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Método da descida infinita

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Academic year: 2021

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Universidade de Aveiro Departamento de Matem´atica, 2011

Cl´

audia Maria

Ferreira Sebasti˜

ao

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Universidade de Aveiro Departamento de Matem´atica, 2011

Cl´

audia Maria

Ferreira Sebasti˜

ao

etodo da Descida Infinita

Disserta¸c˜ao apresentada `a Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necess´arios `a obten¸c˜ao do grau de Mestre em Matem´atica e Aplica¸c˜oes, ´area de especializa¸c˜ao Matem´atica Empresarial e Tecnol´ogica, realizada sob a orienta¸c˜ao cient´ıfica do Dr. Paulo Jos´e Fernandes Almeida, Professor Auxiliar do Departamento de Matem´atica da Universidade de Aveiro

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o j´uri / the jury

presidente / president Professor Doutor Helmuth Robert Malonek

Professor Catedr´atico do Departamento de Matem´atica da Universidade de Aveiro

vogais / examiners committee Professor Doutor Ant´onio Jos´e de Oliveira Machiavelo

Professor Auxiliar da Faculdade de Ciˆencias da Universidade do Porto

Professor Doutor Paulo Jos´e Fernandes Almeida

Professor Auxiliar do Departamento de Matem´atica da Universidade de Aveiro (orientador)

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agradecimentos / acknowledgements

Agrade¸co ao Dr. Paulo Almeida todo o seu esfor¸co, dedica¸c˜ao e com-preens˜ao. Estou-lhe muito grata pelo tempo que generosamente me dedicou, partilhando a sua grandiosa sabedoria. Tive o prazer de re-ceber os ensinamentos de dois grandes mestres, Dr. Paulo Almeida e Pierre de Fermat. Por ´ultimo, agrade¸co ao meu precioso suporte familiar.

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Palavras-chave descida Infinita, somas de dois quadrados, equa¸c˜oes de grau quatro, equa¸c˜oes de grau trˆes, equa¸c˜ao de Pell, somas de quatro quadrados,

´

Ultimo Teorema de Fermat

Resumo Fermat teve um papel muito importante na Teoria dos N´umeros. Esta cont´em problemas muito dif´ıceis que fascinaram (e ainda fascinam) v´arios matem´aticos. Refira-se, em particular, as propriedades dos n´umeros inteiros positivos e dos n´umeros primos que despertaram in-teresse em Fermat. Sobre estes existem problemas bastante dif´ıceis de provar, mas que, contrariamente, possuem uma formula¸c˜ao bastante simples. Perante a dificuldade em demonstrar alguns destes resultados, Fermat desenvolveu uma t´ecnica de demonstra¸c˜ao, conhecida pela de-signa¸c˜ao de M´etodo da Descida Infinita. Resumidamente, o m´etodo prova que certas propriedades ou rela¸c˜oes s˜ao imposs´ıveis para intei-ros ao provar-se que, se fossem v´alidas para alguns n´umeros, seriam v´alidas para alguns n´umeros mais pequenos; usando o mesmo argu-mento, seriam v´alidas para alguns n´umeros ainda mais pequenos, e assim sucessivamente, o que ´e imposs´ıvel devido ao facto de que uma sequˆencia de n´umeros inteiros positivos n˜ao pode decrescer infinita-mente. Fermat descreveu, em linhas gerais, o seu m´etodo, enunciando as v´arias proposi¸c˜oes nas quais o aplicou, numa carta dirigida a Car-cavi em 1659. Era atrav´es de correspondˆencias por carta que Fermat partilhava as suas descobertas e nesta desafiou outros matem´aticos a aplicar o seu m´etodo na demonstra¸c˜ao de v´arios resultados. Esta tese teve por objetivo reproduzir as demonstra¸c˜oes de algumas proposi¸c˜oes referidas na carta a Carcavi, as quais Fermat diz ter demonstrado pelo M´etodo da Descida Infinita.

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Keywords infinite descent, sums of two squares, equations of degree four, equa-tions of degree three, Pell equation, sums of four squares, Fermat´s Last Theorem

Abstract Fermat played a very important role in the Theory of Numbers. This area contains very difficult problems which fascinated (and still does) several mathematicians. Particularly, the properties of positive whole numbers and prime numbers which arouse Fermat’s interest. About these, there are problems which very hard to prove, but, in an oppo-site way, are very easy to state. In the presence of the difficulty to demonstrate some of these results, Fermat developed a demonstra-tion technique known as the Method of Infinite Descent. In sum, the method proves that certain properties or relations are impossible for integers, proving that if they were valid to some numbers, would also be valid for some smaller numbers; using the same argument, would be valid for some even smaller numbers, and so on, which is impossible due to the fact that a sequence of positive whole numbers cannot in-definitely decrease. Fermat described his method in a letter to Carcavi in 1659, in general terms, expressing several propositions to which he applied it. It was by his letters that Fermat shared his discoveries and in this one he challenged other mathematicians to apply his method to give proofs of several results. The purpose of this thesis is to re-produce the demonstrations of some propositions referred in the letter to Carcavi, the ones that Fermat says have been demonstrated by the Method of Infinite Descent.

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“Devemos ficar gratos a Fermat por nos mostrar que o est´ımulo de uma compreens˜ao mais profunda pode ser adquirido a partir do estudo das obras dos grandes homens do passado.”

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(15)

Conte´

udo

Conte´udo i

1 Preliminares 1

1.1 Introdu¸c˜ao . . . 1 1.2 No¸c˜oes b´asicas da Teoria dos N´umeros . . . 3 1.3 Descida Infinita . . . 6

2 Somas de dois quadrados 9

2.1 Introdu¸c˜ao . . . 9 2.2 Diferen¸cas sucessivas . . . 10 2.3 Demonstra¸c˜ao pelo M´etodo da Descida Infinita . . . 14

3 Equa¸c˜oes de grau quatro 19

3.1 A Equa¸c˜ao Pitag´orica . . . 20 3.2 N˜ao existe nenhum triˆangulo retˆangulo cujos lados s˜ao n´umeros inteiros e

cuja ´area ´e igual ao quadrado de um n´umero inteiro . . . 22 3.3 N˜ao existem inteiros biquadrados cuja soma seja um inteiro biquadrado . . 31 3.4 Nenhum n´umero triangular, `a exce¸c˜ao da unidade, pode ser um biquadrado 34

4 Equa¸c˜oes de grau trˆes 39

4.1 N˜ao existe nenhum cubo que seja a soma de dois cubos . . . 39 4.2 Curvas El´ıpticas da carta . . . 51 4.3 N´umeros que tanto eles como os seus quadrados s˜ao o dobro de um quadrado

menos um. . . 53 4.4 O primeiro resultado da carta . . . 57

5 Equa¸c˜oes de Pell 59

5.1 M´etodo C´ıclico . . . 59 5.2 Solu¸c˜ao geral . . . 63

6 Somas de quatro quadrados 65

6.1 Lemas preliminares . . . 65 6.2 Teorema de Lagrange . . . 67

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BIBLIOGRAFIA

7 Conclus˜ao 70

(17)

Cap´ıtulo 1

Preliminares

1.1

Introdu¸

ao

Pierre de Fermat, embora tenha sido jurista de profiss˜ao, n˜ao ficou conhecido dentro dessa ´area, mas sim pelo seu grande contributo `a Matem´atica, em particular `a Teoria dos N´umeros (apesar de ter sido apenas um matem´atico amador). Fermat tinha um fasc´ınio es-pecial pelos n´umeros e, por isso, dedicava parte do seu tempo a resolver problemas do livro “Arithmetica”de Diofanto de Alexandria, uma tradu¸c˜ao em latim, da autoria de Claude Gaspar Bachet. Fermat foi um dos maiores matem´aticos do seu tempo, contudo, n˜ao viu o seu trabalho verdadeiramente reconhecido. Por um lado, devido a este ser bastante revo-lucion´ario e muito complexo para a ´epoca em que viveu e por outro, devido `a sua maneira de ser, reservada e um pouco distante, n˜ao permitindo a publica¸c˜ao de nenhum dos seus trabalhos. Num per´ıodo em que os meios de comunica¸c˜ao eram escassos, os matem´aticos formavam c´ırculos de discuss˜ao atrav´es de uma correspondˆencia constante. Apesar de Fermat nunca ter publicado nenhum trabalho, este acabou por ser divulgado ap´os a sua morte.O seu filho Samuel recolheu todos os seus manuscritos, correspondˆencias e anota¸c˜oes contidas na sua c´opia da “Arithmetica”de Diofanto, encontrando as mais importantes des-cobertas. Foi tamb´em importante o papel desempenhado por Mersenne (1588-1648) que lutou contra a atmosfera de segredo, encorajando todos os matem´aticos a exporem as suas ideias. Por interm´edio de Mersenne as cartas passaram a ser publicadas. Nas suas cartas Fermat descrevia as suas ideias e descobertas, desafiando outros matem´aticos a resolver os mesmos problemas. Numa dessas correspondˆencias, dirigida a Carcavi, em 1659 [16, pp.431-436], Fermat diz ter finalmente encontrado um m´etodo de demonstra¸c˜ao que lhe permitira demonstrar algumas proposi¸c˜oes que at´e ao momento n˜ao tinham sido poss´ıveis provar. Sobre este m´etodo, do qual ficou muito orgulhoso e ao qual chamou M´etodo da Descida Infinita, Fermat deu algumas indica¸c˜oes sobre a sua forma de aplica¸c˜ao. Particular-mente na carta dirigida a Carcavi, Fermat expˆos as linhas gerais de algumas demonstra¸c˜oes de proposi¸c˜oes pelo seu m´etodo. A forma como Fermat descreveu e ilustrou o seu m´etodo foi, contudo, pouco detalhada. Isto talvez se deva, em parte, ao facto de Fermat ter como objetivo desafiar outros matem´aticos a utilizarem o seu m´etodo.

