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SUCINTAS NOTAS ACERCA DA INTERVENÇÃO ESTATAL NA PROPRIEDADE PRIVADA

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Academic year: 2021

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RVMD, Brasília, V. 12, nº 1, p. 206-218, Jan-Jun. 2018

SUCINTAS NOTAS ACERCA DA INTERVENÇÃO ESTATAL NA PROPRIEDADE PRIVADA

SUCCINCT NOTES ABOUT STATE INTERVENTION IN PRIVATE PROPERTY

William Eufrásio Nunes Pereira

Resumo: O objetivo deste paper é apresentar

sucintamente algumas considerações históricas, políticas e, principalmente, jurídicas sobre a origem da propriedade privada e do estado, como também sobre a intervenção deste segundo sobre o primeiro. Busca-se rever os fundamentos históricos do surgimento da propriedade privada e as origens da intervenção estatal segundo as concepções liberais clássicas, suas críticas e o contexto político-jurídico atual. Não se quer determinar datas de origens do Estado ou da propriedade, mas tão somente discutir algumas questões sobre o intervencionismo estatal sobre a propriedade privada, partindo do liberalismo clássico, fonte primeira das explicações sobre o intervencionismo. Pretende-se assim, apresentar a gênesis da propriedade privada e do Estado, discutir o intervencionismo estatal a partir da visão clássica liberal e apresentar as normas jurídicas que norteiam o intervencionismo atual no Brasil. Para cumprir tal desiderato, realizou-se uma pesquisa bibliográfica que desse o suporte para as concepções históricas, políticas e jurídicas deste ensaio que se divide em três partes, além dessa introdução e da conclusão. Na primeira apresenta-se a origem da propriedade privada e do estado. A segunda discute o intervencionismo estatal a partir dos liberais clássicos e a terceira apresenta uma síntese dos dispositivos jurídicos pelos quais o intervencionismo estatal interfere sobre a propriedade. O paper conclui apresentando a constatação de que o estado moderno interfere sobre a propriedade privada crescentemente, devido a assunção da função social da propriedade que se sobrepõe aos direitos de propriedade privada. O social se sobrepõe ao individual.

Palavras-chave: Estado. Propriedade Privada.

Intervenção.

Abstract: The aim of this "paper" is briefly present

some historical considerations, political and especially juridical about the origin of private property and the state, but also on the intervention of the latter over the former. The aim is to review the historical background of the emergence of private property and the origins of state intervention according to the classical liberal conceptions, their criticisms and the current political and legal context. This is not to determine origins dates of the state or property, but only discuss some issues about state interventionism on private property, based on the classical liberalism, first source of explanations of interventionism. The aim is to submit the genesis of private property and the state, to discuss the state interventionism from the classical liberal view and present the legal rules that govern the current interventionism in Brazil. To fulfill this aim, it carried out a literature search to give support to the historical conceptions, political and legal of this essay is divided into three parts, besides this introduction and conclusion. The first shows the origin of private property and the state. The second discusses the state interventionism from the classical liberals and the third presents an overview of the legal provisions that state interventionism interferes with the property. The paper concludes by presenting the finding that the modern state interferes with private property increasingly due to assumption of the social function of property that overrides the private property rights. Social overrides the individual.

Keywords: State. Private property. Intervention.

SUMÁRIO: Introdução. 1. A origem da propriedade privada e do estado moderno 2. O intervencionismo estatal

sobre a propriedade: do liberalismo a contemporaneidade 2.1 Relação entre o estado e a propriedade privada 2.2 As formas de intervenção do estado na propriedade privada. Conclusão. Referências.

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INTRODUÇÃO

A origem do vocábulo ESTADO 1 diverge da origem do fenômeno ESTADO, para o

qual existem diversas teorias explicativas, muitas das quais não conclusivas. O Estado como é conhecido hoje é um fenômeno recente, cujas características, objetivos e implicações são pontos de constantes divergências entre as teorias que se propõem analisá-lo.

Quanto a propriedade privada, a origem desta é mais antiga e está diretamente vinculada a passagem de um estágio humano tribal-primitivo para uma sociedade classista mais avançada. Veremos que o surgimento da propriedade privada é o ponto de partida para o desenvolvimento humano enquanto civilização. Na sociedade capitalista a relação entre estado e propriedade privada torna-se complicada, permeada de interesses políticos, historicamente definidos.

