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Ferenczi e a experiência da Einfühlung.

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Academic year: 2017

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RES UMO:Preten de-se acom pan h ar o desenvolvim en to do pen sa-m en to psican alítico de San dor Feren czi cosa-m relação ao tesa-m a da

em patia (Einfühung) . E ainda situar a contribuição ferencziana com

relação às posições freu dian as e fren te ao con texto da atu al valori-zação das experiên cias in tersu bjetivas n os debates clín icos e teóri-cos em psicanálise.

Palavras - c h ave : Ferenczi, em patia, intersubjetividade.

ABSTRACT: Ferenczi and the experience of Einfühlung. This article in-tends to follow the developm ent of Sandor Ferenczi’s

psychoanalyti-cal thought concerning the them e of em pathy (Einfühlung) . It also

intends to situate the Ferenczian contribution to Freudian concep-tio n s in th e face o f th e co n text o f th e cu r ren t valo rizaconcep-tio n o f intersubjective experiences in the clinical and theoretical debates in psychoanalysis.

Ke y w o rds : Ferenczi, em pathy, intersubjectivity.

N

o co n tato co m u m outro, p o sso m e su r p reen d er, ser traum atizado, ter experiências de estranham ento ou de fam iliaridade; posso “pensar” e “sentir” o outro a partir de m inha im agem e sem elhança ( projeções) ; posso m im etizá-lo na tentativa de ser com o “ele”; posso sentir o peso e a atração de processos transferenciais e contratransferenciais; posso es-tar envolvido por identificações projetivas e contra-identifica-Psicanalista,

professor doutor, pesquisador e orientador dos cursos de graduação e pós-graduação do Instituto de Psicologia da USP.

Ne ls on Ern e s to Coe lh o Ju n ior

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ções projetivas; posso sofrer e produzir diferentes m odalidades de processos identificatórios, posso, enfim , ser constituído pelo outro ou constituí-lo, ou vivenciar processos de m útua constituição. Essas diferentes form as de experiên-cia têm sido foco de interesse de m inhas pesquisas nos últim os oito anos.1

Algum as perguntas perm anecem e insistem : Com o posso conhecer o outro? Com o posso entendê-lo? Com o conhecer um outro eu em sua radical alteridade sem “ in stitu í-lo” seja por com paração, por an alogia, seja por projeção ou introjeção, ou ainda por processos de fusão afetiva? É preciso considerar que estas últim as são todas form as que excluem a possibilidade do reconhecim ento do outro em sua diferença, em geral reduzindo o outro a m im m esm o, ou con-cebendo sua existência à m inha im agem e sem elhança. Trata-se aqui de questões sobre form as de relação, com unicação e conhecim ento entre um eu e um outro que podem ser tom adas com o exercícios epistem ológicos ( de com o conhece-m os o que conhececonhece-m os) , fortalecendo assiconhece-m uconhece-m interesse histórico e teórico, m as que deveriam im plicar, principalm ente, um a dim ensão clínica e ética ( que lugar o outro ocupa em m inha vida, de que m aneira m e relaciono com ele, quais as conseqüências, para um outro, de m inhas falas e ações) . Questões, portanto, que entendo fundam entais para a clínica psicanalítica, m as que na m aior parte dos autores centrais da história da psicanálise não chegaram a m erecer um trata-m ento trata-m ais elaborado. Pretendo trata-m ostrar, a seguir, as fortrata-m ulações de Sandor Ferenczi e o debate que estabeleceu com algum as das posições freudianas m enos reconhecidas sobre o tem a. Procurarei, tam bém , dar especial atenção às passa-gens dos textos em que Ferenczi valoriza as experiências psíquicas que rem on-tam a conteúdos que nunca foram conscientes ( ou pré-conscientes) anteriores, portanto, à com preensão verbal.

