UMA FOTOGRAFIA SOCIOLINGÜÍSTICA DA
CIDADE DE SÃO CARLOS
CONCORDÂNCIA VERBAL E VARIAÇÃO: UMA FOTOGRAFIA
SOCIOLINGÜÍSTICA DA CIDADE DE SÃO CARLOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Lingüística e Língua Portuguesa
da
Faculdade
de
Ciências
e
Letras
da
Universidade
Estadual
Paulista
“Júlio
de
Mesquita Filho”,
de Araraquara, como
requisito para obtenção do título de Mestre em
Lingüística e Língua Portuguesa.
Orientadora: Profa. Dra. Rosane de Andrade Berlinck
A
RARAQUARA223 ,1 4 5 +
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CONCORDÂNCIA VERBAL E VARIAÇÃO: UMA FOTOGRAFIA
SOCIOLINGÜÍSTICA DA CIDADE DE SÃO CARLOS
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Orientadora: Profa. Dra. Rosane de Andrade Berlinck
UNESP – Araraquara
________________________________________
Profa. Dra. Maria Marta Pereira Scherre
UnB – Brasília
UFRJ – Rio de Janeiro
________________________________________
Profa. Dra. Marymarcia Guedes
UNESP – Araraquara
conquista nossa !
Aos meus s obrinhos, Juninho e Giovanna, com todo meu amor.
Primeiramente a Deus, amigo fiel em todos os momentos.
À minha grande família, em especial à minha mãe e ao meu pai,
pelo apoio e in centivo constante, pe la dedicação e pela s orações. Amo
muito todos você s.
À professora, pesquisadora e o rientadora Rosane de Andrade
Berlinck, de modo todo especia l, po r ter sido tão ded ica da, atenciosa,
paciente e, acima de tudo, competente. O seu en vo lvimento com os
estudos lin gü ístico s, com paixão e se riedade, de sperta, em todos qu e
a conhecem, sentimentos de admira ção e respe ito. Ob rigado po r tudo.
A vo cê, de vo e sta conqu ista a cadêmica.
À Profa. Dra. Marta Scherre, à Profa. Dra. Ma rymarcia Guedes e
à Profa. Dra. Beatriz Nunes de Olive ira Longo , pela leitura atenta do
trabalho e pe las va liosa s su gestõe s.
Ao meu irmão Fabio e à minha cunhada Vanessa, por f azerem
parte da minha história.
Ao meu irmão Ro drigo e à m inha cunhada Antonise , por me
presentearem co m dois sobrinhos maravilho sos, o Juninho e a
Gio vanna.
Aos meus amigos – Osmair, Na lva e Rosemary (Rosin ha) – que
partilharam comigo as minhas angústias e sempre me apoiaram nos
momentos difíceis. Obrigado pela amizade, pelo amor e pela
dedicação. À Ro sinha, a bib liote cária mais gene rosa deste unive rso ,
também pela dispo nibilidade em orga nizar comigo as referência s.
Aos amigo s que conheci na escola De riggi, por todos os
momentos de descontração.
Aos co lega s do Pro grama de Pós Gradua ção e a todos os
inte grantes do NEVAR da UNESP de Arara qua ra –
– coo rden ado pela Profa. Dra. Rosane de
Andrade Berlinck, pela troca de co nhecimentos e pelas discu ssões
estimulantes.
À Zelma (Ze lmita), pela generosidade e por sua alegria
À Secreta ria da Educação do Estado de São Paulo, pelo
incentivo. Em especial à Ma ria Tereza de Castro Pirá gine Fiore lli
(Terê), Dirigente Regional de Ensin o da Direto ria de Jaú, pela total
compreensão. A vo cê, minha eterna gratidão!
À Maude, à Re gin a Bauer e à Silva na Salma zo, funcionárias da
Diretoria de Ensino de Jaú, e à Maria Eliza , Superviso ra de Ensino, por
todo o carinho e ap oio.
À Débo ra Gon za le z Co sta Blanco, Dirigente Re giona l de Ensino
da Diretoria de São Carlos, e a os Superviso res de Ensino, por
acreditarem no meu trabalho.
Aos meus informantes, que me re ceberam gentilme nte e me
deram a oportunid ade de conhece r u m pouco das suas vidas. A grade ço
a disponib ilidade, genero sidade e por te rem me ensina do tanto. Sem
eles, e sta pesqu isa não e xistiria. Sã o pessoas especia is que sonham
em viver num mundo melhor, mais justo, sem preconceitos e
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Unive rsidade Estad ual Paulista, A ra raquara .
RESUMO
Pesqu isas sob re concordância verba l de terceira pesso a do plural no portu guês brasileiro têm mostrado que esse fenômeno constitu i uma va riá vel lin gü ística que ab ran ge d uas va riantes: a presença ou a ausência de marca formal de plura l no verbo. A p resente pesqu isa também analisa esse fenômeno variá ve l partindo da relação sujeito / ve rbo, ob jetivando compreender os fatores lin gü ísticos e sociais que condicionam / determinam a variação lin gü ística no âmbito da concordância ve rb al. De ssa forma, a dotamos os pre ssu postos teó rico metodológicos da "Teoria da Variação e Mudança Lin gü ística" ou "Sociolin gü ística Quantitativa". Os dados foram obtidos de uma amostra de lín gua falada de uma comunidade periférica da cidade de Sã o Carlos, lo calizada no interio r do Estado de São Paulo. A amostra utilizada é constitu ída de 20 e ntre vistas entre inf ormante e documentador. Do total de 1.000 ocorrência s de terceira pessoa do plura l estudada s no nosso , 753 (75 %) não tra zem a ma rca formal de plura l no s verbo s, sendo que apenas 247 (25 %) ap resentam a marca formal de plura l. Apesar de predominar a não co ncordância, os resultados e videnciam que estamos diante de um caso de va ria ção. Dentre os fatores lingü ísticos atuante s, destacamos a
, o e a !" #
. Já , dentre os fatores socia is, se mostrou a va riá vel ma is rele vante.
Letras, Universidad e Estadual Pau lista , Ara raqua ra, São Paulo, Bra zil.
ABSTR ACT
Research re gard in g subje ct/ve rb agre ement in the third person plura l in Bra zilian Portu gue se has sho wn tha t this phenomenon constitute s a lin gu istic va riab le that encompasses two variants: th e presence or absence of the plural desinence in th e ve rb. The present research also analyses th is variable phenomenon from the relatio n subject/ve rb, aimin g to unde rsta nd the lin guistic a nd socia l factors that condition / determine such su bject/ve rb agreem ent lin guistic va riation. Thus, we have adopted the theoretica l/me thodologica l frame work called “Lin gu istic Variation and Change Theory" or "Quantitative Sociolin guistics”. The data was obtained from a sample of spoken langua ge in a subu rban community in the city of São Carlos, located in the interior of São Paulo State. The sample used contain s 20 intervie ws between the “informer/intervie wee” and the “intervie wer/re searcher”. From a total of 1,000 occurrences of the third pe rson p lural studied in this , 753 (75%) do not use the plural desinence in the verb s, with on ly 247 (2 5%) pre sentin g it. Despite the pre dominant non agreement, the results clearly sho w th at this is a variatio n case. Among the pre vailin g lin gu istic factors, we ca n high light the $
$ , the and the $
!" # ( $ /%$ /%$ $). Among the socia l factors,
$ wa s found to be the most re levant variable.
1 INTRODUÇÃO...11
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...15
2.1 Teoria da variação e mudança...15
2.2 Contribuições da Sociolingüística...21
3 O UNIVERSO DESTE ESTUDO...26
3.1 O quadro social e geográfico do estudo...26
3.1.1 Considerações sobre a cidade de São Carlos...27
3.1.2 Considerações sobre a comunidade estudada...29
3.1.3 Educação de Jovens e Adultos no Brasil (um pouco de história)...33
3.2 Procedimentos metodológicos da pesquisa...36
3.2.1 O sob análise...36
3.2.2 A coleta dos dados...38
3.2.3 A seleção dos dados...44
3.2.4 Critérios de exclusão...47
3.2.5 Grupos de fatores...52
3.2.5.1 Grupos de fatores lingüísticos...53
3.2.5.2 Grupos de fatores sociais...62
4 ANÁLISE DOS DADOS: APRESENTANDO E DISCUTINDO OS RESULTADOS...67
4.1 Notas introdutórias...67
4.2 Apresentação do resultado geral...68
4.2.1 Grau de saliência fônica da oposição entre as formas verbais do singular e do plural...69
4.2.2 Paralelismo formal no nível oracional...73
4.2.3 Presença/ausência do sujeito pronominal...77
4.2.4 Presença/ausência do" relativo enquanto elemento interveniente entre o sujeito e o verbo...81
4.2.8 Escolaridade...96
4.2.9 Procedência...105
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...107
1 INTRODUÇ ÃO
Sabendo que é n a lín gua efetivam ente utilizada por falantes
brasileiros que podemos buscar os elementos identif icadores da s
va riedade s do português do Brasil, estudaremos, nesta pesqu isa, o
fenômeno da concordância verba l de terceira pesso a do plural no
portu guês popu lar. Os e xemp los (1 4 ) ilu stram a rea lização variá ve l da
concordância, foco do presente estudo:
(1) os menino " & coisa boa viu? (FNI)1
(2) eles não " re speitá o nossos d ireito... (FEP)
(3) eles buscá a ge nte lá... (MNC)
(4) aí:: ... ele s a gente ficô né?... (MEA)
Escolhemos a con cordância ve rbal p or se r um fenômeno variá ve l
que atra i muito a atenção social e , conseqüentemen te, é um dos
tópicos gramatica is que os professo res de Lín gua Portuguesa, de um
modo gera l, mais se empenham em corrigir nos seus a lun os.