O objetivo deste paper é apresentar sucintamente algumas considerações históricas, políticas e, principalmente, jurídicas sobre a origem da propriedade privada e do estado, como também sobre a intervenção deste segundo sobre o primeiro. Nesse desiderato, busca-se rever os fundamentos históricos do surgimento da propriedade privada e as origens da intervenção estatal segundo as concepções liberais clássicas, suas críticas e o contexto político-jurídico atual. Não se quer determinar datas de origens do Estado ou da propriedade. Pois o mesmo é uma missão impossível, mas tão somente discutir algumas questões sobre o intervencionismo estatal sobre a propriedade privada, partindo do liberalismo clássico, fonte primeira das explicações sobre o intervencionismo. Pretende-se assim, apresentar a gênesis da propriedade privada e do Estado, discutir o intervencionismo estatal a partir da visão clássica liberal e apresentar as normas jurídicas que norteiam o intervencionismo atual no Brasil.

Para cumprir tal desiderato, realizou-se uma pesquisa bibliográfica que desse o suporte para as concepções históricas, políticas e jurídicas deste ensaio que se divide em três partes, além dessa introdução e da conclusão. Na primeira apresenta-se a origem da propriedade privada e do estado. A segunda discute o intervencionismo estatal a partir dos liberais clássicos e a terceira apresenta uma síntese sobre o intervencionismo estatal sobre a propriedade: do liberalismo a contemporaneidade.

1. A ORIGEM DA PROPRIEDADE PRIVADA E DO ESTADO MODERNO

O debate sobre a propriedade privada pode ser levado até às origens do pensamento filosófico mais antigo. No entanto, para o objetivo desse paper, nos limitaremos ao

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pensamento dos filósofos contratualistas Locke e Rousseau que nos concederam, teoricamente, o melhor debate sobre a origem do estado. Semelhantemente, utilizar-se-á a contribuição de Engels que nos mostra historicamente a origem e a implicações da propriedade privada na sociedade capitalista. Quanto ao Estado, os juristas, principalmente os positivistas, tendem a concebê-lo em sua forma reducionista e limitada acentuando muitas vezes apenas seus componentes jurídicos. Normalmente concebem o Estado “como a ordem jurídica

soberana, que tem por fim o bem comum de um povo situado em um determinado território”2,

ou como uma “organização política sob a qual vive o homem moderno. Caracterizando-se por ser resultante de um povo vivendo sobre um território delimitado e governado por leis que se

fundam, não sobrepujado por nenhum outro externamente e supremo internamente”.3

Procura-se nesse ensaio, uma simbiose entre os aspectos históricos, políticos e jurídicos, compreendendo-se que o atual aparato jurídico que determina as formas e os níveis de intervenção estatal sobre a propriedade privada se constitui como resultado do conflito político, historicamente determinado pelas forças em conflito.

As definições jurídicas normalmente se dividem em duas correntes. A primeira prioriza a compreensão do Estado como um agrupamento humano organizado em um determinado espaço (território), enquanto a segunda prioriza a organização normativa do Estado. Nessas correntes do pensamento priorizam-se sempre os elementos constitutivos do Estado, ou seja, o povo, o território e o governo. Uma avaliação sucinta já demonstra a estrita

limitação da análise, principalmente no que se refere às origens do Estado4.

Ao se pensar a origem do Estado, não se consegue de fato “redigir com precisão a certidão de nascimento do Estado moderno” (TORRES, 1989, p.40). Afinal, a imprecisão se deve à própria compreensão do que seja o Estado Moderno. Não se nega que embriões do Estado possam ser encontrados na antiguidade Clássica, mas o Estado como se conhece hoje emergiu historicamente, segundo diversos pensadores, no período de formação do modo de produção capitalista através do Estado Absolutista.

ANDERSON (1986, p.18) procura negar que o Estado absolutista se constituiu na

origem do Estado moderno5, devido ao fato do primeiro ainda se encontrar no marco do modo

de produção feudal, configurando-se em uma “nova carapaça política da nobreza ameaçada”.

2 DALLARI, D. O futuro do Estado. Ed. Saraiva, São Paulo, 1972, p. 104

3 BASTOS, C. R. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo, Saraiva: 1995, p. 10

4 Evidentemente nem todos os juristas apresentam visões limitadas sobre o Estado. Norberto Bobbio é um

exemplo de jurista que estuda o Estado mais profundamente.

