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A escolha de objeto na homossexualidade

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

CURSO DE PSICOLOGIA

A ESCOLHA DE OBJETO NA HOMOSSEXUALIDADE

JOSÉ ANTONIO STONA

Ijuí – RS 2014

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JOSÉ ANTONIO STONA

A ESCOLHA DE OBJETO NA HOMOSSEXUALIDADE

Trabalho de pesquisa supervisionado apresentado como requisito parcial para conclusão do curso de formação de Psicólogo na UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

Orientador: Daniel Ruwer

Ijuí – RS 2014

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Dedico este trabalho a minha mãe Odete Stona por todo seu apoio hoje e sempre.

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RESUMO

Este trabalho é estruturado através de pesquisa bibliográfica a respeito do tema: a escolha de objeto homossexual e suas repercussões contemporâneas. Está dividido em dois capítulos: o primeiro capítulo aborda a conceituação história do termo homossexual e seus efeitos através da história. O estudo demonstra como que historicamente as relações de pessoas com o mesmo sexo são marcadas por uma dualidade, sendo estimadas e abominadas; aborda, ainda, as lutas dos homossexuais por direitos civis através de diversos movimentos. O segundo capítulo é uma revisão da teoria Freudiana sobre a escolha de objeto, especificando a escolha de objeto homossexual. Freud apresenta que existem apenas dois modelos cujo qual todo o sujeito está propenso para escolher seu par amoroso, o modelo das figuras parentais e o modelo narcísico. Sendo o primeiro modelo referente a cuidados maternos e virilidade paterna isto é, ser amado e tratado como o foi pela mãe/pai. E o segundo sendo mais complexo, entra no campo de uma escolha ligada ao próprio eu; o objeto é escolhido conforme quem o escolheu. Neste campo debate-se o processo de escolha característico da homossexualidade.

Palavras-chaves: Escolha de Objeto. Homossexualidade. Movimentos LGBTT.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 5

1 A HOMOSSEXUALIDADE NA HISTÓRIA OCIDENTAL... 7

1.1 MOVIMENTOS LGBTT ... 13

2 A ESCOLHA DE OBJETO HOMOSSEXUAL NA TEORIA FREUDIANA ... 19

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 36

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INTRODUÇÃO

No decorrer da história ocidental, a homossexualidade sofreu diversas modificações termológicas, de patologia a rito de passagem, sempre sendo uma das sexualidades mais discutidas nas culturas. Minha pergunta central baseia-se em onde essa escolha de um parceiro do mesmo sexo se efetiva e se isso é algo patológico ou não. Conforme a homossexualidade ficou cada vez mais sendo tomada de forma intempestiva, médicos, filósofos, psicólogos e até pessoas de senso comum, buscaram uma reposta que defina a etiologia da homossexualidade. Freud então inicia seu trabalho teorizando sobre o tema da homossexualidade, não apresentada nessa nomenclatura, porém de mesmo significado. Ele interpreta essa e outras formas da sexualidade tentando teorizar através da psicanálise a resposta para a questão.

As diversas formas de interpretação e enunciação da homossexualidade variaram muito conforme sua época, no presente trabalho, discorro sobre como cada uma delas: Grega, Romana, Vitoriana, Chinesa e Babilônica lidaram com essa manifestação da sexualidade e como suas repercussões influenciam nossa interpretação atual da mesma.

A presente pesquisa aborda as diversas modificações que a homossexualidade sofreu através da historia e a resposta sobre a teoria Freudiana frente à escolha de objeto homossexual. O primeiro capítulo aborda desde a sodomia a homoafetividade, fazendo um percurso do conceito de homossexualidade, seus movimentos recorrentes contrariando a necessidade de indivíduos da época em etiquetá-la enquanto patológica. E as diversas novas formas classificatórias da sexualidade que se unem a homossexualidade na busca por uma melhor qualidade de vida e de direitos, dando origem aos movimentos gay no mundo

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e sua repercussão no Brasil. O segundo capítulo busca desenvolver a questão levantada sobre a etiologia da homossexualidade, se seu caráter é apenas biológico, se a escolha do sujeito é apenas consciente, se é uma doença e assim fazendo um percurso na obra Freudiana sobre a teoria da sexualidade, suas repercussões na vida do sujeito até sua escolha de um parceiro amoroso.

A relevância do trabalho encontra-se na evidência que o tema abordado possui na contemporaneidade. O debate político, religioso e científico tem adquirido destaque nos diversos segmentos sociais e ocupam a pauta cotidiana de interesse, fazendo sociedade inquietar-se para buscar respostas às questões: A homossexualidade é uma doença? Tem cura? É uma escolha?

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1 A HOMOSSEXUALIDADE NA HISTÓRIA OCIDENTAL

Fome, um poeta disse uma vez, é a coisa mais importante que conhecemos, a primeira lição que aprendemos. Mas a fome pode ser facilmente acalmada, facilmente saciada. Há uma outra força, um tipo diferente de fome, uma sede insaciável que não pode ser extinta. A sua própria existência é o que nos define, nos torna humanos. Essa força é o amor. Amor, você vê, é a única força que não pode ser explicada, não pode ser dividida em um processo químico. É o farol que nos guia de volta para casa, quando ninguém está lá, uma luz que ilumina a nossa perda. Sua ausência nos priva de todo o prazer, da nossa capacidade de alegria. Faz as nossas noites mais escuras e os nossos dias mais sombrios. Mas quando encontramos o amor, não importa o quão errado, quão triste, ou quão terrível, nos agarramos a ele. Dá-nos a nossa força. Ele nos mantém de pé. Alimenta-se de nós e nos alimentamos dele. O amor é a nossa graça. O amor é a nossa ruína (The Strain).

Muito se tem estudado sobre a escolha de um parceiro amoroso. Diversas são as áreas de estudo que, com diferentes respostas tentam buscar uma explicação para essa escolha. De poetas a filósofos, o caminho a ser percorrido é cheio de mistérios e traços que perpassam por várias partes da nossa mente e corpo.

Com pluralidade de exibições de objetos na contemporaneidade fica cada vez mais difícil definir um padrão para cada sujeito, mas uma coisa podemos nos perguntar: essa escolha é apenas consciente? E é realmente uma escolha? Tentarei abordar tais perguntas no caminho deste ensaio monográfico.

Quando falamos em parceiro amoroso automaticamente nos remetemos ao campo da sexualidade. As manifestações sexuais sempre foram um tema tabu para a sociedade, mas, a ciência busca explicar alguns fenômenos para que possamos entender os contextos classificados como “normais” ou “patológicos”. A psicologia tem um grande percurso no campo da sexualidade, mas utilizarei o recurso teórico psicanalítico para sustentar o debate proposto sobre o que define a escolha de objeto na homossexualidade.

Inicialmente proponho buscarmos uma conceituação histórica do termo homossexual, considerando as maneiras como as civilizações se organizavam frente a sexualidade. Tal organização variou muito conforme a cultura e a história de cada uma delas. Seguimos, assim, na perspectiva em que “a história, (...), reflete as opiniões e emoções do tempo em que foi escrita; é altamente subjetiva, já que cada época lança uma diferente luz sobre o passado” (SPENCER, 1996, p. 60).

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A Homossexualidade foi sempre um tabu e passou por momentos de grande repressão sexual1. O termo homossexualidade surgiu em 1969, termo de origem grega (homos = semelhante) criado pelo médico húngaro Karoli Maria Kertbeny designando como termologia clínica, uma forma de amor carnal entre pessoas do mesmo sexo. Inicialmente considerada como um impulso sexual anormal, um horror ao sexo oposto. Opondo-se ao termo da heterossexualidade.

Segundo Farias e Maia (2012) antes da dominação católica, poucas culturas haviam demonstrado preocupação moral frente à sexualidade, a maior preocupação eram as posições exercidas socialmente e não ao “sexo do parceiro”. As relações entre pessoas do mesmo sexo eram vistas como normais e o que se tornava importante era quem exercia o papel ativo na relação, pois no caso dos homens o passivo era considerado menos homem frente ao seu papel e status social.