Do ponto de vista exclusivamente lin gü ístico, não há diferença de
significado entre a s formas singula re s e plurais dos ve rbos ilustrados
acima. Ma s, de acordo com Fa raco (2003), esse é um dos pontos mais
comple xos da nossa relação com as variedades da nossa lín gua. E isso
porque essa diferença lin gü ística (muito mais do que geográfica) se
transformou – num país socialmente tão desigual como o nosso – num
pesado fator de discriminação.
Esse fenômeno começou a ser estudado no Brasil na década de
setenta por Antho ny Na ro e Miriam Lemle e, desde então, vários
trabalhos sob re a va ria ção na concordância ve rbal já foram rea lizado s
em diversa s regiõe s de nosso pa ís.
Em todos os tra balhos analisados pudemos constatar que é
possíve l corre lacionar a aplicação va riá vel de con cordância entre
1
sujeito e ve rbo ta nto a fatores inte rnos (lin gü ísticos), como a fatores
exte rnos (socia is). Estamos se gu ros d e que a con cordân cia verba l é um
fenômeno lingü ístico que não pode ser analisado apenas em termos de
suas re lações internas na gramática, mas deve se r visto como parte de
um contexto sociocultura l mais amp lo, no qua l ele o corre.
Conside rando que a Socio lin gü ística é uma das sub áreas da
Lingü ística que estuda a lín gua em uso no seio das comunidades de
fala, correla cionan do aspectos dos sistemas lin gü ísticos e a spectos
dos sistemas so ciais, podemos afirmar que nosso e studo sobre a
concordância verb al constitui uma pesqu isa que se inscre ve de forma
ge ral dentro da perspectiva teó rica denominada “Teoria da Variação e
Mudança Lin gü ística” ou “Sociolin gü ística Quantitat iva ” (W EINREICH,
LABOV e HERZOG, 1968; LABOV, 19 72, 1994, 2001).
Sendo a fala corre nte, do dia a d ia, a melhor fonte para o estudo
da va riação , nosso foi constitu ído a partir de uma amostra de 20
entre vistas entre informante e documentador numa comunidade
periférica da cidad e de São Carlos n o interio r do Estad o de São Paulo.
São cinco homens e cinco mulhere s que estavam te rmin ando o ensino
fundamental na ' ( ) e cinco homens e cinco
mulheres não a lfabetizados. Todos ad ultos entre 20 e 40 anos. Um dos
intere sses deste trabalho é verificar em que medida ocorre ram
mudanças na lin gu agem o ral de ind ivíduos que fre qüentaram a escola
até a última sé rie d o ensino fundamental, não se esquecendo que pa rte
dessa esco laridade se deu no ensino supletivo.
Sabemos que inte rpretar e produ zir textos, tanto na m odalidade
oral como na modalidade escrita, con stituem os dois ob jetivos maio res
do ensino de português. Apesa r da re le vância desses ob jetivo s, caberia
ao professor realizar uma outra tarefa: a de levar os alunos a
adquirirem as re gras que são p rópria s à va riedade de p restígio. Pode
se dize r, no entanto, que o maior ou menor sucesso d o professor de
lín gua portu guesa em relação ao en sino aprend iza gem da va riedade de
prestígio encontra se na dependência do desempenho lin gü ístico dos
2
falantes. Nesse sentido, o trabalho do professo r de portu guês será
maior quanto maior for a distância entre a modalidade oral e a
modalidade escrita de seus aluno s.
Sendo assim, alé m de compreende r os fatores lin gü ístico s e
socia is que cond icionam / determinam a va ria ção lin gü ística no âmbito
da concordância ve rbal, temos co mo objetivo, tam bém, fornecer
suporte teó rico e p rático aos p rofesso res da EJA ( '
( ), p rin cip almente os que tra balham nessa comunidade. Esse s
professores, mu ita s ve zes ca rentes de informações so bre a rea lidade
oral do portu guê s do Brasil, se vêem com dificuldades para a
elaboração de materia l adequado aos seus alunos. Com isso,
esperamos que e sta pesquisa ultra passe as pa redes da institu ição
acadêmica e chegue até as mãos de professores e demais
profissiona is em e xercício nas e sco las.
Um dos fatos fundamentais a respe ito das lín guas viva s é que
elas estão sempre mudando. Para uma lín gua viva, é absolutamente
impossíve l e vitar a mudança. É importante enfatiza r que não estamos
trabalhando com mudança lingü ística, e sim com variação, mas por
meio do estudo da concordância verb al, enquanto e xem plo de *
, talve z seja possíve l captar algun s fatores que atuam n o
processo da muda nça, além de re ve lar os caminhos pe los qua is uma
mudança se difunde.
O traba lho apre senta se d ividido em três seções. Na primeira,
expomos a fundamentação teórica. Destacamos a grand e contribu ição
que os estudo s socio lin gü ístico s podem oferecer às questõe s
pedagó gicas.
Na se gunda seção apresentamos o u niverso de nossa pesqu isa:
em que conte xto social e geo gráfico foi estudado o fenômeno va riá ve l e
quais foram os p rocedimentos metodológico s adotad os para que a
in vestigação fosse desenvo lvida. É nessa seção que esclare cemos
como foi a coleta e a seleção dos dados e apresentamos todos os
Por fim, na ú ltim a seção, rea liza mos a análise d os dados,
apresentando e discutindo os resu ltad os. Na se qüênc ia, apresentamos
as consideraçõe s finais a que se che ga com esta in ve stigação.
Não podemos deixa r de ressalta r que se trata da prime ira
fotografia sociolin güística da cidade de São Carlos. Sa bemos que não
é uma grande fotografia, no máximo “10 x15”, ou se ja, abarca uma
pequena parce la da cidade, de um de seus aspectos, pois, com o
ve remos, não rep resenta todo o municíp io. Ma s não se pode negar a
importância de descre ve r os fenômenos compro vadamente va riá veis do
portu guês do Brasil no ma ior número e dive rsidade d e comunidades.
Esperamos que a realiza ção desta pesqu isa contribua para uma melhor
caracte rização e compreensão do fenômeno de concord ância ve rbal de
terce ira pessoa do plural no po rtu gu ês do Brasil, juntamente com os
demais traba lhos que já compõem um conjunto referencial sobre o
2 FUND AMENT AÇ ÃO TEÓRIC A
T he e xist ence of variatio n an d h eterog eneo us
structures in the s p eech commun ities in ve stig ated is certain ly we ll esta blished in f act. It is th e e xistenc e of any other t ype of spee ch c ommunit y that ma y b e
pla ced in do ubt. (LA BOV, 1972, p. 2 03)3.
2.1 Teoria da variaçã o e mudança
Dois do s principais modelo s teóricos da Lingü ística
contemporânea, a Gramática Ge rativa e a Sociolin gü ística, su rgem no
final da década de 50 e no in ício da década de 60, re spectivamente,
em contraposição ao modelo teórico então hegemônico na Lin gü ística
até meados de 1950: o Estrutu ra lismo .
Nosso estudo está sendo realizado com base nos princípio s
teóricos da “Teoria da Varia ção e Mu dança Lin gü ística ” (W EINREICH,
LABOV e HERZOG, 1968; LABOV, 1972, 1994, 2001). Para esse
modelo, a nature za va riá vel da lín gu a é um pressuposto fundamental,
que o rienta e sustenta a obse rvação, a descrição e a in terpreta ção do
comportamento lin gü ístico. A concep ção de lín gua co mo um sistema
hetero gêneo constitui o ponto crucial da ruptura episte mológica que a
Teoria da Varia ção e Mudança Lin gü ística ope ra em rela ção ao modelo
estrutu ralista, como vem e xp resso em seu te xto fundador:
Mu ito a ntes d e se poder esbo çar teor ias pred it iva s da muda nça ling ü ística, s erá ne cess ário apren der a ver a líng ua – seja de um ponto de vist a diacr ôn ico
sincrôn ico – c omo um objeto co nstitu íd o de
heterog ene id ade ord enad a.
