• Nenhum resultado encontrado

A Capela de São Miguel Arcanjo em São Miguel Paulista : um documento de arquitetura e arte

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A Capela de São Miguel Arcanjo em São Miguel Paulista : um documento de arquitetura e arte"

Copied!
213
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

THAIS CRISTINA MONTANARI

A CAPELA DE SÃO MIGUEL ARCANJO EM SÃO MIGUEL PAULISTA: UM DOCUMENTO DE ARQUITETURA E ARTE

CAMPINAS 2019

(2)

THAIS CRISTINA MONTANARI

A CAPELA DE SÃO MIGUEL ARCANJO EM SÃO MIGUEL PAULISTA: UM DOCUMENTO DE ARQUITETURA E ARTE

Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em História, na Área de História da Arte.

Orientador: LUCIANO MIGLIACCIO

Coorientadora: RENATA MARIA DE ALMEIDA MARTINS

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA THAIS CRISTINA MONTANARI, E ORIENTADA PELO PROF. DR. LUCIANO MIGLIACCIO.

CAMPINAS 2019

(3)

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387

Montanari, Thais Cristina, 1991-

M762c A Capela de São Miguel Arcanjo em São Miguel Paulista : um documento de arquitetura e arte / Thais Cristina Montanari. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

Orientador: Luciano Migliaccio.

Coorientador: Renata Maria de Almeida Martins.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Capela de São Miguel Arcanjo, São Paulo (SP). 2. Arte - História. 3. Arte colonial. 4. Patrimônio cultural. 5. Relações culturais. 6. São Paulo (SP) - História. 7. Arquitetura colonial. I. Migliaccio, Luciano. II. Martins, Renata Maria de Almeida. III. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. IV. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The São Miguel Chapel in São Miguel Paulista : a document of

architecture and art

Palavras-chave em inglês:

Art - History

Colonial art Cultural heritage Cultural relations

São Paulo (SP) - History Colonial architecture

Área de concentração: História da Arte Titulação: Mestra em História

Banca examinadora:

Luciano Migliaccio [Orientador] Leandro Karnal

Renato Cymbalista

Data de defesa: 26-03-2019

Programa de Pós-Graduação: História

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a) - ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0003-1327-0037 -Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/9906209317940612

(4)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 26 de março de 2019, considerou a candidata Thais Cristina Montanari aprovada.

Prof. Dr. Luciano Migliaccio Prof. Dr. Leandro Karnal Prof. Dr. Renato Cymbalista

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

(5)

Àquelas e àqueles que foram silenciadas e silenciados da História de São Paulo, com respeito.

(6)

AGRADECIMENTOS

Dizem que fazer uma pós-graduação e escrever uma dissertação de mestrado é tarefa dura e solitária. Pois eu digo que eu tive a sorte, o privilégio e a felicidade de ter ao meu lado, e de ter cruzado com pessoas que tanto me apoiaram e me ajudaram de alguma forma, e da forma que puderam durante a minha jornada.

Sou grata à Professora Renata Martins e ao Professor Luciano Migliaccio com a certeza de que não poderia ter tido melhor orientação. Agradeço pela orientação, compreensão, ética e amizade. Por terem acreditado e confiado em mim e neste projeto, por sempre me apoiarem e sempre terem as palavras certas nos momentos certos para que eu seguisse sempre em frente.

Agradeço ao Professor André Tavares Pereira e ao Professor Leandro Karnal pela participação na banca de qualificação, pelas preciosas observações, críticas e indicações bibliográficas, as quais orientaram e enriqueceram esta dissertação. Agradeço ao Professor Renato Cymbalista e novamente ao Professor Leandro Karnal pela participação e pelas considerações da defesa desta dissertação de mestrado.

Agradeço ao Júlio Moraes por tão gentilmente ceder a documentação produzida durante os trabalhos de restauro. Sem esta documentação esta pesquisa não teria sido possível. Agradeço aos trabalhadores e trabalhadoras de todos os estabelecimentos de pesquisa que visitei, pela atenção e solicitude. Ao Leandro e ao Daniel da secretaria de pós-graduação do IFCH; e à Juliana Pessoa, da Associação Cultural Beato José de Anchieta, responsável pela Capela de São Miguel.

Agradeço à Angélica Brito pela grande ajuda e solicitude com referências documentais e bibliográficas, e outras questões sobre a igreja Nossa Senhora do Rosário do Embu e Museu de Arte Sacra dos Jesuítas.

Agradeço aos amigos queridos que de alguma forma me ajudaram e me apoiaram durante o mestrado: Isabela de Oliveira Salinas, Francislei Lima da Silva, Carlos Lima Junior, Samuel Mendes Vieira e João Vitor Brancato; e aos colegas do grupo de pesquisa Barroco cifrado: pluralidade cultural na arte e na arquitetura das missões jesuíticas no estado de São Paulo (1549-1759) da FAU-USP.

Agradeço principalmente a meus pais, Edson e Elisabeth, por terem me apoiado durante todo esse percurso acadêmico. Por terem me levado a sério quando disse, ainda jovenzinha, que queria fazer do estudo o meu trabalho. Por sempre vibrarem a cada conquista,

(7)

pelo apoio financeiro, pela compreensão e por continuarem me incentivando a seguir este caminho.

Agradeço especialmente ao Vitor pela contribuição mais importante que eu poderia ter nesta jornada: pelo apoio, carinho e compreensão. Por me acompanhar a cada viagem: de campo, de reuniões, de congressos, sempre que possível. Por vibrar junto comigo a cada conquista e por ser meu porto seguro nos momentos de desolação. Pelas leituras ponderadas, pelas críticas, traduções e revisões textuais. Por ser meu melhor amigo e meu amor.

Por fim, agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES (Edital PROEX- 0487. Processo nº 1684412), pelo apoio financeiro sem o qual esta pesquisa teria sido muito mais árdua.

(8)

Coração americano

Acordei de um sonho estranho Um gosto, vidro e corte Um sabor de chocolate No corpo e na cidade Um sabor de vida e morte Coração americano Um sabor de vidro e corte.

Milton Nascimento

Sou um tupi tangendo um alaúde! Mário de Andrade

(9)

RESUMO

Reconstruída em 1622, a Capela de São Miguel fazia parte de uma antiga rede de aldeamentos estabelecidos pelos missionários jesuítas, ainda no século XVI na Capitania de São Vicente. Sendo uma das obras artísticas e arquitetônicas mais importantes do período colonial paulista, tornou-se um dos primeiros bens tombados e restaurados pelo Instituto do Patrimônio Artístico Nacional (IPHAN) entre 1938 e 1941. Apesar de ter passado por diversas obras de manutenção e de restauro ao longo dos séculos, a capela ainda preserva, além de sua construção em taipa de pilão, parte da sua decoração do período colonial, especialmente as pinturas murais encontradas embaixo dos altares laterais em madeira, durante o último trabalho de restauro, em 2007. Assim, abrangendo um arco temporal que remonta desde o século XVI até o século XXI, o presente estudo propõe uma reflexão acerca da historicidade da Capela de São Miguel, aprofundando os estudos e as análises sobre manifestações artísticas e arquitetônicas, especialmente as pinturas parietais e demais ornamentos da Capela; abrangendo também a questão da sua patrimonialização. Haja vista a possibilidade do emprego de mão-de-obra indígena e mestiça na construção e decoração da Capela de São Miguel, faz-se necessária a análise das relações interculturais entre as tradições europeia e ameríndia, considerando as suas especificidades locais e referências globais.

Palavras Chave: Interculturalidade; Arte colonial; Arquitetura Colonial; São Paulo colonial; Patrimônio Cultural.

(10)

ABSTRACT

The São Miguel Chapel is a small church located in the outskirts of the Greater São Paulo region. The Chapel that exists today was built to replace another preexistent church in 1622. It has been protected by Brazil‘s national heritage institute IPHAN since 1938-41, and though it has been through many maintenance and restoration interventions over the centuries it remains a valuable source of information about the makings of religious art during Brazil‘s colonization process. The Chapel preserves, to this day, its rammed earth structure, part of its decorations from the colonial period, and, most importantly, the exquisite mural paintings that were found hiding behind the church‘s side altars during the last major restoration procedure in 2007. Hereby, this study aims to investigate the history of the São Miguel Chapel by piecing together events and data recorded from the XVI to the XXI centuries, deepening our understanding of the Chapel‘s artistic and architectural elements, especially the mural paintings and ornaments. Finally, since the chronology of its making indicates the presence of indigenous and mestizo labor and craftsmanship, the study of the São Miguel Chapel requires the analysis of the specific context in which the relationship between european and indigenous cultures took place, taking into serious account local specificities as well as global reference systems.