Vale lem brar, ainda nessas considerações introdutórias, que investigações fi-losóficas contem porâneas a Freud sobre o problem a da em patia possuíam um a dim ensão acim a de tudo epistem ológica, com o por exem plo na obra de Husserl.2

1 Em pesquisas anteriores, realizadas entre 1997 e 2002, foram criadas as bases para os aspec-tos centrais da investigação m ais específica que apresento aqui. Venho procurando estabelecer um a conceituação ao m esm o tem po m etapsicológica e psicopatológica que viabilize novas pesquisas e concretize a afirm ação de um cam po de estudo que privilegie o diálogo crítico entre a filosofia e a psicanálise. Boa parte das idéias desenvolvidas nas pesquisas anteriores já está publicada ( Cf. Coelho Junior, 1999a, 1999b, 2000a, 2000b, 2000c; Coelho Junior et al.,2000; Figueiredo & Coelho Junior, 2000: Coelho Junior, 2002a, 2003a, 2003b; Coelho Junior & Figueiredo, 2003) .

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Ou seja, a pergunta por detrás do tem a da em patia ( e tam bém do com plexo cam po da intersubjetividade) podia ser resum ida em “Com o é possível conhecer um outro?”, ou até: “O outro existe, um outro existe, ou só possui existência a partir da consciência que possuo dele?” A filosofia do século XX viu estes tem as receberem sucessivas vezes um tratam ento ontológico ( com Heidegger e Merleau-Ponty, por exem plo) e um tratam ento ético ( com Lévinas) . Por outro lado, deve-se reconhecer que nos dedeve-senvolvim entos psicanalíticos realizados a partir das obras de Freud e Ferenczi, passando por trabalhos com o os de Winnicott e Kohut, até alcançar as contribuições m ais recentes dos psicanalistas da escola relacional, a experiência e o conceito de intersubjetivdade e tam bém o de em patia puderam assum ir diferentes dim ensões e conotações, à m edida que seu uso pôde ser m ais evidenciado, questionado e debatido.3

FREUD E A NOÇÃO DE EIN FÜ HLU N G4

A experiência do “sentir com ” ( tradução literal do alem ão Einfühlung) já aparecia designada pelos gregos em seu vocábulo empatheia, origem de nossa expressão ‘em patia’, indicando a enigm ática possibilidade de estar dentro, estar presente, viver com e com o o outro o seu pathos, paixão, sofrim ento e doença. Indicando ora a possibilidade de projetar de m odo im aginativo sua consciência e, assim , apreender o objeto contem plado, ora a capacidade de com preender os sentim en-tos e os pensam enen-tos de um outro, colocando-se ‘em seu lugar’, a em patia pos-sui m últiplas inserções na filosofia, na literatura e na história dos estudos estéti-cos e psicológiestéti-cos.

Em bora tenha passado despercebido para a m aioria dos leitores, Freud fez em seus textos um uso significativo do vocábulo em patia (Einfühlung) , com o já bem dem onstrou Pigm an ( 1995) em seu artigo “Freud and the history of em pathy”. Desde o livro sobre os chistes ( 1905) , encontram os no texto freudiano as m arcas de sua fam iliaridade com a Einfühlung.No texto de 1913, “Sobre o início do trata-m ento” , Freud considera central a experiência da Einfühlung para o trabalho terapêutico. Sugere que o estabelecim ento de processos transferenciais está con-dicionado à capacidade do analista em adotar um a posição em pática ( curiosa-m ente, na edição espanhola deste texto, a palavra alecuriosa-m ã Einfühlung é traduzida por

3 Cf. Coelho Junior & Figueiredo, 2003, sobre os desdobram entos da noção e da experiência da

intersubjetividade na filosofia, na psicologia e na psicanálise, a partir das seguintes dim ensões: a) intersubjetividade interpessoal; b) intersubjetividade intrapsíquica; c) intersubjetividade traum ática; d) o solo transubjetivo.

4 Para um levantam ento do uso da noção Einfühlung em autores que influenciaram Freud, com o

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“actitud... de cariñoso interés y sim patia” e na tradução inglesa, por “standpoint... of sym pathetic understanding”) .5

Em carta datada de 4 de janeiro de 1928,6 Freud apresenta a Ferenczi, critica-m ente, sua posição quanto à icritica-m portância da ecritica-m patia na clínica psicanalítica. Co-m entando uCo-m artigo que Ferenczi acaba de lhe enviar, Freud reconhece que suas recom endações técnicas ( textos de 1911-15) eram essencialm ente negativas:

