as a paradigm of that first m odel. The m ech an ism th at articu lates en ergetic excess an d lack of psych ic w orking over is discussed, as w ell as the am biguities in the theory of psych ic represen tation th eory. Th e pu rpose is to sh ow th at a counterpoint to the theory of psychic representation can be traced back to the origins of m etapsychology, pointing to som e unfold-ing for further investigations on the developm ent of the Freudian th in kin g.

Ke y w o rds : Metapsychology, anguish neurosis, autom atic anguish,

(2)

INTRODUÇÃO

O artigo discute os escritos freudianos dos anos 1890 no intuito de esclarecer a noção de angústia que é circunscrita no prim eiro esforço de sistem atização nosográfica em pregado pelo autor, o qual resultará na diferenciação das neuro-ses atuais, por um lado, e nas neuropsiconeuro-ses de defesa, por outro. Pretende-se dem onstrar que o m ecanism o da neurose de angústia constituirá um prim eiro m odelo de abordagem da angústia, o qual pode ser sintetizado na articulação entre um a angústia inscrita no corpo e a insuficiência de elaboração psíquica.Esse m odelo, entretanto, se revela m uito incipientedo ponto de vista teórico, deixando am bi-güidades no que diz respeito à distinção entre a angústia da neurose de angústia em relação à angústia das neuropsicoses de defesa. Além disso, há am bigüidades concernentes ao próprio m ecanism o responsável pela im possibilidade de repre-sentação1 psíquica quanto à excitação som ática sexual nas neuroses atuais.

A análise dessa questão envolve o esclarecim ento da tram a conceitual freudiana do período, a qual carece da elaboração sistem ática de alguns conceitos funda-m entais — cofunda-m o os de inconsciente tópico, pulsão e repressão. Esse esforço teórico encontra-se sustentado em um a hipótese energético-representacional para se com preender as relações entre o som ático e o psíquico, o que m arca a im portância da concepção dos representantes psíquicos enquanto fundam ento axiológico da m etapsicologia freudiana.

A criação da categoria nosográfica das neuroses atuais, em particular a neu-rose de angústia, possui o valor de dem arcação do cam po psicopatológico da psicanálise pelo negativo, ou seja, distinguindo aquilo sobre o que a psicanálise não poderia intervir ( LAPLANCHE & PONTALIS, 1998, p.300) . Dessa form a, as neuroses atuais viriam a cair no ostracism o com o desenvolvim ento da psicaná-lise freudiana.

Há, contudo, um a segunda possibilidade de encam inham ento da questão, desta vez pelo que traz de positivo. Trata-se de tom ar a im possibilidade de representação psíquica que caracteriza a neurose de angústia com o aquilo que se inscreve com o o im pensado no paradigm a da representação. Esse im pensado, p o r su a vez, só p o d erá ser elab o rad o a p artir d e u m a reestru tu ração d a m etapsicologia freudiana, a qual seria anunciada apenas na assim cham ada “virada” dos anos 1920. Essa segunda abordagem se m ostra m ais atraente para um estudo do pensam ento freudiano em seu m ovim ento intrínseco, a partir de sua caracterização com o pendular e espiral. Essa interpretação do desenvolvim ento

(3)

da m etapsicologia afirm a que polaridades de continuidade e ruptura ou m esm o um a concepção de superação dialética precisam ser repensadas nos m oldes de um a progressiva redefinição, retificação e explicitação de conceitos que se dá em um m ovim ento discursivo pendular e espiralado, determ inado pela sua ló-gica interna própria e pela integração com os dados da experiência analítica ( MONZANI, 1989, p.301-304) .

Convém alertar o leitor de que o trabalho de integração do m odelo da neu-rose de angústia com concepções da segunda tópica, com o desam paro psíqui-co, repetição e traum a, não será efetuado no âm bito desse artigo. O propósito é circunscrever a questão para um encam inham ento futuro à luz do desenvolvi-m ento teórico freudiano, ou seja, desenvolvi-m arcar udesenvolvi-m ponto de fixação ao qual o pêndu-lo deverá retornar em sua busca de equilíbrio.

DEFESA, REPRESENTAÇÃO E PSICOPATOLOGIA

A introdução do conceito de defesa na teorização freudiana foi tão estruturante em term os m etapsicológicos a ponto de alguns com entadores afirm arem que se encontra aí o início da teoria psicanalítica ( MEZAN, 2001, p.27-28) . Foi res-ponsável por um arranjo m ais coerente e satisfatório das prim eiras observações freudianas sobre a histeria, levando a um a superação das concepções de estran-gulam ento dos afetos e de estados hipnóides através da descrição dos diferentes m ecanism os defensivos em jogo nas neuroses. Constata-se, nos anos 1990, um a série de textos que procuram elucidar a etiologia e os m ecanism os nas diferen-tes neuroses, delineando o prim eiro quadro nosográfico freudiano.

De form a sintética, este quadro diferencia duas categorias nosográficas prin-cipais: 1) neuropsicoses de defesa — psicose, paranóia, neurose obsessiva, fobia, his-teria — cuja etiologia se deve aos diferentes m ecanism os defensivos que procu-ram m anter a representação ideativa indesejável afastada da consciência; 2)

neuroses atuais — neurastenia e neurose de angústia — cuja etiologia se dá não por fatores de ordem psíquica, m as por alterações no nível de descarga da excitação sexual som ática.2 No prim eiro grupo, a causa geral se deve à incom -patibilidade na vida psíquica, ou seja, um a representação ideativa ou afetos aflitivos ao ego que não podem ser sanados pela atividade de pensam ento. En-traria em cena a defesa, que consiste no esforço voluntário do ego em dim inuir

(4)

a força da representação de form a que esta não dem ande exigência do traba-lho de associação, o que é obtido “ privando-a do afeto — a som a de excitação do qual ela está carregada” ( FREUD, 1894c, p.56, grifo nosso) . O resultado dessa operação im plica na liberação da som a de excitação ligada originalm ente à representação ideativa e é o destino dessa som a de excitação que caracteriza-rá os diferen tes m ecan ism os defen sivos e, por con seqü ên cia, as diferen tes n eu ropsicoses. Sin teticam en te, tem -se: 1 ) conversão – descarga da excitação para o som ático ao lon go da in ervação m otora ou sen sorial relacion ada à experiência traum ática, tendo com o conseqüência a form ação de um sím bolo m nêm ico e de um grupo psíquico isolado na consciência; 2) transposição, deslo-cam ento ou falsaconexão – excitação perm anece na esfera psíquica, ligando-se a outras idéias associáveis, criando um substituto da idéia e, secundariam ente, rituais obsessivos; 3) rejeição – a representação e a excitação são excluídas da esfera psíquica, com o se jam ais houvesse ocorrido, levando consigo um frag-m ento da realidade; 4) projeção – m anutenção da excitação com transposição para um objeto externo. Esses m ecanism os estariam relacionados, respectiva-m ente, aos quadros de: 1) histeria de defesa, 2 ) obsessões e fobias, 3) psicose alucinatória

e 4 ) paranóia.