Registros arqueológicos antigos apresentam que já existiam conotações homoeróticas “em épocas como 12000 a.C. Civilizações antigas da China, Egito, Grécia, Babilônia têm registros de períodos onde a homossexualidade era retratada em cerâmica, escultura e pinturas”2. Entende-se que em diversos períodos da história a homossexualidade era concedida em várias civilizações.

Diferentes civilizações trataram a homossexualidade de forma bastante peculiar:

Entre os babilônios, por exemplo, ocorria a prostituição masculina na qual aqueles que desempenhavam tal profissão assumiam sempre uma postura passiva [...] Assim não se pode dizer que na Babilônia as relações homossexuais tenham sido reprovadas desde que fossem respeitadas as posições ativa/passiva (FARIAS; MAIA, 2012, p. 24).

No Egito antigo (2º milênio a.C.) as relações homossexuais eram pouco toleradas pela sociedade, não era um ato moralmente aprovado, e foi condenada legalmente em determinados períodos da história egípcia. Violar outro homem era considerado um ato de agressão, era visto como um meio de obter poder sobre um adversário.

1

Segundo Chauí (1984, p. 9) defini-se repressão sexual como um “conjunto de interdições, permissões, normas, valores e regras estabelecidos histórica e culturalmente para controlar o exercício da sexualidade” Segundo a autora é por meio da repressão que se diz o que é considerado certo ou errado socialmente em relação aos comportamentos sexuais em uma determinada cultura. A repressão sexual faz com que elementos que eram exteriores ao indivíduo, as regras, sejam internalizadas em culpa e vergonha quando são transgredidas.

2

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Na China (256 a.C.) as relações eram voltadas para o aumento econômico e de status entre duas famílias. O amor romântico era permitido fora desse sistema de matrimônio, ou seja, “não havia nada que condenasse um homem que quisesse vivenciar uma relação homossexual fora do casamento” (FARIAS; MAIA, 2012, p. 25).

Porém, as representações também se davam no viés ativo/passivo onde uma família mais pobre correspondia à passiva e a família rica a ativa.

Os homens sentiam-se atraídos sexualmente por ambos os sexos e o afeto romântico podia também envolver tanto dois homens como um homem e uma mulher [...] o casamento era esperado e habitual, mas quase sempre desligado de sentimento, do amor, do afeto. [...] os casamentos eram uniões socioeconômicas e políticas entre famílias (FARIAS; MAIA, 2012, p. 25).

Na Grécia a homossexualidade era vista como uma coisa comum, atos sexuais com características próprias.

O tipo de relação que incluía o sexo entre dois homens na Grécia antiga era chamado de pederastia e consistia em um ritual realizado por um homem mais velho que, por meio de sua experiência, visava iniciar um rapaz jovem na sociedade de maneira que ele se tornasse um cidadão (FARIAS; MAIA, 2012, p. 26).

As relações através desse ritual de passagem eram situadas também no campo da atividade com o homem mais velho e passiva com o jovem, essa transmissão do saber e preparação para guerra era dada através do coito e era um ritual de extrema importância para os gregos. As relações entre homens adultos eram pouco vistas, a importância se dava apenas na postura ativa que o homem assumia.

Para o homem, o desejo sexual, desde que seja ativo, pode voltar-se tanto para o sexo oposto quanto para seu próprio sexo. A separação entre o aspecto privado e o público é nítido. Como pessoa privada, o homem grego tem uma relação sexual com sua mulher, suas concubinas... Mas, na qualidade de homem público, ele gosta dos rapazes. Esta relação pederasta é valorizada, pois constitui um processo integrador à cidade, pela aprendizagem de um papel social e político, ele próprio valorizado. Nenhuma contradição é sentida entre a vida da casa e a do espaço aberto da ágora. Em particular, as esposas não concorrem com os rapazes, os paides. Estes e aqueles pertencem a dois campos heterogêneos [...] Neste ‘clube de homens’ que constitui a cidade grega, as funções são bem delimitadas. À heterossexualidade cabe a formação do indivíduo físico. A homofilia encarrega-se do indivíduo social e cultural. O adulto jovem e ativo,

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após seu casamento, pode buscar o prazer com as mulheres ou com os rapazes, ou ainda com ambos. É uma questão de escolha, guiada por um gosto pessoal (CATONNÉ, 1996, p. 38).

O período grego é o mais famoso perante as relações homo, pois, eram relações tidas como extremamente naturais para a cultura da época “considerava-se que os indivíduos tinham apetite sexual e que este era satisfeito indistintamente por meio dos dois sexos, homem ou mulher, ou seja, independia de identidade ou diferença de sexos” (FARIAS; MAIA, 2012, p. 28). O mais interessante dessa época é que segundo Brandão (2002, p. 46):

A bissexualidade era vista sem depreciações ou interdições na esfera social, sendo que a heterossexualidade era vista, inclusive, como uma preferência inferior e destinada à procriação. Já a homofilia era tida como uma necessidade natural, que se limitava a um ambiente culto, não havendo a concepção de doença, vício ou degradação moral que ocorrerá depois, por influência das concepções cristã e científica.

Nessa época, o jovem para entrar na vida adulta e aprender sobre o amor e a guerra era necessário passar por um ritual de passagem, onde era entregue a um homem mais velho que o penetraria lançando seu sêmen e seu saber para o jovem. “[...] as mães e o restante das mulheres aceitam o papel que os jovenzinhos estão prestes a desempenhar, já que foram ensinadas que é dessa maneira que eles se tornam homens” (SPENCER, 1996, p. 29).

Já na Roma antiga (século II a.C.) as manifestações sexuais possuíam um teor mais agressivo frente aquele que assumia o papel passivo, o mesmo era sinônimo de fragilidade, sendo então tomado única e exclusivamente como escravo.

Como quem desempenhava o papel passivo eram rapazes, mulheres e escravos – todos excluídos da estrutura do poder – clara a relação entre masculinidade – poder político e passividade – feminilidade – carência de poder (DIAS, 2006, p. 27).

As relações entre pessoas do mesmo sexo eram de dominação frente ao jovem ou escravo, que era submisso aos prazeres do homem livre.

Na Grécia e em Roma, a homofilia (o termo homossexualismo é recente) masculina era tolerada e, em certos casos, estimulada, havendo muitos que julgavam o amor verdadeiro ser possível apenas entre pessoas do mesmo sexo, o casamento implicando outros sentimentos (respeito, amizade, dever,

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responsabilidade social) que não o amor [...] O pederasta e o homofílico (homo = o mesmo; filia = amizade) não eram monstros, nem doentes nem criminosos (como viriam a ser tratados depois), mas nem por isso deixavam de existir códigos, normas, regras e valores regulamentando a homofilia e, portanto, formas de repressão [...] (CHAUÍ, 1984, p. 22-23).

No decorrer da história romana, a decadência das grandes cidades e o aumento do absolutismo com a influência do cristianismo, foi então entrando num viés de penalização, como um ato ilegal e com justificativa a ser queimado vivo.

[...] o mundo antigo parecia ter aceitado a sexualidade de maneira descontraída [...] nenhuma crença ética tinha selecionado e favorecido uma expressão da sexualidade em relação à outra. Nem havia um conceito do que é “natural” ou “antinatural” em formulação (SPENCER, 1996, p. 49).

Na maioria das civilizações a bissexualidade do homem era representada positivamente, como um costume social. Tendo em vista que “metade do mundo civilizado [...] não tinha naquela época medidas repressivas contra o comportamento homossexual; pelo contrário, algumas sociedades o celebravam positivamente” (SPENCER, 1996, p. 80).