“Eu considerava que o m ais im portante a ser enfatizado era o que alguém não

deve-ria fazer, dem onstrar as tentações que trabalham contra a análise. Quase todas as coisas positivas que alguém poderia fazer eu deixava ao ‘tato’, que foi introduzido por você. Mas o que eu consegui com isso foi que os obedientes não se deram conta da elasticidade dessas dissuasões e se subm eteram a elas com o se fossem tabus. Isso

precisaria ser revisto em algum m om ento, sem , evidentem ente, revogar as obriga-ções.” ( FREUD & FERENCZI, 2000, p.332)

Um pouco m ais abaixo, Freud apresenta seus receios quanto aos usos que Ferenczi parece sugerir para o “tato” e para a capacidade de em patia (Einfühlung) que deve sustentá-lo: “Por m ais verdadeiro que seja o que você tem a dizer sobre o ‘tato’, essa adm issão parece-m e ainda m ais questionável nessa form a. Todos aqueles que não possuem tato verão nisso a justificativa de um a arbitrariedade, ou seja, de um fator subjetivo, ou seja, a influência de seus próprios com plexos incontidos” ( idem ) . Freud conclui suas recom endações e críticas de form a enér-gica: “Regras sobre essas atitudes, evidentem ente, não têm com o ser feitas; a experiência e a norm alidade do analista serão fatores decisivos. Mas deve-se, então, despojar o tato de seu caráter m ístico para os iniciantes” ( idem ) . As reco-m endações de Freud não poderiareco-m ser reco-m ais claras, revelando, do reco-m esreco-m o reco-m odo, seus m ais profundos receios. Com o se sabe, as prescrições e reprim endas de Freud não foram suficientes para inibir as incursões ferenczianas por um dos m ais delicados cam pos da técnica e da teoria psicanalíticas.

Freud claram ente reconhece o uso clínico da em patia, m as se isso poderia nos levar a pensar em um a atribuição de sentido de ordem m ais afetiva ou em o-cional para essa noção ( com o o fará Ferenczi) , não é o que prevalece. No conjun-to de sua obra, a em patia (Einfühlung) possui um sentido predom inantem ente cognitivo. A em patia revela, para Freud, processos que fazem com que possam os

5 Cf. Freud, 1913 “ Zur Einleitung der Behandlung” , in Studienausgabe, Ergánzungsband, p.199; Bi-blioteca Nueva, v. II, p.1672; Standard Edition, v. 12, p.139-140.

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com preender um outro ser hum ano através de um a capacidade cognitiva de nos colocarm os em seu lugar, consciente ou inconscientem ente.

Sobretudo nas duas últim as décadas do século XX, o debate entre Freud e Ferenczi com relação às questões técnicas envolvidas no trabalho analítico recebe o olhar interessado de vários psicanalistas ( com o por exem plo, BARANDE, 1972; SCHNEIDER, 1988; BERGMAN, 1996; GIAMPIERI-DEUTSCH, 1996; HOFFER, 1996) . Para Hoffer ( 1996) , por exem plo, as proposições freudianas revelam um a concepção assim étrica e autoritária da relação analítica, em oposição às concep-ções dos últim os textos de Ferenczi, que revelavam um autor inclinado a privile-giar a m utualidade, a igualdade e a sim etria entre analista e paciente. A despeito das conseqüências sugeridas por Hoffer, seguram ente um pouco caricatas ( a posição patriarcal, intelectualista e autoritária de Freud e o m ovim ento fraternal, afetivo e igualitário de Ferenczi gerando m odelos distintos para o desenvolvi-m en to da técn ica an alítica con tedesenvolvi-m porân ea) , n ão resta dú vida qu e a ten são estabelecida entre as posições conflitantes de Freud e Ferenczi nos obrigam a um a retom ada histórica e conceitual para não nos verm os aprisionados em defe-sas sim plistas e em ocionalm ente com prom etidas com esta ou aquela form a de trabalho clínico.

As idéias que apresentarei a seguir revelam algum as das diferentes concep-ções sobre aspectos intersubjetivos e em páticos no contexto analítico, desenvol-vidas por Sandor Ferenczi entre os anos de 1918 e 1932. Procurarei acom panhar os textos de Ferenczi do m odo o m ais próxim o possível, citando-o sem pre que necessário, para m anter as intenções de um artigo histórico-crítico e para, ao m esm o tem po, desvelar a proposição ética da concepção clínica de Ferenczi.