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O Estado absolutista era assim um Estado ainda feudal. Nega, o autor, a modernidade desse Estado, ressaltando a coerção política legal exercida pelas classes dominantes. Contrapondo-se a essa visão, Torres (1989) Contrapondo-se posiciona favoravelmente à concepção de que as origens do Estado moderno se encontram no Estado absolutista, embora chame a atenção sobre as monarquias feudais centralizadas que se formam na Inglaterra e na França, que não podem ser consideradas instituições tipicamente feudais.

Dentro desse contexto de transformação do modo de produção feudal para o capitalismo, emerge uma série de autores que inovam nas ideias acerca do Estado, da Sociedade e da Economia. Esses autores promovem uma revolução na forma de pensar, comum ao homem no feudalismo. Tornam-se revolucionários no sentido de propor mudanças radicais tanto para o Estado como para a Sociedade e para a economia. Os liberais, como passaram a ser conhecidos os integrantes desse grupo de pensadores, agruparam-se, constituindo-se em uma corrente do pensamento que prima pela liberdade, em seu sentido lato, para o homem feudal. Esses pensadores se puseram contra a ordem feudal, propondo um mundo novo, no qual a liberdade para produzir e comercializar as mercadorias assume grande significado. A liberdade política e econômica emerge no cenário de discussão dos filósofos e políticos da época.

O novo modo de produção (capitalismo) emerge das entranhas do feudalismo. Surgindo como algo novo e revolucionário, o capitalismo se apoiou inicialmente no roubo dos bens da igreja, na fraudulenta alienação dos domínios do Estado, no furto da propriedade comunal, na transformação usurpadora executada com terrorismo inescrupuloso da propriedade feudal e clássica em propriedade privada moderna para promover a acumulação

primitiva6, da qual precisava para dar início ao pseudo “móbile perpetum” do processo de

acumulação capitalista.

O liberalismo, enquanto doutrina política e econômica, emerge no feudalismo contribuindo para a derrocada do mesmo e para com a ascensão do capitalismo. Gradualmente, o liberalismo se tornou a ideologia da nova classe (burguesia) e do novo modo de produção, o capitalismo. Enquanto ideologia, o liberalismo paulatinamente proporcionou coesão ao conjunto das classes (dominados e dominantes), favorecendo a derrocada do feudalismo. Calcado no individualismo, o liberalismo preconizava a defesa irrestrita da propriedade privada, procurando demonstrar que a busca do interesse próprio e a liberdade plena

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garantiriam o equilíbrio funcional do sistema e a felicidade de todos, capitalistas e trabalhadores.

A propriedade privada e a liberdade aparecem assim como elementos fundamentais no capitalismo, tendo a segunda o papel de necessidade orgânica vital para liberalismo, e

convertendo-se na bandeira dos grupos liberais e posteriormente dos neoliberais7. Os diversos

pensadores liberais defendem a liberdade como elemento fundamental para a construção do novo sistema e da nova sociedade.

Bentham, filósofo utilitarista, já defendia em seus escritos a liberdade de expressão oral e escrita. Expressava Bentham a ideia de que somente um governo que assegurasse no mínimo esses direitos poderiam ser considerado como um bom governo. Stuart Mill, em seus primeiros escritos também fazia a apologia da liberdade. Em seu livro “Da Liberdade” de 1859, Mill amadurece sua argumentação ao admitir o controle social, embora o mesmo somente fosse utilizado para prevenir danos outros, ou para evitar que uma pessoa infligisse um mal a outrem. A intenção de Mill era fazer a área da liberdade a mais ampla possível, reconhecendo a necessidade de alguma restrição, mas sempre como condição para a vida

social e para salvaguardar a própria liberdade8.

As ideias de Mill sobre a liberdade se constroem no utilitarismo, pois o mesmo entende que a utilidade como a base da moralidade leva em consideração que “as ações são corretas na proporção em que se prestam a produzir a felicidade; são incorretas quando tendem a

produzir o reverso da felicidade” (MILL apud WOLFF, 1989, p.13)9.

O pensamento de Mill recai assim no hedonismo, ao compreender felicidade como prazer e seu contrário como sofrimento e privação do prazer. As ideias de liberdade, felicidade, utilidade etc., contribuíram significativamente para a consolidação do liberalismo, principalmente na esfera econômica e posteriormente também servirá de base para neoliberalismo.