A homossexualidade sempre fez parte da história, porém, é no domínio do cristianismo que se encontra o cerne para o qual a sexualidade seria reprimida e as relações do mesmo sexo abominadas. A delimitação do sexo apenas para procriação fez com que a homossexualidade fosse totalmente banida e etiquetada numa condição patológica, devendo ser erradicada. A necessidade de controle sexual da igreja fez com que o cristianismo estipulasse a obrigatoriedade do sexo somente no âmbito do casamento, considerando a fidelidade um dever absoluto para aqueles que buscam a salvação e associando a ideia de pecado ao sexo.

Os preceitos do cristianismo sempre basearam-se nas mensagens bíblicas no sentido de valorizar a restrição dos prazeres ao casamento, com o objetivo de aprimorar a relação sexual apenas para o seguimento das gerações.

Além da orientação para a procriação, a moral sexual cristã recebeu do estoicismo o ascetismo e a rigorosidade. Da filosofia platônica, recebeu a visão dualista do homem – alma/corpo – onde o corpo é visto como inimigo da alma. Embora sejam filosóficas as raízes da tradição judaico-cristã, são os precursores do Cristianismo que implantaram a ideia de sexo como pecado (FIGUEIRÓ apud FARIAS; MAIA, 2012, p. 42).

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Com a necessidade de regulação sexual a homossexualidade representava o puro prazer, então um pecado contra a natureza e por isso a heterossexualidade passa a ser a sexualidade padrão.

O paganismo opunha atividade e passividade; o Cristianismo introduz outro par de opostos, feito de uma homofilia interdita e de uma heterossexualidade autorizada como única. Mas a nova religião faz ainda mais: ela codifica rigorosamente a prática heterossexual; acima de tudo, ela identifica o próprio sexo ao mal (CATONNÉ, 1996, p. 43).

O cristianismo teve forças por diversas décadas com essa moral frente a homossexualidade. Farias e Maia (2012) elucidam que até meados de 1700 “a relação de pessoas do mesmo sexo era compreendida como um pecado contra Deus, ou seja, uma falha moral” (p. 43). Com a influência do racionalismo, as explicações religiosas para os fenômenos da vida foram perdendo lugar para a ciência.

Esta reformulação de atitudes frente ao comportamento moral e físico dos indivíduos e a inserção da família como coadjutora na execução de propostas médicas normatizadoras irão perdurar até a metade do século XX (RIBEIRO apud FARIAS; MAIA, 2012, p.13).

Na era vitoriana3, a sexualidade teve seu momento ápice de repressão. Consolida-se a diferença entre o que era sexualidade dita normal (exclusiva para reprodução) ou perversa (outras formas de prazer sexual que não visassem á procriação). Apesar da repressão sexual, diversas ideias que colocaram a sexualidade (um tema conflituoso da época) de forma consequentemente visível, acabaram por colocar o sexo no centro de uma atenção pública e privada. Assim surge uma necessidade de classificação médica detalhada de todos os desvios conhecidos, entre os quais se contavam a histeria, a ninfomania, a homossexualidade e até a masturbação. O objetivo era que todas essas manifestações poderiam ser ajustadas e sujeitas a uma terapia médica adequada. Assim em conflito com a medicina e com os delineamentos cristãos contemporâneos, surgem movimentos que visam resistir a ideia de que a sexualidade deveria ser reprimida ou encaixada num contexto patológico.

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Movimento que surgiu na Inglaterra no século XIX como resposta ao liberalismo advindo com o Iluminismo (FARIAS; MAIA, 2012, p. 43).

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1.1 MOVIMENTOS LGBTT

O tema da homossexualidade vem cada vez mais fazendo parte da agenda pública da sociedade brasileira, ainda que muitos tentem impor silêncio sobre o assunto. A homossexualidade, como vimos, é estabelecida enquanto aspecto cultural resultante de processos sociais característicos de cada sociedade em determinada circunscrição temporal. O pungente interesse pelo tema na contemporaneidade se deve ao fato de que a cultura homossexual tem sofrido mais mudanças neste período do que em qualquer outro momento histórico, gerando assim uma grande visibilidade e questionamentos.

Quando Foucault (2005) fala da intensa repressão sexual gerada na era vitoriana, podemos perceber uma repetição da mesma em nosso período atual; estamos vivendo novamente uma transgressão deliberada das expressões da sexualidade. Ele elucida na história da sexualidade os diversos momentos em que a mesma era tabu social, até conseguir sua forma de expressão subjetiva. Porém diversos momentos de uma história passada se encontram em destaque em nossa contemporaneidade.

Segundo Mariusso (2011), os grandes momentos do movimento homossexual4 de enfrentamento desta forma repressiva de circunscrever a sexualidade, podem ser classificados em três grandes ondas, conforme o autor as refere. A primeira, em meados do século XIX onde na Europa houve uma necessidade de confrontar as ideias da medicina que queria comprovar a homossexualidade como causa biológica, e assim, possuindo cura. Com isso, estudos contra a causa biológica foram as primeiras movimentações de libertação.

O segundo momento surge em 1924 nos Estados Unidos. As primeiras organizações autoproclamadas homófilas visavam “a melhoria da qualidade de vida e [...] trabalhavam para educar o público a respeito da homossexualidade e para oferecer apoio aos indivíduos homossexuais, perduraram durante as décadas de 50 e 60” (MARIUSSO, 2011, p. 1).

4

O termo movimento homossexual é aqui entendido como o conjunto das associações e entidades, mais ou menos institucionalizadas, constituídas com o objetivo de defender e garantir direitos relacionados à livre orientação sexual e/ou reunir, com finalidades não exclusivamente, mas necessariamente políticas, indivíduos que se reconheçam a partir de qualquer uma das identidades sexuais tomadas como sujeito desse movimento (FACHINNI, 2005, p. 4).

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Porém, foi só aliando-se ao movimento feminista que, entre outros, lutou pelo direito ao prazer sexual; o grupo desenvolveu de uma forma mais radical. Na noite de 28 de junho de 1969, surge então o tercerio momento, alegando o descumprimento da lei sobre a venda de bebida alcoólica, policiais tentaram mais uma vez fechar o stonewall bar frequentado por homossexuais em Nova York.

Os homossexuais que ali estavam que não se intimidaram, e atacaram os policiais com garrafas e pedras, forçando-os a chamar reforços. Gritando frases como “Poder Gay” e “Sou bicha e me orgulho disso” os homossexuais e demais residentes do bairro acabaram chamando a atenção da imprensa e a cidade parou para ver o desfecho da situação (MARIUSSO, 2011, p. 3).

Este foi o marco central na história dos movimentos sexuais. Desde o respectivo fato5, os movimentos rejeitaram a palavra homossexual aderindo ao termo gay.

A partir disso, segundo Nunan (2003) no espaço de uma década (1970-1980), assiste-se ao surgimento, nos Estados Unidos e em diversas partes do mundo, de uma nova minoria, dotada de uma identidade própria, cultura, expressão política e reivindicações quanto a sua legitimidade.

Segundo Fry (1993), no Brasil, as primeiras iniciativas do movimento homossexual surgiram no final da década de 70 com a fundação no Rio de Janeiro do “Jornal Lampião da Esquina” (1978) e do grupo “SOMOS – Grupo de Afirmação Homossexual” (1979), coincidindo com a chamada abertura política na época da Ditadura Militar no país.

“SOMOS” segundo Fachinni (2005) foi “a fundação do primeiro grupo brasileiro reconhecido na bibliografia como tendo uma proposta de politização da questão da homossexualidade, o grupo de São Paulo, ocorreu em 1978”. O Brasil veria então a estreia do evento em São Paulo exatamente 25 anos mais tarde, em 1995. Tal marco do movimento se deu após os duros embates sofridos pela epidemia da Aids no país, com as perdas ocasionadas pela mesma em todos os sentidos, inclusive nos quadros ideológicos.

Embora a discriminação ainda se mantenha, a agenda estratégica dos movimentos gay não está muito preocupada em diferenciar causas congênitas ou

5

Essa data é comemorada em mais de 140 países como dia internacional do orgulho gay sendo que a primeira parada ocorreu em 1970, nos Estados Unidos.

