Crenças e conhecimentos dos
diabéticos acerca de sua doença
Beliefs and knowledge of patients with Diabetes Mellitus about their disease Hugo R B Costa 1 , José R B Costa 2 1 Graduando em medicina pelo Centro Universitário Serra dos Órgãos – UNIFESO 2 Professor do Curso de medicina no Centro Universitário Serra dos Órgãos – UNIFESO ResumoIntrodução: O Diabetes Mellitus (DM) é uma síndrome crônica e degenerativa que constitui um importante problema de saúde pública mundial. A percepção e a atitude dos pacientes em relação ao Diabetes são influenciadas pelas crenças e conhecimentos acerca da doença. Portanto, o profissional de saúde deve conhecer e respeitar as crenças dos pacientes para adaptar a abordagem e devem ser realizados programas de educação em saúde para aumentar o conhecimento sobre Diabetes, possibilitando melhor autocuidado e melhora da qualidade de vida. Objetivo: Identificar crenças e conhecimentos dos pacientes portadores de Diabetes Mellitus acerca da sua doença e avaliar sua influência no tratamento. Métodos:
Revisão de literatura utilizando as seguintes bases de pesquisa: PubMed, Scielo, Google Acadêmico e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), em português e inglês. Resultados: As crenças influenciam na conceituação do Diabetes e nas práticas de autocuidado. O conhecimento, em geral, é insuficiente. Observaramse bons resultados quando se avaliou o conhecimento de pacientes inseridos em programas de educação em Diabetes. Observouse ainda que a aquisição de conhecimento não necessariamente gera mudança de comportamento. Conclusão: O profissional de saúde deve conhecer e respeitar as crenças dos pacientes para adaptar sua abordagem. Um bom conhecimento do paciente acerca do Diabetes possibilita o desenvolvimento de habilidades em relação ao autocuidado. A educação em Diabetes deve ser um processo permanente para possibilitar a construção e a consolidação de conhecimentos que favoreçam o autocuidado, promovendo autonomia dos pacientes, prevenindo complicações e melhorando sua qualidade de vida.
Descritores: Diabetes Mellitus, conhecimento, crenças, influência, tratamento
Abstract
Introduction: Diabetes Mellitus (DM) is a chronic and degenerative syndrome that represents an important global public health problem. Patients’ perceptions and attitude towards Diabetes are influenced by their beliefs and knowledge about the disease. Therefore, it is important that the health professional knows and respects the patients’ beliefs to adapt their approach as health education programs must be carried out to increase knowledge about Diabetes, thus enabling a better selfcare and improvement quality of life. Aims: To identify the beliefs and knowledge of Diabetes Mellitus patients about their disease and to evaluate their influence on the treatment. Methods: Literature review using the following research bases: PubMed, Scielo, Google Academic and Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) in Portuguese and English. Results: Beliefs influence the conceptualization of Diabetes and selfcare practices. Knowledge, in general, is unsatisfactory and insufficient. Good results were observed when assessing the knowledge of patients enrolled in Diabetes education programs. It was also observed the acquisition of knowledge does not necessarily generates behavior change. Conclusion: The health professional must know and respect the beliefs of patients in order to have confidence and adapt their approach. Good knowledge about Diabetes enables the skills development in relation to the way in which selfcare is performed that motivates the patient to take care of himself. Diabetes education must be a permanente process to enable the construction and consolidation of knowledge that favors selfcare, promoting patients' autonomy, preventing complications and improving their quality of life. Keywords: Diabetes Mellitus, knowledge, beliefs, influence, treatment 1. Introdução
O Diabetes Mellitus (DM) é uma síndrome crônica e degenerativa que constitui um importante e crescente problema de saúde pública mundial, devido à elevada prevalência, morbimortalidade e custos do tratamento. Estimase que a população mundial com Diabetes é de aproximadamente 382 milhões de pessoas e que deverá atingir 471 milhões em 2035. No Brasil, há cerca de 13 milhões de pessoas vivendo com Diabetes. 1,2
Além do impacto financeiro para o paciente e para o sistema de saúde, esta doença é carregada de significados simbólicos e representa um choque emocional para os indivíduos e seus familiares. O paciente não está preparado para conviver com as limitações consequentes à esta condição crônica e muitas vezes o seu diagnóstico acaba por gerar sentimentos negativos perante a percepção do pouco controle sobre a sua vida, diminuindo a potência para agir e pensar, ou a felicidade de acordo com o conceito de Espinosa (filósofo holandês do século XVII): “Se uma coisa aumenta ou diminui, facilita ou reduz
a potência de agir do nosso corpo, a idéia dessa mesma coisa aumenta, facilita
ou reduz a potência de pensar de nossa alma” . Consequentemente, ocorre a
redução da qualidade de vida. 3
O Diabetes acaba por romper a harmonia orgânica, transcendendo a pessoa do doente, interferindo na vida familiar e comunitária, afetando profundamente seu universo de relações. O indivíduo passa a ter que mudar hábitos de vida já consolidados e assumir uma nova rotina, o que torna o controle e o acompanhamento desses pacientes uma tarefa complexa, influenciada por diversos fatores. 4,5
Conhecendo a dimensão da epidemiologia do DM e o que se observa na prática assistencial, podese perceber a relevância desta doença no contexto da saúde pública e da saúde do indivíduo e a importância de um rígido controle da mesma, visando prevenir complicações e melhorar a sua qualidade de vida. Para um controle efetivo do Diabetes é fundamental uma adequada adesão do indivíduo ao tratamento, que vai muito além do que simplesmente o ato de cumprir determinações do profissional de saúde. Neste processo, o paciente é influenciado por seus sentimentos, conhecimentos, crenças, desejos e atitudes a respeito da doença, pela sua condição socioeconômica, por familiares, amigos, mídia e deve ter autonomia para debater com os profissionais de saúde as recomendações e condutas, tornandose participante ativo do tratamento. 6 Logo, é fundamental que os profissionais de saúde levem em
A concepção de saúde e a forma como cada indivíduo encara e se comporta diante da doença são determinados a partir das experiências pessoais, que guardam íntima relação com seus valores e crenças. 7
O conhecimento dos pacientes a respeito do Diabetes é outro fator que possui grande influência no comportamento em relação à doença. Um bom conhecimento acerca da patologia possibilita o desenvolvimento de habilidades em relação à maneira de realizar o autocuidado que, por sua vez, estimulam e motivam o paciente a se cuidar. 8
Desta forma, este trabalho tem por objetivo realizar uma revisão da literatura para analisar de que forma as crenças e o conhecimento dos pacientes diabéticos acerca da sua doença influenciam no tratamento e demonstrar a importância de projetos de intervenção voltados para a educação em saúde. Este trabalho tem como objetivo principal fornecer resultados de estudos sobre as crenças e o conhecimento dos pacientes portadores de DM acerca de sua doença e de que forma influenciam no tratamento. Além disso, esperase demonstrar a importância de projetos de intervenção como os Programas de Educação em Saúde.