Os f atos da hetero g eneid ade, at é ag o ra, não s e harmon izaram b em com a a bordag em e strutural da
líng ua. (W EINREIC H, LA BOV e H ER ZOG, 2006,
p.35).
Segundo Paiva e Duarte (2006), o p onto de ruptura e stabelecido
por W einreich, Lab ov e He rzo g, em relação aos modelo s dia letoló gicos
3
anterio res e ao s modelos estrutura listas vigente s na época, está na
concepção de língua como um sistema hetero gê neo ordenado,
condição " para o e studo da mudança lingü ística. A aná lise
da va ria ção é pertinente, na medida em que esta é inte rpretada como
uma condição ind ispensáve l pa ra ente nder a mudança lin gü ística.
W einreich, Labov e Herzog, no final do texto
+ ,$ - $ , de 1968, exp licitam
algumas coordenad as teóricas sob re a nature za da mudança lin gü ística
que podem ser tomadas como centra is para sua p roposta:
1.A mudan ça ling ü ística n ão d e ve ser ide ntif icad a com deriva a le atória proced ente da varia ção inere nt e na f ala. A mu dan ç a ling ü ístic a come ç a q uando a
g eneraliza ção de u ma alter nânc ia par ticu lar n um
dado su bg rupo da comun idad e de f ala toma uma direç ão e a ssume o caráter de uma dif erenc iaçã o ordena da.
2.A asso ciação entr e estrutura e h omo g eneid ade é
uma ilusã o. A estrutura ling ü ístic a inc lu i a
dif erenc iaçã o orden ada dos f alante s e dos estilo s
através de reg ras q ue g overnam a variação n a
comun idad e de f ala ; o d om ín io do f alante n ativo sobre a líng ua inc lui o c ontro le d esta s estruturas heterog êne as.
3.Nem to da variab ilid ade e heterog e neidad e n a
estrutura ling ü íst ic a imp lica mu danç a ; mas toda
mudança imp lica var iab ilidad e e heter og ene ida de. 4.A g enera lizaçã o d a mudanç a ling ü ístic a atra vés d a
estrutura ling ü íst ica não é un if orme nem
insta ntâne a; e la en volve a co varia ção d e muda nça s assoc iad as durant e substan ciais per ío do s de tempo, e está r ef letida na dif usão d e isog loss as por áreas do esp aço g eog ráf ico.
5.As g ramáticas em q ue ocorre a mudanç a
ling ü íst ica são g ra máticas da c omun id ade d e f ala. Como a s estrutur as var iá ve is co ntidas n a líng ua são determin adas por f unções soc ia is, os idio leto s n ão of erecem a ba se para g ramátic as a u tônomas ou intern amente co ns ist entes.
6.A muda nça ling ü ística é tra nsmit ida dentro d a
comun idad e como um todo; não está conf inada a
etapas d iscr etas dentro da f am ília. Quaisq uer
desco ntin uidad es encontra das na mudan ça
ling ü íst ica são os produtos de d es continu ida des
espec íf icas de ntro da c omun ida de, ma is do q ue os produtos ine vitá ve is do laps o g eraciona l entre pa is e f ilhos.
aspecto, nã o import a q uão bem c onstru ídas, f alh arão em e xp licar o ric o volume de r eg ular ida des q ue p od e
ser obs er vad o nos e studos em p ír icos do
comportamento ling ü íst ico. (W EINREIC H, LABOV e HE RZOG, 2006, p. 1 25 126).
Para Lucchesi (20 04), os princíp ios empíricos do te xto permitem
nos re solve r a o posição pa rado xa l entre e strutura e mudança. A
mudança lin gü ística não é vista com o exterior ao siste ma, mas parte
inte grante do seu caráter no rmalmente hetero gêneo.
Como se pode observa r, a variação é sistemática, não a leatória e
constitu i uma ca ra cterística intrínse ca da lín gua e fonte da mudança.
Os estudos rea liza dos por Labo v tê m como principa l caracte rística a
análise de d iscu rsos concretos, ob jetivando de scre ver a gramática
efetiva de uma determinada comunidade lin gü ística, bem como
depreender a s relações entre pad rõ es lin gü ísticos e socia is. Pa ra
Labov (1972 ), o termo “socio lingü ística” é redundante, uma ve z que
não se pode conce ber uma lin gü ística que não se ja so cia l:
T his t ype of resear ch has somet imes b een lab elle d
as “soc io ling uist ics” , altho ug h it is a some wh at
mislead ing use of an odd ly red un dant term.
Lang uag e is a f orm of social b eha vior... (p. 183)4.
A Socio lin gü ística atua nas fronteira s entre lín gua e sociedade,
focalizando os e mpregos concreto s da lín gua. Os fenômenos de
va ria ção lin gü ística são condicionad os, não só por fatores inte rnos à
estrutu ra lin gü ística, mas também por fatores e xtralingü ístico s, de
nature za so cia l, ligados ao p róp rio falante e à situação em que a
comunicação se p rocessa.
Em qua lque r comunidade de fala, independentemente de se u
tamanho, há uma va ria ção consid erá vel entre os indivíduo s: as
mulheres não fala m como os homens, os a vós falam de modo diferente
dos filhos e dos netos, e assim po r diante. A lém disso, mesmo os
indivíduo s conside rados em sua sin gula ridade não estão limitados a
uma única va riedade da lín gua. Sab emos que a rede social de um
4
indivíduo, constitu ída pelas pessoa s com quem esse in divíduo inte ra ge
nos dive rsos dom ínios sociais, também é um fator determinante das
caracte rística s de seu repertó rio so ciolin gü ístico. A ssim, os falantes
adquirem as va riedades lin gü ísticas p róprias à sua re gião, à sua cla sse
socia l, etc.
De uma perspectiva ge ral, podemo s descre ver a s variedades
lin gü ística s a pa rtir de do is pa râmetros e xtra lin gü ísticos básicos: a
va ria ção geo gráfica (ou d iatópica ) e a variação so cia l (ou diastrática).
A va riação geo gráfica ou diatópica está re lacionada às diferença s
lin gü ística s distribu ídas no espaço físico, observá ve is en tre falantes de
origens geo gráfica s distintas. A varia ção socia l ou dia strática, por sua
ve z, re laciona se a um conjunto de fatores que têm a ver com a
identidade dos falantes e também com a organ ização sociocu ltu ral da
comunidade lin gü ística.
Dos possíve is fatores e xternos (e xtralin gü ístico s) pe rtinentes ao
estudo da va ria çã o, os que mais tê m sido d iscutidos são o estilo de
fala, o gênero, a idade, a escolarida de, a profissão, a classe socia l, a
re gião ou zona de residência e a orige m do falante.
Incorpo rando a va riação na descriçã o e na teoria lin güística s,
Labov (1972) introduz algun s con ceitos teó rico metodológico s de
extrema impo rtância para nossa pe squ isa. Segundo o autor, tod o
sistema lin gü ístico é dotado de um conjunto de re gra s que não podem
ser vio ladas, so b pena de dificultar ou mesmo in viabilizar a
compreensão dos enunciados. A esse conjunto de leis inte rnas se
costuma dar o nome de . (i.e . regras lingü ística s que
sempre se aplica m). Mas, a lém das . , e xistem em
abundância as * – conceito que é utilizado pa ra
substitu ir a no ção de re gra opcional do Estrutura lismo, na medida em
que não p ressupõe va riação livre, ma s, sim, sistemática.
Segundo Monteiro (2000), as primeiras intenções de se delimita r
o campo da sociolingü ística foram infrutíferas, pois nem mesmo Bright
(1966) e Fishman (1972), que foram os pioneiros, conse guiram defini la
com precisão. Ma s, a respe ito da va ria ção livre, Fischer e Bright
“Variação livre” é n aturalme nte uma de nomin ação e não um a e xplanaç ã o, po is n ão nos mo stra a or ig em das var iante s e nem porq ue os f alantes as usam em proporçõ es diverg en tes. A variaçã o livr e é, antes, um meio d e se e xc lu ir tais q uestões d a esf era da pesq uis a imed iat a. (FISC HE R, 197 4).
... os soc io ling üistas rompem incisivame nte com um a tendên cia ling ü íst ic a: a de tratar as líng uas como
sendo c ompletamen te unif ormes, homog êneas o u
monolít icas em sua estrutura; sob e ste ponto d e vista, q ue vem s end o reco nhec id o at ua lmente como pern icioso, a s d if erenças e nco ntradas no s háb itos de
f ala de uma comu nid ade er am encob ertas como
“var iaç ão livre”. U ma das maiores taref as da
socioling ü íst ica é d emonstrar q ue na ver dad e tal
var ia ção ou diver sid ade não é “ livre”, mas
correlaciona da a d if erenças s oc ia is s istemát icas.