Percebe-se, nesse quadro, o delinear dos principais m ecanism os de defesa, assim com o os principais quadros psicopatológicos que serão pouco a pouco elaborados ao longo da teorização freudiana. Do ponto de vista m etapsicológico, essa organização do conceito de defesa se baseia em um a hipótese sobre o funcionam ento m ental, que é a de um a concepção representacional do psiquism o cuja dinâm ica rem ete a um a noção de investim ento energético. Trata-se da teo-ria dos representantes psíquicos e pode-se afirm ar que ela atua com o um fun-dam ento axiológico para a m etapsicologia freudiana. Nada m ais esclarecedor a esse respeito do que os parágrafos finais do texto:

“ Gostaria finalm ente de dem orar-m e por um m om ento na hipótese de trabalho que utilizei nessa exposição nas neuroses de defesa. Refiro-m e ao conceito de que nas funções m entais deve ser distinguida algum a coisa — um a quota de afeto ou soma de

excitação — que apresenta todas as características de um a quantidade ( em bora não

disponham os de m eios para m edi-la) , capaz de crescim ento, dim inuição, desloca-m ento e descarga, e que se espalha sobre os traços de memória das idéias, tal com o um a carga elétrica se expande na superfície de um corpo.Tal hipótese, que aliás já subjaz a nossa teoria da ‘ab-reação’ em nossa ‘Com unicação Prelim inar’, pode ser aplicada

(5)

Eis o reconhecim ento por parte de Freud da im portância da hipótese dos representantes psíquicos operando desde os seus prim eiros trabalhos. De fato, trata-se de um a hipótese bastante profícua, que norteará a investigação freudiana por vários anos, não sendo nunca totalm ente abandonada: representação e afeto estão no centro da tram a conceitual freudiana. A passagem citada constitui a sua prim eira explicitação.

Pode-se, ainda, voltar m ais um pouco no tem po e encontrar a prim eira problem atização dessa suposição na m onografia sobre as afasias, na qual está em jogo justam ente a elaboração da concepção dos representantes psíquicos com o paralela ao processo fisiológico ( FREUD,1891) . Esse paralelism o não será resolvido com a elaboração do m odelo da defesa, m as encontrará um notável desenvolvim ento. Em prim eiro lugar, percebe-se que Freud passa a adm itir um fator dinâm ico na esfera psíquica, algo que estava com pletam ente ausente no estudo sobre as afasias. Trata-se da noção de um a excitação psíquica que investe os traços m nêm icos na form ação das representações ideativas. O fluxo desse fator quantitativo é o responsável pela dinâm ica psíquica, sendo o que está na base dos m ecanism os de defesa. A dinâm ica da excitação, por sua vez, é função de um esforço voluntário do ego para evitar o sofrim ento, o que revela a hipó-tese subjacente de que o aum ento da excitação é incom patível com a saúde do ego, ou seja, de que o psiquism o seja orientado por um princípio de regulação energética. Encontram -se im plícitas tanto a noção de um princípio de prazer com o a de um princípio de constância. Há tam bém a ultrapassagem da aborda-gem neuropsicológica, com a revelação da im portância dos fatores sexuais nas neuroses e a concepção da form ação de um grupo psíquico isolado, levando ao abandono de um a psicologia estrita da consciência. Em sum a, Freud está em um nível diferenciado de teorização em relação ao estudo das afasias, quer seja na abordagem da patologia, quer seja na introdução de um fator dinâm ico no seu quadro de referência. As prim eiras contribuições agora se encontram em um novo patam ar. Não cabe aqui articular todos os pontos dessa passagem . O que interessa particularm ente para essa discussão é a noção da introdução do fator energético psíquico e com o ele se relaciona com a excitação som ática.

A passagem citada antes revela e sintetiza algo que está presente na conside-ração psicopatológica de Freud nesse período, a saber, a am bigüidade entre conceber o afeto com o representação psíquica e com o sinônim o de excitação som ática; com o quota de afeto e com o soma de excitação.3

Freud é enfático ao diferenciar o afeto enquanto um tipo de em oção — um fenôm eno qualitativo situado na esfera do psíquico — da excitação enquanto um term o referente à energia que investe o psiquism o — um fenôm eno

(6)

titativo situado na esfera do som ático. Essa concepção é defendida ao longo de toda sua obra ( FREUD, 1893, 1895d, 1900, 1915, 1916) . Contudo, é possível encontrar utilizações m enos rígidas dessas duas definições, as quais apagam justam ente a oposição fundam ental entre a qualidade e a quantidade ou entre o psíquico e o som ático ( LAPLANCHE & PONTALIS, 1998,p.421) . A explica-ção de Strachey ( FREUD, 1894c, p.81-72) para essa aparente am bigüidade está na própria concepção freudiana sobre a natureza dos afetos. Com o se sabe, Freu d irá defin ir posteriorm en te o afeto a partir de du as orden s de m anifestação: 1) processos de descarga m otora; 2) processos sensitivos tanto da ordem da percepção dessas descargas quanto da ordem de sensações de prazer e desprazer ( FREUD, 1915, p.204-205 e 1916, p.396) . Ou seja, o afeto não seria estritam ente psíquico, m as envolveria tam bém um a descarga para o som ático. Seria, portanto, m ais claram ente relacionado a um a expressão do fator quantitativo da excitação som ática. Nesse sentido, a quota de afeto seria um a m anifestação particular do fator m ais geral da som a de excitação. Com o Freud estaria m ais interessado nessas m anifestações particulares que ocorriam nos quadros neuróticos, descrevia a quantidade deslocável de excitação com o um a quota de afeto, em vez de diferenciar m elhor os níveis do problem a. Esse hábito persiste m esm o nos artigos de m etapsicologia, contribuindo para tornar o conceito freudiano m enos claro.

A interpretação de Strachey é coerente, m as é preciso avançar nesse argu-m ento de forargu-m a a explicitar a natureza do afeto enquanto fenôargu-m eno ao argu-m esargu-m o tem po som ático e psíquico. Ver-se-á que é justam ente nesse período de defini-ção dos quadros nosográficos e de introdudefini-ção de um fator dinâm ico na teoria que a problem ática se m ostrará m ais evidente, em particular na definição dos m ecanism os em jogo na neurose de angústia, na fobia e na m elancolia.