(18)

CAP´ITULO 1. PRELIMINARES

Desde ent˜ao, este m´etodo teve um papel fundamental na resolu¸c˜ao de v´arias quest˜oes da ´area de Geometria Alg´ebrica, incluindo alguns casos particulares do famoso “ ´Ultimo Teorema de Fermat”e da demonstra¸c˜ao, por Mordell, de que o grupo dos pontos racionais de uma curva el´ıptica ´e finitamente gerado.

O presente trabalho teve como finalidade ingressar nesse desafio por ele proposto. Foi feita uma an´alise das proposi¸c˜oes que s˜ao referidas na carta dirigida a Carcavi com o intuito de fazer uma poss´ıvel recria¸c˜ao da forma como Fermat as poder´a ter demonstrado. Como tal, tentou-se n˜ao utilizar conceitos que n˜ao tivessem sido desenvolvidos naquela ´epoca.

No primeiro cap´ıtulo s˜ao introduzidos alguns conceitos b´asicos da Teoria dos N´umeros e ´e exemplificado o M´etodo da Descida Infinita.

No segundo cap´ıtulo estudam-se as diferen¸cas sucessivas de potˆencias e ´e reproduzida a prova de Euler de que todo o n´umero primo da forma 4n+1 ´e a soma de dois quadrados. No terceiro cap´ıtulo ´e recriada a ´unica prova completa deixada Fermat de que n˜ao existe nenhum triˆangulo retˆangulo cujos lados s˜ao n´umeros inteiros e cuja ´area ´e igual ao quadrado de um n´umero inteiro. S˜ao tamb´em abordados outros resultados relacionados com este, incluindo a prova do ´Ultimo Teorema de Fermat para n = 4.

No quarto cap´ıtulo ´e analisado o caso n = 3 do ´Ultimo Teorema de Fermat, que foi quase na sua totalidade, demonstrado por Euler. S˜ao tamb´em estudadas as curvas el´ıpticas mencionadas por Fermat na sua carta a Carcavi.

No quinto cap´ıtulo ´e descrito o m´etodo c´ıclico, uma das abordagem utilizadas para encontrar solu¸c˜oes de equa¸c˜oes de Pell anterior a Fermat e que se assemelha ao tipo de demonstra¸c˜oes efetuadas por Fermat.

No sexto cap´ıtulo ´e analisada a aplica¸c˜ao do M´etodo da Descida Infinita, por Lagrange na demonstra¸c˜ao de que qualquer inteiro positivo ´e a soma de quatro quadrados.

Na carta dirigida a Carcavi, Fermat faz ainda referˆencia a um ´ultimo resultado, cuja demonstra¸c˜ao, segundo Fermat, pode ser feita com a aplica¸c˜ao do M´etodo da Descida Infinita:

“Toutes les puissances quarr´ees de 2 augment´ee de l´unit´e, sont nombres premiers.”

Fermat expressou repetidamente a sua convic¸c˜ao de que todos os n´umeros da forma 22n

+ 1 s˜ao primos. De fato, para n = 0, 1, 2, 3 e 4 s˜ao realmente primos: 3, 5, 17, 257, 65537. Mas Fermat estava enganado. Em 1732 Euler prova que 225+ 1 tem um divisor n˜ao

trivial, o 641. Embora a conclus˜ao seja falsa, seria interessante saber como Fermat poder´a ter aplicado o m´etodo da descida infinita neste resultado.

“Esta quest˜ao ´e um estudo muito subtil e engenhoso e embora seja uma afirma¸c˜ao

positiva, equivale a uma negativa, pois dizer que um n´umero ´e primo ´e o mesmo que dizer que ele n˜ao pode ser dividido por outro n´umero.”

Como ter´a ent˜ao Fermat deduzido um n´umero menor do mesmo tipo, que n˜ao ´e primo? Esta quest˜ao permanece sem resposta.

Contudo Fermat foi o primeiro a estudar estes n´umeros, por isso designados N´umeros de Fermat e sobre os quais se desenvolveram muitos resultados importantes. Curiosamente ainda hoje existe quem se debruce sobre os N´umeros de Fermat, procurando divisores destes n´umeros.

(19)

CAP´ITULO 1. PRELIMINARES

Este trabalho vai de alguma forma ao encontro do desejo manifestado por Fermat no final dessa mesma carta:

“Multi pertransibunt et augebitur scientia.”

“Muitos passar˜ao e o conhecimento ser´a aumentado.”

1.2

No¸

oes b´

asicas da Teoria dos N´

umeros

Nesta sec¸c˜ao s˜ao introduzidas algumas defini¸c˜oes e alguns resultados relativamente aos n´umeros inteiros positivos, que ser˜ao utilizados ao longo deste trabalho.

Defini¸c˜ao. Um n´umero primo ´e um n´umero natural que tem exatamente dois divisores positivos (distintos).Se um n´umero natural ´e maior que 1 e n˜ao ´e primo, diz-se que ele ´e um n´umero composto.

Defini¸c˜ao. Sejam a e b inteiros em que pelo menos um deles ´e n˜ao nulo. Ao maior inteiro que divide simultaneamente a e b chama-se m´aximo divisor comum de a e b e denota-se

por (a, b).

Se (a, b) = 1 ent˜ao dizemos que a e b s˜ao primos entre si.

Teorema 1.1. Algoritmo da divis˜ao inteira

Sejam a e b dois inteiros positivos. Ent˜ao existem dois ´unicos inteiros q e r (chamados o quociente e o resto, respetivamente) tais que 0≤ r < a e b = aq + r.

Demonstra¸c˜ao: Claramente existem v´arios pares de inteiros (q, r) que verificam a igualdade b = aq + r. A dificuldade est´a em encontrar um destes pares em que o resto r est´a entre 0 e a− 1. Uma vez que queremos que seja r = b − aq, consideremos todos os inteiros n˜ao negativos da forma

b− ak,

onde k ´e um n´umero inteiro. Nesta cole¸c˜ao (infinita) de n´umeros n˜ao negativos, existe um que ´e mais pequeno que todos os outros (esta propriedade dos subconjuntos dos inteiros n˜ao negativos ´e chamada Princ´ıpio da Boa Ordena¸c˜ao).

Este n´umero ´e o resto r = b− aq que procur´avamos. Para o ver, basta mostrar que

r < a. De facto, se fosse b− aq > a, ent˜ao ter´ıamos

b− aq > b − a(q + 1) = (b − aq) − a ≥ 0,

e portanto b− aq n˜ao seria o menor inteiro positivo da forma b − ak.

Unicidade: Suponhamos que existem dois pares de inteiros (q, r) e (q′, r′) que verificam as condi¸c˜oes exigidas. Podemos admitir que 0≤ r ≤ r′ < a. Ent˜ao b = aq + r = aq′+ r′, pelo que a(q− q′) = r′− r. Como 0 ≤ r′− r < a e r′− r ´e m´ultiplo de a, temos r − r′ = 0,

(20)

CAP´ITULO 1. PRELIMINARES

Algoritmo de Euclides Sejam a e b dois inteiros positivos. Pelo algoritmo da divis˜ao, existem dois inteiros q0 e r0, tais que

b = aq0+ r0, com 0≤ r0 < b.

Se r0 ̸= 0 podemos utilizar o algoritmo da divis˜ao para os inteiros a e r0. Ent˜ao existem

q1 e r1 tais que

a = q1r0+ r1, com 0≤ r1 < r0.

Procedendo desta forma obtemos uma sequˆencia de inteiros n˜ao negativos r0, r1, . . . , rn,

tais que r0 > r1 > · · · > rn ≥ 0. Note que este processo tem de terminar ao fim de um

n´umero finito de passos e que o ´ultimo resto, que denotamos por rk+1, ´e nulo.