Em Mill, o Estado liberal assemelha-se ao Estado de Smith, devendo limitar-se para não interferir na vida privada, deve procurar manter os direitos e as liberdades individuais dos cidadãos e, assim, chegar à felicidade plena da nação. Diversos pensadores contribuíram para consolidação do liberalismo na esfera econômica. Adam Smith, que historicamente antecede a Bentham, Nassau Sênior e Stuart Mill defendiam um Estado mínimo, ou seja, um estado que

7 SOUZA, N.A. de. O colapso do neoliberalismo. São Paulo: Global, 1995. 8 MILL, J. S. Princípio de Economia Politica. São Paulo, Nova Cultura, 1996, vol. I 9 WOLFF, R. P. A miséria do liberalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

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fosse o menor possível, apresentando apenas três funções indispensáveis. Essas funções seriam: a) de promover a soberania nacional, defendendo a sociedade da violência e invasão externas; b) de promover a proteção interna dos membros da sociedade contra a opressão e injustiças de outros membros, e, c) erigir e sustentar as instituições e obras públicas que sejam vantajosas para a sociedade, mas que não sejam atrativas para os capitalistas, seja pelo lucro,

risco ou incapacidade dos mesmos de mantê-los funcionando10.

2. O INTERVENCIONISMO ESTATAL SOBRE A PROPRIEDADE: DO LIBERALISMO A CONTEMPORANEIDADE

A concepção smithiana via no mercado o meio para abolir não somente as classes sociais inerentes ao feudalismo, como também eliminar a desigualdade e os privilégios. A intervenção do Estado, além das funções mínimas já mencionadas, somente obstaculizaria os ganhos que o comércio livre poderia criar, estimularia o surgimento de monopólios, o protecionismo e a ineficiência.

Smith se constituiu em um dos principais formuladores das ideias liberais, fomentando nos que o seguiram, o estímulo necessário para a fervorosa e “religiosa” defesa do mercado como panaceia para todos os males. Os diversos pensadores que se seguiram a Smith, diversificavam seus argumentos de defesa, enfatizando um ou outro ponto indicado pelo “Pai da Economia”. Alguns mais ferrenhos, a exemplo Nassau Sênior, enfatizavam o laissez-faire inerente às análises smithiana, outros como Stuart Mill defendiam pequenas doses de regulamentação e intervenção do Estado. Mas, em geral, concordavam que o “Santo Graal” se encontrava na liberdade concedida aos indivíduos e ao mercado. O mercado livre possibilitaria o crescimento e realização do indivíduo e da sociedade.

Esta defesa ardorosa da liberdade do indivíduo e do mercado, e consequente adesão ao capitalismo de mercado deve ser entendida em um contexto sócio-político e econômico próprio para a época, ou seja, “não devemos esquecer que a realidade da qual falavam era a de um Estado que preservava privilégios absolutistas, protecionismo mercantilista e corrupção

por toda parte.”11 Assim, se torna compreensível que o alvo de ataque dos liberais

constitui-se no sistema de governo do Estado Absolutista, pois o mesmo reprimia as liberdades e as iniciativas dos burgueses naquele momento.

10 SMITH, Adam. A riqueza das nações. Rio de Janeiro: Ediouro, 1986.

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O liberalismo se constituiu, assim, em uma ideologia revolucionária para época. E esta característica será a principal diferença em relação ao neoliberalismo, que mesmo apresentando as mesmas estruturas filosóficas, ideológicas, perde o caráter de revolucionária e assume o de reacionária.

Os enfoques liberais permaneceram nas economias capitalistas com mais ou menos tenacidade até o primeiro terço do século XX, quando a revolução Keynesiana submeteu não somente a academia, mas as esferas políticas e econômicas às suas posições fundadas na intervenção do Estado na economia.

2.1 RELAÇÃO ENTRE O ESTADO E A PROPRIEDADE PRIVADA

Pensando o estado na concepção liberal clássica, cujas principais funções, já mencionadas, podem e devem ser eficientemente desenvolvidas, implica em uma serie de instituições estatais que vão intervir diretamente e indiretamente sobre a propriedade privada. Instituições como polícia, exército, judiciário, escolas, universidades, hospitais, etc., realizam ações com e para a sociedade que se caracterizam como intervenção estatal, não necessariamente e diretamente sobre a propriedade, mas com rebatimentos sobre a mesma.