O MECANISMO DA NEUROSE DE ANGÚSTIA

(7)

sinto-m a nuclear a expectativa ansiosa ou angústia flutuante. Tratava-se de um a quantidade acum ulada de excitação, a qual originava irritabilidade, hipocondria, angústia m oral, ataques de angústia ou m esm o um a angústia difusa, com vários sinto-m as sosinto-m áticos associados, esinto-m especial a sensação de falta de ar. O intrigante nesses casos é que não havia nenhum a origem psíquica para a angústia, ou seja, a excitação não era desvinculada da representação por um processo defensivo, m as se tratava de um a excitação som ática acum ulada, de origem sexual. Além do m ais, o quadro era acom panhado por um a redução da libido sexual ou do desejo psíquico, o que indicava que essa excitação som ática não passava para a esfera do psiquism o. Isso levou à afirm ação de que o m ecanism o da neurose de angústia estaria relacionado com um a “deflexão da excitação sexual somática da esfera psíquica, com um conseqüente emprego anormal dessa excitação” ( FREUD, 1894e, p.109, grifo do autor) . Haveria um acúm ulo da excitação sexual que não chegaria a ser descarregado e, o que é m ais im portante, não transporia o lim ite entre o som ático e o psíquico. Seria, portanto, defletido da consciência e depois transform ado em descarga som ática na form a de ataques de angústia.

O prim eiro ponto im portante a considerar na neurose de angústia é a neces-sidade de destacá-la da neurastenia no cam po das neuroses atuais. Com o foi colocado no início, um dos pontos im portantes da categorização das neuroses atuais é justam ente a sua exclusão da esfera de atuação da psicanálise, pois sua etiologia seria sexual, porém não rem etida a um conflito defensivo e sim a um em prego inadequado da excitação sexual. Essa tese é parcialm ente válida, pois con tribu ições im portan tes para o en ten dim en to de m ecan ism os gerais do psiquism o são retiradas desses quadros. Um deles é a com preensão da relação entre a excitação sexual som ática e a dinâm ica psíquica. O outro é a origem do afeto de angústia. É nesse segundo ponto que se justifica a necessidade de des-tacar da neurastenia a neurose de angústia, pois esta revelaria com clareza que os sintom as da angústia possuiriam um a etiologia específica e uniform e de natureza sexual ( FREUD, 1895c, p.125) . Ou seja, a neurose de angústia seria um m odelo para a com preensão da angústia, em especial para m arcar a origem sexual de tal afeto. Essa vinculação é a m ais facilm ente dem onstrável, já que várias com plicações im portantes daí se originam .

A prim eira e m ais m arcante delas é a indefinição do m ecanism o em jogo. Os dois artigos ( FREUD, 1894e, 1895c) afirm am que a angústia não se origina da defesa, m as sim de um m ecanism o que não se situa na dim ensão psíquica. As razões para isso, contudo, não são explicitadas. Fala-se de um a particular trans-posição do afeto, de um impedimento ou interferência no exercício psíquico da tensão som ática sexual, de um a deflexão desta do psiquism o e ainda de um a

(8)

form a, o m ecanism o em si ou a origem dessa insuficiência não são satisfatoria-m ente elucidados.

A explicação freudiana é sustentada pelo m odelo da concepção energética. Parte-se da noção de que no organism o do sexo m asculino a excitação sexual som ática é produzida de form a contínua e que periodicam ente esta se torna um estím ulo ao psiquism o.4 A idéia é que um certo nível de excitação visceral precisa ser alcançado para vencer a resistência do cam inho interm ediário de condução ao córtex e expressar-se com o estím ulo psíquico. Quando isso ocor-re, o conjunto de representações psíquicas sexuais — o grupo psíquico — fica suprido de energia, criando consigo o estado de tensão libidinal. Este estado traz consigo um a ânsia de rem over tal tensão, o que só é possível através da ação específica, qu e efetivam en te su prim e a totalidade da excitação sexu al som ática ( FREUD, 1894e,p.109) .5

A explicação acim a apenas dá conta da suposição energética que subjaz ao funcionam ento m ental em geral, estando presente em todas as neuroses. Não há em nenhum lugar nos textos desse período um a definição satisfatória de com o se dá essa “ passagem ” do processo fisiológico para o psicológico. Ou seja, a indefinição anunciada no texto sobre as afasias ainda se encontra pre-sente. A questão, contudo, não se coloca da m esm a form a. Para elucidá-la é preciso exam inar as form as de relação entre essas duas esferas, esclarecendo que não há um a divisão entre as duas esferas, com o se as neuroses atuais fossem puram ente som áticas e não envolvessem algum a form a de representação psí-quica apenas pelo fato de haver um a depleção do desejo sexual. Para tanto, faz-se necessário distinguir entre a etiologia psíquica ou atual de uma neurofaz-se e a inscrição psíquica ou corporal da energia sexual.6

No caso da etiologia psíquica, o que está em consideração são os m ecanis-m os defensivos eecanis-m atuação nessa diecanis-m ensão e as respectivas vicissitudes dos com ponentes ideacional e afetivo. Da operação desse m ecanism o psíquico re-sulta um a quantidade de excitação psíquica livre na form a de um afeto, o qual é convertido por m eio de descarga som ática ou transform ado em outro afeto, inclusive a angústia. Há, portanto, um a inscrição psíquica da energia sexual e é

4 Trata-se do m odelo da estim ulação sexual por pressão nas paredes das vesículas sem inais, cuja explicitação se dá nos ensaios sobre a teoria da sexualidade ( FREUD, 1905, p.219) .

5 Esta concepção é ilustrada por Freud no quadro esquem ático da sexualidade ( 1895a,p.248) e sintetizada no rascunho sobre a origem da angústia ( 1895b, p.237-238) .

(9)

pela vicissitude dos m ecanism os psíquicos que esta pode ser reenviada para o corpo na form a de descarga. Nessa descarga conversiva o corpo se torna um sím bolo do conflito ( sím bolo m nêm ico) e, portanto, um corpo erogeneizado.7

A descarga não é apenas de sintom as conversivos, m as tam bém de afetos. Cabe lem brar a consideração feita acim a de que os afetos são com postos tanto da sensação psíquica de prazer ou desprazer com o de descargas m otoras. O afeto nas neuropsicoses de defesa é expressão de um conflito psíquico, o que pode ser constatado principalm ente pela vicissitude do com ponente ideacional a que ele se encontrava ligado. É isso que sustenta a noção de um a transposição afetiva na neurose obsessiva e na fobia.

