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Dificuldades para o controle da Tuberculose em unidade prisional do Brasil

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Academic year: 2021

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Dificuldades para o controle da Tuberculose em unidade prisional do Brasil

Neuranides Santana1, Letícia Suassuna Ribeiro2, Lorena Silva Reis3, Mª Yaná Guimarães Silva Freitas4 , Crislaine Cruz de Oliveira5 , Isabel Ludimile Carvalho Souza6

1Docente, pesquisadora Universidade Federal da Bahia-Brasil. neuranides@gmail.com; 2Hospital do Subúrbio. letisuassuna2@hotmail.com; 3Hospital Geral Roberto Santos.enfalorena@hotmail.com; 4 Estadual de Feira de

Santana-Bahia-Brasil.yanaguimaraess@uefs.br ; 5Instituto Nacional do Câncer.crislaine.enf21@gmail.com 6 Hospital de Camaçari, Bahia. isabelsouza15.1@bahiana.edu.br

Resumo. Tuberculose (TB) possui grande estigma devido às condições sócio-econômicas e de saúde dos

acometidos pela doença, tendo seu avanço agravado pela fácil disseminação. A população privada de liberdade (PPL) é prioritária dentre os cenários, dada à vulnerabilidade na unidade prisional (UP). O estudo objetiva descrever como o sistema prisional dificulta o controle da TB. Estudo descritivo, qualitativo, realizado numa UP do Brasil. A coleta dos dados deu-se através de entrevista semi-estruturada com 19 profissionais de saúde (PS) e observação não participante da dinâmica funcional, estrutura física e do seu serviço de saúde da UP. Dados analisados à luz do Conteúdo de Bardin. A estrutura física e dinâmica do presídio; O processo de trabalho dos PS junto às PPL e a quase inexistente aderência aos protocolos ministerial para diagnóstico e tratamento da TB, explicitam a dificuldade da TB ser controlada na UP, apontando o (des)controle da TB, também fora da UP.

Palavras-chave: Tuberculose; Pessoas privadas de liberdade; Unidade Prisional; Profissionais de saúde. Difficulties for the control of Tuberculosis in a prison unit in Brazil

Abstract. Tuberculosis (TB) has great stigma due to the socioeconomic and health conditions of those

affected by the disease, and its progress is aggravated by the easy dissemination. The prison population (PPL) is a priority among the scenarios, given the vulnerability in the prison unit (UP). The study aims to describe how the prison system makes TB control difficult. Descriptive, qualitative study, conducted at a Brazilian UP. The data were collected through a semi-structured interview with 19 health professionals (PS) and non-participant observation of the functional dynamics, physical structure and its health service of the UP. Data analyzed in the light of Bardin's Content. The physical and dynamic structure of the prison; The work process of the PS with the PPL and the almost non-existent adherence to the ministerial protocols for diagnosis and treatment of TB, explain the difficulty of TB being controlled in UP, pointing out the (de) control of TB, also outside the UP.

Keywords: Tuberculosis; Persons deprived of their liberty; Prison Unit; Health professionals.

1 Introdução

A tuberculose possui profundas raízes sociais e grande estigma devido às condições em que a maioria dos indivíduos acometidos se encontra. Segundo o Ministério da Saúde (MS), o Brasil ainda se configura entre os 30 países no mundo com maior carga desta doença, ocupando o 20º lugar quanto à carga da doença e a 19º posição na lista dos países prioritários para TB-HIV, além de ser a 4ª causa de mortes por doenças infecciosas (Brasil, 2017). Dentro desses dados pode-se considerar que a subnotificação, falhas no processo terapêutico e retardo diagnóstico são fatores contributivos para essa situação.

A população privada de liberdade (PPL) é um grande desafio para o controle da TB, dada às condições do sistema prisional, configurando-se em importante problema de saúde pública no país. Entre as causas dessa preocupação pode-se destacar a arquitetura das unidades prisionais (antigas, úmidas e infiltradas), falta de saneamento básico, superlotação e as más condições de ventilação e iluminação das celas, assim como as implicações nas limitações ao acesso e as dificuldades que envolvem a realização de ações de saúde neste cenário. Com isso, a prevalência mundial de TB entre

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as PPL pode ser até 50 vezes maior do que as médias nacionais (World Health Organization [WHO], 2007).

O Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) do Brasil contempla ações no Sistema Prisional. Porém, segundo o Ministério da Justiça (MJ), apenas 37% das unidades prisionais brasileiras têm módulos de saúde para atender as PPL (Organização das Nações Unidas do Brasil [ONUBR], 2016).

Concomitantemente a situação da doença no país, as distorções encontradas no sistema prisional brasileiro contribuem para a disseminação da doença colocando em risco a saúde da população encarcerada, familiares visitantes, profissionais de saúde, agentes penitenciários e demais integrantes da comunidade que compõem a rede de contatos.

Diante deste contraste, aliado a baixa produção literária envolvendo a temática, sobretudo quanto a limitação do trabalho dos profissionais de saúde junto às PPL com suspeita ou TB, no Brasil, questiona-se: Como o sistema prisional brasileiro dificulta o controle da Tuberculose? Com o objetivo: Descrever como o sistema prisional brasileiro dificulta o controle da TB em unidade prisional.

Além da contribuição direta do estudo para o departamento penitenciário da Secretaria de Segurança Pública, outro fator relevante volta-se para a incipiência de estudos nessa linha, dificultando a análise epidemiológica da doença e, por conseguinte diagnóstico situacional que impacta na adoção de políticas públicas e consequente estratégias efetivas para o enfrentamento da TB, também nestes espaços, pelos Programas municipal, estadual e nacional de controle da Tuberculose.

2 Metodologia

Trata-se de um estudo de campo, descritivo de natureza qualitativa desenvolvido no serviço de saúde de uma unidade prisional (SSUP) masculino que compõe o maior complexo penitenciário do estado da Bahia, Brasil. Participaram 19 profissionais de saúde de 7 categorias trabalhistas que atuam no SSUP, quais sejam: enfermeiros, médicos, psicólogas, assistente social, técnico de enfermagem, odontólogo e auxiliar de higiene bucal.Outros 3 participantes foram estagiários de odontologia. A abordagem qualitativa possibilita um olhar descritivo sobre o fenômeno, contribuindo para uma apreciação mais ampla e próxima da realidade. Ela se preocupa com os indivíduos e seu ambiente, em todas as suas complexidades. Neste tipo de pesquisa, tenta-se compreender e/ou descrever um problema na perspectiva dos sujeitos que o vivenciam, ou seja, parte de sua vida diária, sua satisfação, desapontamentos, surpresas e outras emoções, sentimentos e desejos. Baseia-se na premissa de que os conhecimentos sobre a realidade dos indivíduos, só são possíveis com a descrição da experiência humana, tal como ela é vivida e como é definida por seus próprios atores. Visa, essencialmente, documentar e interpretar o que está sendo estudado em um contexto particular, a partir do entendimento das pessoas envolvidas. Neste caso, o controle da TB junto a PPL, na perspectiva, principalmente dos profissionais de saúde do SSUP.

Considerando que a perspectiva dos sujeitos constitui o fenômeno, atenção especial foi destinada aos aspectos subjetivos do comportamento dos participantes, para ir à busca da concretização da investigação e entender que tipos de sentidos, estes aspectos, dão aos fatos e às interações sociais, que ocorrem no desenvolvimento do trabalho no SSUP junto às PPL e o controle da TB. Com base nesta premissa, faz-se necessário conhecer os conceitos dos sujeitos acerca do referido fenômeno. Frente a essas considerações as técnicas de observação sistemática não participante e a entrevista

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semi-estruturada foram adotadas como estratégias que melhor se integraram ao problema de pesquisa, possibilitando o alcance do objetivo.

A coleta de dados foi realizada no 1º semestre de 2019, por docente e discentes de curso de graduação em enfermagem de uma universidade pública da Bahia, através das técnicas de observação sistemática não participante da dinâmica, funcionamento e estrutura física da UP e do seu serviço de saúde e entrevista semi-estruturada dos profissionais de saúde que lá trabalham. Para tanto, foram utilizados dois instrumentos de coleta de dados.