FERENCZI, A EMPATIA E A INTERS UBJETIVIDADE:

QUES TÕES PARA ALÉM DA TÉCNICA

Muito já se escreveu sobre as inovações técnicas introduzidas por Ferenczi no cam po da psicanálise. O que ainda pode causar surpresa para m uitos de nós, fam iliarizados com os textos iniciais de Freud sobre a técnica psicanalítica ( 1912-1914) , é encontrar essas inovações nos textos de Ferenczi publicados não m uito tem po depois e em plena convivência com o que pode ser considerada a ortodo-xia psicanalítica. Em bora procurasse se m anter bastante próxim o de Freud, Ferenczi acabava constantem ente revelando idéias e concepções técnicas que aos poucos passaram a afastá-lo do cam inho preconizado por Freud.

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p.357) . A fidelidade não é apenas aparente: “Não se deve, sob nenhum pretexto, tolerar qualquer exceção a essa regra e é im prescindível esclarecer, sem indul-gência, tudo o que o paciente, seja qual for a razão evocada, procura subtrair à com unicação” ( FERENCZI, 1919/ 1992, p.357) . Até aí nada de novo. Na seqüên-cia do texto, ele tratará da form a com o o analista deve responder a perguntas form uladas pelos pacientes, do papel do ‘por exem plo’ na análise e, o que m ais nos interessa, do ‘dom ínio da contratransferência’. Ferenczi aponta que o psica-nalista “não tem m ais o direito de ser, à sua m oda, afável e com passivo ou rude e grosseiro na expectativa de que o psiquism o do paciente se adapte ao caráter do m édico”( FERENCZI, 1919/ 1992, p.365) . A form a de apresentar essa prescrição, no entanto, já revela o olhar atento de Ferenczi para as sutilezas da percepção e as em oções vividas pelo analista em seu trabalho:

“Mas sendo o m édico, não obstante, um ser hum ano e, com o tal, suscetível de hu-m ores, sihu-m patias e antipatias e tahu-m béhu-m de íhu-m petos pulsionais — sehu-m uhu-m a tal sensi-bilidade não poderia m esm o com preender as lutas psíquicas do paciente — é

obri-gado, ao longo da análise, a realizar um a dupla tarefa: deve por um lado observar o paciente, exam inar suas falas, construir seu inconsciente a partir de suas proposições e de seu com portam ento; por outro lado, deve controlar constantem ente sua própria atitu de a respeito do pacien te e, se n ecessário, retificá-la, ou seja, dom in ar a

contratransferência.” ( Freud) ( FERENCZI, 1919/ 1992, p.365)

Feren czi, acom pan h an do Freu d, defen de qu e o an alista dom ine a con tratransferência m as, desde então, a porta estará aberta para a investigação do com -plexo cam po das experiências intersubjetivas na situação analítica, justam ente porque Ferenczi explicita que o analista tem com o instrum ento fundam ental de com preensão da experiência psíquica do paciente um a “sensibilidade”. O texto term ina com o seguinte parágrafo:

“A terapêutica analítica cria, portanto, para o m édico, exigências que parecem con-tradizer-se radicalm ente. Pede-lhe que dê livre curso às suas associações e às suas

fantasias, que deixe falar o seu próprio inconsciente; Freud nos ensinou, com efeito, ser essa

a única m aneira de aprenderm os intuitivam ente as m anifestações do inconsciente,

dissi-m uladas no conteúdo dissi-m anifesto das proposições e dos codissi-m portadissi-m entos do paciente. Por outro lado, o m édico deve subm eter a um exam e m etódico o m aterial fornecido, tanto pelo paciente, quanto por ele próprio, e só esse trabalho intelectual deve

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não é exigido em nenhum outro dom ínio da terapêutica: um a liberdade e um a m o-bilidade dos investim entos psíquicos, isentos de toda inibição.” ( FERENCZI, 1919/ 1992, p.367)

Seria difícil colocar de form a m ais elegante o que é exigido do analista em seu trabalho. Definir o trabalho do analista com o um a oscilação perm anente entre o livre jogo da im aginação e o exam e crítico, em 1919, é, sem dúvida algum a, um passo à frente não apenas em term os técnicos, m as tam bém quanto à concepção das form as de com unicação entre os sujeitos que constituem o cam -po analítico.