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adquiridas da homossexualidade. Discute direitos civis, como o casamento, além de direitos sociais e políticos. Os movimentos lutam justamente pelo direito à livre orientação sexual e à identidade de gênero6.

O movimento surge da ideia de mostrar que os homossexuais são seres humanos, independente de sua orientação afetivo sexual, e identidade de gênero. Por meio das militâncias, dos movimentos em massa, etc., buscavam mostrar que não precisavam ser tratados diferentemente dos heterossexuais, diferentes sim, desiguais não (MARIUSSO, 2011, p. 11).

Apesar da psicanálise freudiana produzir importantes reflexões sobre a homossexualidade já no inicio do século XX, foi somente em 1973 que a associação psiquiátrica americana teve a iniciativa de retirá-la da lista de transtornos mentais e da qualidade da doença. E em 1985 com a revisão do Código Internacional de Doenças (CID-10), a homossexualidade perde, no Brasil, o caráter de desvio e transtorno sexual. E apenas em 1923 a Organização Mundial de Saúde adota o termo homossexualidade ao invés de homossexualismo (ismo utilizado para identificar doenças).

Assim aderindo a novas termologias para melhor compreender as diferentes formas de sexualidade, o movimento cria então o acrônimo GLS7 para poder destinar significados e espaços referentes à temática gay. Porém, a sigla é reformulada, pois, deixa de forma excludente algumas outras classificações sexuais como bissexuais8, travestis9 e transsexuais10. Adotando o novo acrônimo de LGBTT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transsexuais).

6

Cabe aqui uma distinção conceitual: segundo O Manual de Orientação LGBT (2009, p. 12) a orientação sexual é “a atenção afetiva e sexual que uma pessoa tem por outra do mesmo sexo o do sexo oposto” e identidade de gênero estando “ligada a forma como a pessoa se vê e como quer ser vista em relação a sua identidade social”.

7

Sigla que se popularizou por designar, em uma única sigla, não só os “gays” e “lésbicas”, mas também aqueles que, independentemente de orientação sexual ou identidade de gênero, são solidários, abertos e “simpatizantes” em relação à diversidade LGBT. GLS também é utilizado para descrever as atividades culturais e mercadológicas comuns a este grupo de pessoas (ABGLT, 2009, p. 14).

8

É a pessoa que se relaciona afetiva e sexualmente com pessoas de ambos os sexos/gêneros. Bi é uma forma reduzida de falar de pessoas Bissexuais (AGLBT, 2009, p. 13).

9

Pessoa que nasce do sexo masculino ou feminino, mas que tem sua identidade de gênero oposta ao seu sexo biológico, assumindo papéis de gênero diferentes daquele imposto pela sociedade (AGLBT, 2009, p. 20).

10

Pessoa que possui uma identidade de gênero diferente do sexo designado no nascimento. Homens e mulheres transexuais podem manifestar o desejo de se submeterem a intervenções médico-cirúrgicas para realizarem a adequação dos seus atributos físicos de nascença (inclusive genitais) a sua identidade de gênero constituída.

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Outro fato marcante para o movimento LGBTT deu-se em 1999, quando o Conselho Federal de Psicologia (CFP, 1999, p. 2)11 “Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual” e reitera que “a homossexualidade não constitui doença, distúrbio ou perversão”.

A partir de 1995 os debates sobre a homossexualidade no Brasil aumentaram, e então passa a ser criada uma entidade representativa nacional chamada Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT). “Criada em 31 de janeiro de 1995, com 31 grupos fundadores. Hoje a ABGLT é uma rede nacional de 308 organizações afiliadas. É a maior rede LGBT na América Latina” (ABGLT, 1995, p. 1). O que cada vez mais aumentou as organizações associadas e hoje conta com 308, assim ganhando cada vez mais força política.

Com seus contínuos avanços os movimentos se unem ao governo federal e criam então o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD, 2004) que tem por função “acompanhar políticas públicas para defesa dos direitos de indivíduos e grupos sociais vítimas de descriminalização racial ou outra forma de intolerância” (NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL, 2011, p. 31).

Integrando-se entre si, essas instituições abriram a porta para a criação do Programa Brasil sem Homofobia12, lançado em maio de 2004, de parceria entre Governo Federal e a ABGLT. Com os avanços obtidos, o movimento LGBTT parte para desafios maiores no campo jurídico. Com a interpretação do Supremo Tribunal Federal da legislação constitucional13, reconhecendo a família monoparental constituída por vínculos afetivos, abriu-se a possibilidade formarem-se, inclusive, famílias integradas por indivíduos do mesmo sexo que vinculam-se afetivamente, daí o surgimento do termo homoafetividade14; Esta decisão foi de grande repercussão e importância para direito familiar e para a adoção não apenas dos homossexuais mas, de qualquer individuo que queria constituir uma família.

E no dia 04 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal “reconhece a união estável para casais do mesmo sexo”. Tendo direito à partilha de bens,

11

Resolução nº 001/99, de 22 de março de 1999. Lex: Coletânea de Legislação e Jurisprudência, Brasília, p. 1-2.

12

Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLTB e de Promoção da Cidadania Homossexual (BRASIL, 2004, p. 3).

13

Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988, art. 226).

14

Cunhado por Maria Berenice Dias na edição da obra: União Homossexual, o preconceito de a Justiça, no ano de 2000. Não é usado para descrever pessoas, mas sim as relações entre as pessoas do mesmo sexo/gênero.

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heranças, à adoção de crianças e ao acesso a alguns tipos de benefícios, como financiamento da casa própria.

Assim, apesar de em toda sua história a sexualidade sofrer repressão, há evoluções importantes propiciadas pelas lutas dos movimentos sociais e pelos diversos avanços científicos no modo de compreendê-la, situando-a num campo de despatologização. Porém, com toda a repercussão apresentada pelos movimentos, diversas reações são ouvidas nos mais diferentes segmentos da sociedade. Determinados militantes vêm novamente em busca da homogeneização das questões vinculadas à escolha sexual.

Atualmente a homossexualidade tem o que Foucault (2005, p. 11) chama de “uma crônica de crescente repressão”. Essa prática é comandada por figuras religiosas e líderes políticos que utilizam seu poder para uma busca de regresso e patologização dos prazeres que não tem como finalidade a continuidade da geração e, principalmente da homossexualidade.

Utilizando-se de conceitos morais próprios tentam criar uma sociedade homogênea. Partem de um pressuposto de uma civilização singular em um retrocesso secular onde, não se poderia novamente expressar a sexualidade. Eles elucidam uma nova sociedade regressa a era de interdição, censura e negação.

Através de recursos de repugnância frente ao tema utilizam-se de seu poder político ou religioso para uma regulação da sexualidade.

É porque se afirma essa repressão que se pode ainda fazer coexistir, discretamente, o que o medo do ridículo ou o amargor da história impedem a maioria dentre nós de vincular: revolução e felicidade; ou, então, revolução e um outro corpo, mais novo, mais belo; ou, ainda, revolução e prazer. Falar contra os poderes, dizer a verdade e prometer o gozo; vincular a iluminação, a liberação e a multiplicação de volúpias; empregar um discurso onde confluem o ardor do saber a vontade (FOUCAULT, 2005, p. 12).

A utilização de dois grandes polos de domínio como a política e a religião retoma toda teorização Foucaultiana da sexualidade diretamente ligada ao poder pois “os efeitos de poder levam a formular a verdade do sexo ou, ao contrário, mentiras destinadas a ocultá-lo, mas revelar a ‘vontade de saber’ que lhe serve ao mesmo tempo de suporte e instrumento” (FOUCAULT, 2005, p. 17).