Para a entrevista, utilizado roteiro contendo dados sócio demográficos, de formação, trabalhistas, rotina de trabalho, tipo de vínculo, caracterização do trabalho, histórico de contato com pessoas com TB, conhecimento sobre a doença, equipamentos de proteção individual, terapêutica e diagnóstico da TB, medidas de segurança, estrutura física do ambiente de trabalho, motivação e dificuldades vivenciadas. Considerando o tipo de técnica de coleta, entrevista semi-estruturada, outros aspectos foram incorporados às perguntas, conforme direcionamento das narrativas dos participantes, com vista no alcance do objetivo da pesquisa. Dada a diversidade, dinâmica e vulnerabilidade desses profissionais, no ambiente do trabalho, outras informações foram adicionadas através da observação não participante, como descrito acima.

O roteiro da observação não participante foi composto pela descrição da dinâmica do serviço de saúde e da UP, o trabalho dos profissionais, estrutura e condições físicas do lócus do estudo e sua relação com a tuberculose, terapêutica, aspectos da realização de busca ativa para TB, segurança profissional, relação interprofissionais e PPL. A partir da observação foi possível identificar uma “padronização” e os fatores mais preponderantes dessas dinâmicas, que se complementaram às entrevistas semi-estruturadas. Além de darem um suporte maior para a análise dos dados subsequente.

Em atendimento aos princípios éticos e bioéticos envolvidos em pesquisa com participação de seres humanos, emanados das Resoluções nº 466/2012 e 510/2016 o projeto de pesquisa foi submetido e aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa, sob parecer nº 3.374.242. Antes de iniciar a coleta de dados todos os participantes confirmaram aceite para participar da pesquisa, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A princípio foi realizada uma ambientalização, conhecendo toda a estrutura física da UP, dinâmica de consultas, visitas, inclusive o ambiente das PPL pelo meio externo. Foi possível também acompanhar a rotina de trabalho do enfermeiro responsável pelo Programa de TB e técnica de laboratório para coleta de material. A presença das pesquisadoras dentro do serviço foi um fator contributivo para a acolhida da proposta e, portanto contribuição dos participantes.

As observações sistemáticas não participante se deram a partir do acompanhamento dos profissionais do serviço de saúde durante suas atividades laborais. Elas ocorreram, geralmente no período da tarde com duração entre 03 a 04 horas, embora houvesse também períodos pela manhã sempre com a mesma média de duração.

No primeiro momento a enfermeira coordenadora realizou uma visita pelos prédios da UP e o SSUP. Nos demais momentos o acompanhamento foi realizado, prioritariamente pelo enfermeiro do Programa de TB. Vale ressaltar que foi possível acompanhar todo o processo diagnóstico da TB, desde a coleta de escarro (baciloscopia) até a entrega do material ao laboratório e, em outro momento, a coleta de material sanguíneo pela técnica de laboratório para exame de HIV e VDRL. O processo das entrevistas deu-se a partir do convite feito aos profissionais de saúde, mediado pelo diretor da UP, enfermeiro responsável pelo Programa de Tuberculose e enfermeira coordenadora do serviço. Com isso, foi explicado o objetivo geral do trabalho, reforçando a importância da temática

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frente ao processo de trabalho no SSUP, comunidade carcerária e toda sociedade. Após essa abordagem, as entrevistas foram realizadas no próprio serviço de saúde, as narrativas gravadas e, posteriormente transcritas. As entrevistas tiveram uma média de duração de 33 min. Não houve dificuldade para a realização das entrevistas, nem tampouco das observações sistemáticas não participantes. Da equipe de saúde, apenas 03 profissionais não participaram. No entanto, isso não gerou prejuízo à coleta de dados, dada a saturação dos dados. Considerando que a coleta foi realizada no período de reforma do serviço de saúde, a dinâmica funcional e estrutural encontrava-se reduzida. Por isso, foi acordado com os profissionais um rodízio para uso das salas, de forma que as entrevistas puderam ser realizadas em ambiente privativo. Sendo assim, foram feitas no intervalo entre consultas e horários livres de atendimento às PPL.