No caso da etiologia atual, a causa é o acúm ulo da energia sexual som ática im possibilitada de se inscrever no psiquism o. O m ecanism o não é de natureza defen siva, tratan do-se de u m a im possibilidade de in scrição de ou tra ordem . A princípio, Freud afirm a, no m odelo do coito interrom pido fem inino, que a im possibilidade de inscrição se dá pela alienação entre o psíquico e a excitação som ática devido tanto à indução da excitação som ática sem desejo psíquico correlato quanto à interrupção da ação específica antes da descarga. Esse, con-tudo, é apenas o caso m ais sim ples do m ecanism o: o alheam ento psíquico devi-do ao deslocam ento da atenção sobre os objetivos sexuais. Percebe-se já aí que há um a im possibilidade psíquica de inscrição dessa excitação, m esm o que seu increm ento seja dado por um fator da conduta sexual do indivíduo. Observan-do-se os quadros m ais com plexos — abstinência forçosa, ansiedade virginal ou das pessoas extrem am ente pudicas e a angústia do hom em decorrente do coito interrom pido — encontram -se fatores psíquicos im peditivos definidos nos ter-m os de rejeiçãopsíquica, defesa e repressão intencional das representações sexuais ( FREUD, 1894b, p.239 e 1894e,p.106107) . Nesses casos, não há apenas alheam ento, m as tam -bém um m ecanism o intencional de defesa8 contra a excitação sexual som ática.

O que difere é o fato de a defesa, tal com o definida nas neuropsicoses, se dar contra a excitação já inscrita no psiquism o, desligando-a do seu representante. Já no caso da neurose de angústia a “defesa” se dá antes da inscrição no psiquism o, sendo necessário se adm itir que haja aí um m ecanism o im peditivo. A questão é saber se isso se dá por interferência na representação ideativa ou por im possi-bilidade constitutiva do aparelho psíquico em ligar essa excitação ao circuito representacional. Em sum a, o m ecanism o em jogo seria efetivam ente da ordem

7 O term o corpo erógeno não é introduzido por Freud, apesar de sua tradição em psicanálise e sua pertinência às concepções freudianas. Denota o corpo significado pela sexualidade em oposição a um a topografia puram ente biológica ( BIRMAN, 1991, p.136-147) .

(10)

do psíquico, m as de um a outra m aneira: em vez de um a ação secundária no m anejo da excitação psíquica, um processo m ais prim itivo que abortaria a excitação do circuito psíquico em sua própria origem .

O ponto a ser elucidado é com o essa im possibilidade que resulta na deflexão se origina: de um a carga hereditária, de um fator constitutivo psíquico ou de um a circunstância da vida atual do paciente. O esclarecim ento deve ser busca-do no contexto da equação etiológica. Essa proposição está sustentada na com preen-são da causalidade enquanto somação energética, ou seja, articulando diferentes fatores quantitativos na superação do lim iar de carga suportável ao sistem a nervoso que resulta na neurose. Os fatores são: precondição ( hereditária ou decorrente da história infantil) , causa específica, causas concorrentes e causa precipitante ou desencadeante. Apenas a causa específica poderia operar na dim ensão qualitativa — ou seja, na form a da neurose — enquanto os dem ais operariam apenas na dim ensão quantitativa com o m ultiplicadores da carga to-tal sobre o sistem a nervoso, resultando daí a noção de sobredeterm inação na etiologia das neuroses ( FREUD, 1895c, p.134-137) . Na neurose de angústia, a causa específica seria a insuficiência psíquica, que levaria a um desvio do curso norm al da excitação sexual som ática, levando, por sua vez, a processos anor-m ais, sendo a causa desencadeante o súbito increanor-m ento da quantidade de exci-tação devido a condições atuais na conduta sexual. Entretanto, não há um escla-recim ento da precondição para essa insuficiência, a qual é rem etida a um a obscura origem genética e sobredeterm inação, não havendo, assim , um a res-posta satisfatória.

A estratégia freudiana no período é esclarecer, prim eiram ente, os m ecanis-m os eecanis-m jogo nos quadros e sustentá-los eecanis-m uecanis-m a hipótese energética de forecanis-m a m ais ou m enos satisfatória sem , contudo, ter elem entos para esclarecer especi-ficam ente a etiologia das diferentes neuroses. Para tanto, é preciso rem ontar a um a gênese do psiquism o e a hipóteses sobre a origem dos m ecanism os de defesa. Dessa linha de investigação resultarão as hipóteses sobre a teoria da sedução ativa e passiva e o traum a sexual vivido a posteriori ( FREUD, 1896a) . Todavia, se deterá na elucidação de apenas três quadros nosográficos: a histeria, a neurose obsessiva e a paranóia. Ficarão de fora a m elancolia e as fobias, além do grupo das neuroses atuais. A questão da gênese da insuficiência psíquica e sua relação com a angústia, bem com o os aspectos em jogo na m elancolia e na fobia perm anecerão latentes na teorização freudiana por um bom tem po.

Depreende-se do até aqui exposto que a afirm ação do m ecanism o em jogo nas neuroses atuais com o não sendo da ordem do psíquico é parcial. Na verda-de, ele deve ser diferenciado do m ecanism o de separação entre as representa-ções ideativa e afetiva, denom inado, nesse m om ento, de defesa. O m ecanism o de

(11)

excitação sexual som ática com a cadeia associativa. Não se pode, portanto, confundir o m ecanism o de defesa com a totalidade dinâm ica psíquica: há algo na constituição representacional que não está claram ente definido. Esse é o prim eiro ponto na elucidação das relações entre o som ático e o psíquico em jogo na neurose de angústia.

O segundo ponto é investigar se, de fato, não há inscrição da excitação sexual som ática no psiquism o no caso da neurose de angústia. A resposta se dá na m esm a direção do que foi antes colocado: não há inscrição no sentido de um a dinâm ica representacional que origine a angústia. O que ocorre na neuro-se de angústia é que o acúm ulo progressivo da excitação que não encontra expressão psíquica acaba transpondo de qualquer form a o lim iar de excitabilidade e transform a-se em descarga afetiva na form a de angústia. A angústia, enquanto afeto, é tanto descarga para a inervação som ática quanto sensação de prazer e desprazer. Trata-se, portanto, de um a m anifestação psíquica, porém específica. Sua particularidade decorre da expressão profundam ente visceral e da indefinição de um conteúdo ideacional específico. Pode-se afirm ar que a excitação som ática, q u an d o p ressio n a su a rep resen tação, acab a p o r n ão investir em ligaçõ es associativas com plexas devido à insuficiência psíquica, ficando no nível das associações m ais sim ples.9 A angústia, portanto, inscreve-se no psiquism o e de

um a form a precária em relação a outros afetos. É, tam bém e por conta disso, fundam entalm ente descarga, cuja direção se dá no sentido de inervações asso-ciadas à respiração e ao ato sexual.