O pr´oximo teorema n˜ao ser´a aqui demonstrado mas pode ser consultado nas referˆencias.

Teorema 1.2. Se a e b s˜ao dois inteiros positivos e rk ´e o ´ultimo resto n˜ao nulo obtido pelo

algoritmo de Euclides, ent˜ao rk = (a, b). Mais, o algoritmo de Euclides permite encontrar

inteiros x e y tais que

ax + by = (a, b).

Demonstra¸c˜ao: Ver p´aginas 18 e 19 de [4]. 2

Proposi¸c˜ao 1.3. Se c | ab e (b, c) = 1 ent˜ao c | a.

Demonstra¸c˜ao: Tem-se ab = qc e bx + cy = 1 para determinados inteiros q, x, y.

Vem ent˜ao

a = a(bx + cy) = abx + acy = qcx + acy = (qx + ay)c,

e, portanto, c| a. 2

Proposi¸c˜ao 1.4. Se um n´umero primo dividir um produto de n´umeros inteiros, tem que dividir pelo menos um dos fatores.

Demonstra¸c˜ao: Seja p um n´umero primo. Vamos provar por indu¸c˜ao que, sendo

n≥ 2 um natural qualquer, se p dividir um produto de n n´umeros inteiros, ent˜ao tem que

dividir pelo menos um dos fatores.

O primeiro caso ´e n = 2. Sejam ent˜ao a1, a2 dois inteiros quaisquer e suponhamos que

p| a1a2. Se p dividir a1, n˜ao h´a mais nada a demonstrar.

Se p n˜ao dividir a1, ent˜ao p e a1 s˜ao primos entre si, porque p n˜ao tem outros divisores

positivos sen˜ao 1 e ele pr´oprio. Ent˜ao pela proposi¸c˜ao anterior, temos que p| a2.

Suponhamos agora que a afirma¸c˜ao ´e verdadeira para produtos de k fatores e sejam a1,

(21)

CAP´ITULO 1. PRELIMINARES

a demonstrar. Se p n˜ao dividir ak+1, ent˜ao pelo mesmo racioc´ınio do primeiro caso, p tem

que dividir o produto a1a2. . . ak e portanto, pela hip´otese de indu¸c˜ao, tem que dividir um

dos inteiros a1, a2, . . . , ak. 2

Teorema 1.5. Pequeno Teorema de Fermat

Se p ´e um n´umero primo ent˜ao para qualquer inteiro a, ap− a ´e divis´ıvel por p.

Demonstra¸c˜ao: Vamos provar o resultado por indu¸c˜ao em a. Para a = 1, ´e trivial que o resultado ´e verdadeiro.

Suponhamos que ´e v´alido para k, isto ´e, p| kp−k. Vejamos ent˜ao que tamb´em ´e v´alido

para k + 1. Note-se que p|(pi) com 1≤ i ≤ p − 1. Ora, (k + 1)p− (k + 1) = pj=0 ( p j ) kj − (k + 1) = 1 + pk + ( p 2 ) k2+ . . . + ( p p− 1 ) kp−1+ kp − (k + 1) = pk + ( p 2 ) k2+ . . . + pkp−1+ kp− k = py + pt para y e t inteiros.

Logo p| (k + 1)p− (k + 1), conforme o pretendido. 2

Corol´ario 1.6. Seja p um n´umero primo e a um n´umero inteiro n˜ao divis´ıvel por p. Ent˜ao p| ap−1− 1.

Demonstra¸c˜ao: Pelo teorema anterior temos que

p| ap− a, isto ´e, p| a(ap−1− 1), logo p| a ou p | ap−1− 1. Como (a, p) = 1, p| ap−1− 1. 2

(22)

CAP´ITULO 1. PRELIMINARES

1.3

Descida Infinita

Uma demonstra¸c˜ao pelo M´etodo da Descida Infinita ´e um tipo particular de prova por contradi¸c˜ao, que assenta no Princ´ıpio da Boa Ordena¸c˜ao dos n´umeros inteiros positivos.

´

E na maioria das vezes aplicado quando se pretende provar que n˜ao existe uma solu¸c˜ao com uma determinada propriedade. Primeiro assumimos que existe um n´umero inteiro positivo x que satisfaz a propriedade em quest˜ao. De seguida deduz-se que existe um outro inteiro positivo x1, com x1 < x, que tamb´em verifica a mesma propriedade. Repetindo

este procedimento constru´ımos uma sequˆencia infinita decrescente de valores positivos x >

x1 > . . ., o que ´e imposs´ıvel. Este m´etodo foi desenvolvido por Fermat e utilizado nas

demonstra¸c˜oes de v´arias proposi¸c˜oes relativas a propriedades de n´umeros inteiros. A aplica¸c˜ao do M´etodo da Descida Infinita ser´a exemplificada nesta sec¸c˜ao.

Teorema 1.7. √2 ´e irracional.

Demonstra¸c˜ao: Suponhamos que 2 ´e um n´umero racional. Ent˜ao existem inteiros positivos a e b tais que

a

b =

2.

Multiplicando por b e elevando ao quadrado ambos os membros tem-se que

a2 = 2b2. (1.1)

Ora,

b2 < 2b2 < 4b2,

substituindo 2b2 por a2 tem-se

b2 < a2 < (2b)2,

donde podemos concluir que

b < a < 2b.

Sejam A = 2b− a e B = a − b. Temos que

A > 0, B > 0,

A < a pois A− a = 2b − 2a = 2(b − a) < 0,

B < b pois B− b = a − 2b < 0,

A2 = 2B2 pois A2− 2B2 = (2b− a)2− 2(a − b)2 = 2b2− a2 = 0.

Deste modo constru´ımos A e B que s˜ao solu¸c˜ao de (1.1), menores que a e b. Repetindo o procedimento indefinidamente, poder´ıamos obter uma sequˆencia infinita decrescente de n´umeros inteiros positivos que s˜ao solu¸c˜ao de (1.1), o que ´e imposs´ıvel. Deste modo,

(23)

CAP´ITULO 1. PRELIMINARES

conclu´ımos que n˜ao existem inteiros a e b tais que ab =2, isto ´e, 2 ´e irracional. 2

Conclu´ımos esta sec¸c˜ao com trˆes resultados que ser˜ao necess´arios ao longo deste trabalho e cuja demonstra¸c˜ao dos primeiros dois utiliza o M´etodo da Descida Infinita.

Teorema 1.8. Qualquer n´umero natural a > 1 ´e um produto de n´umeros primos.

Demonstra¸c˜ao: Seja a um inteiro tal que a > 1. Se a for primo, n˜ao h´a nada a provar (temos um produto com um s´o fator). Suponhamos que a ´e composto. Ent˜ao a tem divisores maiores que 1 e menores que a. Se m for o menor destes divisores, m ´e de certeza primo (porque, se n˜ao, teria divisores menores do que m que seriam tamb´em divisores de

a). Designemos m por p1. Ent˜ao tem-se

a = p1a1,

com p1 primo e 1 < a1 < a. Se a1 for primo, j´a cheg´amos `a conclus˜ao desejada. Se a1

for composto, repetindo o racioc´ınio anterior conclu´ımos que a1 tem um divisor primo p2

satisfazendo 1 < p2 < a1, onde

a = p1p2a2,

com p1 e p2 primos e 1 < a2 < a1 < a.

Prosseguindo desta forma, obtemos n´umeros naturais a > a1 > a2 > . . . > 1. Como

uma sucess˜ao de n´umeros naturais n˜ao pode decrescer indefinidamente, h´a-de haver um momento em que um destes n´umeros ´e primo, digamos ps, pelo que

a = p1p2. . . ps.

2

Teorema 1.9. Sejam a e b inteiros positivos. Se a e b s˜ao primos entre si e ab ´e um quadrado, ent˜ao a e b s˜ao ambos quadrados.

Demonstra¸c˜ao: Suponhamos que existem a e b, primos entre si, tais que ab ´e um quadrado e a ou b n˜ao ´e um quadrado. Seja u um inteiro positivo tal que

ab = u2.

Suponhamos que a n˜ao ´e um quadrado. Em particular a ̸= 1. Portanto a ´e divis´ıvel por, pelo menos, um n´umero primo. Seja p um n´umero primo tal que

p| a isto ´e a = pk para algum k inteiro positivo.

Ent˜ao tamb´em p | ab ou seja p | u2. Como p ´e primo p | u logo u = pm para algum m inteiro positivo.

(24)

CAP´ITULO 1. PRELIMINARES

Deste modo ab = u2 pode ser reescrito da seguinte forma:

pkb = (pm)2 = p2m2,

o que implica que

kb = pm2.