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Assim, podemos obter alguma resposta frente à eficácia dessas tentativas. Foucault fala sobre a necessidade de uma ordenação sexual no século XVIII e podemos ver que esses líderes atuais pensam na homossexualidade como um objeto de análise patológica e de intervenção, entrando numa dimensão de “erotismo discursivo generalizado” (FOUCAULT, 2005, p. 34). Essa tentativa de retomada ao “puritarismo” na dimensão de interdição, inexistência e mutismo sobre a homossexualidade só faz com que mais ainda seja discutido. O homossexual está num lugar em que:

Nada daquilo que ele é, no fim das contas, escapa à sua sexualidade. Ela está presente nele todo: subjacente a todas as suas condutas, já que ela é o princípio insidioso e infinitamente ativo das mesmas; inscrita sem pudor na sua face e no seu corpo já que é um segredo que se trai sempre. É lhe consubstancial, não tanto como pecado habitual, porém como natureza singular (FOUCAULT, 2005, p. 43).

Essa caça a homossexualidade diz de um lugar de erotização quase, ou tão grande quanto à caçada selvagem, um retrocesso que busca novamente aniquilar aquilo que é diferente, aquilo cuja obtenção de prazer incomoda o outro. Diversos militantes contra o movimento LGBTT buscam ainda em nosso século XXI evidenciar que a homossexualidade é uma determinação patológica, e assim possuí diversas formas de cura.

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2 A ESCOLHA DE OBJETO HOMOSSEXUAL NA TEORIA FREUDIANA

O debate social acerca do tema homossexualidade tem convocado diversas áreas do saber a se posicionarem a respeito do tema e de suas origens. No contexto descrito no capítulo anterior, a homossexualidade situa-se historicamente modificando-se de acordo com a compreensão que cada cultura construiu a seu respeito. Todavia, a indagação sobre suas causas persiste na perspectiva de enquadrá-la como patológica ou como livre expressão do desejo humano. Mas afinal, como se dá a escolha de objeto homossexual? Para abordar esta questão passamos a debater a elaboração de Sigmund Freud sobre esta temática, campo que nos referencia teoricamente.

Freud (1989) começou a atender pacientes que sofriam de um quadro que ele denominou histérico15. Através de observações e estudos, juntamente com colegas começou a interpretar essa forma de manifestação patológica. Teve um longo percurso de estudo teórico para o reconhecimento de diversas manifestações da “alma”, anulando diversas enunciações de paradigmas sobre o que é normal e o que é patológico.

Através de seus estudos comprovou que a existência dos sofrimentos humanos não provinha apenas do biológico, mas também da psique (mente). Não abandonando totalmente a importância dos conteúdos biológicos, Freud entra profundamente em teorizações a cerca de uma ainda nova ciência chamada psicanálise. Num campo mais linguístico-filosófico ela interpreta as diversas manifestações da psique de seus pacientes, criando e comprovando a existência do inconsciente.

Em uma época onde a sexualidade era praticamente exclusiva ao matrimônio e ainda considerada um tabu social, a construção da teoria Freudiana segue rumo a um caminho de interpretação da sexualidade. No desenrolar dos anos de pesquisa, começou a entender que as causas dos sintomas de seus pacientes provinham de fatores da vida sexual. O que o deixou extremamente intrigado, porém, a sexualidade era um assunto totalmente intimo e particular, os médicos não tinham direito de conhecimento tão privado do paciente. Ele reconheceu tal

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dificuldade e buscou interpretar de uma forma mais investigativa essas manifestações sexuais de seus pacientes.

O conhecimento sobre a sexualidade na época era extremamente vago, então buscou um método em que seus pacientes falassem mais sobre sua sexualidade chegando à conclusão de que:

Em matéria de sexualidade, somos todos, no momento, doentes ou sãos, não mais do que hipócritas. Será muito bom se obtivermos, em consequência dessa franqueza geral, uma certa dose de tolerância quanto às questões sexuais (FREUD, 1898, p. 79).

Ele relata que os médicos da época tinham pouco interesse nas questões sexuais de seus pacientes e busca então aprofundar-se nesse campo ainda desconhecido. Em busca de uma resposta para a sintomatologia de seus pacientes, ele cada vez mais se aproxima de uma etiologia das neuroses e através do método catártico ele faz uma ligação entre sexualidade e neurose, dizendo que elas residem no campo da sexualidade.

Por um singular percurso tortuoso de que falarei mais adiante, é possível chegar a um conhecimento dessa etiologia e compreender por que o paciente era incapaz de nos dizer qualquer coisa a esse respeito. Pois os acontecimentos e influências que estão na raiz de toda psiconeurose pertencem, não ao momento atual, mas a uma época da vida há muito passada, que é, por assim dizer, pré-histórica - à época da primeira infância; e eis por que o paciente também nada sabe deles. Ele os esqueceu - embora apenas em determinado sentido (FREUD, 1898, p. 79).

Concluindo que em todo caso de neurose reside algo sexual ele cada vez mais se aproxima de um evento que se revelaria um marco na história mundial e também um dos seus trabalhos mais importantes. Buscando cada vez mais em seus pacientes o teor sexual da causa de seus sintomas, observa que os médicos tentam apenas acabar com os sintomas e não interpretar sua causa, o que faz com que eles voltassem ainda mais fortes e distantes de uma cura possível.

Se os médicos soubessem que o paciente estava lutando contra seu hábito sexual, e que estava em desespero por ter sido mais uma vez obrigado a ceder a ele, se compreendessem como extrair dele esse segredo, torná-lo menos grave a seus olhos e apoiá-lo em sua luta contra o hábito, o êxito de seus esforços terapêuticos bem poderia ser assim assegurado (FREUD, 1898, p. 82).

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Ele começa a perceber que seus pacientes então sofrem de reminiscências sexuais onde a necessidade de satisfação barrada é deslocada para outro meio. Freud busca encontrar a fonte dessa necessidade imperativa onde o paciente encontra “substitutos da falta de satisfação sexual; e sempre que a vida sexual normal não pode mais ser restabelecida, podemos contar, com certeza, com uma recaída do paciente” (FREUD, 1996, p. 83). Com suas teorias cada vez encontrando mais força, ele tenta compartilhar suas descobertas com outros médicos e passa a perguntar-se “qual a atitude a ser tomada por um médico que reconheça a etiologia sexual das neuroses em face desse problema” (p. 83) e responde que a pior coisa a se fazer é ignorá-lo.

Freud busca demonstrar a seus colegas a importâncias dos conteúdos sexuais na origem dos sintomas neuróticos e que sua etiologia se coloca no campo da infância, o que a princípio também é uma surpresa para Freud. Mas, com tantos casos apresentados a sintomatologia em contextos da infância ele percebe que está perto de entender essa etiologia, porém encontra uma imensa dificuldade perante seus colegas, e entende que para um avanço teórico do conhecimento das neuroses.

É preciso romper a resistência de toda uma geração de médicos que já não conseguem lembrar-se de sua própria juventude; o orgulho dos pais, que não se dispõem a descer ao nível da humanidade ante os olhos de seus filhos, precisa ser superado; e o puritanismo insensato das mães deve ser combatido - das mães que consideram um golpe incompreensível e imerecido do destino que “justamente os filhos delas sejam os que se tornam neuróticos”. Mas, acima de tudo, é necessário criar um espaço na opinião pública para a discussão dos problemas da vida sexual. Tem que ser possível falar sobre essas coisas sem que se seja estigmatizado como um arruaceiro ou uma pessoa que tira proveito dos mais baixos instintos. E também aqui há trabalho suficiente para se fazer nos próximos cem anos - nos quais nossa civilização terá que aprender a conviver com as reivindicações de nossa sexualidade (FREUD, 1898, p. 264).

Questionando-se sobre os sintomas neuróticos e suas origens na sexualidade, Freud, juntando as associações livres de seus pacientes com os conteúdos já estudados ele percebe que não é apenas a maturidade sexual de que seus pacientes estavam falando. Eles relaram com bastante importância um período importante de suas vidas e então Freud chega ao ponto nodal para a interpretação dos sintomas neuróticos “sua verdadeira etiologia e encontrada nas experiências infantis” (FREUD, 1898, p. 160).

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Através dessa constatação ele reorganiza suas interpretações e concretiza suas teorias sobre o fato da sexualidade não começar na puberdade ou na vida adulta como poderia parecer, mas sim na infância.