2. Métodos
O presente trabalho consiste em uma revisão de literatura sobre as crenças e o conhecimento dos pacientes portadores de DM acerca de sua doença e sua influência no tratamento.
Foram consultados artigos publicados em sites de pesquisa como PubMed, Scielo, Google Acadêmico e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), nas línguas portuguesa e inglesa.
O DM é uma síndrome crônica e degenerativa de etiologia multifatorial. Pode ocorrer por consequência à ausência de produção de insulina, como no Diabetes tipo 1, mais comum na infância, adolescência e início da idade adulta; ou pela redução da capacidade de produção de insulina pelo pâncreas e resistência dos tecidos periféricos à ação deste hormônio como ocorre no Diabetes Tipo 2, que representa cerca de 90% dos casos. Esta última aparece geralmente na idade adulta, embora sua prevalência esteja aumentando na população jovem, e está intimamente relacionada à síndrome metabólica e à obesidade. 9
Caracterizase por hiperglicemia crônica acompanhada de distúrbios do metabolismo de lipídios, carboidratos e proteínas. Pode apresentar ao longo de seu curso, complicações agudas como: hiperglicemia, hipoglicemia, cetoacidose e coma hiperosmolar hiperglicêmico e crônicas, que podem ser divididas em macrovasculares: coronariopatia, doença vascular periférica e doença cerebrovascular e microvasculares: nefropatia, retinopatia e ainda neurológicas: neuropatia. 9,10
Atualmente, podese afirmar que há uma verdadeira pandemia de DM em curso no planeta, configurandose num grave problema de saúde pública. Estimase que a população mundial com Diabetes é de aproximadamente 382 milhões de pessoas e que deverá atingir 471 milhões em 2035. Cerca de 80% desses indivíduos vivem em países considerados emergentes, onde a pandemia tem maior intensidade, com crescente proporção de pessoas afetadas em grupos etários mais jovens. O número de indivíduos diabéticos está aumentando devido ao crescimento e ao envelhecimento populacional, à maior urbanização, à crescente prevalência de obesidade e ao sedentarismo, bem como pela maior sobrevida de pacientes com DM. 1,2, 11
Hoje, no Brasil, há cerca de 13 milhões de pessoas vivendo com Diabetes, o que representa 6,9% da população. 2 Dados de 2011 e 2013 do
Ministério da Saúde colocavam o Diabetes como a quarta principal causa de morte. Na maioria dos países desenvolvidos, quando se analisa apenas a causa básica do óbito, verificase que o DM figura entre a quarta e a oitava posição. Estudos brasileiros sobre mortalidade por DM mostram que, quando se menciona DM na declaração de óbito, a taxa de mortalidade por essa enfermidade aumenta até 6,4 vezes. 12
O DM possui importante impacto em diferentes esferas. Sob o ponto de vista socioeconômico, podese afirmar que, devido à sua natureza crônica, à gravidade das complicações e os recursos necessários para controlálas, é uma doença muito onerosa não apenas para os indivíduos afetados e suas famílias, mas também para o sistema de saúde. 1 Os custos diretos com DM
variam entre 2,5 e 15% do orçamento anual da saúde de um país, dependendo de sua prevalência e do grau de complexidade do tratamento disponível.
Estudos de 2012 estimavam que os custos diretos para o Brasil oscilassem em torno de 3,9 bilhões de dólares, enquanto os custos do tratamento ambulatorial dos pacientes com diabetes pelo Sistema Único de Saúde são de aproximadamente US$ 2.108,00 por paciente, dos quais US$ 1.335,00 são relativos a custos diretos. 13,14 Além disso, muitos indivíduos com
Diabetes tornamse incapazes ou limitados para continuar a trabalhar já que o DM é a principal causa de amputação não traumática e de cegueira adquirida e importante causa de mortalidade, muitas vezes precoce, o que acarreta perda da produtividade. 2,15 Combinando as estimativas para 25 países
latinoamericanos, calculase que os custos decorrentes da perda de produção pela presença de DM podem ser cinco vezes maiores que os custos diretos. 16
Sob o ponto de vista do impacto dessa doença na vida do indivíduo e de seus familiares, podese destacar os custos intangíveis do Diabetes, como dor, ansiedade, angústia e perda de qualidade de vida. Muitas vezes, o diagnóstico do Diabetes é carregado de significados simbólicos e representa um choque emocional para o indivíduo, que não está preparado para conviver com as limitações decorrentes desta condição crônica, podendo gerar sentimentos de revolta, depressão, medo, culpa, baixa autoestima, insegurança e não aceitação. O Diabetes acaba por romper a harmonia orgânica, transcendendo a pessoa do doente, interferindo na vida familiar e comunitária, afetando profundamente seu universo de relações. O indivíduo passa a ter que mudar hábitos de vida já consolidados e assumir uma nova rotina que envolve disciplina rigorosa do plano alimentar, a incorporação ou aumento da prática de atividade física e uso permanente e contínuo de medicamentos, o que torna o controle e o acompanhamento desses pacientes uma tarefa complexa, influenciada por diversos fatores. 4,5
Tendo em vista a magnitude dos dados epidemiológicos referentes ao Diabetes e o que se observa na prática assistencial, podese perceber a relevância que esta doença possui no contexto da saúde pública e na saúde do indivíduo e a importância de um rígido controle da mesma, visando prevenir complicações e melhorar a sua qualidade de vida.