Keywords: Intercultural exchange; Colonial Art; Colonial Architecture; Colonial São Paulo; Cultural Heritage.

(11)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Aldeamentos estabelecidos pelos jesuítas a Capitania de São Vicente. p. 54 Figura 2- Detalhe da verga da porta de entrada indica o ano de 1622. p. 61 Figura 3- Aspecto da pintura parietal atrás do altar em madeira. p. 82 Figura 4- Retábulo fingido da igreja de Santa Catarina de Soutilha (Mirandela). p. 88 Figura 5- Ermita de Nuestra Señora de Belén, Liétor, Província de Albacete,

Espanha.

p. 90 Figura 6- Detalhe do retábulo pintado da capela da Ermita de Nuestra Señora de

Belén. Liétor, Província de Albacete, Espanha.

p. 90

Figura 7- Igreja de Carahuara de Carangas, Bolívia. p. 93

Figura 8- Pinturas Murais da igreja Virgen de la Natividad de Parinacota, Chile. p. 93 Figura 9- Pinturas murais na nave da igreja de San Andres de Pachama, século

XVIII, Chile. p. 95

Figura 10- Pinturas imitando motivos têxteis andinos da sacristia da igreja de San

Andres de Pachama. p.95

Figura 11- Pinturas murais imitando retábulos da Igreja de Pitumarca, século

XVIII, Cuzco, Bolívia. p. 95

Figura 12- Pintura mural imitando um retábulo da Igreja de Sotoca, século XVIII,

Chile. p. 95

Figura 13- Antigo altar-mor, simulado com pintura, em Nossa Senhora do Carmo

de Olinda, Pernambuco, por volta de 1670. p. 97

Figura 14- Antigo altar-mor, simulado com pintura, em Nossa Senhora do Carmo

de Olinda, Pernambuco, por volta de 1670. p. 97

Figura 15- Altar-mor da igreja de São João Batista (Belém- PA) desenhado pelo

arquiteto Antônio José Landi. século XVIII. p. 98

Figura 16- Pinturas encontradas no altar-mor da igreja de Nossa Senhora da

Assunção, em Anchieta-ES. p. 98

Figura 17- Altar lateral (lado da epístola) da Capela de São Miguel Arcanjo com o

retábulo em madeira (estado atual). p. 100

Figura 18- Altar lateral (lado da epístola), durante os trabalhos de restauro com as

pinturas aparentes. p. 100

Figura 19- Detalhe da parte interna do camarim com as pinturas do sol, lua,

estrela e nuvens espirais. p. 101

Figura 20- Aspecto completo da pintura retabular, reconstituída por edição de

imagem. p. 102

Figura 21- Foto do altar lateral do lado da epístola durante os trabalhos de

restauro. p. 105

Figura 22- Vestígios da pintura do barrado com vista de uma cidade, encontrada

durante o último restauro. p. 106

Figura 23- Foto da pintura do barrado, tirada na ocasião do primeiro restauro feito

pelo IPHAN sob coordenação de Luís Saia. p. 107

(12)

Jesuítas de São Paulo. p. 114 Figura 25- Altar lateral lado da epístola da igreja de Nossa Senhora do Rosário do

Embu. p. 114

Figura 26- Altar lateral lado do evangelho do Convento da Conceição de

Itanhaém. p. 117

Figura 27- Altar da antiga Fazenda Piraí, Itu. p. 117

Figura 28- Cariátides da grade de comunhão (lado esquerdo). p. 123

Figura 29- Cariátides da grade de comunhão (lado direito). p. 123

Figura 30- Detalhe de um dos entalhes de grotesca do batente da porta da Capela

lateral. p. 123

Figura 31- Altar-mor da Capela de São Miguel Arcanjo. p. 124

Figura 32- Altar-mor da Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso de Guarulhos. p.124 Figura 33- Armário da Sacristia da Capela de S. João, Carapicuíba. p. 126 Figura 34 - Armário da Sacristia da Capela de São Miguel Arcanjo. p. 126

Figura 35- Tábua pintada da igreja de Caçapava Velha. p. 126

Figura 36- Altar da Capela Lateral d Capela de São Miguel Arcanjo. p. 127 Figura 37- Detalhe da pintura do forro do altar da capela lateral da Capela de São

Miguel Arcanjo. p. 127

Figura 38- Pintura do teto do altar da Capela de Santo Antônio do Sítio Santo

Antônio, São Roque/ SP. p. 127

Figura 39- Detalhe da pintura do teto da Capela do Sítio Querubim, em São

Roque/SP. p. 128

Figura 40- Detalhe de uma das cariátides da grade de comunhão, fotografadas

durante o trabalho de restauro. p. 156

Figura 41- Aspecto da fachada da Capela de São Miguel antes do início dos trabalhos de restauro realizado pelo IPHAN.

p. 157

Figura 42- Detalhe da aquarela de Thomas Ender. p. 159

Figura 43- Croqui de Luis Saia, reproduzindo a hipótese de configuração da capela primitiva.

p. 160 Figura 44- Encamisamento de tijolos por toda a nave da Capela-mor. p. 160 Figura 45- Porta da capela lateral. Notar o encamisamento de tijolos de alvenaria. p. 160 Figura 46- Aspecto da nave com a retirada do encamisamento de tijolos, expondo

a elevação em adobe sobre a taipa. p. 160

Figura 47- Aspecto do altar-mor e do teto da capela-mor antes do restauro. p. 161 Figura 48- Detalhe da grade de comunhão e aspecto do altar-mor e altar lateral

lado da epístola. p. 163

Figura 49- Aspecto da fachada da Capela de São Miguel após os trabalhos de

restauro. p. 163

Figura 50- Porta-toalhas de sacristia, procedentes da Capela de São Miguel

Arcanjo, hoje no acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo. p. 168 Figura 51- Fragmentos de cerâmica encontrada nos trabalhos de prospecção

arqueológica na Capela de São Miguel, expostas no Sítio Morrinhos- Museu da

(13)

Figura 52- Nossa Senhora da Conceição, após o ato de vandalismo. p. 175 Figura 53- Nossa Senhora da Conceição em seu aspecto atual sem rosto, integrada

ao espaço de exposição da Capela de São Miguel. p. 175

Figura 54- Croqui do projeto para os retábulos móveis da Capela de São Miguel

Arcanjo. p. 178

Figura 55- Aspecto atual do interior da nave da capela-mor da Capela de São

Miguel Arcanjo, com os retábulos em madeira. p. 178

Figura 56- Fachada da Capela de São Miguel Arcanjo, com as grades em seu

(14)

SIGLAS E ABREVIATURAS

ACSP - Atas da Câmara da Vila de São Paulo. São Paulo, Prefeitura Municipal, 1914-. CONDEPHAAT - Conselho de defesa do patrimônio histórico, artístico, arqueológico e turístico do Estado de São Paulo.

DI - Publicação oficial de Documentos Interessantes para a História e Costumes de São

Paulo, 1894-1991. 96 vols.

DPH - Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura Municipal de São Paulo. FAUUSP- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

HCJB - LEITE, Antonio Serafim, S. J., História da Companhia de Jesus no Brasil, Belo Horizonte: Itatiaia, 2000. 10 v.

IEB - Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo.

IFCH - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. IHGSP - Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.

IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. MAS - Museu de Arte Sacra de São Paulo.

MPA - Movimento Popular de Arte.

RGSP - Registro Geral da Câmara da Vila de São Paulo. São Paulo, Prefeitura Municipal, 1917-1923. 20 vols.

RIHGB - Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. RIHGSP - Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.

SPHAN - antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (de 1937 até 1946) e Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (de 1979 até 1990).

UNICAMP- Universidade Estadual de Campinas. Observações:

● As passagens documentais reproduzidas ao longo do trabalho foram transcritas com as grafias conforme o documento original, incluindo nomes próprios e abreviaturas. Apenas acrescentamos observações entre [ ] quando necessário para melhor compreensão.

● As citações de textos estrangeiros foram traduzidas para a língua portuguesa e são acompanhadas, em notas de rodapé, pela reprodução dos trechos citados na língua original. ● Adotamos sempre a referência ―IPHAN‖, vigente desde 1994, ao invés de seguir as diferentes

denominações que o órgão teve ao longo dos anos, por não nos atermos sempre a uma sequência cronológica progressiva dos fatos.