À luz destas considerações, a leitura de algum as sínteses freudianas sobre o assunto se tornam m ais ricas e reveladoras:

“( ...) nessa neurose, as coisas se desvirtuam da seguinte m aneira: a tensão física aum enta, atinge o nível do lim iar em que consegue despertar afeto psíquico, m as, por algum m otivo, a conexão psíquica que lhe é oferecida perm anece

insuficien-te: um afeto sexual não pode ser form ado, porque falta algo nos fatores psíquicos. Por conseguinte, a tensão física, não sendo psiquicam ente ligada, é transform ada em — angústia.” ( FREUD, 1894b, p.238)

“Nos casos em que há um considerável desenvolvim ento da tensão sexual física, m as esta não pode ser convertida em afeto pela transform ação psíquica — por causa do desenvolvim ento insuficiente da sexualidade psíquica, ou por causa da tenta-tiva de suprim i-la ( defesa) , ou por causa do alheam ento habitual entre sexualidade

(12)

física e psíquica — , a tensão sexual se transform a em angústia. Assim , nisso desem pe-nham um papel a acum ulação de tensão física e a evitação da descarga no sentido psíquico.” ( FREUD, 1894b, p.240)

O prim eiro trecho é revelador ao falar de um a insuficiência psíquica que pode ser entendida com o parcial, pois o afeto parcialm ente form ado é um afeto particular, a angústia, e não um afeto sexual.10 No segundo trecho, observa-se de

form a bastante resum ida a constelação de possibilidades dinâm icas em jogo na insuficiência psíquica com o um dos pólos do m ecanism o da neurose de angús-tia. O que fica obscuro no texto freudiano é a gênese dessa insuficiência e a natureza da angústia; pontos que aqui se procurou elucidar m inim am ente.

O argum ento até aqui exposto coloca-se contra a distinção estrita entre som ático e psíquico que polarizaria de início a diferenciação entre as neuroses atuais e as de defesa. O erro está em vincular a etiologia psíquica e sua inscri-ção com o conceito de defesa sem atentar para o fato de que há um im pedim en-to psíquico originário que força a expressão da excitação som ática no psiquism o na form a de angústia. A diferença, portanto, não se dá entre o nível psíquico e somático, mas no caráter primário ou secundário do mecanismo e da angústia. Assim , na neurose de angústia o m ecanism o é prim ário, no sentido de um im pedim ento de ligação psíquica, e a angústia tam bém o é, pois é transform ação direta da excitação som ática em afeto. Já nas neuroses de defesa o m ecanism o é secundário, no sentido de um a desvinculação entre os representantes, e da m esm a form a o é a angústia, pois essa é transform ação do afeto em angústia.

Percebe-se o quanto o m odelo da neurose de angústia é paradigm ático para entender a angústia não apenas devido a sua ligação direta com a vida sexual atual, m as, sobretudo, devido a ser esta a m anifestação m ais “bruta” do m ecanis-m o que origina a angústia: a transforecanis-m ação da energia psíquica que não encontra inscrição adequada na rede associativa, ultrapassando o lim iar de suporte energético do aparelho psíquico. Desse m odo, a angústia é a expressão m ais direta de um a insuficiência econôm ica do aparelho psíquico, tanto em sua m anifestação m ais pura na neurose de angústia quanto nos dem ais quadros nosográficos.

AMBIGÜIDADES DA TEORIA ENERGÉTICO- REPRESENTACIONAL

Um a vez apresentada a hipótese que procura situar o lugar do afeto na neurose de angústia nas relações entre a excitação som ática e a psíquica, pode-se

(13)

çar em algum as considerações adicionais. Trata-se de dem onstrar que a tram a conceitual em basada na hipótese energético-representacional encontra-se ain-da extrem am ente am bígua nos textos freudianos do período em questão. Nesse intuito, três pontos serão abordados: 1) a indefinição do m ecanism o psíquico presente na angústia das neuropsicoses de defesa; 2) a problem ática da diferen-ciação entre energia som ática e psíquica nos quadros nosográficos; 3) a própria natureza da concepção energética que serve de hipótese básica.

Até agora foi descrita em porm enores a angústia em seu m ecanism o prim á-rio, m as não foram abordados ainda os detalhes da angústia que é provocada pela defesa. Sabe-se que o afeto de angústia encontra-se presente tam bém de form a m arcante nas histerias e nas fobias. Nas histerias, a angústia decorre tam bém do processo conversivo, qu e em vez de se in stalar com o sím bolo m nêm ico, se descarrega na inervação na form a de angústia. A derivação do afeto, contudo, é secundária e não prim ária, decorrendo daí a sugestão que a neurose de angústia é a contrapartida som ática da histeria, diferindo desta quanto ao m ecanism o ( FREUD, 1894e,p.115) .

(14)

agora se afirm a que o afeto transposto da segunda não tem origem em um a idéia reprim ida, m as em algo com o um ataque original de angústia ( FREUD, 1894e, p.99) . Observa-se, de novo, que Freud associa um m ecanism o defensivo a um fator energético aparentem ente não psíquico. Além disso, não esclarece a angústia presente nas fobias de origem defensiva. Ao que parece, nessas, a angús-tia encontra-se m ais ligada a um objeto específico, devido a sua m aior inserção na rede associativa psíquica. Em sum a, o m ecanism o das fobias perm anece obs-curo para Freud, dificultando ainda m ais um a elucidação das diferentes m anifes-tações do afeto de angústia. De fato, é só no caso do “pequeno Hans” que Freud irá dar um passo na definição da entidade clínica que com preenderá algum as das fobias, dessa vez articulando-a ao m ecanism o da histeria: a histeria de angústia ( FREUD, 1909, p.106) . Assim , parece que as fobias e a histeria pouco ajudam a com preender o m ecanism o da angústia no período dos anos 1890. Com partilham apenas a noção de um a transform ação autom ática do excesso de excitação em angústia, que é em blem ático na neurose de angústia. Por esse m otivo, Freud tom a a angústia das neuroses atuais com o prim eiro paradigm a da angústia.