É essencial para um controle efetivo do Diabetes uma adequada adesão do indivíduo ao tratamento. Esta deve ser entendida muito além do que simplesmente o ato de cumprir determinações do profissional de saúde. Neste processo, o paciente é influenciado pela sua condição socioeconômica, por familiares, amigos, mídia e deve ter autonomia e habilidade para debater com os profissionais de saúde as recomendações e condutas, tornandose participante ativo do tratamento. 6 Para isso, é necessário que o paciente entre
em contato com seus sentimentos, conhecimentos, crenças, mitos, tabus, desejos e atitudes a respeito da doença e que os profissionais de saúde levem em consideração todos esses fatores no gerenciamento do seu tratamento. 4
Os costumes sobre as práticas de saúde, os valores, as percepções e o conhecimento dos pacientes em relação à doença e ao tratamento são diferentes daqueles pensados pelos profissionais de saúde pois, geralmente, fazem parte de grupos socioculturais, linguísticos e psicológicos distintos. A concepção de saúde e a forma como cada indivíduo encara a doença são determinados a partir das experiências pessoais, que guardam íntima relação com seus valores e crenças. 7
O conhecimento dos pacientes a respeito da doença é outro fator que possui grande influência no tratamento do Diabetes. Um bom conhecimento acerca da condição – componente cognitivo – possibilita o desenvolvimento de habilidades em relação à maneira de realizar o autocuidado – componente afetivo – que, por sua vez, estimulam e motivam o paciente a se cuidar – componente comportamental. 8
Portanto, cabe aqui questionar: de que forma as crenças e o conhecimento dos pacientes portadores de Diabetes acerca da sua doença influenciam no tratamento?
Crenças
Podese começar a responder este questionamento estabelecendo o conceito de crença como o “resultado do domínio da experiência, constituída de convicções não fundadas racionalmente e que modelam a conduta cotidiana”. 7
No universo da saúde as crenças são definidas como ideias, conceitos, convicções e atitudes tomadas pelos pacientes que estão relacionadas à saúde ou doença. 6
As crenças em saúde poderiam ser classificadas em cinco tipos, segundo Rokeach 17 :
I) Crenças primitivas consenso 100%: apreendidas pelo encontro direto com o objeto da crença, reforçadas por um consenso social unânime entre todas as referências de pessoas ou grupos. Representam as verdades básicas do indivíduo sobre a realidade física, social e a natureza do eu, não sendo sujeitas à discussão ou controvérsia;
II) Crenças primitivas – consenso zero: sua manutenção não depende do fato de ser compartilhada com outros. Não há referência de grupos ou pessoas fora do eu que possam discutir tal crença;
III) Crenças de autoridade: inicialmente primitivas que se modificam a partir da expansão do sistema de crenças, pela interação com o meio social, normalmente submetidas a uma autoridade consentida;
IV) Crenças derivadas: provenientes das crenças em determinadas autoridades. Exemplos: crenças ideológicas, originadas mais pela identificação com a autoridade religiosa, política – do que com o objeto da crença. Crenças obtidas através de fontes consideradas confiáveis como jornais e revistas também estão neste grupo.
V) Crenças inconsequentes: apresentam questões de gosto, tendo pouca ligação com as outras crenças e sua modificação não traz implicação para a organização do sistema de crenças do indivíduo.
O modelo apresentado acima permite avaliar a força das crenças no sistema organizado pelo indivíduo, o que poderia servir de base para a abordagem do mesmo caso se desejasse a modificação de determinada crença. Acreditase que quanto mais próxima da crença primitiva de consenso 100%, mais imutável seria.
Outro modelo que contribui para compreender o comportamento das pessoas na área da saúde é o Modelo de Crenças em Saúde (MCS) proposto por Becker 18 , que inclui um forte componente de motivação e do mundo
perceptual do indivíduo, procurando prever ações e atitudes dos indivíduos em relação às doenças, tendo em vista quatro variáveis interdependentes:
I) Susceptibilidade percebida: avalia a aceitação da possibilidade de contrair uma determinada condição ou patologia;
II) Severidade percebida: avalia a percepção da seriedade de uma determinada condição. O grau de seriedade pode ser julgado pelo grau de estimulação emocional criado pelo pensamento de uma doença, pelas dificuldades que o indivíduo acredita que irá enfrentar ou pelo simples conhecimento das complicações que aquela doença poderá trazer para a sua saúde e sua qualidade de vida;
III) Benefícios percebidos: o comportamento do indivíduo dependerá da crença de quão benéficas serão as alternativas para reduzir a ameaça à dada condição de saúde;
IV) Barreiras existentes: aspectos negativos percebidos pelo indivíduo em relação às ações em saúde. Ele pode perceber essas ações como caras, inconvenientes, desagradáveis, dolorosas ou que exigem muito tempo disponível. Essas qualificações das ações tornamse barreiras e criam motivos conflitantes.
Pontieri e Bachion, (2010) 6 em um estudo desenvolvido com nove
pacientes em uma unidade de referência para atendimento de diabéticos no SUS em um município no estado de Goiás, identificaram na análise das falas diferentes categorias de crenças. Com relação às recomendações recebidas sobre a alimentação, foram observadas crenças de autoridade, sobre as quais os profissionais de saúde das áreas de nutrição e medicina eram as referências. Estes, talvez por tentarem uma adesão mais significativa e estrita do paciente ao tratamento, utilizavam orientações simplistas e impositivas, carregadas de expressões como “não pode”, cuja tônica era a restrição e a proibição, o que pode contribuir para uma resistência do paciente ao plano alimentar.
Quanto à adesão à terapia nutricional, foi identificada a crença primitiva consenso zero de que a dieta é difícil de ser seguida, podendo constituirse como barreira à adesão do paciente ao tratamento. O conjunto das crenças identificadas denota baixa adesão à terapia nutricional. Segundo os autores, a baixa adesão ao tratamento poderia ser explicada pelo fato de que as mudanças necessárias ao indivíduo para que ele tenha sucesso no tratamento não estão acontecendo por não estarem sendo abordadas de maneira adequada no processo de atendimento em saúde.
Foi realizado por Rasxid 19 um estudo com cinco pacientes portadores de
diabetes no município de Piracicaba – SP no método de grupo focal, no qual a pergunta norteadora era “ O que os portadores de Diabetes podem ou não podem fazer? ”. Após a análise dos discursos, identificouse fatores cognitivos e afetivos nos portadores de Diabetes que poderiam influenciar no comportamento alimentar e social dos indivíduos.