● O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Edital PROEX- 0487. Processo nº 1684412.

(15)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO………... 17

CAPÍTULO 1- Aldeamentos em São Paulo: Índios, Jesuítas e Colonos……... 22

o Aldeias de Índios e Aldeamentos Jesuíticos na Capitania de São Vicente... 24

o Organização Espacial e Social... 27

o Funções dos aldeamentos... 28

o A liberdade e administração indígena... ... 30

o A expulsão dos jesuítas da Capitania de São Vicente (1640)... 34

o As relações entre São Paulo e a América Hispânica... 42

o Descimentos e Bandeiras: a construção de uma identidade... 45

CAPÍTULO 2- Da Aldeia de Ururaí ao Bairro de São Miguel………... 52

o São Miguel de Ururaí... 52

o A Construção da Capela de São Miguel Arcanjo... 55

o As Terras dos Índios de São Miguel... 61

o São Miguel sob os Franciscanos... 65

o Os Aldeamentos enquanto Redes de Artes e Ofícios... 72

CAPÍTULO 3- Pinturas Parietais e Interculturalidade………... 82

o Pinturas Descobertas, Pinturas Recobertas... 82

o Pinturas Murais e ―Retábulos Fingidos‖... 85

o Analisando as Pinturas parietais... 99

 Análise Estilística... 100

Análise Material e Técnica... 106

o Datação Provável... 109

o Aproximações com outros retábulos paulistas... 112

o As oficinas Jesuíticas e a mão mestiça... 117

o A transmissão e recepção de culturas... 128

o Os símbolos de Corpos Celestes... 129

o Trocas Culturais... 131

o Tintas Vegetais e Tintas Minerais... 138

CAPÍTULO 4- Omissão e Memória……….. 140

o A obra de ―Restituição‖ do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (1925- 1927)... 149

o A Capela de São Miguel e a atuação pioneira do IPHAN em São Paulo... 154 o O espólio de bens móveis e ornamentos da Capela de São Miguel... 163

(16)

o A (não) visibilidade das pinturas parietais... 176

o Propostas de musealização e práticas de preservação... 179

CONSIDERAÇÕES FINAIS………... 189

REFERÊNCIAS DOCUMENTAIS E BIBLIOGRÁFICAS………..……. 196

APÊNDICES I- Cronologia da Capela de São Miguel Arcanjo ... 211

II- Mapa Mental das redes de artes e ofícios interligadas à Capela de São Miguel Arcanjo... 213

(17)

INTRODUÇÃO

Em 2014, ainda na graduação em História na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), me matriculei em uma disciplina eletiva, sobre arte ameríndia, ministrada pela Prof.ª Renata Martins que, naquele momento, fazia seu pós-doutorado no IFCH- Unicamp. Embora naquele momento já tivesse meu interesse pela História da Arte como certo, contudo, ainda não tinha em mente um objeto para estudo. A disciplina da Prof.ª Renata Martins despertou meu interesse sobre o assunto, embora continuasse sem muitas ideias amadurecidas para um futuro projeto. No semestre seguinte, já em 2015, me matriculei novamente na disciplina que seria ministrada pela Prof.ª Renata Martins, mas, desta vez, o tema a ser estudado seria a ―Historiografia da Arte e da Arquitetura Colonial na América Latina‖. Então, a partir dos textos, seminários e discussões, e, identificando os problemas e lacunas historiográficas, passei a me interessar cada vez mais sobre as relações interculturais na produção da arte colonial. Conversando com a Prof.ª Renata, que me apresentou ao Prof. Luciano Migliaccio, demonstrei meu interesse pelo tema e começamos a cogitar possíveis objetos de estudo. Como atividade de encerramento de semestre e da disciplina, fizemos uma visita à Capela de São Miguel Arcanjo em São Miguel Paulista. Visto que até então a Capela havia sido muito pouco estudada, notadamente em relação às suas pinturas parietais recém-descobertas, e verificando diversas lacunas abertas acerca deste monumento, minha curiosidade e interesse foram instigados. Tínhamos, finalmente, um objeto de estudo definido. Em outubro de 2016, foi criado o grupo de pesquisa Barroco cifrado: pluralidade cultural na arte e na arquitetura das missões jesuíticas no estado de São Paulo (1549-1759) pelo projeto Jovem Pesquisador FAPESP na FAUUSP, coordenado pela Professora Renata Martins. Participar deste projeto teve grande importância para o desenvolvimento desta pesquisa: a cada reunião do grupo, com a apresentação de estudos recentes feitos por pesquisadores da área, novas questões e discussões eram postas, de forma a contribuir para as pesquisas em andamento e também para pesquisas futuras. Assim também se deu com a disciplina ―Arte e Arquitetura do Renascimento e do Barroco entre Europa e América Latina - Os Jesuítas entre Europa, Ásia e América Latina: Pluralidade na arte, na arquitetura e na cultura material das Missões‖, ministrada pelo Professor Luciano Migliaccio e pela Professora Renata Martins no curso de pós-graduação da FAUUSP, a qual cursei enquanto aluna especial. Ao longo do mestrado também participamos de diversos Simpósios em Congressos internacionais, sempre debatendo questões acerca da interculturalidade presente na arte e na arquitetura colonial paulista.

(18)

Construída em taipa de pilão por volta de 1622, a Capela de São Miguel Arcanjo ou ―Capela dos índios‖, como é conhecida popularmente pelos moradores do bairro de São Miguel Paulista, fazia parte de uma antiga rede de aldeamentos estabelecidos pelos padres da Companhia de Jesus, no período colonial. O último restauro realizado na Capela, promovido pela Diocese de São Miguel Paulista e pela Associação Cultural Beato José de Anchieta (ACBJA), trouxe à tona diversas questões em relação ao ―fazer artístico‖ na Capela de São Miguel, e na região de São Paulo. Este restauro teve início no ano de 2006, e, em agosto de 2007, durante os trabalhos, foram encontradas as pinturas parietais embaixo dos altares laterais em madeira; além de vestígios de policromia por toda a igreja, levantando a hipótese de que a Capela deve ter sido inteiramente pintada no período colonial.

As pinturas parietais da Capela de São Miguel, até então desconhecidas tanto pela equipe de restauro, quanto por estudiosos e pela comunidade local, foram uma grande e surpreendente descoberta. Trata-se de uma tentativa de reprodução pintada de um altar de talha, recorrente nas obras do barroco português. O uso da taipa como suporte para estas pinturas, os motivos celestes do sol, lua e estrelas, e as cores vermelho, preto e branco conferem sua peculiaridade, e suscitam diversas hipóteses que foram levantadas por historiadores da arte e antropólogos. Enquanto grande parte dos retábulos de talha sofreram diversas intervenções ao longo dos séculos, as pinturas da Capela de São Miguel, por sua vez, preservam um modelo de retábulo praticamente intocado, tal como havia sido pensado no século XVII.

Por se tratar de uma Capela localizada em um antigo aldeamento de índios, é muito provável que tanto a construção quanto a ornamentação da Capela de São Miguel Arcanjo tenha sido realizada por mãos indígenas e/ou mestiças. Considerando o uso da mão-de-obra local, treinada em ofícios diversos para reproduzir um repertório artístico com referências iconográficas da tradição europeia, faz-se necessário o estudo e aprofundamento dos intercâmbios culturais realizados no contexto dos aldeamentos estabelecidos no século XVI pelos religiosos da Companhia de Jesus em São Paulo.

No entanto, a falta de documentação precisa acerca da construção e ornamentação da Capela de São Miguel Paulista, a dificuldade imposta em se acessar alguns arquivos, e as inúmeras lacunas temporais constatadas ao iniciar nosso estudo foram algns dos maiores desafios desta pesquisa. Ademais, dada a escassez de estudos sobre a Capela, e a novidade imprevista da descoberta das pinturas parietais – que ressignifica a história da Capela e abre novos caminhos para analisar a produção da arte religiosa no contexto de colonização –,

(19)

acabamos por ingressar em um terreno em grande medida inédito no âmbito da historiografia da arte colonial em São Paulo e no Brasil.