Um segundo ponto é a form a incipiente da relação entre excitação som ática e psíquica enquanto hipótese explicativa dos quadros nosográficos descritos por Freud. Além das disjunções aparentes entre a origem não psíquica e a psí-quica para diversos distúrbios, é interessante notar o caso da m elancolia. Freud interpretará a m elancolia com o um a patologia decorrente de perda de libido ou, m ais especificam ente, o afeto de luto pela perda da libido ( FREUD, 1895a, p.247) . Não há, contudo, um m ecanism o que dê conta dessa defasagem libidinal. Isso faz com que Freud não consiga fazer um a distinção exata entre a perda de libido decorrente das neuroses atuais da perda de libido psíquica que ocorre na m elancolia propriam ente dita, que ele cham a de com um .11 Além disso, não há com o explicar, teoricam ente, a presença do afeto de luto, assim com o o m eca-nism o específico que retira a libido psíquica da representação e a transform a em angústia. Em sum a, a m elancolia não recebe um a explicação devida dentro do contexto da teorização freudiana do período e não é para m enos que ela venha a desaparecer dos textos sobre as neuropsicoses de defesa.12 De qualquer

11 A rigor, seriam três tipos de m elancolia: a neurastênica ( decorrente do esgotam ento de libido física e, por conseguinte, da psíquica) , a de angústia ( falta de libido psíquica por insuficiência psíquica) e a com um ( perda de investim ento de libido psíquica, ficando esta na fronteira entre o som ático e o psíquico) ( FREUD, 1895a, p.249) .

(15)

form a, a consideração da m elancolia traz m ais elem entos para ilustrar as difi-culdades que Freud encontra nessa prim eira abordagem da relação entre o som ático e o psíquico e seu ponto nodal: a angústia.

O terceiro ponto é outra am bigüidade presente na concepção energética de Freud, além da confusão entre a quantidade e a qualidade. Com o se pôde obser-var, o anúncio da hipótese básica de Freud m ostra que a concepção de energia investindo nas representações encontraria seu am paro no m odelo físico da ele-tricidade. Haveria, portanto, um a noção de quantidade energética subjacente à dinâm ica psíquica. A questão é que esse quantum não é pensado em fatores abso-lutos m as, principalm ente, em fatores relativos nos term os de sua distribuição e de sua dinâm ica, o que alude m ais a um a concepção de intensidade energética ( BARROS, 1975) . Constata-se, nesse período, a dúvida de Freud em utilizar um term o ou outro. Percebe-se não só um a confusão entre o fator quantitativo e o qualitativo, m as um a indefinição quanto ao estatuto do fator quantitativo ( ou intensivo) por ele postulado. Essas definições serão m ais bem trabalhadas no

Projeto de uma psicologia ( FREUD,1895d) sem , contudo, sanar as superposições en-tre um fator extensivo e um intensivo da econom ia psíquica.13

CONTEXTUALIZAÇÃO DO PRIMEIRO TEMPO DA ANGÚSTIA

Os pontos desenvolvidos revelam o quanto a hipótese básica freudiana é frag-m entária, apesar de rica e instigante. Percebe-se, ainda, de que forfrag-m a o proble-m a das relações entre o soproble-m ático e psíquico coproble-m eça a se organizar, trazendo um em ergente teórico particular com o ponto de dificuldades: a dim ensão eco-nôm ica da angústia em sua síndrom e m ais característica. É o m om ento de sin-tetizar a discussão e retom ar seu tem a central, relacionando-o ao contexto m ais am plo da teorização m etapsicológica sobre a angústia.

A angústia aparece, na teorização freudiana dos anos 1890, fundam ental-m ente coental-m o a inscrição corporal de uental-m a iental-m possibilidade de ligação psíquica, sendo o m odelo da neurose de angústia o que m elhor aborda a questão, ficando obscura ou m inim izada a im portância teórica da angústia nos dem ais quadros psicopatológicos. Foi visto que tanto a angústia aqui denom inada prim ária quanto a secundária com partilham de um m esm o m odelo energético de ultrapassagem do lim iar de suporte do psiquism o, ou seja, a angústia é vista aqui com o a transform ação em afeto de energia excessiva. A diferença é dada em sua origem

inicial: som ático no prim eiro caso e psíquico no segundo, o que não quer dizer que um m ecanism o psíquico não esteja envolvido nos dois casos. Pelo contrá-rio, esse m ecanism o foi intuído por Freud, m as não pôde ser esclarecido na

(16)

ocasião. Depreende-se daí que a angústia, m esm o em seu estado m ais bruto, refere-se a e se inscreve em um corpo erógeno; ela é expressão de um sentido

psíquico.

A concepção de um a angústia inscrita no corpo refere-se tanto ao excesso energético quanto à insuficiência de elaboração psíquica da excitação som ática. Com partilha com a concepção de um a angústia inscrita no psiquism o, um m e-canism o com um de transform ação da excitação não ligada a um a representa-ção ideativa em afeto. Portanto, pode-se afirm ar que aquilo que será posterior-m ente conhecido coposterior-m o primeira teoria freudiana da angústia encontra aqui o seu fun-dam ento e é desenvolvida em dois tem pos: o prim eiro, no contexto dos anos 1890 e o outro, a partir da prim eira tópica. Am bas as abordagens fundam en-tam -se em um a noção de angústia econômica ou automática.

O tem a das diferentes teorias da angústia na m etapsicologia freudiana é bastante conhecido, m as ainda rende algum as controvérsias. É ponto pacífico a distinção de pelo m enos duas teorizações: um a, inserida na tram a conceitual da prim eira tópica, que define a angústia com o transform ação da libido reprim ida e outra, desenvolvida na segunda tópica, que define a angústia com o um sinal do ego que m obiliza a defesa. A relação entre elas não é disjuntiva, m as de com plem entaridade, e o estudo do prim eiro tem po da angústia em Freud ajuda a com preendê-la.

(17)

deixa a energia desligada no aparelho psíquico — prim ário no prim eiro e secundário no segundo — m as am bos com partilham da m esm a concepção econôm ica e autom ática da angústia. Laplanche define então duas teorias da angústia: 1) teoria econôm ica, que articula as concepções fisiológica ( não-elaboração) e a psíquica ( rom pim ento da ligação) , e 2) a teoria funcional, apoiada no sinal de angústia do ego ( 1998, p.42-43) .