Faz parte da opinião popular sobre a pulsão sexual que ela está ausente na infância e só desperta no período da vida designado da puberdade. Mas esse não é apenas um erro qualquer, e sim um equívoco de graves consequências, pois é o principal culpado de nossa ignorância de hoje sobre as condições básicas da vida sexual (FREUD, 1898, p. 163).

Ele entende que a humanidade faz um esforço tremendo para negar qualquer manifestação sexual nas pequenas crianças, e só apenas na puberdade possibilitam uma sexualidade ser despertada. Com essas constatações ele entende a força da sexualidade na infância repercutindo nos sintomas neuróticos, e sabe que seu efeito não é diretamente no período da mesma, mas sim que:

[...] seu efeito retardado, que só pode ocorrer em períodos posteriores do crescimento. Esse efeito retardado se origina - como não poderia deixar de ser - nos traços psíquicos deixados pelas experiências sexuais infantis. Durante o intervalo entre as experiências dessas impressões e sua reprodução (ou melhor, o reforço dos impulsos libidinais delas provenientes), tanto o aparelho sexual somático como o aparelho psíquico sofrem um importante desenvolvimento; e é assim que a influência dessas experiências sexuais primitivas leva então a uma reação psíquica anormal e à existência de estruturas psicopatológicas (FREUD, 1898, p. 164).

Então, em 1905, ele produz um dos seus trabalhos mais significativos para a psicanálise: Os três ensaios sobre a teoria da sexualidade. No presente trabalho Freud faz uma construção a cerca do caráter normal ou patológico da sexualidade16. Seu principal objetivo é colocar em questão o comportamento sexual, trazendo também em debate a sexualidade infantil que até então era encarada como nada além de um fator latente. Rompe, assim, com a colagem do conceito sexualidade apenas para reprodução e demonstra que a mesma não deve ser definida apenas com um caráter biológico, mas sim pela sua meta de prazer. E que “a sexualidade dos psiconeuróticos preserva o estado infantil ou é reconduzida a ele” (FREUD, 1898, p. 163).

16

Lembrando que para a psicanálise a sexualidade não é apenas vinda da genitalidade, ela está muito mais ligada a investimento afetivo.

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Freud (1905) apresenta vários conceitos fundamentais para a psicanálise nesse ensaio; inicia questionando-se sobre o caráter então patológico e o caráter normal sexual da época, introduzindo dois termos importantes para podermos ordenar o percurso de abordagem de nosso ensaio monográfico: objeto sexual e alvo sexual. O primeiro como ele diz é “a pessoa de quem provém à atração sexual” e o segundo corresponde “a ação para a qual a pulsão impele”. Ele nos alerta que a ligação entre eles com uma suposta “norma” exige uma investigação minuciosa (p. 128).

A divisão do ser humano em duas metades – homem e mulher – que aspiram a unir-se de novo no amor. Por isso, causa grande surpresa tomar conhecimento de que há homens cujo objeto sexual não é a mulher, mas o homem, e mulheres para quem não o homem, e sim a mulher, representa o objeto sexual. Diz-se dessas pessoas que são “de sexo contrário”, ou melhor, “invertidas”, e chama-se o fato de inversão. O numero de tais pessoas é bastante considerável, embora haja dificuldades em apurá-lo com precisão (FREUD, 1905, p. 128).

Freud então, em 1905, cria conceitos referentes à homossexualidade chamando-a de inversão; sujeitos cuja a sexualidade ainda se detém um pouco questionável, elas sendo classificadas em: invertidos absolutos “seu objeto sexual só pode ser o mesmo”; os anfígenos onde ele relata “ seu objeto sexual tanto pode pertencer ao mesmo sexo quanto a outro” e os ocasionais “ou seja, em certas condições de inacessibilidade do objeto sexual normal, elas podem encontrar satisfação sexual em uma pessoa do mesmo sexo” (p. 129). E, ao contrário dos proclames médicos e religiosos da época, para ele nada mais são do que outras formas da expressão da sexualidade.

Em geral, essas diferentes séries de variações coexistem independentemente umas das outras. Freud pontua que a inversão foi inicialmente vista como patológica num contexto de “degeneração nervosa” pelos médicos da época. Ele tenta construir pontos para refletir a condição da inversão não se encaixando num contexto patológico, elucidando em sua teoria dois pontos: o caráter inato e a degeneração.

Sobre degeneração ele comenta que vários fatores permitem ver que os invertidos não se encaixam no contexto de degenerados, no sentido legítimo da palavra, tendo em vista que degeneração tornou-se ligada a manifestações patológicas e ele encontrava casos de inversão em “pessoas que não tem nenhum

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outro desvio grave” e “encontramos pessoas cuja eficiência não está prejudicada e inclusive se destacam por um desenvolvimento intelectual” (FREUD, 1905, p. 131). Pontua que “é preciso considerar que nos povos antigos, no auge de sua cultura, a inversão era considerada fenômeno frequente, quase que uma instituição dotada de importantes funções” (p. 132).

Sobre o caráter inato enuncia vários pontos para pensarmos sobre uma concepção da “inversão” em sua época, ele fala que os médicos tinham uma interpretação que apenas os invertidos absolutos (aqueles cujo objeto é apenas do mesmo sexo) teriam um caráter inato onde” em nenhum momento de sua vida mostrou-se a elas outra orientação de sua pulsão sexual” (FREUD, 1905, p. 132), os outros grupos (anfígenos e ocasionais) teriam uma concepção alternativa de um “caráter adquirido”.

Nesse contexto, se teria então formas que levam a acepção dessa inversão; o autor as refere como sendo: “[...] uma impressão sexual prematura para uma inclinação homossexual [...] influências externas favorecedoras e inibidoras que levaram, em época mais prematura ou mais tardia, à fixação da inversão” (1905, p.132). Freud repudia totalmente esses fatos e contesta a existência de uma inversão inata, ele entra num contexto, afirmando, em prol “da inversão [...] traria a luz uma vivência da primeira infância que foi determinante para a orientação da libido”. “Ela só poderia ser qualificada como uma variação frequente da pulsão sexual, passível de ser determinada por uma quantidade de circunstâncias externas de vida” (p. 133).

Finalizando essa concepção ele coloca que:

Muitas pessoas ficam sujeitas ás mesmas influências sexuais (inclusive na meninice: sedução, masturbação mútua), sem por isso se tornarem invertidas ou assim continuarem permanentemente. Somos, portanto impelidos á suposição de que a alternativa inato/adquirido é incompleta, ou então não abarca todas as situações presentes na inversão (FREUD, 1905, p. 133).

Vemos então Freud (1905) ainda confuso adquirindo conhecimento sobre o que determinaria a “inversão”. Uma coisa ele tem certeza “nem a hipótese de que a inversão é inata trazendo consigo desde o nascimento o “vínculo da pulsão sexual com determinado objeto sexual”, nem tampouco a “conjectura alternativa de que é

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adquirida” através das “múltiplas influências acidentais [...] para explicar a aquisição da inversão explicam sua natureza” (p. 133).

Freud (1905) reforça a forte influência da medicina sobre o entendimento da inversão, os médicos enfatizavam a admissão de ou o ser humano é homem ou mulher enquanto ele acreditava que “em nenhum indivíduo masculino ou feminino de conformação normal faltam vestígios do aparelho do sexo oposto, que persistiram sem nenhuma função como órgãos rudimentares, ou que se modificaram para tomar a seu encargo outras funções” (p. 135). Através disso Freud então tem um ponto nodal para pensar no caráter bissexual que todo sujeito passa no curso de seu desenvolvimento psicossexual até se transformar na monossexualidade (uma escolha de objeto definida).