Imediatamente realizadas, as entrevistas foram transcritas na íntegra, utilizado o Microsoft Word 2010 como ferramenta de trabalho e armazenadas individualmente, identificadas por códigos e categoria profissional. Os conteúdos transcritos foram identificados pela inicial “P” representando a categoria de profissional de saúde, seguida do numeral referente à categoria descrita no (Figura1) e do numeral referente ao quantitativo daquela categoria, exemplo: P.2.1 – enfermeiro assistencial 1.

N Categoria / Função Quantidade

1. Enfermeira Coordenadora 01

2. Enfermeira (o) Assistencial 02

3. Médica (o) 03

4. Assistente Social 02

5. Psicólogas 04

6. Dentista 01

7. Técnicas de Enfermagem 03

8. Auxiliar de Saúde Bucal 02

9. Estagiárias de enfermagem e odontologia 03

Fig. 1 – Equipe de saúde do Serviço de Saúde da Unidade Prisional participantes da pesquisa Fonte: pesquisa Santana et al, 2019.

A análise das informações coletadas fundamentou-se na teoria de análise de conteúdo de Laurence Bardin, do tipo temática.

Após os registros das observações e as transcrições das entrevistas, iniciou-se a leitura flutuante dos conteúdos, obedecendo à exaustividade (foi esgotado a totalidade da comunicação, não omitindo nada), representatividade (a amostra representa o universo), homogeneidade (os dados refere-se ao mesmo tema, foram obtidos por técnicas iguais e colhidos por indivíduos semelhantes), pertinência (os documentos estão adaptados ao conteúdo e objetivo da pesquisa). O critério exclusividade (um elemento não deve ser classificado em mais de uma categoria), recomendado pela autora, não foi adotado nesta investigação, dada a integração das informações para a análise, alguns deles estão presentes em mais de uma categoria de modo complementar e ratificador, confirmando a adequação das técnicas de coleta para o alcance dos objetivos propostos (Bardin, 2011).

Nesta perspectiva, as entrevistas foram interpretadas e todos os fragmentos retirados obedeceram à integralidade, respeitando a sua originalidade para a construção das categorias analíticas.

Destarte, emergiram 02 categorias, assim denominadas: Estrutura física e dinâmica do presídio dificultando o controle da TB; Repercussões no controle da Tuberculose advindas do conhecimento e processo de trabalho da equipe de saúde na unidade prisional.

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3 Resultados e discussão

3.1 Estrutura física e dinâmica do presídio dificultando o controle da TB

O presídio principal caracteriza-se por um prédio bastante antigo, inaugurado na década de 1975. Sua faixada é dividida em 02 pavimentos. Na portaria ficam agentes penitenciários, os quais fazem o controle de entrada para parte interna. Avançando é possível observar uma espécie de recepção. Ambiente amplo, completamente escuro, úmido, com odor fétido, paredes escuras sem pintura, apenas no cimento, não possui nenhuma janela ou esquadria. Tem um balcão de alvenaria, também na cor escura sem pintura revelando muita sujidade.

Ao sair da recepção existe um corredor que dar acesso a outro ambiente nas mesmas condições da recepção, porém um espaço vazio. O corredor é caracterizado pela umidade no chão e nas paredes, e ao lado ficam localizadas as celas chamadas de “isolamento” ou “castigo”. São 03 celas totalmente escuras, sem presença de janela, apenas uma fresta no portão gradeado. A visualização dessas celas pelo corredor é dificultada devido ao protocolo de segurança do presídio. Mas, foi possível observar estreitos espaços bastante escuros com estruturas de cimento chamadas de “comarcas” que são espécies de camas em forma de beliches, sem colchões ou lençóis. O ambiente é bastante úmido, mal cheiroso, sem iluminação, com presença de fungos nas paredes, poças de água e toda a área é marcada pela presença de gatos (felídeos). Há registros de presença de muitos roedores e, por isso, são mantidos os gatos como forma de mantê-los como predadores naturais.