O estado, enquanto estrutura físico-material e humana, tangível e intangível, mostra-se como campo de luta, no qual grupos econômicos e políticos travam os mais acirrados conflitos visando ocupar os espaços de poder que o mesmo possui, enquanto leviatã resultado do contrato social. Essa visão sincrética agrega concepções de diversos autores, a saber: Marx, Hobbes, Gramsci, Rousseau, Locke, Polantzas, etc. É importante ressaltar que as formas de intervenção do Estado capitalista seguem a reboque do padrão de acumulação capitalista vigente e, consequentemente, não podemos deduzir como uniforme a atuação do Estado capitalista.

O Estado capitalista, enquanto variável complexa, constituindo instituições, cujos postos de direção, deliberação e execução são ocupados por pessoas de diversos segmentos sociais, levando-os a atuar de diversas formas, muitas vezes contraditoriamente aos interesses estatais ou da sociedade. Esse conflito de interesses é reflexo dos grupos de poder que o compõem, e dos compromissos que os atores, detentores dos postos de trabalho no Estado, possuem consigo mesmos, com seu segmento social ou sua classe. Entre o estágio clássico do capitalismo concorrencial ou liberal e o capitalismo financeiro atual, passando pelo estágio do capitalismo monopolista, encontramos uma grande diversidade de formas de atuação do Estado.

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A intervenção do Estado capitalista não implica resultados totalmente esperados. Normalmente, os resultados esperados mais efetivos ocorrem quando a ação do Estado Capitalista visa a beneficiar as classes mais abastadas. No entanto, quando a ação tem como objetivo beneficiar a classe trabalhadora, encontra obstáculos significativos. Obstáculos esses erguidos pelas elites que de tudo fazem para “abocanhar” parte (ou tudo) dos benefícios

concedidos via ação estatal12.

Muitas intervenções podem repercutir de forma inesperada para o Estado ou para seus beneficiários. E o inesperado deve-se em parte à ação político-econômica dos segmentos não contemplados ou contemplados parcialmente pela ação estatal. Se a intervenção estatal não pode deixar de existir, os liberais preconizam uma redução máxima do estado, enquanto os antiliberais preconizam uma expansão do mesmo. Nesse embate, o direito construído coletivamente pela sociedade em constante evolução não deve se guiar por um liberalismo ou neoliberalismo que preconiza um estado mínimo, principalmente frente a propriedade, muito menos por um coletivismo estatal que não tem mais razão para existir. Embora reconhecido em nosso ordenamento jurídico, em particular na Constituição Federal, que a propriedade deve atender a sua função social, é extremamente comum o não respeito a tal prescrição. Esse desrespeito tende a diminuir com a evolução da sociedade civil organizada, dos movimentos sociais, partidos e instituições públicas que fiscalizam a ação das esferas estatais e do governo.

O desrespeito constitucional ao preceito da função social da propriedade é tão ou mais perigoso do que o desrespeito a propriedade privada. A propriedade e seu regime jurídico ficam vulneráveis tanto à contestação das massas e de movimentos sociais organizados, quanto aos segmentos e grupos de classe que estão fora da esfera central do poder do estado. Essa acentuação do conflito social intra-classe é extremamente comum, mas urge das instituições públicas, em particular da justiça, que se cumpra as normas jurídico-constitucionais, visando evitar a desordem institucional.

O governo civil, mesmo sendo visto como agente da classe capitalista, deve ser um defensor da propriedade, tanto quando a limita ou quando a expropria. Esse papel do governo deve ser exercido prioritariamente pela justiça, mesmo entendendo que quem exerce a atividade de fazer justiça apresenta compromissos e interesses de classe que podem divergir

12 OLIVEIRA, Francisco de. A metamorfose da arribaçã: fundo público e regulação autoritária na expansão

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o real interesse da sociedade. Mesmo assim, mecanismos de gerenciamento, fiscalização e controle podem inibir decisões não lastreadas nas normas constitucionais estabelecidas.

2.2 AS FORMAS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE PRIVADA Os conflitos sociais, em particular os de classe, têm impulsionado o desenvolvimento da sociedade e do estado capitalista. Os conflitos que se expressam de inúmeras formas contribuem para o desenvolvimento societal, principalmente por tornar urgente, estruturas e normas jurídicas que atenuem, quando não inibam, os conflitos entre as classes e segmentos de classes. Nesse contexto, a sociedade civil através do poder legislativo estabelece norma a serem seguidas por todos. O poder judiciário julga as infrações a lei e o executivo procura materializar as normas estabelecidas.