(BRIGHT , 1974).
As formas lin gü ística s em variação em uma determinada
comunidade de fala são denominadas . Estas são
definidas como formas alternativas d e se dize r a mesma coisa, em um
mesmo contexto. Embora sejam idênticas em seu va lo r referencial, a s
va rian tes podem opor se quanto ao seu significado socia l e/ou
estilístico. Ao co njunto de va riantes dá se o nome de *
. Assim, a concordância ve rbal no portu gu ês do Brasil
constitu i p recisamente uma * , ou uma *
que abran ge duas : a presença ou a ausência de
concordância.
Como podemos perceber, a socio lingü ística não aceita a visão da
va riab ilidade como um fato aleatório e insiste na nece ssidade de um
contro le sistemático e empírico dos fatores estrutura is (inte rnos) e
socia is que motiva m o uso de uma ou outra va riante.
De acordo com Neve s (2001), um dos dois grandes marcos de
altera ção da histó ria da conside ração da gramática (e, por e xtensão,
da norma), no Ocidente, ligado ao desen volvimen to da ciên cia
lin gü ística , foi o aparecimen to dos estudos variacionista s
(sociolin gü ística ), que passa ram a vincula r pa drões a usos, us os a
registros, re gistros a eficácia, com isso obtendo re ve rter a a valiação,
Tal como não se pode falar de “inferioridade ” ou “supe rioridade ”
entre lín guas, ma s apenas de , não se p ode falar de
inferioridade ou superio ridade entre as variedades geográfica s ou
socia is. Como ocorre em re lação às lín guas, cad a va riedade é
adequada às necessidades e ca racte rística s do grupo a que pertence o
falante, ou à situação em que a fala ocorre: todas elas são, pois,
igualmente válidas como instrumentos de comunicação; também não há
nenhuma evidência lingü ística que permita afirmar que u ma va riedade é
mais “ló gica ” que qualque r outra. Sã o sistemas lin gü ísticos igua lmente
comple xos, ló gicos, estrutu rados.
A homogeneidade lin gü ística é um mito, que pode ter
conseqüên cia s grave s na vida social. Pensa r qu e a diferença
lin gü ística é um mal a ser errad icado justifica a prática da exclusão. É
importante enfatizar que, do ponto de vista da qualid ade lin gü ística,
todas as varieda des se equ iva lem: lin gü isticamente não há uma
va riedade melhor, mais bonita, mais co rreta do qu e a outra. No
entanto, algumas ve zes aconte ce que a diferença se transforma em
discrim inação e as pessoas que não falam de acordo com a va riedad e
padrão passam a ser alvo de pesados preconce itos socia is.
É cla ro que os primeiro s lin gü istas perceberam e ssa va ria ção,
mas eles se inclin aram a desqua lificá la, por entender que se trata va
de um fato margina l e sem conse qüên cias, ou mesmo co mo um estorvo
atra vessado no caminho das boas descrições. Hoje, d e acordo com
Trask (2006 ), “reconhecemos que a va ria ção é uma parte inte grante e
2.2 Contribuiç ões da Sociolingüística
E videnteme nte, o reconh ecim ento do PB como
heterog êne o, uma conjunç ão d e f alar es soc ia l e
g eog raf icamente dif erenc iad os, antece d e e em muito
estudos bas ead os nos postu lad os de W LH. A
ino vaçã o poss ib ilitada pe los a ut ores está
exatamente no te rmo “ordena da”, q ue p ermite
atribu ir à variaçã o um caráter s istemático e
controlado q ue até então lhe f ora neg ado. Cab e ao
ling üista ente nder, descre ver e e xplicar essa
sistemat ic ida de, de preend er os padr ões q ue a
g overn am. (PAIV A e DUART E, 200 6, p.13 3)5.
No Brasil, vivemos em uma área total de 8.511.965 Km2 e somos
uma população de apro ximadamente 180 milhões de habitantes, o que
torna a d ive rsidade lin gü ística ine vitáve l. A liás, num territó rio be m
menor seria ine vitáve l, pois o prin cípio da hetero geneidade pode ser
constatado em todos os n íveis lin gü ístico s em todas as lín guas
naturais.
Sendo assim, cab e perguntar qua l é o papel da Socio lingü ística
em nosso pa ís, te ndo em vista sua especificidade, qu e é estudar as
relaçõe s e xistentes entre sociedade e língua, bem como as influências
que a quela e xerce sobre esta.
De acordo com Ilari e Basso (200 6), a variação e xiste, que r
gostemos d isso, quer não. Mas há muita gente pa ra qu em esse fato é
um problema: essa s pessoas se sensibilizam com a va ria ção diastrática
e tendem a achar que falar uma variedade diferente da va riedade
padrão é um problema sério pa ra a sociedade e para quem o faz.
Sempre que isso acontece, a língua torna se u m ve ícu lo de
preconce itos e e xclusões, uma função na qual, infelizm ente, pode ser
extremamente eficaz. Os estudos sociolin gü ísticos têm mostrado que a
va ria ção não é de maneira alguma a leatória. Ao cont rário, é altamente
estrutu rada. A abordagem quantitativa re volu cionou o estudo da lín gua,
demonstrando qu e o comportame nto lin gü ístico é ainda mais
fortemente estrutu rado do que se havia su speitado anterio rmente.
5
No ensino trad icio nal de Lín gua Portuguesa, ele gem se o correto
e o inco rreto como critério único no tratamento da va riação , o que,
longe de ter qu alque r re spaldo em fenômenos intrin secamente
lin gü ístico s, enco ntra justificativa em determinações de natureza
socia l.
Como, em gera l, a variedade padrão é imposta como referencia l
exclusivo pa ra todas as circunstân cias de interação, n egligenciam se
as e xperiências cultu rais vivenciadas especia lmente pelo aluno
pro vindo de cam adas margina lizad as. De um ângu lo estritamente
lin gü ístico , cria se uma espécie de conflito entre a lín gua de fato
ensinada na esco la, como referencia l e xclusivo, a va rie dade padrão, e
a va riedade que o aprendiz domin a, de acordo co m sua origem
sociocu ltu ral.
De acordo com Mattos e Silva (200 4), se o p rofessor tive r uma
formação sociolin gü ística ade quada , o que acontecerá com uma
minoria, terá de trabalhar, po r e xem plo, com a va riaçã o da sinta xe nas
suas aulas e sab er, na maioria da s ve zes de maneira in tuitiva e
tentativa, já que n ão há materiais prontos para isso, d efinir o que se rá
o uso lin gü ístico socia lmente aceitá ve l para que seu s alunos não
fracassem no curso de sua futura vida profissio nal em nossa
sociedade. A ssim, entre as variantes sintática s em con vívio nas falas
brasileiras, o professor terá de distingu ir, pelo menos, as
estrutu ralmente m ais sa liente s e socialmente mais estigmatizada s,
para, sem despre stigiar as se gund as, selecionar ambas, a fim de
treina r o uso forma l falado e os usos escritos de seus a lunos.
Nessa perspe ctiva, o ensino da va rie dade padrão continua a se r
um deve r da escola e um direito do aluno, mas nã o precisa se r
necessariamente substitutivo e, por isso, não implica a errad icação das
As f ormas a lternat ivas d e e xpress ão pod em con viver harmon iosame nte n a sala d e a ula; cab e ao prof essor
o bom se nso d e discr iminá las a d eq uadamente,
f ornecendo ao a lu no as ch a ves para ele perceb er as dif erenças d e va lor socia l e ntre as var ied ades q ue lhe p ermitam dep ois selec ionar a mais adeq uada ,
conf orme as e xig ênc ias das cir cun stâncias da
interaç ão. O sistem a esco lar tem um pape l po lít ico rele vante a des emp enhar q ue é o de estend er às camadas marg ina liz adas o ac esso a to dos o s be ns
simbó licos, de ntre os q uais se inc lu i
ind ub ita ve lmente o aces so à varied ade padr ão.
(CA MA CHO, 200 4, p . 59).
Aí está a grande contribuição que os estudos sociolin gü ístico s
sobre o portuguê s brasileiro pode rão dar para uma efetiva “virada” no
ensino da L ín gua Portu guesa no Brasil.
Labov, no artigo “/ $ ( " / $” de
1965, comenta algumas dire trizes pa ra a pe squisa sob re os p roblemas
da escola e con clui que, em muitos dos prob lemas, os esforços
conjuntos de lin güistas, cientistas socia is e educad ores se farão
necessários. Pa ra o autor, o método tradicional tem sido registrar o s
“erros” que os a lu nos fazem na sala de aula e, e viden temente, isto é
importante e deve ser feito. De acord o com suas idéias, os professores
em toda e qualque r pa rte do sistema escola r podem a ju dar o lin gü ista,
fornecendo lhe u ma tabela quantitativa dos “erros” gramatica is e
le xicais que o s alunos fa zem no traba lho escrito ou ora l. Para
interp retar tais “erros”, certamente é necessário realiza r uma descrição
exata da forma da lín gua padrão, e ta mbém mostrar que os desvio s não
são conside rados e rro s, e sim tole rado s como variação a ceitá vel.