Portanto, mais uma vez porque p ´e primo, p| k ou p | b. Mas p - b pois p | a e (a, b) = 1. Ent˜ao p| k, logo k = pa′, para algum inteiro positivo a′. Deste modo, de

kb = pm2,

vem

pa′b = pm2,

logo

a′b = m2.

De a = pk = p2a temos que qualquer divisor de a ´e tamb´em divisor de a e portanto a e

b n˜ao podem ter nenhum divisor comum maior que 1. Al´em disso se a′ fosse um quadrado ent˜ao de a = p2a′ concluir´ıamos que a ´e um quadrado, o que contradiz com a suposi¸c˜ao inicial. Portanto a′ n˜ao ´e um quadrado. Deste modo, a′ e b est˜ao nas condi¸c˜oes iniciais, ou seja, (a′, b) = 1, a′b ´e um quadrado e a′ e b n˜ao s˜ao ambos quadrados, com a′ < a.

Repetindo o procedimento seria poss´ıvel definir um outro inteiro positivo a′′ < a′ tais que a′′ e b estariam nas condi¸c˜oes iniciais. Repetindo o procedimento indefinidamente ter´ıamos uma sequˆencia de n´umeros inteiros positivos a > a′ > a′′ > a′′′ > . . . que decrescia

indefinidamente. Ora tal ´e imposs´ıvel. Ter´ıamos tamb´em uma contradi¸c˜ao se tivessemos suposto que b n˜ao ´e um quadrado, logo a e b tˆem de ser ambos quadrados. Isto prova a

proposi¸c˜ao. 2

Teorema 1.10. Sejam a e b inteiros positivos tais que (a, b) = 1 e ab = cn. Ent˜ao existem inteiros positivos d e f tais que a = dn e b = fn.

(25)

Cap´ıtulo 2

Somas de dois quadrados

2.1

Introdu¸

ao

Um dos primeiros t´opicos da Teoria dos N´umeros estudado por Fermat, que o levou a tantas outras quest˜oes importantes, foi o problema de representar n´umeros como soma de dois quadrados. Como em tantos outros momentos, o interesse de Fermat por este assunto tem origem no livro “Arithmetica”de Diofanto. Em v´arias correspondˆencias Fermat inclui o teorema que afirma que todo o n´umero primo da forma 4n + 1 ´e uma soma de dois quadrados. Numa delas, dirigida a Digby, em 1658 [16, pp. 402-408], Fermat acrescenta a seguinte particularidade ao problema: “Dado um n´umero primo desta natureza, como por exemplo o 53, encontre uma regra geral para determinar os dois quadrados que fazem parte dessa decomposi¸c˜ao.”A ideia de Fermat seria ent˜ao encontrar um m´etodo eficaz, sem ser por tentativa erro, para resolver o problema. Em 1659, na carta dirigida a Carcavi, Fermat volta a fazer referˆencia ao resultado, afirmando tˆe-lo demonstrado, aplicando o M´etodo da Descida Infinita:

“Supondo a existˆencia de um n´umero primo que ´e um a mais que um m´ultiplo

de 4 que n˜ao pode ser decomposto como a soma de dois quadrados, consegue-se

provar que existe um outro menor da mesma natureza que n˜ao pode ser

decom-posto na soma de dois quadrados, e de seguida um terceiro ainda menor,. . . ,

chegando ao n´umero 5 que ´e o menor de todos desta natureza, do qual seguiria

que n˜ao pode ser decomposto como a soma de dois quadrados, que no entanto

´e falso. Desta forma deduz-se que todos os n´umeros primos daquela natureza

podem ser decompostos na soma de dois quadrados.”

Fermat deixou apenas a sua ideia da demonstra¸c˜ao, uma vez que n˜ao explica como deduz o n´umero mais pequeno do maior. Os passos em falta deste racioc´ınio foram mais tarde explicados e apresentados por Euler em 1747. A demonstra¸c˜ao deixada por Euler foi a base deste cap´ıtulo. Euler mostrou que se um n´umero primo da forma 4n + 1 n˜ao ´e a soma de dois quadrados ent˜ao existiria uma sequˆencia de n´umeros inteiros positivos infinitamente decrescente, o que ´e imposs´ıvel. Embora Euler tenha conseguido provar o resultado utilizando o M´etodo da Descida Infinita, n˜ao resolveu inteiramente o problema

(26)

CAP´ITULO 2. SOMAS DE DOIS QUADRADOS

de Fermat uma vez que n˜ao construiu um m´etodo construtivo que permitisse escrever qualquer n´umero primo da forma 4n + 1 na soma de dois quadrados. No entanto um estudo cuidado da prova deixada por Euler permite torn´a-la construtiva atrav´es de uma pequena modifica¸c˜ao, tal como foi observado por Edwards [6, pp. 55-57].

Este cap´ıtulo encontra-se dividido em duas sec¸c˜oes, a primeira onde s˜ao estudados resultados sobre as diferen¸cas sucessivas das potˆencias dos n´umeros inteiros e a segunda onde ´e feita a demonstra¸c˜ao pelo M´etodo da Descida Infinita deixada por Euler.

2.2

Diferen¸

cas sucessivas

Vejamos de seguida alguns resultados sobre as diferen¸cas sucessivas das potˆencias dos n´umeros inteiros.

Exemplo. Diferen¸cas de xk:

k=1 1 2 3 4 5 6

diferen¸cas de ordem 1 1 1 1 1 1

diferen¸cas de ordem 2 0 0 0 0

k=2 1 4 9 16 25 36 49 dif. de ordem 1 3 5 7 9 11 13 dif. de ordem 2 2 2 2 2 2 dif. de ordem 3 0 0 0 0 k=3 1 8 27 64 125 216 dif. de ordem 1 7 19 37 61 91 dif. de ordem 2 12 18 24 30 dif. de ordem 3 6 6 6 dif. de ordem 4 0 0 k=4 1 16 81 256 625 1296 dif. de ordem 1 15 65 175 369 671 dif. de ordem 2 50 110 194 302 dif. de ordem 3 60 84 108 dif. de ordem 4 24 24 dif. de ordem 5 0

(27)

CAP´ITULO 2. SOMAS DE DOIS QUADRADOS

Vemos que, por exemplo, a 3a diferen¸ca das diferen¸cas de ordem 2 de x4 ´e 194.

Teorema 2.1. Seja (xk) a sucess˜ao de potˆencias de ´ındice k, com k ≥ 0 inteiro, dos n´umeros inteiros positivos, isto ´e,

1k, 2k, 3k, 4k, 5k, . . . .

A m-´esima diferen¸ca das diferen¸cas de ordem t de xk ´e dada por: tj=0 (−1)j ( t j ) (m + t− j)k.

Demonstra¸c˜ao: Vamos provar o resultado por indu¸c˜ao em t. Para t = 0 o resultado ´ e verdadeiro: 0 ∑ j=0 (−1)j ( 0 j ) (m− j)k = mk.

Suponhamos, por hip´otese de indu¸c˜ao que o resultado ´e v´alido para t, isto ´e, a m-´esima diferen¸ca das diferen¸cas de ordem t de xk ´e dada por:

tj=0 (−1)j ( t j ) (m + t− j)k.

Vejamos que o resultado tamb´em ´e v´alido para t + 1.

Fa¸camos n = m + t. A m + 1-´esima diferen¸ca das diferen¸cas de ordem t ´e

tj=0 (−1)j ( t j ) (n + 1− j)k = tj=0 (−1)j ( t j ) (n− (j − 1))k = (n + 1)k− t−1j=0 (−1)j ( t j + 1 ) (n− j)k. A m-´esima diferen¸ca ´e: tj=0 (−1)j ( t j ) (n− j)k= t−1j=0 (−1)j ( t j ) (n− j)k+ (−1)t(n− t)k.

(28)

CAP´ITULO 2. SOMAS DE DOIS QUADRADOS

Ent˜ao a m-´esima diferen¸ca das diferen¸cas de ordem t + 1 de xk ´e dada por: tj=0 (−1)j ( t j ) (n + 1− j)k− tj=0 (−1)j ( t j ) (n− j)k= = (n + 1)k− t−1j=0 (−1)j ( t j + 1 ) (n− j)k− t−1j=0 (−1)j ( t j ) (n− j)k− (−1)t(n− t)k = (n + 1)k− (−1)t(n− t)k− t−1j=0 (−1)j ( t + 1 j + 1 ) (n− j)k = (n + 1)k+ (−1)t+1(n− t)k+ tj=1 (−1)j ( t + 1 j ) (n + 1− j)k = t+1j=0 (−1)j ( t + 1 j ) (n + 1− j)k.

Fica, deste modo, provado o resultado para qualquer inteiro t. 2

Exemplo. A 3a diferen¸ca das diferen¸cas de ordem 2 de x4 ´e dada por 2 ∑ j=0 (−1)j ( 2 j ) (5− j)4 = 54− 2 · 44+ 34 = 194,

como vimos anteriormente.