O judiciário intervém para conciliar o que é de interesse particular em prol da coletividade, garantindo condições de segurança e sobrevivência. Também contribui criando restrições por intermédio de diversas modalidades que estão previstas no Direito. Todas essas intervenções na vida social e, em particular, na propriedade privada devem obedecer aos requisitos de: Necessidade e Utilidade Pública; Interesse Social; Indenização Justa, Prévia e em dinheiro.

Pode-se compreender que os instrumentos de intervenção do Estado na propriedade privada podem ser classificados de duas formas. A primeira compreende as formas de intervenção supressivas de domínio, ou seja, o Estado intervém na propriedade modificando a titularidade, transformação em bem privado em público. Como exemplo temos a desapropriação, o confisco e da pena de perdimento de bens. Tais procedimentos encontram

guarida na constituição Federal de 198813 em diversos artigos e incisos. A segunda forma de

intervenção consiste na não supressividade de domínio, ou seja, a intervenção estatal mantém o bem no domínio privado. São formas não supressivas de domínio o poder de polícia, a servidão, o tombamento, a requisição e a ocupação temporária.

Explicitando as formas supressivas, tem-se na Desapropriação a mais radical das intervenções. Rejeitada explicitamente pelo neoliberalismo e parcialmente pelo liberalismo, pois implica na transferência compulsória da propriedade, mediante indenização com o fito de satisfazer o interesse coletivo. Atinge diretamente o direito que o proprietário tem sobre dispor da coisa segundo sua vontade. Apresenta o caráter irrevogável e perpétuo. Constata-se

13 BRASIL. Constituição Federal do Brasil. Senado Federal, Brasília. 1988. Disponível em:

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que essa forma de intervenção somente foi possível de ser constituída a partir do estado interventor no pós-depressão dos anos 1930. Mesmo assim, muitas das desapropriações ocorrem equivocadamente, ou seja, desapropriação eivada de equívocos jurídicos e/ou econômicos. Trata-se de uma forma agressiva de intervenção do Estado na propriedade privada, pois suprime o domínio do bem expropriado, mas não tão agressiva quanto o confisco, por que garante a prévia indenização, conforme artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal.

Duas são as formas de Desapropriação: por Necessidade ou Utilidade Pública. A norma regulamentadora da desapropriação é encontrada no Decreto-Lei nº 3.365/41, que consiste na Lei Geral das Desapropriações. Em seu artigo 5º, a lei mostra os casos de Desapropriação por Utilidade Pública. Nesse artigo estão previstas tão somente as hipóteses de desapropriação por utilidade pública. Esse estatuto legal nada menciona sobre as desapropriações por necessidade pública. Porém, as desapropriações por necessidade pública devem ser pressupostas a partir de uma situação de emergência e estariam elencadas nas alíneas do citado artigo.

Ressalte-se que na desapropriação por interesse social, os bens desapropriados não integram o patrimônio público, porém são trespassados a terceiros com o objetivo de satisfazer os anseios e desejos da coletividade.

Os casos de desapropriação por interesse social estão previstos no artigo 2º da Lei 4.132/62. Pode-se destacar, dentre os casos previstos em lei, o bom emprego de todo bem improdutivo ou explorado sem equivalência com as necessidades exigíveis de moradia, trabalho e consumo.

As perspectivas para desapropriação ocorridas nos centros habitados deve ou pode suprir por seu destino econômico; diversos interesses sociais, dos quais se destacam: a construção de habitações populares; a manutenção de posseiros em terreno urbano onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham erigido seus lares, formando núcleos residenciais com mais de dez famílias. A desapropriação por interesse social tem por objetivo centrar privilegiar algumas camadas sociais, em geral, as menos favorecidas economicamente, atuando como mecanismo de redução das desigualdades sociais. (GASPARINI, 2007)

O Confisco é a forma mais agressiva de intervenção, pois se constitui na supressão punitiva de propriedade privada pelo Estado sem pagamento de indenização. Disciplinado pelo artigo 243 da Constituição Federal, o confisco ocorre quando, geralmente, se utiliza da

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propriedade privada para cultivo de culturas ilegais de plantas psicotrópicas. O procedimento judicial do confisco ou “desapropriação confiscatória” é disciplinado pela Lei n. 8.257/91.