Ultrapassando a portaria avista-se o pátio, local onde é possível observar a grande quantidade de homens, majoritariamente negros, jovens, emagrecidos e com aspecto higiênico precário. Esse ambiente assemelha-se a um grande campo de futebol com estrutura de cimento, onde as PPL podem permanecer entre 07 e 16 horas, diariamente, para banho de sol. Nesta área há incidência de raios solares. Após esse horário, os internos retornam para as celas onde permanecem trancados até o dia seguinte às 07h, perfazendo um total 15h no confinamento.

Apesar da extensão do pátio, suas condições são bastante insalubres. Ali existe esgoto a céu aberto exalando odor fétido, viabilizando a transmissão de várias doenças. As celas são compartilhadas nesse mesmo espaço físico. A fala dos participantes P1 e P.2.1 descreve as condições das celas e destaca a vulnerabilidade das PPL para o desenvolvimento da TB.

“[...] A possibilidade aqui deles adquirirem a TB é 15 vezes mais do que as pessoas da rua, porque eles aqui estão em ambiente confinados, muito deles são tabagistas, ficam presos várias horas do dia. Eles entram na cela a partir das 16h e só vão sair 7h da manhã do outro dia. O ambiente que é para 6-7 internos. Mas, tem 15-30, muito deles subnutridos, tabagistas. Então,... a alimentação não é muito boa. Tudo isso influencia no comportamento e desenvolvimento da doença, porque na rua as pessoas não sabem que é dessa forma [P.2.1]”.

Corroborando com o achado acima, a (Organização das Nações Unidas do Brasil [ONUBR], 2017) traz que no Brasil, há mais de 600 mil detentos, quarta maior população prisional do mundo, formada principalmente por jovens negros, de baixa escolaridade e de baixa renda. O sistema está com 161% de sua capacidade ocupada, o que significa que, em celas concebidas para custodiar dez pessoas, há em média, nacional, dezesseis pessoas.

Na UP investigada, a capacidade instalada é para aproximadamente 548 internos no prédio principal e 236 no anexo. No entanto, segundo os profissionais, atualmente possuem cerca de 1200 PPL. Vale salientar o descontrole censitário da população carcerária. Embora estatística da Secretaria de

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Administração Penintenciária do estado da Bahia tenha divulgado para o mês de dezembro/2018 um total de 898 PPL, contradiz as informações repassadas por participantes.

“[...] um presídio onde nós temos capacidade para 400. Nesse onde tem uma área com capacidade para 700, nós temos 1000 e tantos internos. Então, facilita a proliferação de todo o tipo de doença, todo tipo de infecção [...][P.7.3].”

As condições físicas do presídio condizem veementes com o que é exposto na literatura. Condições precárias de saneamento básico, celas superlotadas sem capacidade física para atender a demanda de detentos, ambientes extremamente insalubres com presença de roedores e felideos, além da falta de privacidade que as PPL encontram para, até mesmo realizar suas necessidades fisiológicas.

Infelizmente, essas condições são fatores importantes e contributivos para a contaminação pelo BK e perpetuação da TB dentro dos presídios do país. Visto que é uma doença de caráter social e com peculiaridades voltadas ao saneamento básico e infraestrutura, celas desprovidas de ventilação, sem luminosidade e úmidas, além do grande quantitativo de pessoas respirando no mesmo ambiente, confirmam e asseguram a permanência da doença dentro desse cenário e também, a vulnerabilidade para a infecção latente da TB(ILTB).

Associado as questões imunológicas, uso de drogas ilícitas, diagnóstico tardio, estado nutricional comprometido e outras doenças associadas, sobretudo o HIV/AIDS, a situação fica aquém de ser resolvida, colocando em risco as demais pessoas que convivem com essas PPL como, por exemplo, a família durante os períodos de visitas, os agentes penitenciários, os profissionais de saúde que estão em contato direto com os mesmos, assim como a sociedade de modo geral, quando da ocasião da soltura desses detentos. Para confirmação desse agravo, a literatura aponta que as PPL possuem 28 vezes mais risco de adoecimento por TB, comparado à população geral e corroborado pelo sofrimento emocional, quase sempre presente (Brasil, 2015).