Teorema 2.2. As diferen¸cas de ordem k de xk ao todas iguais a k!.

Consequentemente as diferen¸cas de ordem t com t > k s˜ao todas iguais a zero.

Demonstra¸c˜ao:

Em primeiro lugar vamos provar por indu¸c˜ao em k que:

kj=0 (−1)j ( k j ) ji = { 0 se 0≤ i < k (−1)kk! se i = k (2.1) Para k = 0 temos 1 = (−1)00!00. 1 100= 1

(29)

CAP´ITULO 2. SOMAS DE DOIS QUADRADOS Para k = 1: 1 ∑ j=0 (−1)j ( 1 j ) ji = 0i− 1i = { 0 se i = 0 −1 se i = 1 = { 0 se 0≤ i < 1 (−1)1.1! se i = 1 ,

donde conclu´ımos que o resultado ´e verdadeiro para k = 1.

Suponhamos, por hip´otese de indu¸c˜ao que o resultado ´e v´alido para k, isto ´e,

kj=0 (−1)j ( k j ) ji = { 0 se 0≤ i < k (−1)kk! se i = k .

Provemos que o resultado tamb´em ´e v´alido para k + 1. Ora, se 1≤ i ≤ k + 1,

k+1j=0 (−1)j ( k + 1 j ) ji = kj=0 (−1)j ( k + 1 j + 1 ) (j + 1)i = kj=0 (−1)j (k + 1)! (j + 1)!(k− j)!(j + 1) i =−(k + 1) kj=0 (−1)j ( k j ) (j + 1)i−1 =−(k + 1) kj=0 (−1)j ( k j )∑i−1 l=0 ( i− 1 l ) jl =−(k + 1) i−1l=0 ( i− 1 l )∑k j=0 (−1)j ( k j ) jl.

Usando a hip´otese de indu¸c˜ao, temos que

kj=0 (−1)j ( k j ) jl = { 0 se l < k (−1)kk! se l = k . Deste modo, k+1j=0 (−1)j ( k + 1 j ) ji = { 0 se i− 1 < k −(k + 1)(−1)kk! se i− 1 = k = { 0 se 1≤ i < k + 1 (−1)k+1(k + 1)! se i = k + 1 .

(30)

CAP´ITULO 2. SOMAS DE DOIS QUADRADOS Para i = 0 k+1j=0 (−1)j ( k + 1 j ) j0 = k+1j=0 (−1)j ( k + 1 j ) = (1− 1)k+1 = 0.

Ficou assim provado que

kj=0 (−1)j ( k j ) ji = { 0 se 0≤ i < k (−1)kk! se i = k . (2.2)

Pelo teorema anterior e pelo resultado provado anteriormente, temos que as diferen¸cas de ordem k s˜ao dadas por

kj=0 (−1)j ( k j ) (n− j)k= kj=0 (−1)j ( k j )∑k i=0 (−1)i ( k i ) nk−iji = ki=0 (−1)i ( k i ) nk−i kj=0 (−1)j ( k j ) ji = (−1)k ( k k ) n0(−1)kk! = k!. 2

Corol´ario 2.3. Seja p um primo. Se p divide as diferen¸cas de primeira ordem de xk, ent˜ao p| k!.

Demonstra¸c˜ao: As diferen¸cas de primeira ordem de xk ao da forma ak− (a − 1)k,

com a inteiro positivo.

Se p divide as diferen¸cas de ordem t tamb´em divide as diferen¸cas de ordem t + 1, para

t≥ 1. Portanto p | k!. 2

2.3

Demonstra¸

ao pelo M´

etodo da Descida Infinita

(31)

CAP´ITULO 2. SOMAS DE DOIS QUADRADOS

Lema 2.4. O produto de dois n´umeros, cada um dos quais ´e a soma de dois quadrados, ´e uma soma de dois quadrados.

Demonstra¸c˜ao: (a2+ b2)(c2+ d2) = a2c2+ b2d2+ a2d2+ b2c2 = a2c2+ b2d2+ 2acbd + a2d2+ b2c2− 2abcd = (ac + bd)2+ (ad− bc)2. 2 Observa¸c˜ao:

Este produto corresponde a

|z1z2|2 =|z1|2|z2|2.

Exemplo.

25 = 32+ 42 61 = 52+ 62 25× 61 = 392+ 22

Lema 2.5. Se um n´umero que ´e uma soma de dois quadrados ´e divis´ıvel por um n´umero primo que ´e uma soma de dois quadrados, ent˜ao o quociente ´e uma soma de dois quadrados.

Demonstra¸c˜ao: Seja p um n´umero primo e a, b inteiros positivos tais que:

p = r2+ s2 e p|(a2+ b2). Como

(rb− as)(rb + as) = r2b2− a2s2 = r2(a2+ b2)− a2(r2+ s2), e p ´e primo, ent˜ao

p|(rb − as) ou p | (rb + as).

Suponhamos que p| (rb − as). Uma vez que

(a2+ b2)(r2+ s2) = (ar + bs)2+ (rb− as)2,

Ent˜ao p| (ar + bs). Logo a igualdade anterior pode ser dividida por p2:

a2 + b2 r2+ s2 = ( ar + bs r2+ s2 )2 + ( as− br r2+ s2 )2 .

(32)

CAP´ITULO 2. SOMAS DE DOIS QUADRADOS

Suponhamos agora que p - (rb − as). Ent˜ao p | (rb + as). Como (a2+ b2)(s2+ r2) = (as + br)2+ (ar− bs)2,

ent˜ao p| (ar − bs). Logo a igualdade anterior pode ser dividida por p2:

a2 + b2 r2+ s2 = ( as + br r2+ s2 )2 + ( ar− bs r2+ s2 )2 .

Ficando, deste modo, provado o pretendido. 2

Lema 2.6. Se um n´umero que pode ser escrito como uma soma de dois quadrados ´e divis´ıvel por um n´umero que n˜ao ´e uma soma de dois quadrados, ent˜ao o quociente possui

pelo menos um fator primo que n˜ao ´e uma soma de dois quadrados.

Demonstra¸c˜ao: Suponhamos que x | (a2 + b2), sendo que x n˜ao ´e a soma de dois

quadrados e que o quociente fatorizado em primos ´e da forma p1p2. . . pn. Ent˜ao a2+ b2 = xp1p2. . . pn. Suponhamos que todos os fatores pi, i = 1, . . . , n, podem ser escritos como a

soma de dois quadrados. Ent˜ao dividindo a2+ b2 por p

1 obt´em-se

a2+ b2

p1

= xp2. . . pn,

que, pelo resultado anterior ´e uma soma de dois quadrados.

Repetindo o procedimento, ou seja, dividindo a igualdade anterior por p2 e assim

suces-sivamente, por p3. . . pn, concluimos que x tamb´em ´e uma soma de dois quadrados, o que

contradiz a suposi¸c˜ao inicial. Logo, por redu¸c˜ao ao absurdo, conclui-se que pelo menos um

dos fatores pi n˜ao ´e uma soma de dois quadrados. 2

Lema 2.7. Se x| a2+ b2 com (a, b) = 1 ent˜ao x ´e uma soma de dois quadrados.

Demonstra¸c˜ao: Sendo m e n os inteiros mais pr´oximos de ax e xb, respetivamente, tem-se que

a = mx± c e b = nx ± d,

onde |c| ≤ x2 e |d| ≤ x2. Ent˜ao:

a2 + b2 = (mx± c)2+ (nx± d)2

= m2x2± 2mxc + c2+ n2x2± 2nxd + d2

= Ax + (c2+ d2), pondo A = m2x± 2mc + n2x± 2nd.

(33)

CAP´ITULO 2. SOMAS DE DOIS QUADRADOS

Se x | (a2+ b2) e (a2+ b2) = Ax + (c2+ d2) ent˜ao x| (c2+ d2), ou seja,

c2+ d2 = xy, (2.3)

para algum y inteiro positivo.

Sendo D = (c, d) ent˜ao D′ = (D, x) = 1. Isto porque se D′ ̸= 1 ent˜ao D′ | x, D′ | c e

D′ | d e portanto D′ dividiria a e b, o que contradiz com a suposi¸c˜ao inicial de que a e b s˜ao primos entre si.

Como (D, x) = 1 ent˜ao (D2, x) = 1. Deste modo, D2 | y, pois D2 | c2+ d2

D2 | yx D2 | y.

Assim, dividindo ambos os membros de (2.3) por D2 vem

(c D )2 + ( d D )2 = y D2x,

ficamos com uma express˜ao da forma

e2+ f2 = zx, em que e e f s˜ao primos entre si e z x2, pois

zx = e2+ f2 ≤ c2+ d2 (x 2 )2 + (x 2 )2 = 1 2x 2.