A Capela de São Miguel, juntamente com a igreja do Rosário e residência anexa do Embu, foi um dos primeiros bens tombados pelo IPHAN em 1938,1 seguido pelo seu restauro, que teve início no ano seguinte, coordenado pelo engenheiro-arquiteto Luis Saia. Destacamos a importância do advento do IPHAN em 1937, não apenas em relação à preservação do patrimônio, mas também pelas publicações especializadas, que foram referência para a então nascente historiografia da arte brasileira. Contudo, apesar de sua reconhecida importância, a historiografia da arte e da arquitetura colonial brasileira produzida entre o início e meados do século XX, apresenta muitas vezes uma visão eurocêntrica e formalista, característica deste período. Ao mesmo tempo, se buscou identificar, na arte e na arquitetura, um estilo que fosse ―genuinamente brasileiro‖ e, mais especificamente, ―genuinamente paulista‖, e que se adequasse aos pressupostos da historiografia local; deixando, assim, de lado a investigação dos documentos e dos contextos históricos locais, como notado nos escritos de Mário de Andrade, Luis Saia e Lúcio Costa. Mesmo estudos realizados sobre as pinturas parietais imediatamente após sua descoberta tendem a seguir esta mesma linha formalista.

Para compreender a arte produzida no contexto das Missões, é preciso adotar também uma perspectiva mais ―global‖, dada a grande dispersão geográfica dos jesuítas. Ademais, os padres da Companhia constituíam o canal de transmissão mais influente da cultura europeia para a América portuguesa.2 Assim, é fundamental para o nosso estudo a análise dos debates historiográficos acerca das obras pioneiras, e das revisões historiográficas sobre a arte e arquitetura coloniais na América, que, apesar de consolidada, não é definitiva, e ainda suscita diversas questões para o debate.

Pretendemos, portanto, na presente investigação, desenvolver um panorama das atividades artísticas e construtivas no aldeamento de São Miguel, a partir dos estudos das pinturas recém-descobertas, e das diversas intervenções realizadas na Capela de São Miguel ao longo de seus quatro séculos de existência. De modo a contribuir para a historiografia da arte e arquitetura coloniais em São Paulo, pretendemos também ensejar o debate historiográfico, e os estudos que tratam sobre a interculturalidade nas Missões da América hispânica. Assim, acreditamos que analisando a história da Capela com profundidade, e levando em conta a complexidade das trocas interculturais que se estabelecem neste processo,

1 Número do Processo: 0180-T-38; Livro Belas Artes: Nº inscr. 219, vol. 1, f. 038, 21/10/1938; Livro Histórico:

Nº inscr. 109, vol. 1, f. 020, 21/10/1938.

2 BURY, John. ―A Arquitetura Jesuítica no Brasil‖ In: OLIVEIRA, Miriam Ribeiro de (Org.). Arquitetura e Arte

(20)

poderemos fazer avançar a compreensão das relações entre jesuítas e indígenas, arte europeia e arte ameríndia, e dos fazeres artísticos na Capela de São Miguel Arcanjo – antes na aldeia de São Miguel de Ururaí, no território da Vila de São Paulo de Piratininga e, em seguida como parte da cidade, da metrópole e da conturbação de São Paulo.

Isto posto, o presente estudo propõe um percurso para a melhor análise da história da Capela de São Miguel, percorrendo os processos que vão desde as relações que permearam o fazer artístico no contexto dos aldeamentos estabelecidos pela Companhia de Jesus em São Paulo no século XVI, até os debates acerca da patrimonialização e da visualidade permanente das pinturas parietais da Capela de São Miguel, no século XXI.

Os estudos que tratam sobre a Capela de São Miguel Paulista sempre privilegiaram os aspectos arquitetônicos da Capela e/ou a questão do restauro realizado pelo IPHAN em 1939, muitas vezes sem contextualizar historicamente o Monumento em sua gênese. Por outro lado, apesar de existirem muitos trabalhos sobre os aldeamentos jesuíticos, estes estudos não costumam abordar as questões das artes e ofícios e da sua história dentro deste contexto peculiar. Assim, constatando a necessidade de esclarecer estas relações para oferecer aos leitores uma melhor compreensão de nosso estudo, no Capítulo 1, intitulado Aldeamentos em São Paulo: Índios, Jesuítas e Colonos, contextualizamos historicamente a fundação dos aldeamentos paulistas e suas relações dentro do contexto colonial; a partir da análise historiográfica e documental. Abordamos a questão das Missões Jesuíticas em São Paulo, a organização social e espacial dos aldeamentos paulistas, passando também pela questão da liberdade indígena e a expulsão dos inacianos da Capitania de São Vicente em 1640, a questão do bandeirantismo, e das relações entre São Paulo e a América Hispânica. Neste capítulo também buscamos compreender as relações entre os atores sociais presentes nos aldeamentos estabelecidos no território atual da cidade de São Paulo durante a época colonial, especialmente as relações entre jesuítas, indígenas e colonos.

No Capítulo 2, intitulado Da Aldeia de Ururaí ao Bairro de São Miguel Paulista, começamos a adentrar mais especificamente no nosso objeto de estudo, procurando relatar as diversas opiniões surgidas do debate historiográfico, e coordenando informações encontradas nas fontes documentais e historiográficas. Neste capítulo, tratamos da fundação do aldeamento de São Miguel e da (re)construção de sua Capela; da questão das terras dos índios deste aldeamento e as possíveis relações com a decoração da Capela de São Miguel; da questão da transferência da administração temporal e espiritual do aldeamento de São Miguel para os franciscanos; e das possíveis redes de artes e ofícios as quais São Miguel integrava.

(21)

No Capítulo 3, intitulado Pinturas Parietais e Interculturalidade, aprofundamos as análises feitas por historiadores da arte e antropólogos em relação às pinturas parietais da Capela de São Miguel. Analisamos os relatórios técnicos de consolidação e restauro destas pinturas, e buscamos elucidar as divergências de datações até então atribuídas para a fatura destas. Estabelecemos relações entre as pinturas parietais e os demais elementos decorativos da Capela de São Miguel e os elementos presentes em outras capelas e igrejas do período colonial paulista; bem como da América hispânica e da Europa, evidenciando as possíveis relações técnicas e artísticas envolvidas. Também buscamos analisar como teriam se dado os processos de intercâmbio cultural e de mediação entre indígenas e missionários, especialmente os jesuítas, nas Missões da América espanhola e da América Portuguesa. Desse modo, lançamos mão das contribuições da historiografia da arte portuguesa e iberoamericana que provém fundamentos e referências para o nosso trabalho.

Por fim, no Capítulo 4, intitulado Omissão e Memória, tratamos das dinâmicas da preservação da Capela de São Miguel, buscando contextualizar historicamente o processo de patrimonialização e tombamento da Capela de São Miguel nas primeiras décadas do século XX. Analisamos, na medida do possível, as obras de reforma e de restauro pelas quais a Capela passou, entre os século XVIII e XXI, privilegiando os aspectos ornamentais. Também tratamos sobre os projetos de musealização, sobre o espólio dos bens móveis e ornamentais da Capela no século XX, e as vicissitudes pelas quais a Capela de São Miguel passou neste período, especialmente em relação ao seu frequente estado de abandono e depredação. Tratamos ainda, das descobertas realizadas durante o último trabalho de restauro, e a questão da visibilidade permanente das pinturas parietais, de forma a integrar o circuito de visitação da Capela de São Miguel.

Ademais, tentamos, sempre que possível, preencher as lacunas históricas constatadas ao longo de nossa pesquisa, além de propor uma cronologia para a história da Capela de São Miguel, e, ao mesmo tempo, construir um panorama do ambiente de circulação das pessoas, técnicas, objetos, e modelos artísticos, que permearam a história do aldeamento de São Miguel.