Em outro estudo, “ $ 0 -”, de 1972 (
SOARES, 2004 ), Labov mostra que o fracasso esco lar de pe ssoa s
desfavore cidas e conomicamente não resu lta va de deficiência
lin gü ística tra zida de seu grupo so cial, como se acred itava, e sim por
dificuldades da p rópria instituição e scola r em lidar co m as diferenças
lin gü ística s, p rio rizando apenas as formas conside radas padrão ,
dominadas pelas crian ças de cla sses favo recidas. Labov reje ita
completamente o conceito de “deficiência lin gü ística”, que conside ra
afirmação de que as crian ças do s gueto s vivem nu m conte xto de
“privação lin gü ística”, onde re cebem pouca estimula ção ve rbal, ou vem
uma lingua gem mal estrutu rada e, por isso, tornam se lingüisticamente
deficientes, é inteiramente falsa.
Soares (2005 ) discute a decisiva contribu ição de Labov na
desmistifica ção da deficiência lin gü ística mostrando que:
É ao soc io ling üista norte amer ican o W illiam L abo v
q ue se d e ve a m ais pod erosa e f undamenta da
contestaç ão da te or ia da def iciênc ia lin g üístic a e a
mais dec is iva compr ovaçã o de q ue &
. (SOAR E S, 2005, p. 4 3).
Além da contrib uição para o ensino, outras taref as cabem à
Sociolin gü ística. No estudo intitu lado “Brasile iro fala portuguê s:
monolin güismo e preconce ito lin gü ístico ”, Olive ira (2002) afirma que ,
no nosso caso, p ro duziu se o conhecimento de que no Brasil se fala o
portu guês, e o desconhecimento de que muitas outras línguas foram e
são igualmente faladas. Para compreendermos a questão, é preciso
cita r alguns dados: no Brasil de hoje, além do Portu guê s, são falados
por vo lta de 200 id iomas. As nações indígenas do pa ís falam cerca de
170 lín guas, e as comunidades de descendentes de imigrantes outras
30 lín guas. Somos, portanto, como a maioria dos paíse s do mundo –
em 94% dos pa íse s do mundo é fala da mais de uma língua – um pa ís
de muitas lín gua s, plurilín güe.
Hamel (2003, OLIVEIRA, 200 3) afirma que um enfoque
amplo e interdiscip lina r da política da lin guagem poderia se enriquecer
com um conjunto de estudos provenientes da Sociolingüís tica, da
Análise do Discurso, da An trop ologia e da So ciolo gia, pa ra
compreender melh or como a política funciona em relaçã o a questões da
lin gua gem e para identificar o e xe rcício dos dire itos lin güístico s. (grifo
nosso).
Como se vê, a lín gua se ap resenta como uma entidade
hetero gênea; ou seja, ela é composta por um conjunto de va riedade s.
Tomando por base a lín gua portu gue sa, podemos falar em variedades
fatores de ordem social e cu ltura l. A lém disso, no território b rasile iro ,
co e xistem muitas lín guas diferentes. Assim, do nosso ponto de vista,
cabe à Sociolin gü ística (e creditamos tal tarefa também à dialeto lo gia ),
em nosso pa ís, de scre ver e analisa r, de forma sistemática, a va ria ção
aqui e xistente, de monstrando de qu e forma os fatores socia is influem
sobre ela . De ve ainda ve rifica r o social a que sã o submetidas as
va rian tes (positivo ou negativo ), bem como determina r se as va riante s
3 O UNIVERSO DESTE ESTUDO
Nesta Se ção apre sentamos o unive rso de nossa pesquisa : em que
conte xto socia l e geográfico foi estud ado o fenômeno variá ve l e quais
foram os proce dimentos metodológicos adotados para que a
in vestigação fosse desenvo lvida. Dessa forma, organ izam os a presente
Seção em duas p artes, cada uma contemplando um dos aspectos
referidos a cima.
3.1 O quadro s ocial e geográ fic o do estudo
Nenh uma ação ed u cativa p ode presc in dir de uma ref lexã o so bre o h omem e de uma a nális e sobr e suas c ond içõ es cu lt urais. Não há educ a ção f ora das socieda des huma na s e não há home ns iso lad os. O homem é um s er d e ra ízes espaç o te mporais. De f orma q ue ele é, n a e xpre ssão f eliz de Marc el, um ser “situa do e tempo ralizad o”.
Pau lo Fre ire
A pesqu isa foi realizada com a lín gua falada de uma comunidade
periférica da cidad e de São Carlo s, localizada no inte rior do Estado de
São Paulo. É importante ressa ltar que os informantes escola rizados
eram concluinte s d o ensino fundamental (8ª série) na EJA (
' ( )6.
As informações re lativas à cidade, à comunidade estu dada e à
EJA constituem o “background” para a definição do no sso de
análise e de várias das nossas h ipóte ses. É o que ve rem os a se guir.
6
3.1.1 Considerações s obre a cida de de São Carlos7
M a p a 1 7 L o c a l i z a ç ã o d o M u n i c í p i o d e S ã o C a r l o s n o E s t a d o d e S ã o P a u l o
F o n t e : S ã o C a r l o s ( 2 0 0 5 )
M a p a 2 7 Sã o C a rl o s e m u n i c í p i o s v i z i n h o s
F o n t e : Sã o C a r lo s ( 2 0 0 5 )
7
Localizada no centro geo gráfico do Estado de São Paulo, a
cidade de São Carlos possu i ca racte rística s especiais qu e a tornam um
local de desta que sob vá rio s aspectos. Segundo os dados do
012 )333, São Carlo s conta com uma população de 192.998
habitantes, sendo 9.565 na área ru ra l e 183.433 na á re a urbana. Uma
pesqu isa mais re cente, realizada pe la + / (4 , mostra que a
população de São Carlos em 2005 é d e 213.314 habitantes.
A cidade surge no conte xto da expan são da la voura cafeeira, que
é marcante nas últimas décadas do século XIX e nas dua s prime iras do
século XX. A che gada da ferro via em 1884 propicio u um sistema
eficiente para e scoar a produ ção para o porto de Sa ntos e deu um
grande impulso ao desen volvimento da economia da re gião. A ferro via
também contribuiu para que a área ce ntral da cidade se firmasse como
local de de sta que político e econômico.
Nas últimas décad as do século XIX ocorreu o fenômeno social
que mais influência deixou na re gião central do Estado d e São Paulo: a
imigra ção. São Carlos recebeu im igra ntes alemães tra zidos pelo Conde
do Pinhal em 1876 e, de 1880 a 1904, o município foi um dos principais
pólos atrativos de imigrantes do Estado de São Pa ulo. A grande
maioria de les e ra originária das re giões setentriona is da Itália. Os
imigrante s vinham para trabalhar na s la voura s de café e, graças às
suas habilidades, a tuavam também na manufatura e no comércio.
O seto r industria l d esen volveu se também a partir de oficinas que
serviam às p lantações de café. A fabricação de máquina s de
beneficiamento, sapatos, adubos, ferragens, mó veis, macarrão e
charutos, assim co mo as alfaiatarias, cerveja rias, fundições, serrarias,
tecela gem, uma indústria de lápis e olarias marcam a economia de São
Carlos no s anos 3 0. Nas décadas de 50 e 60 a indúst ria so lid ifica se
com a in stala ção de fábricas de geladeiras, compre ssores, trato res e
uma grande quantidade de empresas pequenas e médias, fornecedoras
de produtos e se rviços.
Na se gunda metade do século XX, a cidade re cebe um grand e
impulso pa ra o se u desen volvimento tecnoló gico e educaciona l com a
vincu lada à Un ive rsidade de São Paulo (USP), e, na década de 70, com
a criação da Unive rsidade Fede ral de São Carlos (UFSCar).
O vigo r acadêmico, tecnoló gico e in dustrial conferiu à cidade o
títu lo de Capital da Tecnologia. Suas unive rsidades e centros d e
pesqu isa são re conhecidos pe la excelência e diversidade. A
Unive rsidade de São Paulo (USP) e a Un ive rsidade Federal de Sã o
Carlos (UFSCar) oferecem ensino gratu ito e de qualidade e já
incorpo ra ram à história de São Ca rlo s suas contribuiçõ es à ciência e à
capacitação profissional de milhare s d e alunos.