Determinaramse então quatro categorias: crenças, tabus, mitos e aspectos afetivos – atitudes e sentimentos. As crenças ficaram bastante evidentes e tiveram maior destaque na área de terapia alternativa, com relatos de grande utilização de ervas e plantas devido às histórias passadas de geração em geração. Além disso a desconfiança em relação à medicina convencional, acarretava uma maior busca por tratamentos alternativos, acreditando ter efeitos mais eficazes. Os mitos eram influenciados por familiares e amigos, e se relacionaram com o tipo de alimentação que o diabético poderia ou não consumir, enquanto os tabus determinavam a maneira de se alimentar dos pacientes, entendendo a alimentação do diabético como um regime, com muitas restrições, proibições e opções reduzidas.
Todas essas categorias estão atreladas aos aspectos afetivos, logo, as atitudes em relação à pratica alimentar e ao tratamento medicamentoso, são influenciadas pelo que se sente em relação aos alimentos e medicamentos.
Sendo assim, concluise que é extremamente importante que o profissional de saúde conheça os comportamentos cognitivos do paciente diabético, pois estes sempre irão existir, independentemente do surgimento de novos estudos científicos.
Nunes 20 desenvolveu em 2004 um estudo no distrito de Viseu em
Portugal, com 266 pacientes diabéticos tipo 1, com o objetivo de investigar a relação das variáveis psicossociais com a qualidade de vida e a gestão da DM tipo 1, e verificou que a qualidade de vida estava associada com as crenças em saúde, observando que, quanto maior a percepção dos obstáculos e benefícios do tratamento e a percepção de gravidade e vulnerabilidade às complicações do Diabetes, maior a qualidade de vida.
Jannuzzi et al 21 realizaram uma pesquisa com 17 pacientes diabéticos
em acompanhamento ambulatorial com o objetivo de identificar as crenças comportamentais, normativas, de controle e de autoeficácia, relacionadas ao comportamento de adesão aos antidiabéticos orais, utilizando a Teoria do Comportamento Planejado (Theory of Planned Behavior – TPB) 22 , um dos
principais modelos utilizados para estudar comportamentos em saúde. Tal modelo postula que as crenças impactam os fatores preditores da intenção (motivação) – determinante imediato do comportamento. Assim, identificar as crenças relacionadas à adesão medicamentosa é essencial para compreender as ações de autocuidado adotadas, uma vez que representam as opiniões sobre as orientações de saúde, com base em conhecimentos próprios ou em experiências vividas, permitindo que se rejeite ou aceite as condutas prescritas. Os resultados demonstrados nas tabelas abaixo evidenciam que a adesão aos antidiabéticos orais é um comportamento complexo permeado por crenças comportamentais, normativas e de controle que devem ser consideradas na avaliação dos determinantes do comportamento. A investigação da influência das crenças na intenção em aderir aos antidiabéticos orais pode fornecer subsídios para intervenções focadas na promoção da adesão medicamentosa entre pacientes com DM.
Tabela 1 Crenças comportamentais. 21 Crenças comportamentais % Tomar os medicamentos para o tratamento do diabetes exatamente como prescritos... Provoca reações adversas 82,4 Mantém a glicemia e o diabetes sob controle 58,8 Evita complicações do diabetes 52,9 Evita internações e a morte 41,2 Evita ou retarda a indicação de insulina 29,4 Provoca sintomas de hipoglicemia 29,4 Melhora os sintomas de hiperglicemia 23,5 Quadro 1 – Falas dos pacientes: crenças comportamentais “Não é normal ficar soltando o intestino desse jeito. Pode desidratar. Às vezes começa a dar suador, a língua adormece. Aí, eu tenho que comer uma coisa salgada ou uma coisa doce. Sempre dá isso aí em mim. Ela descontrola. Então, eu acho que é o uso do medicamento direto.” (Sujeito 16). “Então, os remédios controlam o açúcar mais que a dieta. Daí, nesses dias que eu não estou tomando, ele tá subindo.” (Sujeito 2). “Agora se não tomar, mais tarde vêm as complicações. Eu tenho medo de complicar sim, porque na família teve um caso desses e eu tinha que cuidar dessa pessoa. Só que ela não tomava os medicamentos.” (Sujeito 16).
Tabela 2 Crenças normativas. 21 Crenças normativas % Ao tomar os medicamentos para o tratamento do diabetes exatamente como prescritos, seria aprovado por... Meus filhos 70,6 Meu médico 58,8 Meu esposo ou esposa 52,9 A equipe de enfermagem 17,6 Ao tomar os medicamentos para o tratamento do diabetes exatamente como prescritos, não seria aprovado por... Conhecidos que são diabéticos e não aderem ao tratamento 58,8 Quadro 2 – Falas dos pacientes: crenças normativas “Um dos filhos sempre me ajuda. Se não me lembrarem, eu não tomo nenhum. Eu esqueço. Minha ideia de uns tempos pra cá fugiu muito. Fica mais difícil.” (Sujeito 8). “Eu sigo as ordens dos médicos, confio muito neles.” (Sujeito 7). “Ele (aponta para o marido) que ajuda, que vai buscar. Porque o posto é meio longe e como eu tenho essas dores nas pernas, ele pega e vai buscar. Me dá a receita aí, ele fala. Tem as enfermeiras na reunião dos diabéticos. Elas falam assim: a tal da diabetes mata, né? Tem que cortar a perna, não pode machucar.” (Sujeito 2). “Tem uma prima da minha esposa que fala assim: “minha avó tinha diabetes desde 30 anos, nunca tomou remédio e morreu com 90. Larga mão disso”. Ela faz assim e acha que tô fazendo mal porque me proíbem de comer tantas coisas. Ela acha que é por isso que tô sofrendo à toa, que não precisa tomar isso, não.” (Sujeito 7). Tabela 3 Crenças de controle. 21