A dinâmica dentro de um presídio é bastante peculiar, tanto do ponto de vista estrutural quanto na sua organização. A organização e distribuição dos internos são feitas através dos grupos de “pertença”, os quais são denominados de facções criminosas. Quando da prisão, já na porta de entrada, as PPL vão se incorporando e/ou já fazem parte, desde quando livres, pois cada grupo possue suas leis e restrições.

O Centro de Observação Penal (COP) funciona como a porta de entrada dos internos no sistema prisional. Naquele serviço, eles são submetidos a entrevista sobre a vida social, histórico de saúde-doença, principais problemas de saúde e realizam testes rápidos (HIV, SÍFILIS e HEPATITES).

Entretanto, para o manejo e rastreio do diagnóstico da TB ele não é eficaz, pois não são realizados exames auxiliares como o PPD, nem tampouco exame de imagem (raios x torácico), não havendo um rastreio adequado. Logo, contribuindo para a disseminação da doença entre os internos.

Outro importante aspecto da dinâmica da UP, são os “carteiros” ou também conhecidos como “frentes”. São internos escolhidos pelos líderes das facções para intermediar as informações de dentro do pátio para fora. Geralmente são homens de confiança da chefia dos grupos, possuem boa articulação com os agentes penitenciários, sabem ler e escrever. A partir deles que acontece toda a comunicação entre as PPL e a equipe de saúde. São eles que organizam o fluxo de saída para o serviço médico, identificam algum problema de saúde entre as PPL, contactam os profissionais da equipe de saúde, solicitam medicamentos ou qualquer demanda de saúde que ocorra. Além da contrapartida da equipe de saúde, em pedir permissão ao “frente” para realizar qualquer conduta com as PPL.

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Para o controle da TB, essa dinâmica é um potencial dificultador. Os profissionais não tem acesso direto ao interno, sempre têm que ser intermediado pelo “carteiro”. Portanto, apenas vão para o serviço, aqueles pré-determinado/autorizado pelo “frente”. Desse modo, o Tratamento Diretamente Observado (TDO), definido pelo Ministério da Saúde (MS) para acompanhar as pessoas com TB não produz eficácia nessa população, visto que os profissionais não tem acesso direto a PPL, consequentemente, não podem acompanhá-los de fato.

É preciso ressaltar a dificuldade que esses profissionais encontram para está com o interno. Para manter esse contato, é passada uma lista para o “carteiro” com os nomes dos detentos e a cela em que eles se encontram, requerendo a ida ao serviço médico. Essa lista chega até o carteiro pelo agente penitenciário através do portão do pátio. Porém, na maioria das vezes os internos requeridos não chegam ao serviço de saúde, seja por má disciplina entre eles, por rejeição ou por questões de hierarquia entre os membros das facções.

Outro aspecto que caracteriza a dinâmica da UP está veiculado à rotatividade das PPL, principalmente quanto ao alvará de soltura. Trata-se de uma ordem dada pela autoridade judiciária, ou seja, pelo juiz de direito ou desembargador para que o indivíduo encarcerado seja colocado,

imediatamente em liberdade. É uma decisão da qual não cabe discussão, quer pelo delegado ou o

agente penitenciário. Quando a ordem chega tem que ser cumprida, a não ser que a pessoa tenha outros empecilhos processuais.

A partir da caracterização da UP, as medidas de saúde precisam ser adequadas conforme seu público e dinâmica, inclusive para o controle da TB, que diante da caracterização por regime provisório, o controle das pessoas com este agravo e/ou em processo de investigação diagnóstica, fica dificultado. O MS estabelece a busca ativa por Sintomático Respiratório (SR), à exemplo da presença de tosse para esse público em específico e o TDO como estratégias eficazes para o controle da tuberculose (Brasil, 2011a). Este último, tem como objetivo o acompanhamento dos doentes na sua integralidade bem como na tomada dos medicamentos desde o início do tratamento até a cura.