Diante da concentração de unive rsidades e centros de pesqu isas,
São Carlo s apresenta grande concentra ção de cientistas e
pesqu isado res: um pesquisador douto r para cada 230 habitantes e um
pesqu isado r para cada 42 habitantes.
Se nas últimas décadas do século XIX hou ve a imigração, nas
últimas dé cadas atuais oco rreu um outro fenômeno social: a migração.
Muita s pessoa s vieram de outras regiõe s do Brasil em busca de
melhores condiçõe s de vida. A grande maioria dessas pessoas vive
hoje na pe riferia de São Carlos, cuja população é, ge ralmente,
constitu ída de tra balhadores rura is, que não deixam de representa r
uma face do desen volvimento rural no meio urbano. Foi numa
comunidade periférica com essa s caracte rística s qu e a presente
pesqu isa foi rea liza da.
3.1.2 Considerações s obre a comunidade estudada
Imag ens importada s de uma rea lidad e alh eia, q ue vã o toman do f orma, enco brin do antig as e orig ina is q ue, apesar de tu d o, ain da se re vela m. Ao jeito caracter ístic o do po vo d o inter ior, seu s costumes, sua vocaç ão para o trato com a terra, aos pouc os, va i se mesc lan do uma no va ident ida de, molda da pelas dema ndas e ape los d o d ito des en vo lvimento urbano.
Cidad e Arac y, um bairro relativamen te no vo n a
histór ia de S ão Carlos, situ ado no lim it e do n úcleo urbano com a áre a rural da c id ade, q ue represe nta bem esta rea lidad e.
Com o pro cess o de mecan ização d a produ ção
dis pens a d e mão de obra e o cre scim en to industr ia l
reg istrado nos últ imos a nos, os b airros mais
perif érico s da cid ade reg istraram um g rande
crescime nto, d e vido mesmo a e sta p op ula ção, q ue
mig rou do campo para a c ida de e m busca de
empreg o. Na Cida de Ara c y, horta s nos q uintais,
g alin he iros, b ois e vacas pastan do den u nciam tanto a pro ximid ade c om “a roça”, q uanto à or ig em de sua popu laç ão.
Como na ma ior ia d os ba irros pobr es nas g rande s cid ades – os cham ados b airros de p erif eria – a paisag em na Cidad e Arac y ref lete um a ocu paçã o desord ena da q ue ocorreu, e co ntin ua oc orrendo, em ritmo ace lera do, se m q ue ao pass o se dê a inf ra estrutura ad eq uada.
Casa s s imp les, m uitas inac aba das. O tip o d e
construçã o ref lete o ba ixo p oder aq uis itivo da
popu laç ão. São esca ssas a ltern ativas d e ser viç os d e
saúde, e duca ção e la zer. Merca dos , q uitandas,
açoug ues, p adar ias , f armácias e b ar es, muitos
bares. O comércio atende h oje, princ ipa lmente, a produtos de pr imeir a necess id ade, mas c omeça a se diversif icar.
Mas, como na s g randes c ida des, a pe rif eria aq ui
também transb ord a intim ida de n as relações,
solid arie dad e. A os f ins de sema na a s ru as f ervilham , ocupam se tod os o s campos impro vis ado s de f utebo l e mesas de sinuc a n os bar es. H á cr ian ç as corre ndo,
solta ndo pipas, brincand o em mont es de are ia.
Mu lher es n as c alç adas, c on versan do e f azend o
crochê. O ba irr o cresc end o, h omens nas
construçõ es. Hora de co n voc ar os vizin hos para
encher a laje, h ora das cr ian ças ajudar em a g uardar tijolos. Hora do cu lt o em uma das inúm eras ig rejas evang élic as q ue pr olif eram no bairro, h ora da mis sa na ig reja católica. H ora de reun ião, os moradores se org anizam em uma assoc iaç ão de ba irro q ue disc ute
e encaminha a o poder púb lico os p roblemas e
reivind ic açõe s q ue julg am prior itár ias. [...]8
Em relação à população que reside na comunidade, tomamos aqu i
como base as vinte entre vista s re alizada s po r nós e, também, o
relató rio de abril d e 2006 de uma pesqu isa censitá ria. Essa pesquisa
censitá ria foi so licitada pe la Secre taria Mun icipal de Educação d a
Prefeitura de São Carlos/SP, com o objetivo de identificar demandas
em educação e co nstru ir indicadore s socia is mín imos p ara subsidia r o
planejamento de políticas públicas para a re gião. A comunidade
8
estudada compree nde os bairros Cidade Aracy 1, Cidade Aracy 2,
Antenor Garcia e Presidente Collor. Foram realizadas 4.006 entrevista s
e o número total de moradores indicados foi de 15.6 04, distribu ído s
pelas 4 regiões.
Mais de 42% das famílias vieram de outras re giões do Estado de
São Paulo ou de outros Estados. É possíve l ve rifica r que questões
relacionadas à moradia, ao empre go, enfim, à condição de vida, são o s
principais fatores que impulsionaram grupos familia res a deixa rem seu
local de origem. A s dificu ldades neste processo de migração não se
encerram quando o s retirante s “en con tram” um lu ga r para se fixa rem. A
maior parte das famílias sofre as conse qüência s da economia
excludente, sob re vivendo do emprego informal e de ajudas de
entidades assisten ciais ou de vo luntá rios.
A População Econo micamente Ativa (e ntre 16 e 60 anos de idade )
– PEA – foi mensurada em 9.432 moradores, sendo que 2.683 estão
desempregado s, sugerindo um índice médio de desempre go de 28,4%.
Ou seja, a cada 100 pessoas aptas a trabalha r, quase 30 estão
desempregada s. Os dados apontam, também, um índ ice alto de
desemprego estrutural, pois mais de 42% dos desemp re gados e stão
nessa condição há mais de 3 anos.
Um aspecto importante a destacar é acerca do papel de chefe de
família que muitas mulheres che gam a e xercer. Tal da do acompanha
uma tendência na cional. Se gundo o s dados da UNICEF (2000
MARINI, 2003 ), referentes à estrutura da família bra sileira, du rante a s
décadas de 80 e 9 0, pode se nota r u m crescimento re la tivo nas família s
formadas por mulher sem cônju ge mo rando com os filho s (19,0%), que
é explicado por fatores como a participação feminina no mercado de
trabalho, a transformação de valo res tradicionais qu e apontavam o
casamento como o modelo de vida mais adequado à mulher, etc. Na
comunidade estud ada, muitas mulh eres trabalham fora de ca sa,
principalmente na prestação de serviço, como domésticas e faxine iras.
Também não descartam a colheita e o plantio na zona rura l e o
ainda se apresenta como referência centra l da casa e do cuidado das
crianças.
Geralmente, sendo compostas por vá rias pessoas, as famílias se
reúnem numa mesma casa. São poucos os cômodos que abrigam pai,
mãe e filhos, e ain da outros membros ligado s a um ou o utro p ro genito r.
Pode se d ize r que o tamanho médio d as famílias e stá associado à su a
situação socioecon ômica. As famílias de menor poder aquisitivo são ,
normalmente, mais numerosas do qu e aque las que po ssuem melho r
padrão socioeconô mico.
Para ilustrar a condição de fra gilidade socioecon ômica da
população da comunidade, a pesquisa censitá ria rea lizada tra z u m
dado bastante sign ificativo : há 120 do micílios sem gelad eira e 240 sem
tele visão.
O n íve l de e scolaridade dos a dultos da comu nidade é
extremamente baixo, sendo que h á os que nun ca freqüentaram a
escola. Pa ra muitos profissionais d a educação, tal f ato ge ra uma
desvalo rização da escola por pa rte da criança, mas, po r outro lado, há
uma superva lo riza ção da escola por parte dos pais, qu e a vêem como
possib ilidade de melhora de vida de seus filhos.
O índ ice ge ral de analfabetismo apontado na comunidade foi de
9%, qua se 60% maior do que o índice de analfabetismo do municíp io
(5,64% IBGE/200 0). Mas é pre ciso e nfatiza r que é o an alfabetismo da
população com mais de 60 anos que puxa esse índice para cima. Hoje,
muitos jo vens e adultos que não tiveram a cesso à escola re gula r
cursam, à no ite, o ensino supletivo , denominado EJA (
' ( ).
Para Ma rin i (2003), torna se re le vante dizer que a perpetuidade
socia l da crença na desorgan ização de família s de periferias urbanas
não deve se r cred itada apenas às leituras e inte rpreta ções “errôneas”,
a que semp re está sujeita a esco la , mas às próp ria s condições que
A mig ração, a ba ixa esco lar ida de, a ba ixa renda, são alg uns d os f enôme nos soc ia is q ue e x plicam su as
trajetórias. Por é m, antes de denominá la
desorg an izad a p ela sua mod alid ade de org anizaç ão,
é preciso desc ob rir em q ue consiste ess a
diverg ência, de q ue maneir a se org aniza e o q ue a tip if ica. ( MA RINI, 20 03, p.76).