O Perdimento de bens, junto com o confisco, mostra-se como a modalidade interventiva mais agressiva, por que implica a supressão compulsória de propriedade privada pelo Estado. No caso do perdimento deve-se a prática de crime. Também previsto constitucionalmente, no artigo 5º, inciso XLVI, que institui que “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos” (BRASIL, 1988). Como o perdimento tem natureza sancionatória, não há qualquer indenização pela perda dos bens.

Esmiuçando as formas não supressivas de domínio, encontra-se a Servidão administrativa, forma agressiva, que impõe ao proprietário a obrigação de suportar ônus parcial sobre determinado imóvel. A servidão é um direito real público sobre propriedade alheia, restringindo seu uso em favor do interesse público.

O tombamento se constitui em uma das formas menos agressivas, mesmo apresentando a característica de perpetuidade ao direito de propriedade. No entanto, essa limitação visa beneficiar a coletividade, afastando o caráter absoluto do direito de propriedade, incidindo sempre sobre bem determinado. Normalmente, apresenta uma finalidade de preservação histórica, cultural, arqueológica, artística, turística ou paisagística do próprio bem tombado, pois se volta para a conservação e preservação da própria coisa.

O tombamento tem natureza de direito real porque grava diretamente o bem em si, e não atinge diretamente a figura do proprietário. O fundamento do referido instituto encontra-se no texto Constitucional, no artigo 216, parágrafo 1º, que prescreve: “O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”.

A Requisição Administrativa se constitui no ato administrativo unilateral, auto executório, oneroso, compulsória, pessoa, discricionária que consiste na utilização de bens ou serviços particulares pela administração pública, objetivando atender necessidades coletivas em tempo guerra ou em situação de iminente perigo. Quanto ao regime jurídico aplicável, a requisição pode ser de caráter civil ou militar. Trata-se de instituto a ser utilizado como instrumento de exceção quando patente a ocorrência de situação emergencial. Previsto no artigo 5º, inciso XXV, da Constituição Federal que reza que “no caso de iminente perigo

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público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”.

A Ocupação Temporária comina ao proprietário a obrigação de tolerar a utilização temporária do imóvel pelo poder público para a realização de obras ou serviços do interesse coletivo. A ocupação provisória ou temporária é a forma de intervenção do Estado na propriedade de bens particulares em apoio à realização de obras públicas ou à prestação de serviços públicos, mediante utilização discricionária, auto executável, remunerada ou gratuita e transitória. Pode ter como objeto bem móvel ou imóvel.

CONCLUSÃO

O Estado capitalista tem alterado sua forma de intervenção sobre a propriedade privada conforme tem alterado o domínio de classe sobre o mesmo. Em estados mais liberais ou neoliberais, as intervenções têm a ser juridicamente menos agressivas. Em estados capitalistas menos liberais as intervenções são mais agressivas. Independentemente do nível de liberalismo, as intervenções têm se ampliado direta e indiretamente devido ao grau de complexidade que o modo de produção capitalista vem assumido.

Para fazer frente a essa complexidade, a sociedade civil organizada tem pressionado as instâncias de poder a estabelecer padrões normativos que evitem a exacerbação do poder de que detém a propriedade privada. Simultaneamente, procura-se garantir o direito à propriedade, mas esse não é mais inatingível. Cada vez mais as sociedades vêm colocando a humanidade acima da propriedade.

Nas sociedades modernas, não se admite mais que a propriedade seja absoluta, não podendo ser concebido o interesse da propriedade somente com fim a si mesma. O interesse público coletivo passou a ser prioritário. A função social da propriedade assumiu papel essencial na determinação jurídica das relações conflituosas sobre a propriedade privada. O estado regulamenta, estabelece, atenua e resolve as lides advindas do conflito inerente à propriedade privada. Portanto, tornou-se necessário que o Judiciário tutele a contrariedade dos direitos individuais e os sociais que a coletividade enfrenta a partir dos conflitos de classe.

REFERÊNCIAS

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______, Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos Lei No 8.257. 26 de novembro de 1991. Disponivel em:<< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8257.htm>>. Acesso em: 20 de novembro de 2015.

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Referências

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