Diversas são as possibilidades da interpretação da inversão, mas Freud (1905) descarta o que ele chama de “hermafroditismo psíquico”, como fator determinante para a escolha de objeto. O sujeito não se fixa no órgão como definição para o feminino ou masculino ou “um cérebro feminino num corpo masculino” (p. 135). Freud fala que se o hermafroditismo psíquico fosse à determinação da escolha invertida se “com a inversão do objeto sexual, houvesse em paralelo ao menos uma mudança das demais qualidades anímicas, pulsões e traços de caráter para a variante típica do sexo oposto” (p. 134). O homem sucumbiria como mulher e a mulher como homem, mas não se trata diretamente disso como uma característica universal, pois, existem homens que gostam da sua virilidade e mulheres que gostam da sua feminilidade, como ele relata “Não há dúvida alguma de que uma grande parcela de invertidos [...] preserva o caráter psíquico da virilidade, trazendo poucos caracteres secundários do sexo oposto” buscando então em seu objeto traços psíquicos femininos (p. 134).

Para pensarmos essas questões existem pontos ao qual Freud vai fazendo uma ligação da busca de caracteres sexuais (do sexo oposto) em parceiros dos invertidos, uma interpretação frente a manifestações apresentadas através de traços que são buscados no objeto, onde em um breve relato, relembra traços da história da antiguidade grega.

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O amor do homem não era o caráter masculino do efebo17, mas sua semelhança física coma mulher, bem como seus atributos anímicos femininos: a timidez, o recato e a necessidade de ensinamentos e assistência. [...] o efebo deixava de ser um objeto sexual para o homem, e talvez ele próprio se transformasse num amante de efebos. Nesses casos, portanto, como em muitos outros, o objeto sexual não é do mesmo sexo, mas uma conjugação dos caracteres de ambos os sexos, como que um compromisso entre uma moção que anseia pelo homem e outra que anseia pela mulher (FREUD, 1905, p. 134).

Assim, ele ainda não tem uma teoria consistente para a origem da inversão, pois para Freud ela não tem uma meta sexual uniforme; existem diversas manifestações da mesma. E então se mantém impossibilitado de esclarecer sua origem, mas entende que é “demasiadamente intima a ligação entre a pulsão sexual e o objeto sexual” (FREUD, 1905, p. 135) e tenta tirar a noção de uma existência de um sexo normal apropriado, que para os médicos essa normalidade era representada por “a união dos genitais no ato designado como coito, que leva á descarga da tensão sexual e a extinção temporária da pulsão sexual” (p. 135).

Na vida anímica de todos os neuróticos (sem exceção) encontram-se moções de inversão, de fixação da libido em pessoas do mesmo sexo. Sem uma discussão a fundo é impossível apreciar adequadamente a importância desse fator para a configuração do quadro patológico; só posso asseverar que a tendência inconsciente para a inversão nunca está ausente e, em particular, presta os maiores serviços ao esclarecimento da histeria masculina (FREUD, 1905, p. 157).

Freud (1905) então apresenta o conceito de pulsão18 e esclarece que diversos são os investimentos da pulsão e o que distingue as pulsões entre si e as dota de propriedades específicas é sua relação com suas fontes somáticas e seus

alvos. A fonte da pulsão é um processo excitatório num órgão, e seu alvo imediato

consiste na supressão desse estímulo orgânico (p. 159).

Não apenas sendo de uma sexualidade normal reprimida que sofrem os neuróticos, mas também e certas manifestações perversas reprimidas. Ele constata que existe uma força que mantém:

17

Significa jovem, rapaz, moço, púbere (CASTRO; BULAWSKI, 2011).

18

O representante psíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui continuamente, para diferenciá-la do “estímulo”, que é produzido por excitações isoladas vindas de fora. Pulsão, portanto, é um dos conceitos da delimitação entre o anímico e o físico (FREUD, 1905, p. 159).

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A pulsão sexual tem de lutar contra certas forças anímicas que funcionam como resistências, destacando-se entre elas com máxima clareza a vergonha e o asco. É lícito conjecturar que essas forças contribuam para circunscrever a pulsão dentro dos limites considerados normais, e que, caso se desenvolvam precocemente no indivíduo, antes que a pulsão sexual alcance a plenitude de sua força, sem dúvida serão elas que irão apontar o rumo de seu desenvolvimento (FREUD, 1905, p. 153).

Nesta perspectiva, conceitua a base da constituição do sintoma19 e que “os sintomas são a atividade sexual dos doentes” e certas manifestações da sexualidade são perversas (patológicas).

Em sua teoria ele caracteriza que um grande período da sexualidade na infância é esquecido, o que ele chama de amnésia infantil, um esquecimento que encobre os primeiros anos da infância até segundo ele os seis a oito anos de idade. Esse esquecimento é uma forma de prevenir o sujeito das intensas manifestações sexuais da infância. A partir disso passa a apresentar a sexualidade infantil e suas diversas manifestações.

A primeira forma de manifestação sexual que a criança exibe segundo Freud é advinda de uma necessidade biológica, perpassando pela amamentação como sobrevivência da criança ela entra num estágio posterior a saciação chamado chunchar20 uma:

repetição rítmica de um contato de sucção com a boca (os lábios), do qual está excluído qualquer propósito de nutrição. Uma parte dos próprios lábios, a língua ou qualquer outro ponto da pele que esteja ao alcance - até mesmo o dedão do pé - são tomados como objeto sobre o qual se exerce essa sucção (FREUD, 1905, p. 169).

Nessa fase a criança entra em uma espécie de orgasmo após a saciação, uma manifestação enorme de prazer advinda do uso do corpo de seu cuidador (na maior parte dos casos a mãe). Um segundo momento da manifestação sexual é quando a criança então não utiliza mais do corpo do outro para satisfação, pois já o reconhece como externo a seu corpo e então passa a procurar outras fontes de saciação, passando para uma fase auto-erótica21.

19

São um substituto - uma transcrição, por assim dizer - de uma série de processos, desejos e aspirações investidos de afeto, aos quais, mediante um processo psíquico especial (o recalcamento), nega-se a descarga através de uma atividade psíquica passível de consciência” (FREUD, 1905, p. 155).

20

Sugar com deleite (FREUD, 1905, p. 169).

21

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A criança não se serve de um objeto externo para sugar, mas prefere uma parte de sua própria pele, porque isso lhe é mais cômodo, porque a torna independente do mundo externo, que ela ainda não consegue dominar, e porque desse modo ela se proporciona como que uma segunda zona erógena, se bem que de nível inferior (FREUD, 1905, p. 170).

A partir dessas etapas a criança passa por um período onde todo seu corpo incide a poder ser estimulado, essas marcas vão erotizando sua pele, e ela passam pelas chamadas zonas erógenas22 “onde a qualidade do estímulo, mais do que a natureza das partes do corpo, é que tem a ver com a produção da sensação prazerosa, qualquer outra parte do corpo” (FREUD, 1905, p. 173) essas zonas do corpo da criança são estimuladas e deixam marcas que vão organizando sua vida sexual e seus estímulos prazerosos. Cada vez mais a criança busca repetir esse prazer provindo dessas zonas, inicialmente auto-eróticas, pois:

o estado de necessidade de repetir uma satisfação transparece de duas maneiras: por um sentimento peculiar de tensão, que tem, antes, o caráter de desprazer, e por uma sensação de prurido ou estimulação centralmente

condicionada e projetada para a zona erógena periférica. Por isso, pode-se

também formular o alvo sexual de outra maneira: ele viria substituir a sensação de estimulação projetada na zona erógena (FREUD, 1905, p. 174).

Por consequência Freud define essas fases também como uma forma de masturbação da criança, onde ela sente muito prazer nessas marcas que são deixadas pelo outro, ele define que existem três momentos dessa masturbação infantil, “A primeira é própria do período de lactância, a segunda pertence à breve florescência da atividade sexual por volta do quarto ano de vida, e somente a terceira corresponde ao onanismo da puberdade, amiúde o único a ser levado em conta” (FREUD, 1905, p. 177).

Aqui encontramos um primeiro momento da escolha de objeto, onde obrigatoriamente a criança precisa passar por um outro, que ela o toma como objeto inicialmente pela sobrevivência e depois pela pura e simples satisfação.