Assim como nas fave las do Ca rombé, zona no rte de São Paulo ,
comunidades estu dadas por Rodrigues (1987), pude mos perceber,
também na comunidade focalizada neste estudo, que as pessoas
acabam tendo uma forma de vid a mais ou menos padronizada,
correspondente a trabalho no decorrer da semana e pouco ou nulo
la zer nos finais de semana. Mu itas d essas pe ssoas vão constituir um
exten so grupo de usuário s de uma variedade popu lar o u não padrão ,
estigmatizada , qu e se torna, ela mesma, um indicador da classe
socioeconômica a que pe rtencem.
3.1.3 EDUC AÇ ÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BR ASIL (um pouco de
história )9
A histó ria da EJA no Brasil mostra que o analfabetismo ,
concebido como causa e não como conseqüência da situação
socioeconômica, p olítica e cultu ral do país, le gitimou a visão do
analfabeto como marginal e incapaz, como um adulto criança,
irresponsá vel, incapaz de tomar d ecisões e lementares e, portanto ,
incapa z de contrib uir na reso lução d os problemas nacionais (PAIVA ,
1983).
O período de 195 9 a 1964 é consid erado como um “p eríodo de
lu zes” para a Edu cação de Adultos, por confrontar velhas idé ias e
preconce itos com a busca da reno vação dos métodos e pro cesso s
educativos. Incorp orando o pensamento de Paulo Freire, discutia se a
necessidade de se entender que a educação da população adulta
deve ria p repará la para participa r ativamente da vida po lítica do país.
9
Dessa forma, a Ed ucação de Adulto s passou a se r reconhecida como
um poderoso instrumento de ação política que tinha, também, o papel
de resgata r e va loriza r a cu ltu ra popular.
O go lpe militar de 1964, como não po deria de ixa r de ser, rompeu
com os mo vimentos de educa ção e re sgate da cultu ra popula r
existente s, reprimindo ações de na ture za po lítica e programas de
educação de adultos que contraria vam os interesse s impostos pelo
re gime milita r. Co mo alternativa ao s baixo s n íve is de escola ridade
existente s no país, sem contudo igno rar os inte resses h egemônico s do
modelo socioeconô mico implantado, foi criado o Mo vim ento Brasile iro
de Alfabetização (MOBRAL ).
Foi nessa época que os pesquisadores Miriam Lemle e Anthony J.
Naro desen volve ram um estudo da lín gua falada pelos aluno s do
MOBRAL do Rio de Janeiro , com vistas à ve rificação de pontos de
discrepância ou de diferenciação entre a varied ade de lín gua
portu guesa utiliza da por e sse grup o social e a varie dade de lín gua
escrita de níve l jorna lístico e da literatu ra conte mporânea mais
acessíve l.
Porque na fala do grupo so cia l a que pertenciam os alunos do
MOBRAL a conco rdância do ve rbo com o sujeito era um fenômeno
va riá vel, Lemle e Naro pude ram utiliza r o aparato teórico metodoló gico
da Teoria da Va ria ção e Mudança L in gü ística que in trod uziu o conce ito
de regra va riá vel. Ao fazer isso, mostraram a importância de
estabelece rem, pa ra uma re gra variá vel, os fatore s lin gü ístico s e
extra lin gü ístico s que favorecem ou re freiam a escolha p or uma ou outra
va rian te.
Vale lembra r que os autores con clu íra m que o estudo da regra de
concordância ve rb al pro va a necessidade de se introd uzir, no modelo
de funcionamento sincrônico da gramática, o conce it o de :
uma regra gramatical se rá mais ou menos aplicada, d ependendo da
saliên cia dos efeitos pro vocados. Quase trinta ano s se passa ram e
ainda não vemos a grande con tribuição desse s lin güistas nas no ssas
gramáticas e, muito menos, nos nossos livros didáticos. Isso nos
professores de portu guês que ditam regras na TV e nos jornais e a
baixa popula ridade dos lin gü istas, cu ja missão de re gistrar a s formas
em va riação não é compreendida por muitos inte lectua is.
A ruptura simbólica com a política de EJA do período militar deu
se com a e xtinção do MOBRAL que, estigmatizado co mo modelo de
educação domesticadora e de ba ixa qua lidade, já n ão encontra va
condições po lítica s de aciona r co m eficácia os mecanismos que
utiliza ra anterio rmente, motivo pelo qual foi subst itu ído , em 1985, pela
Fundação Nacional para Educação de Jo vens e Adu ltos – Educar.
Em março de 1990, como parte de um “pacote” de medidas qu e
visa vam a “en xu gar” a má quina ad ministrativa e a retira r subsídios
estatais, o go ve rno de Collo r e xtinguiu a Fundação Educar. Esta
medida repre sento u um marco no p rocesso de desce ntralização da
escola rização básica de joven s e adultos, tran sferindo diretamente a
responsab ilidade pública do s pro gramas de alfabetização e pós
alfabetiza ção de jo ven s e adulto s da União pa ra os municíp ios.
Dessa forma, no âmbito das políticas públicas educacio nais, após
a extinção da Fun dação Educar, o gove rno federal, que sempre foi o
principal a rticulado r das in iciativas d e Educação de Jo ven s e Adultos,
ausentou se, crian do um enorme vazio em termos de política para o
setor. Para sup rir este vá cuo, alguns estados e municíp ios, ou mesmo
organiza ções da sociedade civil, têm assumido a respo nsabilidade de
oferecer pro gramas na área de EJA, mas a oferta está longe de atender
à demanda existente.
Muita s dessa s expe riência s ganharam con sistência e
enriquece ram o modelo de alfabetização conscientizadora dos anos 60,
incorpo rando a visão de alfabetizaçã o como um pro ce sso que e xige
continuidade e se dimentação. Elas impulsiona ram a realização de
vá rio s estudos e, a inda hoje, se rvem de referência para a realiza ção de
3.2 Procedime ntos metodológicos da pesquisa
In any ac adem ic co urse that dea ls with research in the sp eech commun ity, th ere is alwa ys a g reat de al of interest in the f ir st steps to b e tak e n: “W hat do yo u sa y to p eop le ? ” T his is not a trivial q uest ion. (LABOV, 1 972, p. 20 7)10.
Nesta se gunda pa rte da Seção, mais técnica , apresen tamos o
, a maneira como foi a coleta e a seleção dos dados, bem como
os grupos de fatore s lingü ísticos e sociais.
3.2.1 O sob análise
A amostra utiliza da é constitu ída de 20 entre vistas entre
informante e docu mentador (DID)11. Estamos traba lhand o com quatro
célula s, sendo cada célula formada de 5 informantes, de modo a
ga rantir a rep rese ntatividade da amostra. São cinco h omens e cinco
mulheres que esta vam terminando o e nsino fundamental na EJA e cin co
homens e cinco mu lheres não alfabetizado s.
Abaixo temos a distribuição dos informantes se gundo
escola ridade e gên ero:
10
“ Em q u a lq u e r c u r s o a c a d ê m ic o q u e s e o c u p a c o m p e s q u is a n a c o m u n i d a d e l in g ü í s t ic a , s e m p r e e x is t e u m g r a n d e i n t e r e s s e s o b r e a s p r im e ir a s e t a p a s a s e r e m r e a l i za d a s : “ O q u e v o c ê d i z à s p e s s o a s ? ” . Es s a n ã o é u m a p e r g u n t a t r i v i a l. ” ( L A BO V, 1 9 7 2 , p . 2 0 7 , t r a d u ç ã o n o s s a ) .
11
gênero
escolarida de Homens Mulhe res Total
não alfabetizado s 5 5 10
8ª série EJA 5 5 10
Total 10 10 20
De vido ao tempo limitado para desen vo lve r a pesquisa (2 anos),
não pudemos inclu ir no nosso traba lho diferentes faixa s etárias, pois
teríamos que aumentar muito a nossa amostra. Apen as para te rmo s
uma idéia, vejamos como ficaria se fôssemos trabalha r com dois grupo s
de faixa etá ria d iferente:
Gênero Escolarida de Idade
1. Mascu lino não alfabetizado 15 a 29 anos 2. Mascu lino não alfabetizado 30 a 45 anos 3. Mascu lino 8ª série EJA 15 a 29 anos 4. Mascu lino 8ª série EJA 30 a 45 anos 5. Feminino não alfabetizada 15 a 29 anos 6. Feminino não alfabetizada 30 a 45 anos 7. Feminino 8ª série EJA 15 a 29 anos 8. Feminino 8ª série EJA 30 a 45 anos
Para cada uma da s oito cé lulas, te ríamos de ter um m ínimo de 5
informantes, ou seja, uma amostra com 40 informantes, o dobro da
nossa. Portanto, n o que conce rne à faixa etá ria, estabelecemos um
reco rte: de 20 a 40 anos.