No texto de 1921, “Prolongam entos da ‘técnica ativa’ em psicanálise”, Ferenczi apresenta com todo cuidado as razões para a introdução de variações na técnica analítica, deixando claro que essas m udanças lim itam -se a poucos casos, com o por exem plo, certas form as de histeria de conversão. Percebe-se ao longo do texto sua cautela para não distanciar-se das idéias de Freud, contendo ao m áxim o seus im pulsos de m udança e, por que não, de ação. Mas, com o reconhece Barande ( 1972) , apesar de todos os esforços de Ferenczi em apontar as restrições que precisavam ser consideradas com relação à técnica ativa, “a constatação do des-m edido continuava a se aplicar à ‘atividade’” ( p.171) . Edes-m seu esforço para clarear o cam po em que a técnica ativa se justificaria, Ferenczi sugere ser possível reco-nhecer conteúdos psíquicos inconscientem ente patogênicos, de períodos m uito precoces e que nunca foram conscientes ( ou pré-conscientes) , e que teriam sua origem no que ele denom ina “período dos ‘gestos incoordenados’ ou dos ‘gestos m ágicos’, portanto da época anterior à com preensão verbal” ( FERENCZI, 1921/ 1993, p.125) . Para Ferenczi, esses conteúdos não têm com o “ser rem em orados m as som ente revividos no sentido da repetição freudiana” ( FERENCZI, 1921/ 1993, p.125) . Desta form a, procura estabelecer as características da técnica ativa, que para ele desem penharia apenas “o papel do agente provocador, cujas injunções e inter-dições favorecem repetições que cum pre em seguida interpretar ou reconstituir nas lem branças” ( FERENCZI, 1921/ 1993, p.125) . E, citando Freud, lem bra que é “um a vitória da terapêutica quando se consegue libertar pela via da lem brança o que o paciente queria descarregar pela ação”. Com isso, conclui o texto afirm ando que “a técnica ativa não tem outra finalidade senão revelar, pela ação, certas ten-dências ainda latentes para a repetição e ajudar assim a terapêutica a obter esse triunfo um pouco m ais depressa do que antes” ( FERENCZI, 1921/ 1993, p.125) .

Conhecendo-se as discussões atuais em torno dos enactments e acting outs,7 na esteira dos desenvolvim entos técnicos “pós- identificação projetiva”, não é m

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to difícil reconhecer Ferenczi, com o já o fez André Green, com o o pai de grande parte da psicanálise contem porânea. A atenção para experiências psíquicas que rem ontam a conteúdos que nunca foram conscientes ( ou pré-conscientes) , ante-riores à com preensão verbal, fazem de Ferenczi o patrono de discussões técnicas que até hoje nos incitam e fazem pensar. Para ele, em alguns m om entos, a atitude de provocar um a ação era a alavanca necessária para que pudesse haver posterior elaboração, lado a lado com um a atitude de estreita sintonia com a experiência em ocional do paciente para m elhor equalizar tem poralm ente tais intervenções que favorecessem o andam ento da análise. Mas, cuidadoso, Ferenczi sem pre insis-tiu que “nas m ãos de um novato, a atividade poderia facilm ente conduzir a um retorno aos procedim entos pré-psicanalíticos da sugestão e das m edidas autoritá-rias” ( FERENCZI, 1926/ 1993 p.365) . E, referindo-se a enganos e problem as en-frentados no uso da técnica ativa, reafirm a que “as nossas instruções ativas não devem ser, segundo a expressão de um colega a quem analisei, de uma intransigência estrita, m as de um a flexibilidade elástica” ( FERENCZI, 1926/ 1993, p.368) .