(22)

CAPÍTULO 1

ALDEAMENTOS EM SÃO PAULO: ÍNDIOS, JESUÍTAS E COLONOS

Para melhor compreender a história, a arte e a arquitetura da Capela de São Miguel, é preciso contextualizar e analisar seus fatores e processos de formação do bairro que surgiu no século XVI como aldeamento indígena, bem como suas relações sociais, econômicas e culturais. Muito pouco foi estudado com maior profundidade sobre o bairro de São Miguel Paulista e a Capela, tida como marco de sua fundação.3 De nosso levantamento bibliográfico, entre as principais fontes historiográficas, apenas a obra de Sylvio Bomtempi, O bairro de São Miguel Paulista: a aldeia de São Miguel de Ururaí na história de São Paulo,4 traz um panorama mais completo, ainda que por vezes superficial, em relação ao aldeamento de São Miguel. Bomtempi se utiliza dos documentos oficiais5 e outras fontes primárias6 na construção de sua narrativa, historicizando sua fundação no século XVI e seu estabelecimento enquanto bairro da cidade de São Paulo até sua contemporaneidade, em meados do século XX. Sem fazer uma análise artística e arquitetônica aprofundada, o autor destaca a (re)construção da Capela de São Miguel em 1622 e sua importância para a sociedade colonial do aldeamento, e reconhece a dificuldade em se estudar tal objeto, dada a escassez de fontes documentais precisas.7

A questão da falta de documentação para se estudar a Capela de São Miguel é também evidenciada em 1925 pela Comissão8 do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo em

3 Considerando as recomendações do Concílio de Trento, a construção de um templo era o que daria início ao

seu estabelecimento nas Missões. ―O centro do aldeamento é o que poderia ser denominado largo da igreja. Realmente, o verdadeiro centro do aldeamento é o templo. Naqueles originados pela ação jesuíta, o templo foi sempre o primeiro edifício a ser erguido. (...)‖. PETRONE, Pasquale. Aldeamentos paulistas. São Paulo, SP: EDUSP, 1995. p. 227

4

BOMTEMPI, Sylvio. O bairro de São Miguel Paulista: a aldeia de São Miguel de Ururaí na história de São Paulo. São Paulo, SP: Secretaria de Educação e Cultura, 1970. A obra de Bomtempi integra a série de monografias intituladas ―História dos Bairros de São Paulo‖, escolhidas em concurso público e premiadas pelo Departamento de Cultura da Secretaria de Educação de Cultura da Prefeitura do Município de São Paulo.

5 Tais como as publicações oficiais das Atas da Câmara da Vila de São Paulo (doravante: ACSP), a coleção de

Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo (doravante: DI), Registro Geral da Câmara de São Paulo (doravante: RGSP), Inventários e Testamentos (doravante: IT), entre outras.

6 Como os estudos de Frei Gaspar da Madre de Deus, José Arouche de Toledo Rendon, Manuel Eufrásio de

Azevedo Marques, fontes as quais nós também utilizamos ao longo desta pesquisa. Bomtempi também usa dados de fontes secundárias como Serafim Leite, e Sérgio Buarque de Holanda, que também abordaremos.

7 ―Quem teria promovido a reconstrução? Não há elementos seguros, abundantes e definitivos sobre este ponto.

Do documentário conhecido tem-se colhido referências que ora indicam o Padre João Álvares, ora Fernão Munhoz, podendo-se atribuir a ambos a ação reconstrutora, opinião a que nos inclinamos, com fundamento em papéis oficiais, interpretados pelos doutos.‖ BOMTEMPI, S. Op. cit. p. 59. Sobre a construção e reconstrução da Capela de São Miguel, discutiremos com vagar ao longo desta pesquisa.

8 Comissão instituída por: Affonso A. de Freitas (relator), Dr. José de Paula Leite de Barros, Mons. Ezechias

Galvão da Fontoura, Dr. José Torres de Oliveira, Dr. Edmundo Krug, Dr. José Henrique de Sampaio e Felix Soares de Mello.

(23)

relatório da visita destes ao aldeamento de São Miguel em maio do mesmo ano, provavelmente na ocasião dos estudos para a chamada obra de ―Restituição‖ realizada pelo Instituto em parceria com a Prefeitura de São Paulo entre 1926 e 1927:

Indagamos do archivo da igreja: ―não existe‖, responderam-nos. Entretanto, a aldeia de S. Miguel já possuiu archivo, aliás de inestimável valor e nelle o Marechal Arouche teve oportunidade de, no anno de 1798, tomar conhecimento de preciosos documentos.9

Ainda hoje permanecemos sem o conhecimento e acesso ao possível arquivo e documentação acima mencionada, a qual poderia permitir uma análise mais fidedigna do passado da Capela de São Miguel. Não obstante, com o processo de institucionalização das práticas de preservação por parte do Estado na década de 1930,10 muitos estudos foram realizados, entre os quais destacamos as publicações da Revista do SPHAN, que se tornaram referência para a então nascente historiografia da arte brasileira, como o texto de Lúcio Costa11 e o de Sérgio Buarque de Holanda,12 que trata diretamente da Capela de São Miguel. Também dispomos de documentação primária proveniente das publicações oficiais das Atas da Câmara de São Paulo, a coleção de Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo, Registro Geral da Câmara de São Paulo, Cartas Jesuíticas, entre outras. Assim, estes trabalhos e documentação, ao serem coordenados e cuidadosamente analisados, permitem a construção de uma narrativa que, a partir de uma nova abordagem, considera o contexto e a realidade local em sua complexidade, sobretudo quando pretendemos compreender a contribuição do indígena e do mestiço nas manifestações artísticas da Capela de São Miguel, bem como nos antigos aldeamentos jesuíticos de São Paulo.

Tanto o trabalho de Sylvio Bomtempi, quanto as publicações de Lúcio Costa e Sérgio Buarque de Holanda na Revista do SPHAN, entre outros,13 serviram de ponto de partida para

9 Revista do Instituto Histórico e Geográfico De São Paulo. v. 23 . São Paulo, SP: Instituto Histórico e

Geográfico de São Paulo. 1925. p. 314. (Doravante: RIHGSP).

10

Notadamente, com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN, atual IPHAN) em 1937, dado o crescente interesse pela salvaguarda do patrimônio histórico e artístico nacional. Cf. GONÇALVES, Cristiane Souza. Restauração Arquitetônica: a experiência do SPHAN em São Paulo, 1937- 1975. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2007. p.26.

11

COSTA, Lúcio. A arquitetura jesuítica no Brasil. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Janeiro: MES, v. 5, 1941, p. 09-104.

12 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capelas antigas de São Paulo. In: Revista do Serviço de Patrimônio Histórico

Nacional, Rio de Janeiro, v. 5, 1941. p. 105-120.

13 AMARAL, Aracy Abreu. A Hispanidade em São Paulo: da casa rural à Capela de Santo Antônio. São Paulo:

Nobel/ Ed. Da Universidade de São Paulo, 1981.; ARROYO, Leonardo. Igrejas de São Paulo: introdução ao estudo dos templos mais característicos de São Paulo nas suas relações com a crônica da cidade. 2. ed. rev. e atual. São Paulo, SP: Comp. Ed. Nacional, 1966. ; BAZIN, Germain. A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1983, 2 v.; BURY, John, Arquitetura e Arte no Brasil Colonial. São Paulo: Nobel, 1991.

(24)

o presente estudo, ajudando a elucidar e também elaborar as primeiras das muitas questões e hipóteses suscitadas ao longo desta pesquisa, e também a identificar as principais fontes históricas acerca da Capela de São Miguel. Deste modo, ao longo deste capítulo, trataremos da história do aldeamento de São Miguel no contexto das Missões jesuíticas no planalto de Piratininga, seus processos de formação e estabelecimento, bem como as relações sociais, econômicas e culturais que ali se estabeleceram, especialmente aquelas entre os indígenas, os jesuítas e os colonos.

Aldeias de Índios e Aldeamentos Jesuíticos na Capitania de São Vicente

Os primeiros aldeamentos estabelecidos pela Companhia de Jesus em São Paulo se constituíram conforme o Regimento dado por D. João III a Tomé de Souza em 1548,14 que estabeleceram as chamadas aldeias de El-Rei.15 Estas se baseavam em um regime de tutoria, que colocavam os índios sob a proteção dos jesuítas, na intenção de se estabelecer uma ordem ético-religiosa.16 Os aldeamentos, contudo, não seriam uma ―invenção‖ dos jesuítas, mas uma estratégia de ação colonizadora estabelecida pela Coroa, sendo a Companhia de Jesus a responsável pela sua mobilização e desenvolvimento.17 A princípio, estas aldeias não constituíam povoados fixos e permanentes, dada a tendência ao nomadismo de grande parte

14 LEITE, Antônio Serafim S.J. História da Companhia de Jesus no Brasil (1938). Belo Horizonte: Itatiaia,

2000. t. VI. p. 228. (Doravante: HCJB). Instrumento laico e administrativo trazido pelo primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Souza, ao chegar à Bahia em março de 1549, acompanhado por funcionário da Corte e pelos padres da Companhia de Jesus sob a liderança de Manoel da Nóbrega. Segundo Carlos Alberto Zeron, ―é o primeiro texto normativo estabelecido pela Coroa portuguesa no tocante à administração colonial, em particular à gestão das relações entre europeus e ameríndios‖. ZERON, Carlos Alberto de Moura Ribeiro. Linha de fé: a companhia de Jesus e a escravidão no processo de formação da sociedade colonial (Brasil, séculos XVI e XVII). São Paulo, SP: Edusp, 2011. p. 317. Mais adiante, Zeron lista as prioridades da Coroa portuguesa contidos no Regimento de Tomé de Souza: ―(a) a evangelização dos aborígenes; (b) a exploração econômica de suas terras, com o concurso da força de trabalho dos índios legitimamente reduzidos à escravidão e com respaldo militar dos grupos aliados; (c ) a preservação da liberdade dos índios e a luta contra as nações inimigas; (d) a instalação dos indígenas em aldeamentos localizados perto dos colonos portugueses, a fim de induzir e facilitar sua conversão e civilização‖. ZERON, 2011,. p. 323-324.