Se x n˜ao for a soma de dois quadrados ent˜ao, pelo lema 2.6, z possui pelo menos um fator primo que n˜ao ´e a soma de dois quadrados. Seja x1 esse fator. Temos ent˜ao que x1 < x

em que x1 n˜ao ´e a soma de dois quadrados e divide uma soma de dois quadrados.

Repetindo o procedimento indefinidamente ter´ıamos x > x1 > x2 > . . ., o que ´e

imposs´ıvel.

Deste modo podemos concluir que x ´e a soma de dois quadrados. 2

Teorema 2.8. Todo o n´umero primo da forma 4n + 1 ´e uma soma de dois quadrados.

Demonstra¸c˜ao: Se p = 4n + 1 ent˜ao, pelo corol´ario (1.6),

p| 14n− 1 p| 24n− 1 p| 34n− 1 .. . p| (4n)4n− 1.

(34)

CAP´ITULO 2. SOMAS DE DOIS QUADRADOS

Portanto as diferen¸cas 24n− 1, 34n− 24n, . . . , (4n)4n− (4n − 1)4n ao divis´ıveis por p. Cada

uma destas diferen¸cas pode ser fatorizada da seguinte forma: 24n− 1 = (22n+ 1)(22n− 1)

34n− 24n= (32n+ 22n)(32n− 22n) ..

.

(4n)4n− (4n − 1)4n= [(4n)2n+ (4n− 1)2n][(4n)2n− (4n − 1)2n].

Sendo p um n´umero primo, ele divide um dos dois fatores. Suponhamos que p divide todas as 4n− 1 diferen¸cas, isto ´e:

p| 22n− 1 p| 32n− 22n p| . . .

p| (4n)2n− (4n − 1)2n.

Logo pelo corol´ario 2.3, p| (2n)!, o que ´e imposs´ıvel (pois 4n + 1 > 2n).

Chegamos a um absurdo, logo p n˜ao divide todas as 4n− 1 diferen¸cas, ou seja, p divide um dos termos da forma t2n+ (t− 1)2n. Como p | (a2n+ b2n) e a e b s˜ao primos entre si

(pois diferem entre si uma unidade) ent˜ao, pelo lema 2.7, p ´e uma soma de dois quadrados.

(35)

Cap´ıtulo 3

Equa¸

oes de grau quatro

“Escrever um quadrado como uma soma de dois quadrados.”

Este foi o problema da “Arithmetica”de Diofanto que inspirou Fermat para a formula¸c˜ao do ´

Ultimo Teorema de Fermat. O problema apresentado por Diofanto tinha como finalidade encontrar ternos de inteiros positivos que satisfizessem a equa¸c˜ao x2 + y2 = z2, os quais

foram designados de ternos pitag´oricos. O exemplo mais simples e mais conhecido ´e o terno (3, 4, 5).

Este problema foi tratado por Euclides, no livro “Elementos”(cerca de 300 A.C.), v´arios s´eculos antes de Diofanto. Contudo, de acordo com uma das surpreendentes descobertas da arqueologia do s´eculo XX, o problema foi estudado h`a mais de mil anos antes de Euclides, pelos antigos Babil´onios. A cole¸c˜ao arqueol´ogica da Universidade da Colˆombia possui uma tabela cuneiforme datada de 1500 A.C., que possui uma lista de ternos pitag´oricos [14]. Desta lista fazem parte, por exemplo, os ternos (3, 4, 5) e (4961, 6480, 8161). Este ´ultimo leva-nos a pensar que os antigos Babil´onios possuiam um m´etodo, diferente do de tentativa e erro, para encontrar as solu¸c˜oes do problema de Diofanto. N˜ao sabemos qual era o m´etodo nem as raz˜oes que os Babil´onios tiveram para investigar os ternos pitag´oricos, mas na opini˜ao de Neugebauer, ´e prov´avel que eles conhecessem o significado geom´etrico dos ternos pitag´oricos e que os tivessem obtido atrav´es de algum m´etodo semelhante ao de Diofanto. Isto significa que os Babil´onios conheciam o Teorema de Pit´agoras cerca de 1000 anos antes do pr´oprio Pit´agoras ter nascido.

Este cap´ıtulo encontra-se dividido em quatro sec¸c˜oes. Na primeira iremos determinar todos os ternos pitag´oricos. Na segunda analisaremos a prova deixada por Fermat de que n˜ao existe nenhum triˆangulo retˆangulo cujos lados sejam n´umeros inteiros e cuja ´area seja igual ao quadrado de um n´umero inteiro. Na terceira ser´a demonstrado o caso n = 4 do

´

Ultimo Teorema de Fermat. Por ´ultimo, na quarta sec¸c˜ao ser´a abordado outro resultado enunciado por Fermat que garante que nenhum n´umero triangular, `a exce¸c˜ao da unidade, ´

(36)

CAP´ITULO 3. EQUAC¸ ˜OES DE GRAU QUATRO

3.1

A Equa¸

ao Pitag´

orica

Uma solu¸c˜ao inteira (a, b, c) da equa¸c˜ao Pitag´orica

x2+ y2 = z2 (3.1)

diz-se uma solu¸c˜ao primitiva se os inteiros a, b, c s˜ao positivos e primos entre si. ´

E imediato que, se (a, b, c) ´e solu¸c˜ao inteira de x2+ y2 = z2, ent˜ao tamb´em (ka, kb, kc),

com k inteiro, ´e solu¸c˜ao e se d ´e divisor comum de a, b, c, tamb´em ( a d, b d, c d ) , ´

e solu¸c˜ao. Assim, para determinar todas as solu¸c˜oes inteiras e positivas, basta determinar todas as suas solu¸c˜oes primitivas e multiplic´a-las por inteiros positivos k.

´

E tamb´em imediato que a solu¸c˜ao inteira positiva (a, b, c), de x2 + y2 = z2, ´e uma solu¸c˜ao primitiva se e s´o se dois quaisquer dos inteiros a, b, c, s˜ao primos entre si.

Note-se ainda que um terno (a, b, c), com a, b e c inteiros positivos satisfaz x2+ y2 = z2

se e s´o se existir um triˆangulo retˆangulo cujas medidas dos catetos sejam a e b e cuja medida da hipotenusa seja c. Estes triˆangulos dizem-se triˆangulos pitag´oricos.

Nesta sec¸c˜ao ser˜ao determinadas todas as solu¸c˜oes inteiras da equa¸c˜ao x2+ y2 = z2.

Numa primeira fase ser´a demonstrado um resultado auxiliar que ser´a posteriormente uti-lizado.

Lema 3.1. Seja (x, y, z) uma solu¸c˜ao de x2+ y2 = z2. Se (x, y, z) = 1 ent˜ao x ou y ´e par

e z ´e ´ımpar. Isto ´e, num triˆangulo pitag´orico primitivo a medida da hipotenusa e de um dos catetos ´e ´ımpar e a medida do outro cateto ´e par.

Demonstra¸c˜ao: ´E imediato que se (x, y, z) ´e uma solu¸c˜ao primitiva de x2+ y2 = z2,

(x, y) = 1 , (x, z) = 1 e (y, z) = 1.

De facto se (x, y) ̸= 1 ent˜ao existiria um inteiro p tal que p | x e p | y logo p | x2 + y2 e

portanto p| z, o que contraria o facto de (x, y, z) = 1. Do mesmo modo se justificaria que (x, z) = 1 e (y, z) = 1.

Consequentemente, x, y e z n˜ao podem ser todos pares. Al´em disso, x e y n˜ao podem ser ambos ´ımpares pois se

x = 2r + 1 e y = 2s + 1 com r e s inteiros,

ent˜ao

x2+ y2 = (2r + 1)2+ (2s + 1)2 = 2 + 4(r + r2+ s + s2), donde concluir´ıamos que 2| z2 mas 4- z2, o que ´e imposs´ıvel.

(37)

CAP´ITULO 3. EQUAC¸ ˜OES DE GRAU QUATRO

Teorema 3.2. A equa¸c˜ao

x2+ y2 = z2 (3.2)

tem infinitas solu¸c˜oes, com (x, y, z) = 1, x par e x, y, z > 0. Estas solu¸c˜oes s˜ao da forma

x = 2ab y = a2− b2 z = a2+ b2,

sendo a e b inteiros positivos,com a > b, primos entre si e de paridades opostas.

Demonstra¸c˜ao: Suponhamos, sem perda de generalidade, que x ´e par. Se (x, y, z) ´e solu¸c˜ao de (3.2) ent˜ao

x2 = z2− y2 = (z− y)(z + y).

Ora z− y e z + y s˜ao ambos pares, logo podemos dividir a equa¸c˜ao anterior por 4: ( 1 2x )2 = 1 4(z− y)(z + y). Seja u = 12(z + y) e v = 12(z− y). Ent˜ao

( 1 2x

)2

= uv.