Diante do regime provisório adotado na UP, o acompanhamento desses internos com base nesse protocolo do MS encontra-se inviabilizado. A rotatividade entre os internos é muito alta. Muitos são liberados em horários de não funcionamento do SSUP. Alguns deles já iniciaram o tratamento, mas recebem alvará de soltura e não dão continuidade fora da prisão. Da mesma forma que acontece ao contrário quando eles já iniciaram o tratamento e, ao adentrarem no sistema prisional omitem tal informação com consequente quebra do esquema terapêutico. O processo de referência e contra referência, praticamente inexiste na UP. Portanto, configura-se como fator de quebra da cadeia terapêutica, aumentando sobremaneira a vulnerabilidade para recidiva e/ou desenvolvimento da TB multidrogarresistente, além do contágio de outros grupos vulneráveis nos espaços extra-mural prisional.

Outro aspecto a ser destacado, é a dificuldade que os profissionais de saúde encontram para rastrear essa ex-PPL e realizar de forma eficaz a busca ativa também dos contactantes. O rastreio por contactantes é outra importante estratégia para o mecanismo de ruptura da cadeia de transmissibilidade. Destarte, o conhecimento e o trabalho desenvolvido pelos profissionais da equipe de saúde junto a PPL possui peculiaridades que impactam no controle da TB as quais são apresentadas na sequência.

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3.2 Repercussões no controle da Tuberculose advindas do conhecimento e processo de trabalho da equipe de saúde na unidade prisional

Os profissionais de saúde estão na linha de frente durante todo o itinerário terapêutico da TB. Diante das condições de vulnerabilidade ao qual esse grupo está exposto é importante o conhecimento sobre os agravos prevalentes no território em que atuam.

Neste sentido, dentre as patologias de maior incidência entre a PPL, a TB tendo sido considerada uma das mais negligenciadas. Por isso, o entendimento de que para o bloqueio da transmissibilidade, o conhecimento acerca desta doença, configura-se como ferramenta indispensável, além da autoproteção que cada profissional de saúde deve está atento.

Conforme Brasil (2011a), rastrear, diagnosticar e tratar correta e prontamente os casos de TB pulmonar é a principal medida para o controle da doença e bloqueio da cadeia de transmissão. A deficiência no conjunto que tange o conhecimento (diagnóstico, terapêutica, sintomatologia, transmissão) acarreta prejuízos não somente a saúde da população a ser cuidada, como também a do profissional. Os participantes da pesquisa possuem fragilidade no conhecimento acerca da TB ou conhecimento equivocado sobre a doença em algum dos seus estágios, bem como reconhecem a existência de apenas um tipo de TB, a pulmonar.

Sequeira (2014) retrata a importância dos profissionais de saúde serem detentores de conhecimentos, habilidades e recursos para que haja um vínculo maior no cuidado, de forma a maximizar os efeitos. Diante disso, desconhecer ou conhecer equivocadamente um tema repercute diretamente no cuidado ao doente, principalmente quando trata-se da PPL diante do seu perfil de vulnerabilidade (insalubridade, má nutrição, perfil imunológico deficitário, etc.).

Em estudo realizado na Rússia (Woith, Volchenkov e Larso, 2010) foi possível identificar que o conhecimento sobre a TB é realmente equivocado não somente no sistema prisional. Os colaboradores trazem em seus resultados que os profissionais de uma unidade de tratamento de TB compreendem a doença, mas ainda existem equívocos no que tange a sua sintomatologia (dificuldade em engolir, dor nos olhos, dor nas articulações ou dor muscular) bem como no seu vetor (causada por vírus), achados semelhantes entre as informações encontradas neste estudo.

Quanto ao uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI), foi evidenciado que alguns profissionais não aderem aos equipamentos. Durante a observação na unidade não foi visualizado o uso de outro EPI senão a luva de procedimento, excetuando-se quando da coleta de escarro para baciloscopia que um profissional utilizou a máscara do tipo N95. Vale salientar que esse foi o único momento durante a observação no SSUP que a máscara foi vista sendo usada por profissional de saúde.

A resolubilidade pelo isolamento ainda é um estigma que perdura até os dias atuais. Em contra ponto, o encarceramento por ser um ambiente de alta vulnerabilidade, já não permite que o isolamento seja feito como um fator de controle para a TB, visto que não há nenhum indicador estrutural que colabore com essa medida, pelo o contrário, só dificulta. Sendo que a dinâmica de isolamento na UP não se configura como tal. As celas destinadas às PPL com TB são compartilhadas por outros internos, com outras particularidades que culminaram no seu isolamento.