Por fim , ainda nesse texto de 1926, “Contra-indicações da técnica ativa”, Ferenczi é acom etido de um furor filosófico e desenvolve argum entação direta-m ente ligada ao tedireta-m a da edireta-m patia e da intersubjetividade, que edireta-m bora direta-m uito extensa, m erece ser citada na íntegra:

“...na realidade nunca se pode chegar à ‘convicção’ pela via da inteligência, que é um a função do ego. O solipsism o constitui a últim a palavra, logicam ente irrefutável, da pura intelectualidade do ego sobre a relação com outros indivíduos; segundo essa teoria, nunca se pode colocar no m esm o plano a realidade dos outros seres hum anos

ou do m undo externo e as próprias experiências pessoais; pode-se som ente conside-rar os outros com o fantasias m ais ou m enos anim adas ou projeções. Portanto, quan-do Freud atribuiu ao inconsciente essa m esm a natureza psíquica que se experim enta com o qualidade do próprio ego, ele deu um passo na direção do positivism o que, do

ponto de vista lógico, é presum ível m as não poderia ser dem onstrado. Não hesito em assim ilar essa identificação e as identificações que sabem os ser a condição das trans-ferências libidinais. Ela conduz finalm ente a um a espécie de personificação ou de concepção anim ista de todo o m undo circundante. Considerando sob o ângulo

lógi-co-intelectual, tudo isso é de natureza ‘transcendente’. Ora, nós som os levados a subs-tituir esse term o de ressonância m ística por expressões com o ‘transferência’ ou ‘am or’, e a afirm ar afoitam ente que o conhecim ento de um a parte da realidade, talvez a m ais im portante, não pode converter-se num a convicção pela via intelectual m as som ente

na medida em que ela estiver em conformidade com a vivência afetiva. Apresso-m e a acrescentar, a

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ciência. Sinto-m e pessoalm ente convertido ao positivism o freudiano e prefiro ver em vocês, que estão sentados diante de m im e m e escutam , não representações de m eu ego m as seres reais com os quais posso identificar-m e. Sou incapaz de dem onstrá-lo logicamente mas se, apesar de tudo, estou convencido disso, devo-o a um fator emocional

— se assim quiserem — à transferência.” ( FERENCZI, 1926/ 1993, p.374-375)

Poucos fenom enólogos ou adeptos da contem porânea psicanálise relacional teriam sido capazes de escrever passagem tão convincente em defesa da expe-riência intersubjetiva. De qualquer form a, é preciso destacar aqui a definição que Ferenczi nos dá do fenôm eno transferencial, ou seja, um fator em ocional. Recusa o prim ado da comunicação de ego a ego, a partir de representações, e afirm a o prim ado de processos identificatórios apoiados em um fator em ocional. Afirm a, com todas as letras, que convicções, em term os da experiência analítica, não são conquistas intelectuais, m as sim conhecim entos que devem ser atribuídos à con-cordância entre um a parte da realidade e a vivência afetiva. Está preparado o terreno para as últim as incursões de Ferenczi pelo plano da técnica e da ética psicanalíticas.

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Aqui aparece toda a com petência clínica e teórica desenvolvida por Ferenczi. Afinal, não se trata de endeusar um a capacidade de em patia, que nada produziria sozinha em um trabalho analítico. Mas tam pouco e trata do oposto: Ferenczi afirm a que a atividade de julgam ento “anuncia-se, de tem pos em tem pos, de um m odo inteiram ente espontâneo, sob a form a de sinal que, naturalm ente, só se avalia prim eiro com o tal; é som ente com base num m aterial justificativo suple-m entar que se pode, enfisuple-m , decidir usuple-m a interpretação” ( FERENCZI, 1928/ 1992, p.32-33) . E, antecipando-se criticam ente a um a das m ais cristalizadas caracterís-ticas de alguns m odelos pós-freudianos da técnica psicanalítica, Ferenczi reafir-m a que “ser parcireafir-m onioso nas interpretações, ereafir-m geral, nada dizer de supérfluo, é um a das regras m ais im portantes da análise; o fanatism o da interpretação faz parte das doenças de infância do analista.” ( FERENCZI, 1928/ 1992, p.33)