Na m esm a direção, Rocha enum era duas teorias da angústia, articulando na prim eira as duas facetas da angústia autom ática: sua inscrição corporal e sua inscrição psíquica ( 2000, p.10-12) . Em particular, cham a a atenção o esforço do com entador de conceber dialeticam ente essa relação:

“ Com isto, porém , não estou querendo dizer que Freud tenha com eçado o seu

estudo da angústia pelas neuroses atuais, apresentando-nos um a angústia prim ei-ram ente inscrita no corpo e, só em seguida, inscrita no psiquism o ( ...) É im portan-te portan-ter presenportan-te que m esm o quando Freud fala de um a angústia inscrita no corpo sem nenhum a significação psíquica, isto não exclui a existência de um a relação

dialética, que, segundo ele próprio, sem pre existe entre as neuroses atuais e as neuropsicoses de defesa e, conseqüentem ente, entre a angústia inscrita no corpo e a angústia inscrita no psiquism o.”( ROCHA, 2000, p.41-42)

Há um a relação entre a angústia inscrita no corpo e a inscrita no psiquism o qu e n ão pode ser en ten dida n os term os de u m a disju n ção em qu e a u m a precede a outra. É im portante frisar que m esm o que se postule, em term os teóricos, um a precedência genética da prim eira sobre a segunda, elas apare-cem em conjunto nos quadros nosográficos e com partilham am bas de um sim bolism o erógeno. Porém , não basta postular a relação com plem entar en-tre esses dois aspectos da angústia, m as tam bém esclarecer o caráter dessa “ dialética” . O argum ento aqui desenvolvido m ostra que as duas faces da pri-m eira teoria da angústia copri-m partilhapri-m tanto do pri-m ecanispri-m o autopri-m ático de transform ação da excitação quanto de m ecanism os psíquicos de desligam ento energético da representação. A diferença, portanto, é no nível de operação do m ecanism o e não na sua essência.

(18)

energética concebe cadeias representacionais associativas e suprassociativas.14 Um nível interm ediário de ligação é dado pelo afeto. Nesse, há tanto um com -ponente organizado de descarga som ática quanto um a estrutura representacional associada. A idéia é que a energia devidam ente elaborada possa expressar-se no psiquism o na form a de representação ideativa ou afeto. A angústia, contudo, aparece com o o nível m ais baixo de ligação energética. Trata-se da expressão afetiva m ais desorganizada e desruptiva, principalm ente em sua m anifestação m ais b r u tal n a an gú stia p r im ár ia d as n eu ro ses atu ais. Assim , se a d efesa desestabiliza a organização representacional e libera afetos, dentre os quais se encontra a angústia secundária, a insuficiência psíquica revela um a angústia m enos ligada a representações. Dessa form a, a angústia ligada a um objeto fóbico é m enos disruptiva que o pavor inerente a um ataque de angústia, por exem plo. O que está em jogo são níveis progressivos de elaboração psíquica rum o à representação ideativa.

A partir do exposto, pode-se concluir que o que se denom ina angústia ins-crita no corpo ( ROCHA, 2002) ou teoria fisiológica da angústia ( LAPLANCHE, 1998) revela-se um contraponto teórico ao paradigm a da representação. Em outras palavras, o prim eiro tem po da angústia m ostra um a prim eira antítese ao m odelo energético-representacional. Mais que isso, esse prim eiro m om ento lança os elem entos fundam entais que serão contem plados em um desenvolvi-m ento posterior da teoria da angústia no qual as noções de desadesenvolvi-m paro psíquico e pulsão de m orte, entre outras, trarão um a nova significação teórica para o problem a aqui apontado.

Esse m ovim ento de integração, revisão e ressignificação depende, por sua vez, da estrutura conceitual freudiana e seus desenvolvim entos heurísticos. Nes-se caso, não Nes-se pode falar em um a sínteNes-se dialética entre os pólos do problem a, já que a teorização freudiana não se encaixa em um a dialética estrita ( MONZANI, 1989, p.201-204) . De qualquer form a, pode-se afirm ar que a polarização entre angústia inscrita no corpo e no psiquism o é um a m atriz conceitual im portante, que traz em seu cerne o seu próprio im pensado, a saber, de que no lim ite, a noção de angústia aponta para o irrepresentável. Mais ainda, é contra essa irrupção energética, cuja angústia autom ática prim ária é o m elhor exem plo, que se estrutura o aparelho psíquico. Essa concepção de ligação energética é relati-vam ente forte na prim eira década do pensam ento freudiano, m as se torna funda-m ental na segunda tópica. Enveredar por essa discussão transcende os propósitos

(19)

deste artigo, m as alguns desdobram entos podem ser apontados. Para ficar ape-nas no âm bito da m etapsicologia da angústia, basta dizer que a angústia auto-m ática priauto-m ária da teoria econ ôauto-m ica se aproxiauto-m a da an gú stia priauto-m ordial tem atizada na teoria funcional. Pode-se pensar, tam bém , em um a teoria unificada da angústia: contra a irrupção energética traum ática o ego m obiliza a defesa por interm édio do sinal de angústia. A operação da defesa sobre as representa-ções ideativas, por sua vez, tam bém causaria desligam ento energético, levando a um a irrupção de afetos, entre eles a angústia ( SEVÁ, 1975, p.88, 92-94) . Encontra-se, assim , um a articulação entre o prim eiro, o terceiro e o segundo tem po da teoria freudiana da angústia, respectivam ente.

CONCLUSÃO

Um a leitura rigorosa da teoria freudiana dos representantes psíquicos deve levar em conta os seus desenvolvim entos iniciais na consideração dos im passes qu e levam à proposição de n ovos m odelos explicativos n a m etapsicologia freudiana.

Conclui-se que a consideração dos textos freudianos dos anos 1890 revela alguns pontos interessantes para a com preensão do desenvolvim ento da teoria da angústia e sua relação com o paradigm a representacional na m etapsicologia freudiana. Trata-se de textos pioneiros e, com o tais, recheados de hipóteses organizadoras que operarão por longo tem po nos bastidores da teorização freudiana. O m esm o pioneirism o que indica as prim eiras direções tam bém é responsável pelo evidenciam ento dos prim eiros im passes ao desenvolvim ento teórico, criando um a série de trilhas m ais ou m enos consistentes que serão retraçadas de diferentes form as nos vários m om entos do pensam ento freudiano. De form a esquem ática, podem os dem arcar o cam po de afirm ações e im passes que em erge desse m om ento teórico a partir dos seguintes parâm etros: 1 . A afirm ação d a teo ria en ergético - rep resen tacio n al co m o fu n d am en to

axiológico do esforço freudiano de teorização;

2 . A revelação de im passes quanto ao m odelo físico que a sustenta, bem com o à capacidade de ela dar conta das relações entre a esfera som ática e a psíquica; 3 . A em ergência de quadros psicopatológicos e afetos que testam os lim ites dessa teoria, fazendo com que a m elancolia e a neurose de angústia fiquem com o problem áticas latentes na prim eira tópica;

4 . A síntese dessa problem ática na configuração de um m odelo de angústia enquanto inscrição corporal e im possibilidade de elaboração psíquica da ex-citação, o qual se revela um contraponto à noção de representação psíquica.