Temos que (u, v) = 1. Caso contr´ario existiria um inteiro p tal que p | u e p | v, logo ter´ıamos tamb´em que p | u + v e p | u − v, isto ´e p | z e p | y, o que ´e imposs´ıvel pois (y, z) = 1. Al´em disso como uv ´e um quadrado ent˜ao u e v s˜ao ambos quadrados de n´umeros inteiros. Deste modo existem inteiros a e b tais que

u = a2 e v = b2 com (a, b) = 1. Logo a2 = u = 1 2z + 1 2y b2 = v = 1 2z− 1 2y a2b2 = 1 4x 2. Ent˜ao x = 2ab y = a2− b2 z = a2+ b2.

(38)

CAP´ITULO 3. EQUAC¸ ˜OES DE GRAU QUATRO

Reciprocamente, se a e b s˜ao primos entre si, de paridades opostas, com a > b, como (2ab)2+ (a2− b2)2 = (a2+ b2)2,

conclui-se que (2ab, a2− b2, a2+ b2) ´e uma solu¸c˜ao primitiva de (3.2). 2

Corol´ario 3.3. A solu¸c˜ao geral positiva de x2+ y2 = z2 ´e dada por

   x = k(a2 − b2) y = 2kab z = k(a2 + b2) ou    x = 2kab y = k(a2− b2) z = k(a2+ b2) (3.3)

onde k, a, b s˜ao inteiros positivos, a e b s˜ao primos entre si, de paridades diferentes e a > b.

3.2

ao existe nenhum triˆ

angulo retˆ

angulo cujos

la-dos s˜

ao n´

umeros inteiros e cuja ´

area ´

e igual ao

quadrado de um n´

umero inteiro

Em toda a obra deixada por Fermat sobre Teoria dos N´umeros, apenas foi encontrada uma ´unica demonstra¸c˜ao, a prova de que a ´area de um triˆangulo retˆangulo n˜ao pode ser um quadrado. Esta proposi¸c˜ao foi referida v´arias vezes na sua correspondˆencia mas nela nunca foi verdadeiramente provada.

Numa carta dirigida a Mersenne, possivelmente em Maio de 1640 [16, pp. 192-193], mas destinada a Fr´enicle de Bessy, Fermat incluiu o desafio numa lista de quatro problemas para Fr´eniche resolver:

• Encontrar um triˆangulo retˆangulo (de lados inteiros) cuja ´area seja o quadrado de

um inteiro;

• Encontrar dois inteiros biquadrados cuja soma seja um inteiro biquadrado; • Encontrar quatro quadrados em progress˜ao aritm´etica cont´ınua;

• Encontrar dois cubos de inteiros cuja soma seja o cubo de um inteiro.

Ora estes problemas s˜ao todos imposs´ıveis e ´e poss´ıvel que Fermat j´a soubesse disso na altura em que os enviou.

Em Agosto de 1659, na carta dirigida a Carcavi, volta a fazer referˆencia ao mesmo problema dizendo agora ter encontrado finalmente um m´etodo, o M´etodo da Descida Infi-nita, para demonstrar algumas proposi¸c˜oes, nomeadamente esta. E refere que a prova da proposi¸c˜ao ´e da seguinte forma:

(39)

CAP´ITULO 3. EQUAC¸ ˜OES DE GRAU QUATRO

“Se houvesse um triˆangulo retˆangulo cujos lados s˜ao n´umeros inteiros e cuja a ´area ´e

igual ao quadrado de um n´umero ent˜ao existiria um triˆangulo menor que teria a mesma

propriedade. Se houvesse um segundo menor do que o primeiro, com a mesma propriedade,

ent˜ao haveria, por um racioc´ınio semelhante, um triˆangulo menor que o segundo, com a

mesma propriedade, e um quarto, um quinto, etc, descendendo infinitamente. No entanto n˜ao h´a um n´umero infinito decrescente de n´umeros inteiros positivos.”

Mais uma vez Fermat deixa o desafio, agora j´a com algumas indica¸c˜oes para aplica¸c˜ao do seu m´etodo, mas ainda assim muito vagas uma vez que n˜ao explica como deduz o triˆangulo menor que o primeiro.

A verdadeira prova foi encontrada pelo seu filho Samuel numa das margens da c´opia de “Arithmetica”de Diofanto e foi posteriormente publicada por ele em “Observa¸c˜oes de Diofanto”com o n´umero 45 [15, pp. 340]. Antes da demonstra¸c˜ao Fermat afirma que n˜ao encontrou a demonstra¸c˜ao desta proposi¸c˜ao “sem uma intensa e laboriosa medita¸c˜ao”e que este tipo de demonstra¸c˜ao “conduzir´a a progressos maravilhosos na ciˆencia dos n´umeros”.

Area trianguli in numeris non potest esse quadratus Hujus theorematis a nobis inventi demonstrationem, quam et ipsi tandem non sine operosa et laboriosa meditatione deteximus, subjungemus. Hoc nempe demonstrandi genus miros in Arithmeticis suppeditabit progressus. Si area trianguli esset quadratus, darentur duo quadratoquadrati qu´orum differentia esset quadratus; unde sequitur dari duo quadratos qu´orum et summa et differentia esset quadratus: datur itaque numerus, compositus ex quadrato et duplo quadrati, aequallis quadrato, ea conditione ut quadrati eum componentes faciant quadratum. Sed, si numerus quadratus componitur ex quadrato et duplo quadrati, ut facillime possumus demonstrare; unde concludetur latus illud esse summam laterum circa retum trianguli retanguli, et unum ex quadratis illud componentibus efficere basem, et duplum quadratum aequari perpendiculo. Illud itaque triangulum retangulum conficietur a duobus quadratis qu´orum summa et differentia erunt quadrati. At isti duo quadrati minores probabuntur primis quadratis primo suppositis, qu´orum tam summa quam differentia faciunt quadratum: ergo, si dentur duo quadrati qu´orum summa et differentia faciant quadratum, dabitur in integris summa duorum quadratorum ejusdem naturae, priore minor. Eodem ratiocinio dabitur et minor ist`a inventa per viam prioris, et semper in infinitum minores invenientur numeri in integris idem praestantes. Quod impossibile est, quia, dato numero quovis integro, non possunt dari infiniti in integris illo minores. Demonstrationem integram et fusius explicatam inserere margini vetat ipsius exiguitas. Hac ratione deprehendimus et demontratione confirmavimus nullum numerum triangulum, prater unitatem, aequari quadratoquadrato.

Esta sec¸c˜ao ter´a duas partes. Na primeira ser´a feita uma an´alise da prova deixada por Fermat e na segunda ser´a aplicado o m´etodo da descida infinita em outros teoremas tamb´em descobertos por Fermat, por exemplo: N˜ao existem inteiros positivos tais que a soma dos seus quadrados seja um quadrado e a diferen¸ca dos seus quadrados seja tamb´em um quadrado. Seguem-se corol´arios que se relacionam, nomeadamente o resultado relativo `

a ´area de um triˆangulo retˆangulo.

Fa¸camos ent˜ao uma reconstru¸c˜ao da prova deixada por Fermat, utilizando a linguagem actual:

Teorema 3.4. A medida da ´area de um triˆangulo retˆangulo n˜ao pode ser um quadrado, isto ´e, n˜ao existem inteiros positivos x,y,z,w, tais que:

{

x2+ y2 = z2 1

2xy = w

(40)

CAP´ITULO 3. EQUAC¸ ˜OES DE GRAU QUATRO

Demonstra¸c˜ao: Suponhamos que a ´area de um triˆangulo retˆangulo ´e um quadrado, isto ´e, existem inteiros positivos x,y,z,w, tais que:

{

x2+ y2 = z2

1

2xy = w

2. (3.5)

A prova feita por Fermat sup˜oe que as medidas dos lados n˜ao n´umeros primos entre si. De facto se (x, y)̸= 1 ent˜ao existiria um inteiro positivo D tal que D | x e D | y. Ent˜ao

D2 | x2 e D2 | y2 e portanto D2 | z2, isto ´e D | z e tamb´em D2 | xy o que implica que

D| w. Daqui resultaria { (x D )2 +(Dy)2 =(Dz)2 1 2 xy D2 = (w D )2 (3.6)

onde Dx, Dy, Dz e Dw s˜ao inteiros positivos.

Deste modo verific´amos que podemos considerar, sem perda de generalidade, que (x, y) = 1.

Ent˜ao pelo corol´ario 3.3 temos que    x = 2ab y = a2− b2 z = a2+ b2 ou    x = a2− b2 y = 2ab z = a2+ b2 (3.7)

onde a, b s˜ao inteiros positivos, primos entre si, de paridades diferentes e a > b. Como a ´area do triˆangulo ´e um quadrado temos que

ab(a− b)(a + b),

´

e um quadrado. Tendo em conta que os fatores a, b, a− b e a + b s˜ao dois a dois primos entre si, ent˜ao pelo teorema 1.9 cada um deles ´e um quadrado. Sejam

r2 = a s2 = b u2 = a + b v2 = a− b.