Crenças de controle % Tornase mais fácil a tomada dos medicamentos para o tratamento do diabetes exatamente como prescritos... Adquirir os medicamentos de forma gratuita 70,6 Associar a tomada de medicamentos aos marcadores temporais 29,4 Levar os comprimidos ao sair de casa 29,4 Diferenciar os medicamentos por cor, formato e tamanho 17,7 Ter rotinas e controle das atividades diárias 11,8 Tornase mais difícil a tomada dos medicamentos para o tratamento do diabetes exatamente como prescritos... Ter que tomar os medicamentos mais do que uma vez por dia 23,5 Quadro 3 – Falas dos pacientes: crenças de controle “Pegar no posto facilita […] Tem dia que você não tem um real pra comprar pão. Eu acabo de almoçar, e já tomo em cima, com o estômago cheio.” (Sujeito 17). “Quando eu saio eu levo. Faz parte já. É que nem minha carteira: pra onde vou, eu levo.” (Sujeito 7) “Eu não sei o nome, mas sei pela cor e pelo tamanho. Alguns são tudo igual.” (Sujeito 12) “Eu tenho horário pra tudo, pro café, pro almoço, pro café da tarde, pra janta, tudo. Eu tenho horário pra tudo.” (Sujeito 4) “ Tem que tomar cedo e à noite, e é isso aí que que uma vez por dia dificulta o comportamento de aderir me atrapalha. Melhor se fosse só uma vez.” (Sujeito 10) Tabela 4 Crenças de autoeficácia. 21 Crenças de autoeficácia %
Eu me sinto capaz de tomar os medicamentos para o tratamento do diabetes exatamente como prescritos devido... À compreensão da receita e da forma de uso dos medicamentos 35,3
Às vezes, eu não me sinto capaz de tomar os medicamentos para o tratamento do diabetes exatamente como prescritos devido ao... Ao esquecimento 17,6 Quadro 4 – Falas dos pacientes: crenças autoeficácia “ A única coisa que eu tava comentando é que tem remédio aqui que eu tava tomando e nem sabia prá quê que era. […] Mas, entendendo prá que serve fica mais fácil.” (Sujeito 13) “[…] quando a gente lembra, né? Eu trabalho, e levo os remédios no trabalho. O problema é que a gente esquece, fica envolvido.” (Sujeito 14)
Xavier et al 7 desenvolveram um estudo com nove pacientes portadores
de Diabetes Tipo 2 em uma instituição de saúde privada, localizada em FortalezaCE, cujo objetivo era conhecer as crenças que permeavam as atitudes de autocuidado dos diabéticos. Analisando os discursos dos entrevistados foram encontradas três categorias de significação: a influência das crenças na conceituação do Diabetes; as crenças, o autocuidado e as práticas cuidativas e a crença no papel da família, da mídia e dos profissionais de saúde no autocuidado.
Com relação à influência das crenças na conceituação do Diabetes evidenciouse que, segundo o saber popular, esta doença é incurável e surge devido ao “sangue fraco” ou ao “sangue virando água”. Os diabéticos percebem a ‘força” da doença em seus corpos, que ficam à mercê dos efeitos da doença. Podese inferir que o Diabetes significa muito mais do que um conjunto de sintomas, possuindo muitas representações simbólicas, como percebidas nas falas desses pacientes:
“Eu acho que é o sangue fraco [...] A gente não poder trabalhar. Não pode andar no mundo.” (Sujeito 3)
“É o sangue virando água né [...] Quem tem Diabetes não pode ser muito feliz
não.” (Sujeito 5)
Outras frases interessantes surgiram ao longo da entrevista, apontando
a relação das crenças com as práticas do autocuidado em Diabetes:
”Eu tenho cuidado né... pra não comer nada pesado, pra não comer nada
coisado assim né, pra não sentir mal... pra diminuir a diabetes né...” (Sujeito 1)
“O meu dia a dia é assim, eu sigo a minha dieta... no caso na minha casa,
assim, refrigerante só entra se for diet, sorvete também...” (Sujeito 2)
“Agora a alimentação é que eu acho fraca porque é verdura, fruta e carne
moída... gordura de jeito nenhum... Açúcar eu não como... ninguém come
farinha, ninguém come tapioca.” (Sujeito 3)
“Eu só faço almoçar e jantar. A doutora diz que é pra mim comer três vezes.
Deus me livre mulher, se eu comer três vezes eu vou inchar.” (Sujeito 4)
Observase que, enquanto para alguns (sujeitos 1 e 2) parece não haver grandes dificuldades em relação à alimentação adequada, para outros (sujeito 3) o plano alimentar recomendado parece tirar o prazer de comer.
Na sociedade ocidental alguns hábitos alimentares são tidos como tabus, considerando alguns alimentos nocivos e proibindo a alimentação de outros. É o que se expressa nas falas dos sujeitos 1 e 4.
Percebese que as crenças influenciam diretamente as escolhas alimentares. A alimentação humana parece estar muito mais vinculada às exigências tradicionais do que às próprias necessidades fisiológicas.
As crenças e as práticas relacionadas à alimentação são difíceis de serem modificadas, mesmo quando interferem com a nutrição adequada. 23
A alimentação envolve questões históricas, culturais e antropológicas como a relação da cultura com a natureza, o simbólico e o biológico. Alimentarse é um ato vital, mas, ao alimentarse, o ser humano cria práticas e atribui significados àquilo que está incorporando a si mesmo, o que vai além da utilização de alimentos pelo organismo. 24
A busca pelo cuidado alternativo também foi demonstrada pelos entrevistados deste estudo através de crenças que denunciavam a ingestão de fitoterápicos de forma indiscriminada.
“Eu faço chá de quebrapedra que é amargoso [...] Pro Diabetes é a
mesma coisa, também é muito bom, porque o Diabetes não quer nada doce, só
quer amargo. [...] Diabetes é só coisa amargosa.” (Sujeito 3)
“Eu tomo o chá da mãodavaca [...] A mãodavaca é pra abaixar o
diabete. [...] Eu já tô com vontade de deixar de ficar ou sem as pílulas ou sem o
chá.” (Sujeito 4)
“Eu plantei agora um galhinho que é muito bom – a insulina – é uma
plantinha verde... É pra mim tomar o chá dela direto que é muito bom. Eu
aprendi com uma conhecida minha que ela tinha Diabetes e ela tomava...”
(Sujeito 5)
Os tratamentos alternativos aparecem como “ajuda” ao tratamento
convencional, mesmo com resultados muitas vezes questionáveis. Algumas ervas são tradicionalmente utilizadas para Diabetes, sendo seu conhecimento passado de geração para geração, independentemente da indicação do profissional de saúde.