Outro fator a ser considerado sobre o não conhecimento dos profissionais sobre a TB é a ausência de medidas de monitoramento, rastreio ou diagnóstico precoce. Se o profissional desconhece a realidade situacional, pouco poderá ser feito na perspectiva do controle da doença.

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Conforme Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) (2017b), a Resolução nº 9/2009 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) preconiza que a proporção indicada de agentes é de 1 para cada 5 detentos, razão que eles consideram razoável para a garantia da segurança física e patrimonial das unidades prisionais. Na Bahia possuem 1.774 agentes e a proporção é de 7,1 presos para um agente.

Diante disso, todo o esquema de segurança é feito por esses profissionais os quais estabelecem protocolos para toda a população inserida na UP, sejam eles detentos ou não. A rotina do serviço de saúde de qualquer unidade é vinculada aos agentes penitenciários visto que, o detento ao sair do seu local de custódia fica sob responsabilidade desse servidor. Por isso, a mediação da PPL e os profissionais de saúde é feita também pelos agentes, somando-se aos “frentes”, anteriormente mencionados.

Visto a deficiência desses profissionais intermediadores, muitos se recusam a trazer a PPL às consultas, seja por sobrecarga de trabalho, número reduzido de agentes, conflito com algum interno ou indisponibilidade pessoal. Durante as observações, não foram vivenciados momentos de negociação entre a equipe de saúde e os agentes para a ida da PPL para o SSUP.

Como os profissionais de saúde não possuem contato direto com o interno no seu ambiente de encarceramento, o rastreio adequado da TB entre as PPL não se efetiva. Por outro lado, o contato do profissional de saúde e seu respectivo público não se dá apenas como consultas terapêuticas focadas em doenças, engessadas pelo modelo biomédico. Ela também pode ser realizada através de educação em saúde (palestras, atividades educativas, meios de comunicação através de panfletos, roda de conversa, entre outros), conformando-se vínculos que corroboram para aumentar contato com as PPL.

Quando essa estratégia é inviabilizada, os profissionais precisam se articular de alguma forma para atendê-lo, visto seu objeto de trabalho. Por vezes, esse vínculo é dificultado pelas condições em que os internos se apresentam. A relação da equipe de saúde e a PPL é tangenciada pelo modo de organização que é imposto no sistema. Reforçando a ideia do agente penitenciário intermediador desse vínculo, não é garantido que esse estabeleça, pelos fatores acima explicitados, eminentes ao próprio processo de trabalho da categoria bem como da indisponibilidade da PPL em corroborar com os mecanismos de saúde. Por isso, essa dinâmica do sistema prisional impacta no processo de trabalho da equipe de saúde, cujo o conhecimento sobre a TB é fragilizado, reverberando e potencializando a dificuldade de controle da TB na unidade prisional.

4 Considerações finais

Diante do exposto, a abordagem qualitativa com o enfoque na entrevista e observação sistemática, foi importante no estudo, visto que possibilitou descrever como o sistema prisional brasileiro dificulta o controle da TB. A dinâmica da unidade prisional implica diretamente nas estratégias para o controle da TB e na potencialização do avanço da disseminação deste agravo. A organização instituída entre as PPL, associado à estrutura física precária encontrada no campo investigado e o trabalho desenvolvido pela equipe de saúde, pouco se assemelham aos aspectos e diretrizes emanados dos Programas e manuais de controle da TB instituídos pelo Ministério da Saúde para serem adotados e desenvolvidos no sistema prisional em território brasileiro.

Destarte, o alcance das metas previstas seja pelo MS ou pelo STOP TB, certamente estão muito distantes de serem cumpridas em cenários com tais características. Neste sentido, espera-se que este estudo contribua para a reorganização e consolidação dos serviços de saúde dentro da RAS

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prisional, de forma a integralizar ações entre a Secretaria Municipal de Saúde, Coordenação Estadual da Tuberculose e a Secretaria de Segurança Pública.

Referências

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Referências

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