Deste modo temos que u e v s˜ao ´ımpares, r e s s˜ao de paridades diferentes, (u, v) = 1 e (r, s) = 1 (pois (a, b) = 1). Al´em disso,

r4− s4 = k2 onde k = uv (3.8)

(“Se a ´area de um triˆangulo retˆangulo fosse um quadrado, ent˜ao existiriam duas potˆencias

de grau quatro cuja diferen¸ca seria um quadrado.”)

De (3.8) vem que

(41)

CAP´ITULO 3. EQUAC¸ ˜OES DE GRAU QUATRO

Como r e s s˜ao primos entre si temos mais uma vez, pelo teorema 1.9, que r2− s2 e r2+ s2

s˜ao ambos quadrados. Sejam

r2− s2 = c2 e r2 + s2 = d2,

onde c e d s˜ao inteiros positivos, ambos ´ımpares.

(“Consequentemente existiriam dois quadrados cuja soma e diferen¸ca seriam

quadra-dos.”)

Reorganizando temos

r2 = c2+ s2,

e substituindo obtemos

d2 = c2+ 2s2.

(“Portanto ter´ıamos um quadrado igual `a soma de um quadrado com o dobro de outro

quadrado, em que a soma dos quadrados envolvidos na soma anterior (c2 e s2) ´e tamb´em

um quadrado.”)

Deste modo d ter´a de ser da forma

d = e2+ 2f2.

(“Mas se o quadrado de um n´umero ´e a soma de um quadrado e o dobro de outro

qua-drado, esse n´umero ´e tamb´em a soma de um quadrado com o dobro de um outro quadrado,

o que consigo facilmente demonstrar.”)

Sobre esta ´ultima conclus˜ao Fermat apenas afirma que o consegue facilmente demons-trar, mas n˜ao o faz. Vejamos como Fermat o poder´a ter demonstrado:

Sejam

m = d + c

2 e n =

d− c

2 . Ent˜ao m e n s˜ao inteiros (pois d e c s˜ao ambos ´ımpares) e

mn = s

2

(42)

CAP´ITULO 3. EQUAC¸ ˜OES DE GRAU QUATRO

Suponhamos que (m, n) > 1. Ent˜ao existiria um primo p tal que p | m e p | n e portanto tamb´em p| s. Al´em disso, temos que p | m + n = d e p | m − n = c, donde p | c2+ d2 e

p ´ımpar. Atendendo a que 2r2 = c2 + d2 temos que p | r. Cheg´amos a uma contradi¸c˜ao,

pois r e s s˜ao primos entre si. Conclu´ımos assim que m e n s˜ao primos entre si. Ent˜ao de

2mn = s2 e (m, n) = 1, conclu´ımos que existem inteiros e e f tais que

m = e2 n = 2f2 e 2ef = s

(isto no caso em que n ´e par, caso fosse ´ımpar bastava trocar os pap´eis de m e n). Logo

d = m + n = e2+ 2f2

e

c = m− n = e2 − 2f2,

conforme Fermat concluiu. Ora,

s2 = 2mn = 4e2f2

e, al´em disso,

r2 = d2− s2 = (e2+ 2f2)2− 4e2f2 = e4+ 4f4.

Desta igualdade temos que e2 e 2f2 ao as medidas dos lados de um triˆangulo retˆangulo

cuja hipotenusa ´e r e a sua ´area, e2f2, ´e um quadrado.

(“Deste modo conclu´ımos que esse n´umero ´e a soma das medidas dos catetos de um

triˆangulo retˆangulo cuja medida da base ´e um quadrado e a medida da altura o dobro de

outro quadrado”)

Observa¸c˜ao: A prova do teorema poderia ter terminado neste momento, uma vez que

foi definido um novo triˆangulo retˆangulo cuja ´area ´e o quadrado de um inteiro. Al´em disso facilmente se justificaria que esse novo triˆangulo ´e menor que o inicial. Contudo, n˜ao foi o que Fermat fez. Deste modo continuaremos a seguir a sua prova.

Vimos anteriormente que r2 = (e2)2+ (2f2)2, donde pelo corol´ario 3.3 podemos concluir

que existem inteiros positivos m1 e n1 tais que

   e2 = m21− n21 2f2 = 2m 1n1 r = m2 1+ n21 (3.9)

(43)

CAP´ITULO 3. EQUAC¸ ˜OES DE GRAU QUATRO

Al´em disso,

(ef )2 = m1n1(m1− n1)(m1+ n1).

Como (m1, n1) = 1, mais uma vez pelo teorema 1.9 temos que m1, n1, m1 − n1 e m1+ n1

s˜ao todos quadrados.

(“Os lados deste triˆangulo retˆangulo ser˜ao formados por dois quadrados cuja soma e

diferen¸ca ser˜ao quadrados.”)

Temos que

m1 ≤ m1n1 = f2 < 4e2f2 = s2 = b

e que

n1 ≤ m1n1 = f2 < e4+ 4f4 = r2 = a.

(“Mas consegue-se provar que estes quadrados s˜ao menores que os quadrados iniciais

cuja soma e diferen¸ca eram quadrados.”)

Temos aqui uma descida infinita de n´umeros inteiros positivos.

(“Ent˜ao se existirem dois quadrados cuja soma e diferen¸ca sejam ambas quadrados

ent˜ao existir´a outros dois quadrados com a mesma propriedade mas em que pelo menos um

deles ´e menor. Repetindo o racioc´ınio podemos encontrar outro par cuja soma seja menor,

e continuando o procedimento indefinidamente ser˜ao sempre encontrados quadrados de

n´umeros inteiros menores com a mesma propriedade. No entanto isto ´e imposs´ıvel uma

vez que n˜ao pode haver uma sucess˜ao infinita de n´umeros menores do que qualquer inteiro dado.”)

E assim termina Fermat a sua prova, acrescentando no final:

“A margem ´e muito pequena para conseguir dar uma prova completa e detalhada.”

2

O resultado que ser´a seguidamente demonstrado j´a foi mencionado no teorema anterior, contudo ser´a agora tratado individualmente.

(44)

CAP´ITULO 3. EQUAC¸ ˜OES DE GRAU QUATRO

Teorema 3.5. N˜ao existem inteiros positivos tais que a soma dos seus quadrados seja um

quadrado e a diferen¸ca dos seus quadrados seja tamb´em um quadrado. Ou seja, o sistema

{

x2+ y2 = z2

x2− y2 = t2 (3.10)

n˜ao tem solu¸c˜ao com x, y, z e t inteiros.

Demonstra¸c˜ao: Suponhamos que existem inteiros positivos x, y, z, t que satisfazem

(3.10).

Se (x, y)̸= 1 ent˜ao existiria um primo p tal que p | x e p | x, logo p2 | z2 e p2 | t2 donde

p| z e p | t. Ter-se-ia   ( x p )2 + ( y p )2 = ( z p )2 ( x p )2 (y p )2 = ( t p )2 (3.11)

com xp, yp, zp e pt inteiros positivos.

Deste modo podemos considerar, sem perda de generalidade, que (x, y) = 1.

Note-se que do teorema 3.1 podemos concluir que z e x s˜ao ´ımpares e consequentemente,

y ´e par e t ´e ´ımpar.

Temos que x2+ y2 e x2 − y2 ao primos entre si. De facto se (x2 + y2, x2 − y2) ̸= 1

ent˜ao existiria um fator primo comum que tamb´em seria um divisor comum da sua soma e diferen¸ca. Mas

(x2+ y2) + (x2− y2) = 2x2 e

(x2+ y2)− (x2− y2) = 2y2.

Como (x2, y2) = 1 esse fator comum s´o poderia ser 1 ou 2. No entanto x2e y2 em paridades

distintas, logo x2 + y2 e x2− y2 s˜ao ambos ´ımpares e portanto n˜ao tˆem nenhum fator em comum diferente de 1.

Como x2+ y2 e x2− y2 ao ambos ´ımpares e (x2+ y2, x2− y2) = 1 ent˜ao z e t tamb´em

ao ambos ´ımpares e (z, t) = 1. Voltando ao sistema inicial, obtemos sucessivamente { 2x2 = z2+ t2 2y2 = z2− t2 (3.12) { 4x2 = (z + t)2+ (z− t)2 2y2 = (z− t)(z + t) (3.13) { x2 =(z+t 2 )2 +(z−t2 )2 2y2 = (z− t)(z + t) (3.14)

Como (z+t2 ,z−t2 ) = 1, do teorema 3.2 podemos concluir que existem inteiros positivos

Referências

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