O uso de práticas baseadas no saber popular não está presente apenas na falta de esclarecimento ou de recursos financeiros por parte da população. As crenças e práticas baseadas no saber popular e em experiências empíricas são adotadas como ferramentas destinadas à manutenção da saúde ou cura de doenças, se justificando, principalmente, pela crença na ação terapêutica.
Com relação à terceira categoria identificada nos discursos – A crença no papel da família, da mídia e dos profissionais de saúde no autocuidado – observase que os comportamentos de autocuidado dos indivíduos em relação ao Diabetes são influenciados de maneira importante por esses agentes. Nas falas a seguir percebese a relevância do componente familiar nos comportamentos de autocuidado, tendo a família um papel de incentivadora dos comportamentos.
“[...] porque a família deve ajudar a pessoa que é diabética, evita na
frente dele ou dela a alimentação que ele não pode que é o caso na minha
casa...”. (Sujeito 2)
“A família tanto se cuida como cuida da outra pessoa, ta sempre ali,
fulano tomou o remédio? Lá em casa estão sempre me lembrando porque eu
sou um pouco esquecido... ” (Sujeito 6)
Nessa relação, a família motiva ações autocuidativas, além de demonstrar sentimentos de afeto, cooperação e solidariedade.
Os meios de comunicação, principalmente a televisão, foram considerados incentivadores da prática de autocuidado do Diabetes. Nas falas encontrase a crença de que a televisão fornece informações sobre a necessidade do autocuidado, incentivando a busca de orientação profissional.
“[...] as meninas vê na televisão e disse que viu na televisão sobre a
Diabetes e me diz "olhe mãe ta vendo? tá passando na televisão pra pessoa
com diabetes fazer viu?". (Sujeito 5)
“Porque eu assisto muita televisão e vejo os doutores dizendo que o
nosso corpo precisa do açúcar, precisa da gordura, agora não só comer toda
hora, todo instante aquilo, mas lá uma vez na vida eu faço.” (Sujeito 4)
Percebese então, que a mídia, especialmente a televisão, influencia os sujeitos, na medida em que produz imagens e significações. É capaz de fornecer saberes que de alguma forma se dirigem à "educação" das pessoas, ensinandolhes modos de ser e estar na cultura em que vivem.
É atribuída ao diabético, muitas vezes, a responsabilidade pelo sucesso ou não do autocuidado, no entanto, precisamos ficar atentos às práticas veiculadas nos meios de comunicação de massa, já que é dentro de um processo quase mágico, veloz e sutil que mensagens formas simbólicas, dos tipos mais diversos, passam a interagir com as diversas culturas, criando representações e transformando relações. 25
Além da mídia, o relacionamento entre o profissional de saúde e o paciente mostrouse fundamental na orientação nas práticas de autocuidado.
“[...] a doutora disse que é muito bom caminhar né... que eu não
caminhava... Eu acredito em Deus e acredito nos médicos em segundo né.”
(Sujeito 2).
“ Eu me cuido o que a doutora me explica como é. O que eles me ensinarem, eles me explicam, e tem as consultas e eu vou né.” (Sujeito 3).
“A doutora me explica como é, no dia que dá, eu gosto de participar das
palestras porque é muito animado, eu aprendo.” (Sujeito 9).
Portanto, o profissional de saúde parece ser a pessoa mais indicada para orientar a respeito das práticas de autocuidado que possam garantir a eficácia da adesão ao tratamento, desde que ele conheça e respeite as crenças dos pacientes. Entendese que o paciente com DM está apto a aprender a cuidar de si, mas o modo como se ensina tem sido insuficiente porque ele não associa o cuidado à sua crença. Logo, o profissional deve ser flexível para adaptar a sua abordagem aos fatores que possam influenciar a capacidade e a vontade do paciente de aprender sobre o Diabetes. 26
O conhecimento dos pacientes diabéticos acerca de sua doença é uma das bases fundamentais para o sucesso do tratamento. Um bom conhecimento acerca da condição possibilita o desenvolvimento de habilidades em relação à maneira de realizar o autocuidado que, por sua vez, estimulam e motivam o paciente a se cuidar, seguindo um adequado plano alimentar, iniciando ou aumentando a prática de atividade física, cuidando dos pés e realizando o controle regular da glicemia capilar, prevenindo desta forma, episódios de complicações agudas como a hipoglicemia e complicações crônicas, e melhorando sua qualidade de vida. 8
Indivíduos com baixa escolaridade e com alfabetismo em saúde insuficiente representam um grupo que tende a apresentar maiores dificuldades em compreender a doença e suas consequências, estando sujeitos consequentemente, à sofrerem com as complicações do Diabetes. Um estudo utilizando o Spoken Knowledge in Low Literacy Patienes with Diabetes
(SKILLD) 27 , instrumento originalmente criado na língua inglesa para avaliar o
conhecimento de pacientes com baixa escolaridade acerca do Diabetes e traduzido para o português nesta pesquisa, demonstrou grande percentual de erros nas respostas dos entrevistados e uma associação do SKILLD com a escolaridade (82,9% tinham Ensino Médio incompleto), o tempo de doença, uso de insulina e alfabetismo funcional em saúde.
Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) divulgado em 2014, o Brasil ocupa o 8 olugar
dentre 150 países com o maior número de analfabetos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes à Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) realizada em 2012 mostram que a taxa de analfabetismo de pessoas com 15 anos ou mais foi estimada em 8,7%, cerca de 13,2 milhões de brasileiros. Coincidentemente, número muito semelhante ao de portadores de DM. A situação fica ainda mais estarrecedora quando se considera os analfabetos funcionais: 27% da população brasileira não é capaz de interpretar textos e fazer operações matemáticas mais elaboradas. 28,29
Diversos estudos se dedicaram a analisar o conhecimento dos pacientes diabéticos acerca de sua doença. Nascimento et al 30 realizaram um estudo com
20 pacientes diabéticos para investigar o conhecimento destes a respeito das lesões desenvolvidas em membros inferiores e constataram que 50% tinham o entendimento de que o pé diabético constitui uma das principais complicações do DM e 40% não realizavam nenhum tipo de prevenção para evitar lesões nos membros inferiores.