15

―[...] Como Aldeias de El-Rei dependiam directamente do Governador Geral do Brasil, que para elas nomeava os Institutos Religiosos, que tinham as Missões como vocação própria e lhe pareciam idóneos, quando não eram directamente indicados pela Coroa. E os Missionários eram delegados dos Governadores Gerais ou Governadores da Repartição do Sul, ou Capitães-mores. As aldeias de El-Rei ficavam fora da alçada imediata das Câmaras locais, e os Missionários eram indicados directamente pelos Reitores dos Colégios ou Provinciais, com os poderes que lhes doavam as Leis, os Reis e Governadores, com que ficavam em cada Aldeia com os poderes de pároco e simultâneamente de regente secular ou civil. [...]‖ HCJB, Op. cit., p. 228-229.

16

BOMTEMPI, 1970. p. 38.

17 Entretanto, vale ressaltar que em momento algum o Regimento de Tomé de Souza faz menção a qualquer

ordem religiosa, ou a Santa Sé ou ao papa. Como observa Eunícia Fernandes, ―O teor religioso [do Regimento de Tomé de Souza] se expressa nas alusões diretas a Deus e à cristandade, ou melhor, à necessidade de cristianizar‖. FERNANDES, Eunícia. Futuros outros: homens e espaços: os aldeamentos jesuíticos e a colonização na América portuguesa. Rio de Janeiro: Contra Capa. 2015. p. 145.

(25)

das populações indígenas, o que pode ser atribuído a motivações diversas.18 A fixação e a catequização destas povoações indígenas faziam parte dos objetivos dos Regimes das Missões19 que estabeleceram os aldeamentos, buscando torná-los cada vez mais produtivos e eficazes.

As primeiras Missões jesuíticas em São Paulo teriam ocorrido em aldeias indígenas preexistentes, a exemplo da aldeia do conhecido líder indígena Tibiriçá,20 situada nos arredores do Colégio dos jesuítas de São Paulo de Piratininga, e as aldeias chefiadas por seus irmãos, Caiubi (aldeia de Jurubatuba, atual região de Santo Amaro), e Piquerobi (aldeia de Ururaí, atual São Miguel Paulista).21 A fundação dos primeiros aldeamentos22 paulistas estaria diretamente ligada à fundação da vila de São Paulo de Piratininga, quando o Governador Geral Mem de Sá, persuadido pelo Padre Manuel da Nóbrega, ordenou a extinção da vila de Santo André da Borda do Campo, e a transferência de seus moradores para Piratininga, em 1560, promovendo sua povoação.23

Apesar de comumente administrados pelos inacianos, é preciso diferenciarmos estes primeiros aldeamentos dos estabelecimentos fundados e administrados pela Companhia de Jesus em São Paulo. De maneira geral, os Colégios jesuíticos estabelecidos na colônia, além

18 ―[...] Na região planáltica, os primeiros jesuítas alegavam que tais mudanças ocorriam a cada três ou quatro

anos, enquanto outros relatos sugerem um espaçamento maior, de doze ou mesmo vinte anos. [...] Diversos motivos podiam contribuir para o deslocamento de uma aldeia: o desgaste do solo, a diminuição das reservas de caça, a atração de um líder carismático, uma disputa interna entre facções ou a morte de um chefe. Contudo, qualquer que fosse a razão, a repetida criação de novas unidades de povoamento constituía evento importante, envolvendo a reprodução das bases principais da organização social indígena. [...]‖ MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1994. p. 22.

19 ―(...) verificada com a chegada do Governador Mem de Sá, regime que teve seus primeiros passos orientados

por Nóbrega e Anchieta, e que ‗consistia no estabelecimento de centros de concentração onde os índios eram localizados, instruídos na religião e em rudimentos de agricultura e iniciados na prática de um trabalho regular‘. Usufruindo na prática de uma investidura oficial no sentido de catequizar os indígenas, aldeando-os quando necessário [...]‖. PETRONE, 1995. p. 113

20

―[...] Tibiriçá (‗vigilante da terra‘) era o mais influente líder indígena da região de Piratininga, onde prevaleciam os tupiniquins (tronco tupi) que ali coexistiam e guerreavam com os guaianases (tronco jê), grupo nômade que vivia da caça e da coleta. Era chefe da aldeia de Inhapuambuçu, também chamada de Piratininga, a mais numerosa região, com a qual rivalizavam as de Jerubatuba e de Ururaí. [...] Foi através da aliança com Tibiriçá, mediada por [João] Ramalho, que os portugueses se assentaram na região, fundando São Vicente, depois São Paulo, dando início ao tráfico de escravos nativos. [...] converteu-se ao catolicismo, tornando-se Martim Afonso Tibiriçá, em 1554, mesmo ano em que se fundou o colégio de São Paulo de Piratininga. [...]‖ ―Tibiriçá‖ In: DICIONÁRIO do Brasil Colonial: 1500-1808. Coautoria de Ronaldo Vainfas. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, c2000. p. 547-549

21

MONTEIRO, 1994, p. 21-22.

22 Adotamos a mesma terminologia utilizada por Pasquale Petrone para se tratar de aldeias e de aldeamentos.

Deste modo, aldeia se refere aos aglomerados ―tipicamente espontâneos‖, propriamente indígenas, como as tabas e aldeias indígenas. Aldeamento, por sua vez, se refere aos núcleos criados consciente e objetivamente, no fenômeno e no contexto da colonização. Cf. PETRONE, Op. cit., p. 105. No entanto, na documentação frequentemente aparece a genérica denominação ―aldeia‖ para ambos os sentidos, a qual deve ser interpretada de acordo com o contexto apresentado.

23 MADRE DE DEUS, Gaspar. Memórias para a história da capitania de S. Vicente hoje chamada de S. Paulo.

(26)

de favorecerem a evangelização dos filhos dos ―gentios‖, eram empreendimentos caros à Companhia, uma vez que, de acordo com as Constituições da Companhia de Jesus, os colégios eram ―entidades canônicas e civilmente capazes de possuir bens‖.24 Assim, centrados na figura do reitor, os Colégios também atuavam como centros administrativos dos bens temporais e suas propriedades produtivas.25 Além das aldeias de El-Rei, os jesuítas também tiveram aldeamentos próprios a partir do início do século XVII, tendo novas fundações desde meados do século XVII. São elas: Carapicuíba, Mboy, Itapecerica, Itaquaquecetuba e São José.26 Estes aldeamentos dos jesuítas também eram chamados de fazendas jesuíticas, geralmente estabelecidas a partir de doações de particulares ao colégio.27 Nas fazendas, os jesuítas detinham o poder espiritual e o temporal.28 Por sua vez, nas aldeias do Padroado Real (ou aldeias de El-Rei), apesar dos jesuítas possuírem o poder espiritual,29 a Câmara se fazia presente no poder temporal, especialmente a partir de 1640, após a expulsão dos jesuítas de São Paulo. Até então, de acordo com Serafim Leite, ―as relações da Câmaras com as aldeias de El-Rei eram condicionadas por leis, que davam a jurisdição secular aos Superiores das Aldeias‖.30

No entanto, como veremos, por vezes, seja por poderes especiais dados pelos Governadores, seja por intromissão quase sempre ilegal e abusiva, as Câmaras assumiam tal jurisdição.31 É preciso também fazermos menção à existência aldeamentos ―privados‖ administrados pelos colonos, muitas vezes aparecendo de forma generalizada na historiografia, se confundindo com os demais aldeamentos administrados pelos jesuítas, visto que algumas destas fundações particulares em certo momento figuraram doação para o Colégio da Companhia de Jesus.32

24

LEITE, Antônio Serafim S.J., Fazendas e engenhos, p. 204. apud ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios Jesuíticos. São Paulo: Edusp, 2009. p. 239.