Por outro lado, para não deixar dúvidas de que realm ente procurava seguir as prescrições de Freud e de que, de form a nenhum a poderia ser julgado com o um ingênuo voluntarioso, Ferenczi, quase no final do texto afirm a: “a única base confiável para um a boa técnica analítica é a análise term inada do analista. É evi-dente que num analista bem analisado, os processos de ‘sentir com ’ (Eifühlung) e de avaliação, exigidos por m im , não se desenrolarão no inconsciente m as no nível pré-consciente”( FERENCZI, 1928/ 1992, p.36) . Ou seja, antes de valorizar a Eifühlung com o a m arca do inefável, que teria sua origem nas profundidades de u m in son dável in con scien te, Feren czi cr iter iosam en te situ a a possibilidade em pática de um analista ( diríam os ‘bem analisado’) no nível pré-consciente. Entendo que, assim , Ferenczi acaba por fortalecer um a com preensão dos proces-sos em páticos a partir de relações entre percepções e afetos que não pertencem nem ao plano das representações conscientes nem ao plano das representações ‘localizadas’ no sistem a inconsciente, propriam ente dito.

Nos textos do Diário clínico encontrarem os, ainda, m uitas afirm ações decisivas para nosso tem a. Nas notas de 17 de janeiro de 1932, que receberam o título “A análise m útua e lim ites de sua aplicação”, Ferenczi relata questões técnicas que acabam por im plicar em algum as confissões do analista para o paciente sobre seus estados afetivos e sobre certas atitudes transferenciais e contratransferenciais e, ao final, escreve:

“Agora, algo de ‘m etafísico’. Muitos pacientes têm a sensação de que um a vez atingi-da essa espécie de paz m útua, a libido, liberta de todos os conflitos, terá, sem outro esforço intelectual ou de explicação, um efeito ‘curativo’. Eles m e pedem para não

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É inevitável que um a afirm ação com o essa ainda incom ode o m ais heterodo-xo dos analistas, m esm o passados m ais de 70 anos. As propostas da análise m útua de Ferenczi requerem um cuidado interpretativo adicional e talvez precisem ser reconhecidas com o o caso m ais extrem o do uso da experiência em pática em um contexto psicanalítico. Resta saber se ainda é possível falar em psicanálise nesses casos. Retom em os, por fim , um a últim a afirm ação de Ferenczi sobre o tem a. Na nota de 19 de janeiro de 1932, “Continuação da análise m útua”, reencontram os Ferenczi absolutam ente envolvido com as tram as intersubjetivas e em páticas da experiência analítica: “É com o se duas m etades da alm a se com pletassem para form ar um a unidade. Os sentim entos do analista entrelaçam -se com as idéias do analisado e as idéias do analista ( im agens de representações) com os sentim entos do analisado” ( FERENCZI, 1990, p.45) .

A despeito da opinião que cada um de nós pode ter hoje em dia sobre essas posições de Ferenczi, não há com o recusar que seu trabalho am plia o horizonte ético im plicado no trabalho analítico. Postular que sentim entos e idéias de ana-lista e paciente podem entrelaçar-se e que o outro à m inha frente não é “um a representação de m eu ego”, m as um ser real com quem posso m e identificar, explicita um reconhecim ento do outro em term os éticos, em um a am plitude até então pouco valorizada nos textos psicanalíticos.

Muitas outras passagens poderiam ser evocadas para fortalecer os argum entos já apresentados, m as entendo que essa seqüência é m ais do que suficiente para m ostrar um cam inho clínico que exigiu que Ferenczi abrisse as portas, definiti-vam ente, para um a com preensão da experiência analítica com o algo m uito além do uso de um a técnica para a análise e investigação do psiquism o de um paciente focalizado com o objeto, restrita ao âm bito de one person psychology.8 Mesm o sem chegarm os ao extrem o de seus experim entos de análise m útua, tem os que reco-nhecer que Ferenczi, entre os analistas da prim eira geração, foi o m ais sensível à dim ensão da two person psychology e dos aspectos intersubjetivos e em páticos pre-sentes em um a análise. A ele devem os grande parte das inovações técnicas que perm itiram à psicanálise um cam po de atuação para além do trabalho clássico com pacientes reconhecidos com o neuróticos. Mas isso a história da psicanálise já pôde reconhecer, apesar dos esforços persistentes entre os anos 1940 e 60 para em udecer o legado ferencziano.

Recebido em 10/ 7/ 2003. Aprovado em 28/ 11/ 2003.

8 Cf. Ghent, 1989, e Gill, 1993. Por one person psychology entende-se a tradição que concebe o

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REFERÊNCIAS

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N elson Ernesto Coelho Junior

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