Mas não podemos deixa r de destacar a importância dessa
va riá vel nos estudo s socio lin gü ísticos. É possível rea lizar um estudo da
mudança mediante a observação do comportamento lin gü ístico de
falantes em dive rsas faixas etá rias. É a perspe ctiva que se
No c aso de você pr ever um caso de var iaç ão q ue j á projete uma muda n ça dentro d o siste ma, o f ator
f aixa etária é de e xtrema impo rtância. Na
imposs ib ilidad e de f azer um estud o long itud ina l (um acompan hament o do s f alantes des de a a dolescê nc ia até a ida de madura) sobre a variá ve l, a amostrag em da comun ida de em grupos etár ios d if erentes lhe dar á a dimen são pr ocura d a. (T ARALLO, 200 2, p. 47).
Segundo Paiva e Duarte (2006 ), W einreich, Labo v e Herzo g
(1968) rompem com as fronteiras entre sincronia e diacronia. O
entrelace dos do is eixo s pe rmite, então, um passo teórico importante:
as e vidên cias da variação sin crôn ica passam a const ituir um e xce lente
laborató rio pa ra a compreensão de mudanças já completadas,
ocorridas no pa ssa do.
3.2.2 A cole ta dos da dos
T he eleme ntar y ste ps of locat ing an d contact ing
inf ormants, and g e tting them to talk f reely in a
recorded inter vie w, are f ormid ab le p roblems f or
students. It is an err or f or anyon e to pa s s o ver thes e q uestions, f or in th e pract ice s a nd tec hniq ues tha t ha ve b een work ed out are embod ied ma ny importa nt princ ip le s of ling uist ic and s ocia l beha vior. (LABO V, 1972, p. 20 7)12.
As entre vistas co m os informantes foram realizada s p or nós de
modo que se apro ximassem da lín gu a falada do dia a dia. De a cord o
com Rodrigues (19 87), o p roblema que se co loca ao p esqu isado r que
pretende recolhe r amostras do ve rná culo de qualque r comunidade a
que e le não perten ce é e xatamente o da dificuldade de se transformar
num “igua l lin gü ístico” com relação ao seu informante. Essa dificuldade
foi expre ssa por L abov, po r meio do que ele denominou “parado xo do
observado r”:
12
... the aim of ling uistic rese arch in the communit y must be to f ind out ho w peo ple ta lk when th e y are not being systemat ically obs er ved; yet we can on ly
obtain these d ata by s ystemat ic obser vat io n.
(LABOV, 1 972, p. 20 9)13.
Se o objetivo da pesqu isa no se io da comunidade é descobrir
como as pessoas falam quando não são observadas sistematicamente,
a mera presença do entrevistado r com o seu gravado r pode afetar o
do informante. Assim, o pesquisado r terá de agir com
cautela, pa ra redu zir ao má ximo o s efeitos do chamado 5
.
Para Labo v (1972), os c ontextos va riam quanto ao níve l de
formalidade: e . Já os estilos podem ser de três tipos,
dependendo do contexto : se o conte xto for informal, o estilo de fala
será , se o conte xto for formal, o estilo de fala poderá se r
ou 6 .
Conte xt: Informal Formal
Style: Casual Ca reful/Spontaneous
Segundo Labo v, o idea l para o estudo lingü ístico é a fala
utilizada em situações cotid ianas: “ -
-- $ 7 $ $
%$ $ $ - % $ $ % 7 8 9 % $ $ 7
$ ” (19 72)14. Este constitui o que Labov denomina
, ou seja , a fala do dia a dia d as pessoas, usada em situaçõe s
informais, em que a atenção não está vo ltada pa ra a lin guagem.
No entanto, toda observa ção sistemática de um falante, como é a
situação de uma entre vista, condicio na um conte xto formal, em que o
13
“ . . . o o b j e t i vo d a i n v e s t i g a ç ã o l i n g ü í s t ic a n a c o m u n i d a d e d e ve s e r d e s c o b r ir c o m o a s p e s s o a s f a l a m q u a n d o n ã o e s t ã o s e n d o s is t e m a t ic a m e n t e o b s e r va d a s ; c o n t u d o n ó s s o m e n t e p o d e m o s o b t e r e s s e s d a d o s m e d ia n t e a o b s e r v a ç ã o s is t e m á t ic a . ” ( L A BO V, 1 9 7 2 , p . 2 0 9 , t r a d u ç ã o n o s s a ) .
14
grau de atenção vo ltado ao discu rso é maior. Por isso, d iversas
técnica s foram utilizada s com o objetivo de suscitar o na
situação de entre vista.
Resumimos, assim, os nossos dois desafios: minimiza r a o máximo
os efeitos do chamado 5 e, dessa forma,
consegu ir um na situação de entrevista. Para isso, no
decorre r da s nossas le itura s, reco lhemos um bom número de con selho s
a respeito de como agir frente à comunidade.
Adotamos vários p rocedimentos, sen do que mu itos de les foram
exp licitado s por Rodrigues (19 87), Be rlinck (1 988) e pe lo s
pesqu isado res do Projeto Filolo gia Bandeirante (1998 Pereira,
2004). Todos se ba searam em Labov (1972):
a) não dissemos a o informante que se trata va de uma pesqu isa sob re
lín gua, mas sim de uma pesquisa sob re aspectos sociais e cultura is da
comunidade;
b) as entre vistas a conteceram na p ró pria comunidade: n as residências
ou na escola a li e xistente;
c) não se guimos um roteiro fixo d e perguntas, mas partimos da s
informações já colhidas na fase do preenchimento da ficha social.
Dessa forma, orientamos o diá lo go para temas de inte resse do
informante, ligados à sua rotina de vida, obtendo assim um conjunto
significativo de na rrativas pessoais.
d) buscamos nos a comodar à lin gua gem do informante, minimizando as
diferenças de sua fala com re lação à do seu inte rlocu tor.
O sucesso na obtenção da informalidade nas co nve rsa s é
evidenciado nas longas histórias co ntadas pelo s inf ormantes. Como
muitos são m igran tes e já traba lharam na roça, o s a ssuntos foram
diversos: na rrativa s sobre sua e xpe riência de vida, religião, filhos,
família, pobre za, d esigualdade so cia l, políticos, t ransporte, lu z elétrica,
água encanada, acesso a se rviços mé dicos e à e sco la, etc.
Segundo Tarallo (2002), a narrativa de e xperiência p essoal é a
suas e xpe riên cia s pessoais mais en volventes, ao co locá las no gêne ro
narrativa, o informante desvencilh a se p raticamente de qualque r
preocupação com a forma.
Antes de inicia rmos a gra va ção da entre vista, como já
mencionamos, pre enchíamos uma ficha com as ca racte rísticas so cia is
do informante. Esses p rimeiros momentos foram de extrema
importância, po is procurá vamos de ixar o informante mais à vontade ,
num clima bem d escontra ído e de confiança. Sempre dizíamos que,
dentre muitos, ele (a) tinha sido o (a ) e scolh ido(a ), po is sabíamos que se
comunica va bem e era uma pessoa que tinha muita s informações a
respeito da comu nidade. Essa estratégia foi muito válida, po rque a
maioria se sentiu importante e privile giado em conceder a entre vista.
Da mesma forma que muitas estra té gias dão certo, outras, em
determinadas entrevista s, não funcionam. Labov (19 72) orienta o
pesqu isado r a toca r em assuntos que deixem o informante emocionado:
W e can also in vo lve the subj ect in q u estio ns an d topics whic h recr eat e strong emotions h e has f elt i n the past, or in vo lve him in ot her co nte xts. (L ABOV, 1972, p. 20 9)15.
Tivemos um caso em que a informante começou a chorar por
demais e p recisam os inte rromper a gra vação. Quando retomamos, foi
difícil de se re compor e o clima já n ão era o mesmo. É claro que o
in verso oco rre co m mais fre qüência: uma informante, por e xemplo, se
emocionou muito lembrando da morte da sua mãe, trá gica po r sina l, e
isso a le vou a um a lto grau de de scontração.
Uma outra su gestã o dada por Labov (1972) é em relação ao tema
“perigo de morte”: “: - % $ - %
9 ?”16. Segundo Tarallo (2 002), Labov
pro vou esta se r uma questão efica z durante a coleta de narrativas de
15
“ P o d e m o s t a m b é m e n v o l v e r o i n f o r m a n t e e m q u e s t õ e s e t e m a s q u e p o s s a m r e p r o d u zi r e m o ç õ e s i n t e n s a s q u e e le v i ve u n o p a s s a d o , o u e n v o l vê l o e m o u t r o s c o n t e x t o s . ” ( L A B O V , 1 9 7 2 , p . 2 0 9 , t r a d u ç ã o n o s s a ) .
16