Rocha e Filho 31 , ao analisarem o conhecimento de pacientes em uma
área de Estratégia de Saúde da Família, verificaram que a maioria possuía conhecimento insuficiente sobre as práticas de autocuidado bem como das complicações desencadeadas pela não realização destas. Nem mesmo com as orientações da equipe multiprofissional da Unidade Básica de Saúde os pacientes conseguiam realizar adequadamente a rotina de medicamentos e as demais práticas domiciliares de autocuidado.
Outro estudo que analisou o conhecimento e atitude de 79 pacientes em relação ao Diabetes, demonstrou resultado insatisfatório quanto ao conhecimento e ao autocuidado. Em relação às atitudes verificouse dificuldades para o enfrentamento da doença. 32
Neste contexto, há que se destacar a importância de se desenvolver programas e atividades de educação em saúde para os diabéticos e seus familiares. A educação em Diabetes deve ser um processo permanente, gradativo, contínuo e interativo, de forma a possibilitar ao paciente a construção e a consolidação de conhecimentos que favoreçam o autocuidado, promovendo a autonomia dos pacientes. 33 Em resumo, a educação em
Otero et al 33 desenvolveram um estudo prospectivo cujo objetivo era
avaliar o conhecimento de pacientes diabéticos acerca de sua doença, antes e depois da implementação de um programa educativo. Foram entrevistados 54 pacientes sobre aspectos gerais do DM. Verificouse que houve ganho significativo de conhecimento com relação ao conceito, fisiopatologia, tratamento, atividade física e alimentação. Observouse ainda que a aquisição de conhecimento não necessariamente se traduz em mudança de comportamento.
Desta forma, fica claro que é necessário além de disponibilizar ao paciente todas as informações acerca do autocuidado, acompanhálo ao longo do tempo, contribuindo para a tomada de decisões frente às situações que a doença impõe.
Cinco anos após este estudo referido acima, Chagas et al 34 realizaram
uma nova pesquisa com 40 desses pacientes para analisar se o conhecimento adquirido com o programa educativo ainda estava consolidado e verificaram que os itens que obtiveram maior percentual de acertos foram relacionados ao conhecimento das complicações crônicas, ao cuidado com os pés, à automonitorização da glicemia capilar e ao conceito, fisiopatologia e tratamento do DM. Por outro lado, itens relativos à alimentação e apoio familiar necessitavam de maior incremento.
Estes estudos demonstram que é recomendável que haja reforço contínuo dos ganhos de conhecimento adquiridos com o programa educativo, para propiciar a adoção duradoura de comportamentos de autocuidado. O processo de educação em saúde deve ser permanente para assegurar a consolidação do conhecimento adquirido.
Os programas educativos em Diabetes podem ter estratégias tanto para abordagem em grupo quanto individual. Um estudo realizado por Torres et al 35
comparou essas duas estratégias e concluiu que a mudança de comportamento alimentar e das práticas de atividades físicas nos pacientes com DM Tipo 2 está condicionada à melhora dos conhecimentos e à modificação de atitudes sobre a doença.
Observouse neste estudo que o tempo de contato, o número de profissionais e de sessões da educação em grupo e individual promoveram melhora de conhecimento e atitudes, favorecendo a mudança de comportamento dos pacientes para aderirem ao plano alimentar e à atividade física. Os resultados da educação em grupo e individual foram semelhantes no que diz respeito ao ganho de conhecimento, na mudança de comportamento e na qualidade de vida. Observouse redução dos níveis de hemoglobina glicada (HbA1c) nos dois grupos, porém esta foi mais significativa na estratégia de educação em grupo.
Segundo alguns autores 36,37 , o aumento do conhecimento e a
modificação das atitudes não necessariamente melhoram a glicemia e reduzem o peso. É necessário que o paciente passe a aderir ao plano alimentar adequado e pratique atividades físicas regularmente. Além disso, deve entender sua doença e ser encorajado a seguir as orientações educativas. A educação combinada com a terapia de comportamento pode trazer grandes benefícios para os diabéticos, fortalecendo e estimulando a decisão de sustentarem o regime terapêutico. 38
Martin et al 39 avaliaram os conhecimentos dos pacientes diabéticos com
DM antes e após atividade educativa sobre cuidados com os pés e verificaram que houve diferença significativa nos cuidados com os pés, incluindo: corte de unhas, calçado adequado, não andar descalço, uso de meias de algodão, sem elásticos e hidratação dos pés.
Costa et al 40 desenvolveram um estudo com o objetivo de analisar e
ampliar o conhecimento dos pacientes diabéticos sobre sua doença através de palestras educativas e grupos de trabalho com temas relacionados às complicações do Diabetes. Foram aplicados questionários antes e após o programa de educação em saúde e constatouse melhora no conhecimento referente aos sintomas da hipoglicemia e prevenção de lesões em membros inferiores. O número de pacientes que não acreditavam que a doença pudesse ser assintomática se manteve elevado, o que pode ser explicado pelo fato dos entrevistados já serem portadores da doença e, logo, conhecerem os sintomas. No entanto, é função da equipe de saúde melhorar a abordagem deste tópico de fundamental importância, uma vez que o indivíduo que aguarda ter sintomas para procurar assistência médica, pode já ter complicações se desenvolvendo em seu organismo.
4. Discussão
A revisão bibliográfica demonstra de forma contundente a influência que
as crenças e o conhecimento dos pacientes diabéticos acerca da sua doença possuem sobre o tratamento.