25 ―Segundo as Constituições da Companhia de Jesus, os colégios poderiam tornar-se proprietários, nomeando

para sua administração um reitor que teria como responsabilidade a ‗conservação e administração dos bens temporais‘.‖. ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios Jesuíticos. São Paulo: Edusp, 2009. p. 239. Sobre a administração dos bens temporais da Companhia de Jesus, Cf. Ibid., passim.

26 RENDON, José Arouche de Toledo. Memória sobre as aldeias de índios da província de S. Paulo, segundo as

observações feitas no ano de 1798 - Opinião do autor sobre sua civilização. In: Obras. São Paulo, SP: Governo do Estado, 1978. p. 38-39.

27 Sobre as fazendas jesuíticas de São Paulo, especialmente a de Mboy, ver: SILVA, Angélica Brito. O

Aldeamento Jesuítico de Mboy: administração temporal (séc. XVII - XVIII). Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018, Capítulo 3.

28 PETRONE, 1995, p. 165.

29 Em especial até a expulsão da ordem da Capitania de São Vicente em 1640. Ibid., loc.cit. 30

HCJB, t. VI, p. 229.

31 É preciso termos em conta que, na vila de São Paulo, a Câmara representava os interesses dos colonos.

32 Nos aldeamentos dos colonos, os indígenas eram administrados, ou da administração, permanecendo sob a

tutela de um morador (administrador). Nesta situação, ao dito administrador era permitido a captura e exploração de mão-de-obra indígena, desde que se comprometesse a alimentá-los, vesti-los e catequizá-los em troca de seus serviços. Aos administradores ficava proibido a venda dos administrados ou mesmo dá-los em

(27)

Organização espacial e social

A organização espacial dos aldeamentos era centrada na igreja. Seguindo especialmente as recomendações do Concílio de Trento, a igreja deveria ocupar um lugar de destaque, se possível, um pouco mais elevada.33 Ao redor da igreja, se configura o largo, ou terreiro, em forma geométrica, quadrada ou retangular. Ao redor se construíam as casas dos indígenas, voltadas para o centro geralmente em construções precárias de taipa ou de sapé.34 Esta configuração ainda é preservada em alguns antigos aldeamentos, a exemplo de Carapicuíba. De acordo com Maria Helena Ochi Flexor, o terreiro ou praça ―era o elemento estruturador da sua organização espacial, quer no centro, quer em sua expansão, e que foi uma experiência desenvolvida ‗in loco‘, a partir da experiência jesuítica europeia, casada com o desenho das ocas indígenas‖.35

Daí a aproximação feita por Pasquale Petrone e Aroldo de Azevedo entre o largo retangular e certos tipos de ocaras tupi.36 Ideia oposta à de John Monteiro, que afirma que este modelo de organização espacial dos aldeamentos ―fugia aos modelos organizacionais das aldeias pré-coloniais‖.37 Considerando que o projeto de aldeamentos seria também uma espécie de adaptação dos jesuítas ao meio e ao cotidiano da vida indígena, se tornando um local de relações entre ambos os agentes sociais, tendemos a discordar de Monteiro. Segundo Flexor, ―o terreiro foi palco da prática da administração dos índios, local de sociabilidade, de premiação, de festa e mesmo de castigo. Sob os jesuítas, era o lugar onde o padre superior exercia seu poder espiritual e temporal‖.38

De qualquer forma, em linhas gerais, os aldeamentos se constituíam como aglomerados de diversos grupos indígenas.39 Seja pelos apresamentos no sertão, ou doações de particulares, seja pelo reagrupamento de tribos diferentes ou pelas mortes causadas pelas epidemias ou brigas, ―alguns aldeamentos tinham seus habitantes renovados ou aniquilados‖.40

A organização social nos aldeamentos também teria, de um lado, uma tentativa de imposição de critérios culturais pelos padres, e de outro, a permanência de

pagamentos de dívidas. Sobre índios administrados Cf. PETRONE, 1995, p. 83-95.; MONTEIRO, 1994. p. 147-153. Sobre as legislações que permitiam o apresamento dos indígenas pelos colonos Cf: ZERON, 2011. p. 316-370.

33 FLEXOR, Maria Helena Ochi. ―Os terreiros das aldeias indígenas jesuíticas‖. In: Antigos aldeamentos

jesuíticos: a companhia de Jesus e os aldeamentos indígenas. Organização de Gabriel Frade. São Paulo: Edições Loyola, 2016. p. 88.

34 FLEXOR, loc. cit. 35 Ibid., p. 96. 36

Ocaras seria os centros das tabas. Apesar de estabelecerem tal relação, não é aprofundada pelos autores. PETRONE, 1995. p. 230.

37 MONTEIRO, 1994. p. 47. 38 FLEXOR, 2016., p. 99.

39 FLEXOR, 2016, p. 89.; FERNANDES, Eunícia, 2015. p. 66. 40

(28)

práticas e traços culturais dos indígenas.41 Dessa forma, ao se misturarem em um mesmo espaço sob a condição de aldeados ou administrados, os indígenas passavam a compartilhar uma nova experiência e realidade.

John Monteiro aponta que, talvez o esforço mais significativo por parte dos jesuítas, para transformar os aldeamentos em mecanismos ideais para a manipulação e controle dos povos indígenas, foi a imposição de uma nova concepção do tempo e do trabalho.42 Esta nova concepção esbarrava nos conceitos pré-coloniais, sobretudo devido à divisão sexual do trabalho43 e a organização rígida do tempo produtivo,44 este último, determinado pelo sino da igreja.45

Funções dos aldeamentos

A organização inicial dos aldeamentos jesuíticos se pautou pelas atividades exercidas pelos padres da Companhia de Jesus, a partir da atuação de Nóbrega e Anchieta.46 E, dado o duplo papel de Rei e Prelado atribuído a D. João III, as funções doutrinárias da Igreja acabaram por assumir o caráter de poder estatal.47 Contudo, a característica fundamental da

41

A exemplo da manutenção dos padrões de cultivo de roça das aldeias, geralmente em sítios, áreas exteriores aos aldeamentos. Ibidem.

42 MONTEIRO, 1994. p. 47.

43 ―[...] mulheres e crianças executavam as funções ligadas ao plantio e à colheita, o que, aliás, seguia a divisão

sexual do trabalho presente em muitas sociedades indígenas. Esta divisão, no contexto colonial, implicava vantagem adicional para os colonos, liberando os cativos adultos masculinos para outras funções especializadas, tais como o transporte de cargas e a participação em expedições de apresamento. No entanto, ao longo do século XVII, o desenvolvimento do sistema escravista acarretou importantes modificações nesta divisão, que caminhou para o distanciamento do trabalho indígena de seus antecedentes pré-coloniais. Ao mesmo tempo, porém, a introdução acentuada de cativos femininos e infantis rompia definitivamente com os padrões pré-coloniais de cativeiro, quando a vasta maioria de cativos, tomados em escaramuças, era composta de guerreiros‖. MONTEIRO, op.cit., p. 67-68

44 Ibid., p. 47., Sobre a questão do tempo produtivo, Cf. BENCI, Jorge. Economia Cristã dos Senhores no

Governo dos Escravos (1700). São Paulo: Grijalbo, 1977.

45 Cf. VELLOSO, Gustavo. Ociosos e sedicionários: populações indígenas e os tempos do trabalho nos Campos

de Piratininga (século XVII). 2016. Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016., p. 191-192.

46 ―O aldeamento foi, antes de mais nada, fruto de um processo de catequese e a serviço desta é que trabalharam

os jesuítas. Compreende-se, por isso mesmo, que a organização inicial desses núcleos tenha obedecido à função para a qual foram criados‖. PETRONE, 1995. p. 159.