De alguma forma essas zonas posteriormente entram em relações estreitas com a vida genital. Todas essas manifestações na criança surgem de uma forma espontânea, cada sujeito passa por elas de uma forma única e subjetiva, e aqui

22

Trata-se de uma parte da pele ou da mucosa em que certos tipos de estimulação provocam uma sensação prazerosa de determinada qualidade (FREUD, 1905, p. 172).

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temos um ponto importante, tanto pessoas sadias quanto doentes passam por essas

fases sexuais infantis.

Para completar o quadro da vida sexual infantil, é preciso acrescentar que, com frequência ou regularmente, já na infância se efetua uma escolha objetal como a que mostramos ser característica da fase de desenvolvimento da puberdade, ou seja, o conjunto das aspirações sexuais orienta-se para uma única pessoa, na qual elas pretendem alcançar seus objetivos. Na infância, portanto, essa é a maior aproximação possível da forma definitiva assumida pela vida sexual depois da puberdade. A diferença desta última reside apenas em que a concentração das pulsões parciais e sua subordinação ao primado da genitália não são conseguidas na infância, ou só o são de maneira muito incompleta. Assim, o estabelecimento desse primado a serviço da reprodução é a última fase por que passa a organização sexual (FREUD, 1905, p. 180).

Freud então constata que na escolha de objeto existem dois momentos fundamentais no caminho da vida sexual do adulto.

A primeira delas começa entre os dois e os cinco anos e retrocede ou é detida pelo período de latência; caracteriza-se pela natureza infantil de seus alvos sexuais. A segunda sobrevém com a puberdade e determina a configuração definitiva da vida sexual (FREUD, 1905, p. 188).

Todos esses momentos de marcações sexuais na infância são os pilares da vida sexual do adulto, seja ele qual for seu objeto de amor ou suas práticas sexuais, alias, são esses momentos que demarcam todo o percurso da sexualidade do adulto pois:

(a) Assim como antes vimos ser possível [...] basear uma multiplicidade de constituições sexuais inatas na formação diferenciada das zonas erógenas, podemos agora experimentar a mesma coisa com a inclusão das fontes indiretas de excitação sexual. Podemos presumir que essas fontes façam contribuições em todos os indivíduos, mas não tenham em todas as pessoas a mesma intensidade, e que na conformação privilegiada de cada fonte da excitação sexual situe-se outra contribuição para diferenciar as diversas constituições sexuais (FREUD, 1905, p. 194).

Nesse sentido a organização sexual para a escolha de objeto perpassa por um momento de extrema tensão sexual, até um período de latência, onde a libido sexual é desviada para outros fins, porém esse período de latência não é um apagamento desse sexual, ele continua presente prolongando-se até um período da onde há uma reedição desses momentos que marcaram a sexualidade da criança na

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infância. Porém cabe aqui retomarmos a teoria da pulsão que é melhor desenvolvida em 1915 em seu texto “A pulsão e seus destinos” onde nos apresenta pontos importantes para pensarmos a escolha de objeto homossexual.

A pulsão seria um estímulo da psique, inicialmente provindo do interior do próprio organismo. Nunca é, segundo o autor, apenas momentânea é sempre uma força constante. A pulsão organiza a psique do sujeito, estando sempre em atividade e o movimentando seu progresso frente suas satisfações.

A principal diferença entre um estímulo externo e um estímulo pulsional segundo se delimita que, o primeiro tem sua substração em movimentos musculares alcançando seu fim de forma breve e o segundo “não pode ser liquidado por esse mecanismo. “[...] coloca exigências bem mais elevadas ao aparelho nervoso, induzem-no a atividades mais complexas” (FREUD, 1915, p. 41) sendo elas seus termos de impulso, meta, objeto e fonte.

É essencial situarmos cada um desses momentos pulsionais para que possamos prosseguir com a compreensão da escolha de objeto. Por impulso situa ele “compreende-se o seu elemento motor, a soma de força ou a medida de trabalho que ela representa” (FREUD, 1915, p. 42), sua meta é “sempre a satisfação, que pode ser alcançada apenas pela supressão do estado de estimulação na fonte da pulsão” (p. 43). Seu objeto “é aquele com o qual ou pelo qual o instinto pode alcançar meta. É o que mais varia na pulsão, não estando originalmente ligado a ela, mas lhe dando subordinado apenas devido á sua propriedade de tornar possível a satisfação” (p. 43) e por final temos sua fonte que “compreende o processo somático num órgão ou parte do corpo, cujo estímulo é representado na psique” (p. 43). Assim com a chegada da puberdade esses momentos pulsionais infantis são reeditados e “introduzem-se as mudanças que levam a vida sexual infantil a sua configuração normal definitiva. Até esse momento, a pulsão sexual era predominantemente auto-erótica; agora, encontra o objeto sexual” (FREUD, 1905, p. 196).

Freud descobre que o elemento mais variável da pulsão é o objeto e que não tem como domesticar a pulsão. Nesse artigo ele vai discutir a bissexualidade inerente a todo ser humano. Todo o ser humano em sua origem é bissexual e o investimento que ele faz em relação a um objeto, pode ser tanto de um objeto do mesmo sexo, como de sexo oposto.

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Assim quebrando o paradigma de que a homossexualidade seria uma degenerescência ele segue entendendo que as pulsões estão independentes umas das outras, buscando a efetividade do alvo sexual exclusivo, porém agora existe o primado da zona genital em efetividade e a partir de agora o avanço sexual passa a se tornar diferente no homem e na mulher.

O do homem é o mais consequente e também o mais facilmente acessível a nossa compreensão, enquanto o da mulher representa até mesmo uma espécie de involução. A normalidade da vida sexual só é assegurada pela exata convergência das duas correntes dirigidas ao objeto sexual e à meta sexual: a de ternura e a sensual. A primeira destas comporta em si o que resta da primitiva eflorescência infantil da sexualidade. É como a travessia de um túnel perfurado desde ambas as extremidades (FREUD, 1915, p. 196).

A partir dos momentos da organização sexual infantil apresentados por Freud, chegamos ao momento de desfecho onde é definida a escolha de objeto de amor. Um caminho para o qual estamos sendo preparados desde a infância.

Após a separação primordial com a mãe, a criança aprende a amar outras pessoas que lhe dão suporte momentâneo e vão suprindo a falta da mãe aos poucos. Essa satisfação para com a pessoa que a cuida é puramente sexual, provinda das zonas erógenas. Freud (1915, p. 210) afirma que quem “a acaricia, beija e embala, e é perfeitamente claro que a trata como o substituto de um objeto sexual plenamente legítimo”. A mãe dotada de conhecimento apenas do senso comum jamais imagina o conteúdo sexual ao qual está organizando na vida de seu filho, acreditando que seus atos são apenas de puro amor não sabe que está o preparando para a intensidade sexual de escolha de objeto posterior.

Quando ensina seu filho a amar, está apenas cumprindo sua tarefa; afinal, ele deve transformar-se num ser humano capaz, dotado de uma vigorosa necessidade sexual, e que possa realizar em sua vida tudo aquilo a que os seres humanos são impelidos pela pulsão. É verdade que o excesso de ternura por parte dos pais torna-se pernicioso, na medida em que acelera a maturidade sexual e também, “mimando” a criança, torna-a incapaz de renunciar temporariamente ao amor em épocas posteriores da vida, ou de se contentar com menor dose dele. Um dos melhores prenúncios de neurose posterior é quando a criança se mostra insaciável em sua demanda de ternura dos pais; por outro lado, são justamente os pais neuropáticos, que em geral tendem a exibir uma ternura desmedida, os que mais contribuem, com suas carícias, para despertar a disposição da criança para o adoecimento neurótico. Deduz-se desse exemplo, aliás, que os pais neuróticos têm caminhos mais diretos que o da herança para transferir sua perturbação para seus filhos (FREUD, 1915, p. 210).

Referências

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