(20)

lugar, quer seja no desenvolvim ento de um m odelo neuronal de aparelho psí-quico, quer seja propriam ente na elaboração do conceito de pulsão. As interfaces entre o psíquico e o som ático, em especial a idéia de um a im possibilidade de elab o ração p síq u ica, ficarão laten tes p o r m ais tem p o , agu ard an d o u m a reestruturação m ais profunda da tram a conceitual freudiana. Nesse sentido, a prim eira tópica freudiana abordará, fundam entalm ente, a dim ensão representa-cional do fator energético, deixando a dim ensão pré-representarepresenta-cional que em erge no m ecanism o da neurose de angústia por m uito tem po fora do cam po da teorização m etapsicológica.

O resgate e crítica da concepção freudiana de neurose de angústia contribuem para a com preensão da teorização sobre a m etapsicologia da angústia, além de servir de elem ento para as discussões contem porâneas sobre a angústia que escapa à elaboração psíqu ica refu gian do-se n o corpo, com o n os qu adros psicossom áticos. Esses desdobram entos, assim com o um a análise geral da teo-ria da angústia, fogem aos propósitos desse artigo. Espera-se que a análise do prim eiro tem po da angústia em Freud possa contribuir para futuras investiga-ções teóricas e clínicas.

Recebido em 24/ 10/ 2003. Aprovado em 15/ 3/ 2004.

REFERÊNCIAS

BARROS, C. P.( 1975) “ Contribuição à controvérsia sobre o ‘ponto de vista econôm ico’”, in BRAZIL, H. V. ( org.) , Psicanálise: problemas metodológicos. Petrópolis: Vozes.

BIRMAN, J. ( 1991) Freud e a interpretação psicanalítica: a constituição da psicanálise. Rio de Janeiro: Relum e-Dum ará.

BRITO, L. A. M. ( 1 9 8 6 ) “ O con ceito freu dian o de afeto: u m estu do crítico” , in Psicologia clínica: pós- graduação e pesquisa, 1/ 1. Rio de Janeiro, p.15-26.

FREUD, S. ( 1996) Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Im ago.

( 1893) “ Sobre o m ecanism o psíquico dos fenôm enos histéricos: co-m unicação prelico-m inar” , v. II, p.39-56.

( 1 8 9 4 a) “ Rascu n h o D: sobre a etiologia e a teoria das prin cipais neuroses” , v. I, p.231-233.

( 1894b) “ Rascunho E: com o se origina a angústia” , v. I, p.235-241. ( 1894c) “ As neuropsicoses de defesa” , v. III, p.51-74.

(21)

( 1894e) “ Sobre os fundam entos para destacar da neurastenia um a síndrom e específica denom inada ‘neurose de angústia’” , v. III, p.91-120.

( 1895a) “ Rascunho G: m elancolia” , v. I, p.246-253. ( 1895b) “ Rascunho H: paranóia” , v. I, p.253-257.

( 1895c) “ Resposta às críticas a m eu artigo sobre a neurose de angús-tia” , v. III, p.121-140.

( 1896a) “ Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa” , v. III, p.163-188.

( 1896b) “ Carta 52” , v. I, p.281-287. ( 1900) “ A interpretação de sonhos” , v. IV-V.

( 1905) “Três ensaios sobre a teor ia da sexualidade” , v. VII, p.117-232. ( 1909) “ Análise de um a fobia em um m enino de cinco anos” , v. X, p.13-136.

( 1915) “ O inconsciente” , v. XIV, p.163-222.

( 1916) “ Conferência XXV: a ansiedade” , v. XVI, p.393-412. ( 1917) “ Luto e m elancolia” , v. XIV, p.245-266.

. ( 1891/ 1977) A interpretação das afasias. Lisboa: Edições 70. . ( 1895d/ 1995) Projeto de um a psicologia. Trad. Osmyr Faria Gabbi Jr.Rio de Janeiro: Im ago.

GREEN, A. ( 1982) O discurso vivo: a conceituação psicanalítica do afeto. Rio de Janeiro: Francisco Alves.

HANNS, L. A. ( 1996) Dicionário com entado do alem ão de Freud. Rio de Janeiro: Im ago.

LAPLANCHE, J. ( 1998) Problemáticas I: a angústia. São Paulo: Martins Fontes. LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.-B. ( 1998) Vocabulário da psicanálise. São Paulo:

Martins Fontes.

MEZAN, R. ( 2001) Freud: a tram a dos conceitos. São Paulo: Perspectiva. MONZANI, L. R. ( 1989) Freud: o m ovim ento de um pensam ento, Cam pinas,

Editora da Unicam p.

ROCHA, Z. ( 2000) Os destinos da angústia na psicanálise freudiana.São Paulo: Escuta.

SEVÁ, A. M. L. ( 1975) “ Angústia e repressão: um estudo crítico do ensaio ‘inibição, sintom a e angústia’” . Dissertação de m estrado. Rio de Janei-ro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Érico Bruno Viana Cam pos

Rua Professor Teotônio Monteiro de Barros Filho 535/ 33 Vila Butantã 05360-030 São Paulo SP

Referências

Documentos relacionados

Detectadas as baixas condições socioeconômicas e sanitárias do Município de Cuité, bem como a carência de informação por parte da população de como prevenir

O mar profundo é uma vasta região que recobre aproximadamente 70% da superfície da terra, sendo considerado ainda uma vastidão a ser explorada e estudada pelo homem. A coleção

Promovido pelo Sindifisco Nacio- nal em parceria com o Mosap (Mo- vimento Nacional de Aposentados e Pensionistas), o Encontro ocorreu no dia 20 de março, data em que também

Os dados experimentais de temperatura na secagem da pêra em estufa a 40 o C estão apresentados na Figura 6, assim como os valores calculados pelo modelo

Foi realizada assembléia estadual na DRT/SP, quando foi discutido o que significa o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) como um pacote para “fazer crescer” a economia.

libras ou pedagogia com especialização e proficiência em libras 40h 3 Imediato 0821FLET03 FLET Curso de Letras - Língua e Literatura Portuguesa. Estudos literários

• Limitações de tempo – os produtos e serviços devem ser produzidos dentro de um intervalo de tempo, no qual eles ainda têm valor para o consumidor.. • Limitações de

Caso este pensamento venha a se difundir, como cada vez mais vem acontecendo, e se tornar o único e o processo de existência no real só puder ser alcançado através da