47

―Certamente visava a Coroa, ao promover a doutrinação dos índios e os aldeamentos, cumprir os deveres inerentes ao Padroado, atribuído que lhe fôra pelo Papa Leão X pela Bula de 1514, instituição que atingiu a plenitude de seus efeitos quando Adriano VI investiu D. João III, em 1522, na dignidade de Grão-Mestre da Ordem de Cristo, a cujo encargo estava a doutrinação dos povos revelados à Europa pelas navegações marítimas. Com isso, D João III vinha a enfeixar na soma dos seus poderes temporais atribuições de chefe eclesiástico e, assim, a propagação da fé assumiu o caráter de dever estatal. Fundiram-se Estado e Igreja e D. João III procurou cumprir à linha o dúplice papel de Rei e Prelado. Daí, aquelas normas a respeito da catequização dos gentios contidas no Regimento de Tomé de Souza e o caráter precipuamente religioso dos aldeamentos dos índios reduzidos à fé, elevados à categoria de aldeias do Padroado Real.‖ BOMTEMPI, 1970. p. 12-13.

(29)

função dos aldeamentos é decorrente do processo de colonização, colocando os índios, por sua vez, a serviço deste processo.48 De acordo com Serafim Leite,

As Aldeias de El-Rei possuíam terras próprias, tanto para o seu sustento, como para a aprendizagem do trabalho estável em núcleos fixos. Também a legislação régia procurava defendê-las neste particular contra a cobiça alheia, cominando penas aos que abusavam do desinterêsse, bondade ou inércia dos Índios, roçando-as em proveito próprio.49

Assim, as funções fixadoras das aldeias se baseavam na legislação régia em que as terras das aldeias eram propriedades coletivas que podiam ser exploradas pelos índios da vila apenas sob a tutela dos missionários, a fim de prover o sustento e incentivar o trabalho agrícola, fixando núcleos de trabalho.50 O principal objetivo evangelizador é indissociável dos aspectos políticos e econômicos. Afinal, a prosperidade dos empreendimentos da Companhia de Jesus supostamente garantiria sua permanência nas colônias.51

Além da fixação e evangelização dos indígenas, as aldeias também possuíam funções estratégicas de defesa, baseadas na formação de tropas de combate e defesa das fronteiras e da vila contra inimigos estrangeiros ou nativos. Os índios aldeados também tinham o papel de transportadores de mercadorias para o litoral52 e de construtores das vilas, abrindo caminhos, construindo casas, pontes, fortalezas e capelas.53 Em suma, os aldeamentos garantiam mão-de-obra barata em abundância, necessária para a manutenção dos interesses colonizadores.54 Como afirma Gustavo Velloso, os aldeamentos e fazendas dos jesuítas no planalto paulista foram:

(...) ao mesmo tempo um ―espaço diferencial‖ e um ―prolongamento da divisão social do trabalho que ali reina ao conjunto da sociedade‖, acordando

48 PETRONE, op.cit., p. 201.

49 Provisão de El-Rei de 8 de julho de 1604, para que ninguém roce as terras dos Índios de S. Paulo, sob pena de

degrêdo para o Rio Grande [do Norte]. Com vários cumpra-se, desde 1607 a 1622 e registrado em S. Paulo, no Livro dos Registros, a 26 de Agôsto de 1622. RGSP. v. I, 358-359. HCJB. t. VI. p. 230 (nota 1).

50

MONTEIRO, John Manuel. São Paulo in the Seventeenth Century: Economy and Society. 2 v. Department of History. The University of Chicago, Illinois, 1985. p. 48.

51 Como veremos adiante, além de motivos outros, a prosperidade dos empreendimentos jesuíticos também foi

pretexto para conflitos, sobretudo em relação aos colonos, que resultou na expulsão da Ordem da Capitania de São Vicente em 1640.

52 HCJB. t. VI., p. 86.

53 KOK, Glória. A presença indígena nas capelas da Capitania de São Vicente (Século XVII). Espaço Ameríndio,

Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 45- 73, out. 2011. p. 49. Disponível em:

<http://seer.ufrgs.br/index.php/EspacoAmerindio/article/view/19732/13847>. Acesso em: 06 set. 2015.

54 Como explicita a carta do Governador Geral do Brasil, Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça aos

oficiais da Câmara da Vila de S. Paulo, da Baía, 7 de Outubro de 1671, ―a razão de ser destas Aldeias dos Índios era ‗para Sua Alteza os ter assim prontos a seu real serviço, que é o fim de elas se perpetuarem‘.‖. Doc. Hist, VI, 188. apud HCJB. t. VI., p. 229 (nota 1).

(30)

com a maneira pela qual os espaços religiosos aparecem na documentação e na memória histórica jesuíta, [enquanto] a missão dos inacianos em São Paulo (incluindo aí suas fazendas, os aldeamentos e o Colégio) costumou reproduzir as relações sociais de produção existentes também no entorno colonial, embora por vezes com escala e características diferenciadas. 55 Deste modo, apesar da semelhante estrutura produtiva de seus aldeamentos, além de missionários, os jesuítas atuavam propriamente como colonos, com a diferença de possuírem privilégios concedidos pela Coroa, em comparação com os demais colonos portugueses. Os jesuítas contavam com a possibilidade de exploração das terras em uma ―estratégia de autofinanciamento‖,56

com a produção de uma economia própria por meio da produção de gêneros agrícolas, além da tutela e domínio da mão-de-obra indígena e dos aldeamentos reais.57 Estas medidas visavam garantir a sua autonomia, permitindo a manutenção de seus colégios e residências.58

A liberdade e administração indígena

Apesar de algumas semelhanças, dois projetos divergentes de colonização em relação ao regime de exploração da mão-de-obra indígena resultaram em conflitos entre os jesuítas e os colonos. Estes alegavam sofrer com a falta de recursos que garantissem as bases da colonização, sobretudo dos engenhos de açúcar, enquanto os jesuítas usavam do trabalho indígena para benefício próprio.59 Ambos questionavam a legitimidade e os métodos utilizados pelo seu opositor para a administração dos indígenas.60 Na realidade, o que se disputava não era exatamente a questão da liberdade versus a escravidão indígena, como alguns historiadores fizeram parecer.61 A disputa, de acordo com John Manuel Monteiro, ―eram as formas de controle e integração na emergente sociedade luso-brasileira de grupos

55 Sobre o trabalho indígena nos aldeamentos paulistas, Cf. VELLOSO, 2016. p. 167. 56 Cf. ZERON, 2011, p. 17-21.

57

Cf. MAMIANI, Luigi Vicenzo. Memorial sobre o governo temporal do Colégio de São Paulo. Transcrito em: ZERON, Carlos; VELLOSO, Gustavo. Economia cristã e religiosa política: o ―Memorial sobre governo temporal do colégio de São Paulo‖, de Luigi Mamiani. História Unisinos. 19 (2), Maio/ Agosto 2015, p. 120-137.

58

VELLOSO, 2016, p. 167.

59 ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios Jesuíticos. São Paulo: Edusp, 2009. p. 168.

60 Os meios pelos quais tanto colonos e jesuítas se utilizavam ―abrangiam desde a persuasão ou atração pacífica

até os meios mais violentos de coação‖. MONTEIRO, 1994. p. 40.

61 De acordo com o Regimento de Tomé de Souza, uma das condições prévias para a conversão dos índios ao

cristianismo era a sua liberdade (em conformidade com a bula de 1537). No entanto, como elucida Carlos Zeron, ―(...) a condição para a conversão é a liberdade de consciência, e não a liberdade corporal -, justifica-se exatamente pela rejeição que ele supõe de qualquer justificação dos índios à escravidão como preço a pagar pela salvação de sua alma:‖ ZERON, 2011, p. 324 [grifo nosso].

Referências

Documentos relacionados

The strict partition problem is relaxed into a bi-objective set covering problem with k-cliques which allows over-covered and uncovered nodes.. The information extracted

• The definition of the concept of the project’s area of indirect influence should consider the area affected by changes in economic, social and environmental dynamics induced

A participação foi observada durante todas as fases do roadmap (Alinhamento, Prova de Conceito, Piloto e Expansão), promovendo a utilização do sistema implementado e a

Detectadas as baixas condições socioeconômicas e sanitárias do Município de Cuité, bem como a carência de informação por parte da população de como prevenir

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) apresenta à categoria e à sociedade em geral o documento de Referências Técnicas para a Prática de Psicólogas(os) em Programas de atenção

45 Figure 18 - Study of the extract concentration in the phycobiliproteins extraction and purification using the mixture point composed of 10 wt% Tergitol 15-S-7 + 0.3

Este dado diz respeito ao número total de contentores do sistema de resíduos urbanos indiferenciados, não sendo considerados os contentores de recolha

Além desta verificação, via SIAPE, o servidor assina Termo de Responsabilidade e Compromisso (anexo do formulário de requerimento) constando que não é custeado