Sabese que o diagnóstico desta patologia é carregado de significados simbólicos e, muitas vezes, representa um choque emocional para o indivíduo, que passa ter que mudar hábitos de vida consolidados e assumir uma nova rotina que envolve alimentação, atividade física e tomada de medicamentos. É necessário, portanto, uma mudança de atitude e comportamento para que haja uma adequada adesão ao tratamento e o sucesso terapêutico seja alcançado, prevenindo a ocorrência de complicações. 4,5
O processo de adesão vai muito além do o ato de cumprir determinações do profissional de saúde. Neste processo, o paciente é influenciado pela sua condição socioeconômica, por familiares, amigos, mídia e deve ter autonomia e habilidade para debater com os profissionais de saúde as recomendações e condutas, tornandose participante ativo do tratamento. 6
Para isso, é necessário que o paciente entre em contato com seus sentimentos, conhecimentos, crenças, mitos, tabus, desejos e atitudes a respeito da doença e que os profissionais de saúde levem em consideração todos esses fatores no gerenciamento do seu tratamento. 4
A concepção de saúde e a forma como cada indivíduo encara a doença são determinados a partir das experiências pessoais, que guardam íntima relação com seus valores e crenças. 7
Uma interessante definição propõe que a crença é “resultado do domínio da experiência, constituída de convicções não fundadas racionalmente e que modelam a conduta cotidiana”. 7
No universo da saúde as crenças são definidas como ideias, conceitos, convicções e atitudes tomadas pelos pacientes que estão relacionadas à saúde ou doença. 6
Estudos que procuraram identificar as crenças dos pacientes diabéticos acerca da doença demonstraram que estas influenciam na conceituação do Diabetes e nas práticas de autocuidado (alimentação, adesão aos antidiabéticos orais, uso de terapias alternativas). 6,7,19,21
Quanto à alimentação destacamse as crenças sobre o que um paciente com Diabetes pode ou não pode comer e o fato de muitos pacientes entenderem a alimentação do diabético como algo restritivo e proibitivo, o que muitas vezes contribui para uma resistência ao plano alimentar adequado. 7,21
Com relação à adesão aos antidiabéticos orais, podese destacar as crenças relativas aos efeitos colaterais e à eficácia dos mesmos. 21
Quanto às terapias alternativas, foram identificadas crenças relativas ao uso de ervas e plantas passadas de geração para geração ou indicadas por amigos e vizinhos. 7,19
Sendo assim, é extremamente importante que o profissional de saúde conheça e respeite as crenças do paciente com Diabetes, pois estes sempre irão existir, independentemente do surgimento de novos estudos científicos e isto possibilita uma adaptação da abordagem aos fatores que possam influenciar a capacidade e a vontade do paciente de aprender sobre o Diabetes.
Estudos que avaliaram o nível de conhecimento dos pacientes diabéticos acerca da doença através de questionários, demonstraram que, na maior parte das vezes, o conhecimento é insatisfatório e insuficiente. Há que se destacar aqui que tais estudos foram realizados no Brasil, país que possui um assustador e vergonhoso número de 13,2 milhões de analfabetos (8,7% da população) e 27% de analfabetos funcionais, o que, sem dúvidas, tem papel importante na falta de compreensão adequada de uma doença tão prevalente. 28,29,30,31,32,39
No entanto, resultados satisfatórios e animadores foram observados quando se avaliou o conhecimento de pacientes inseridos em programas de educação em Diabetes. Quando se comparou o índice de acerto às perguntas dos questionários antes e após os programas educativos, verificouse aumento considerável no conhecimento. Observouse ainda que a aquisição de conhecimento não necessariamente se traduz em mudança de comportamento. 3336,38,40
Desta forma, fica claro que é necessário além de disponibilizar ao paciente todas as informações acerca do autocuidado, acompanhálo ao longo do tempo, contribuindo para a tomada de decisões frente às situações que a doença impõe.
A educação em Diabetes deve ser um processo permanente, gradativo, contínuo e interativo, de forma a possibilitar ao paciente a construção e a consolidação de conhecimentos que favoreçam o autocuidado, promovendo a autonomia dos pacientes. 33
O conhecimento dos pacientes diabéticos acerca de sua doença é um dos pilares para o sucesso do tratamento. Um bom conhecimento acerca da condição possibilita o desenvolvimento de habilidades em relação à maneira de realizar o autocuidado que, por sua vez, estimulam e motivam o paciente a se cuidar, seguindo um adequado plano alimentar, iniciando ou aumentando a prática de atividade física, cuidando dos pés e realizando o controle regular da glicemia capilar, prevenindo desta forma, complicações e melhorando sua qualidade de vida. 8
5. Conclusão
Utilizando o conceito do materialismo dialético de Marx 41 no qual o
critério de verdade é a prática social, podese concluir que a verdade em relação à esta revisão bibliográfica é que a crença e o conhecimento dos pacientes diabéticos acerca de sua doença possuem importante influência no tratamento.
A literatura demonstra que as crenças dos pacientes portadores de Diabetes influenciam na conceituação da doença e nas práticas de autocuidado.
Estudos que avaliaram o conhecimento dos pacientes diabéticos acerca da doença, demonstraram que, em geral, o conhecimento é insuficiente para que um tratamento adequado seja realizado.
No entanto, resultados positivos foram observados quando se avaliou o conhecimento de pacientes inseridos em programas de educação em Diabetes. Observouse ainda, que a aquisição de conhecimento não necessariamente se traduz em mudança de comportamento.
Concluise, portanto, que os profissionais de saúde devem conhecer e respeitar as crenças dos pacientes para que possam adaptar a abordagem e que é necessário ampliar os programas de educação em Diabetes. Este deve ser um processo permanente, para possibilitar ao paciente a construção e a consolidação de conhecimentos que permitam o desenvolvimento de habilidades de autocuidado, estimulando o paciente a se cuidar, promovendo sua autonomia, prevenindo complicações e melhorando sua qualidade de vida.
6. Referências
1. World Health Organization. The world health report 2002: reducing risks, promoting healthy life . World Health Organization. 2002.
2. Diretrizes Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) 20152016. Sociedade Brasileira de Diabetes. 2016.
3. Lima OF. O conceito de felicidade em Espinosa. 2008;1:1.
4. Péres DS, dos Santos MA, Zanetti ML, Ferronato AA. Dificuldades dos pacientes diabéticos para o controle da doença: sentimentos e comportamentos. Revi LatAm Enferm. 2007;15:110512.
5. de Lima SM. Papel da psicologia no acompanhamento do paciente com diabetes. Rev Hosp Univ Pedro Ernesto. 201514(4).
6. Pontieri FM, Bachion MM. Crenças de pacientes diabéticos acerca da terapia nutricional e sua influência na adesão ao tratamento. Cien Saúde Col. 2010;15:15160.
7. da Franca Xavier AT, Bittar DB, de Ataíde MBC. Crenças no autocuidado em diabetesimplicações para a prática. Texto Contexto Enferm. 2009;18:12430.