• Nenhum resultado encontrado

DA ALDEIA DE URURAÍ AO BAIRRO DE SÃO MIGUEL PAULISTA

São Miguel de Ururaí

De acordo com Frei Gaspar Madre de Deus em suas Memórias para a história da capitania de S. Vicente hoje chamada de S. Paulo, os guaianases e demais indígenas que viviam em Piratininga, tendo suas terras ocupadas pelos colonos portugueses, teriam se retirado para os ―subúrbios da vila‖ fundando suas aldeias.179

Conforme já discorremos, excetuando aqueles de particulares, os aldeamentos paulistas faziam parte da administração centrada no Colégio jesuítico de São Paulo, como fica evidenciado por Anchieta em sua Informação do Brasil e de suas Capitanias (1584):

Junto desta vila, ao princípio havia 12 aldeias, não muito grandes, de Indios, a uma, duas e três léguas por agua e por terra, as quais eram continuamente visitadas pelos Padres e se ganharam muitas almas pelo batismo e outros sacramentos. Agora estão quasi juntas todos em duas: uma está uma legua da vila, outra duas, cada uma das quais tem igreja e é visitada dos nossos como acima se disse. As fazendas dos Portugueses tambêm estão da mesma maneira espalhadas a duas e três leguas e acodem os domingos e dias santos á missa.180

As aldeias as quais Anchieta faz referência seriam, justamente, Pinheiros e São Miguel (Ururaí), estabelecidas como aldeias do Padroado Real, de acordo com o Regimento de Tomé de Souza, sob a tutela dos jesuítas. Vamos nos ater ao aldeamento de São Miguel, por ser de maior interesse desta pesquisa.

Manuel Eufrásio de Azevedo Marques, em seus Apontamentos históricos, dedica um verbete a Ururaí, no qual indica ter sido o local em que Piquerobi, chefe dos índios Guaianases se estabeleceu nos campos de Piratininga.181 Muito pouco se sabe sobre Ururaí enquanto aldeia indígena pré-jesuítas. Nos mesmos Apontamentos históricos, ao tratar de São Miguel, Azevedo Marques afirma que se iniciou ―por aldeamento de índios domesticados emigrados da aldeia de Itaquaquecetuba em 1623, por acordo tomado pelos oficiais da

179 MADRE DE DEUS, 1953, p. 125.; RENDON, 1978. p. 38. 180

ANCHIETA, José de. Cartas, fragmentos históricos e sermões, 1554-1594. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1933. p. 321. [grifo nosso].

181 MARQUES, Manuel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos históricos, geográficos, biográficos, estatísticos e

noticiosos da Província de São Paulo: seguidos da Cronologia dos acontecimentos mais notáveis desde a fundação da Capitania de São Vicente até o ano de 1876. Belo Horizonte, MG; São Paulo, SP: Editora Itatiaia: Editora da USP, 1980. v. 2. p. 296.

Câmara de São Paulo a 21 de setembro de 1622‖.182

Por muito tempo foi aceita pela historiografia a data de fundação do aldeamento os anos de 1622 ou 1623, tendo por referência os Apontamentos históricos, e/ou a data inscrita na verga da porta de entrada da Capela de São Miguel. De acordo com o relatório feito pela comissão do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP) em 1925, para chegar a tal conclusão, Azevedo Marques teria se baseado na correspondência do reitor do Colégio de São Paulo, Pe. Lourenço Craveiro, que em 15 de julho de 1674, determinou ao Pe. Francisco de Moraes, que se certificasse o que sabia

acerca das aldeias e terras que o índios tiveram em Itaquaquecetuba antes de se passarem para a aldeia de São Miguel, onde hoje estão e si era Itaquaquecetuba onde os indios estavam situados o mesmo sitio que hoje é onde está a capella de N. S. da Ajuda que foi do Padre João Álvares e hoje nossa; e se a aldeia de S. Miguel, que hoje pe se chamava S. Lourenço, antes que os indios viessem para ella, e se Itaquaquecetuva se chamava S. Miguel quando os indios nella estiveram…183

Em resposta, datada de 25 de julho de 1674, o Pe. Francisco de Moraes diz ter conhecido e visto a transferência dos indígenas entre os aldeamentos. Porém, sobre a questão de São Miguel ter se chamado São Lourenço, o Pe. Moraes nada responde. De qualquer forma, como veremos, e como afirma Sérgio Buarque de Holanda, ―não há razão para se suspeitar que antes de 1622 S. Miguel tivesse outro nome‖.184

Apesar de ter de fato ocorrido tal transferência de indígenas entre estes aldeamentos entre 1620 e 1624 — atividade recorrente entre os séculos XVI e XVIII —, como vimos nos relatos de José de Anchieta, bem como podemos ver na documentação, esta transferência de indígenas não teria configurado fundação do aldeamento de São Miguel, por já haver notícias de sua existência em datas muito anteriores.185 Ademais, tanto na documentação, quanto na historiografia, nunca encontramos menção à existência de uma aldeia com denominação de São Lourenço.

Conforme mencionado anteriormente, com o estabelecimento da vila de São Paulo de Piratininga em 1560, os indígenas que lá viviam, dentre os quais os guaianases, ao concorrer com os colonos portugueses, se retiraram para os arredores da vila formando suas aldeias. Assim se atribui a fundação do aldeamento de São Miguel junto ao rio Ururaí, afluente da

182

MARQUES, 1980,. p. 237.

183 CRAVEIRO, Pe. Lourenço apud RIHGSP v. 23, p. 304. 184 HOLANDA, 1941, p. 107.

185 Como apontado por Sérgio Buarque de Holanda, esta mesma conclusão teria sido elaborada pelos

representantes do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo em relatório de 1925. HOLANDA,1941,p. 105.; RIHGSP v. 23. 1925. p. 303- 317.

margem esquerda do rio Tietê.186 Sendo Piquerobi irmão de Tibiriçá, sabidamente líder indígena aliado aos jesuítas portugueses, é possível que Piquerobi e seus índios tenham aceitado a aliança com o jesuítas, se estabelecendo como aldeamento em troca da proteção dos padres e da Coroa, contra ataques de outras tribos indígenas e de colonos. Não se sabe muito do que tenha ocorrido neste aldeamento entre o período de 1560 e 1580, década a partir da qual começamos e ter maior referência documental.

Em 12 de outubro de 1580, o então capitão-mor loco-tenente Jerônimo Leitão, concedeu terras aos índios de São Miguel e de Pinheiros, em uma só Sesmaria,187 em resposta ao pedido dos índios de São Miguel por terras próximas a Ururaí, como se pode ser lido no Registro Geral da Câmara de São Paulo:

Jeronymo Leitão capitão desta capitania de São Vicente pelo senhor Pedro Lopes de Sousa capitão e governador della por el-rei nosso senhor etc. façi a saber a todos os juizes e justiças officiaes e pessoas desta capitania que esta minha carta de dada de terras de sesmarias de hoje para todo sempre virem em como a mim enviraram a dizer os indios de Piratininga da aldeia dos Pinheiros e da aldeia de Ururai por sua petição que os indios dos Pinheiros até agora lavraram nas terras dos padres por serem indios christãos e as ditas terras se vão acabando elles descendo esperam por outros do sertão e haviam mister quantidade de terras para se poderem sustentar [...] pelo que me pediram que antes que as ditas terras se acabassem de dar houvese respeito serem elles naturaes da mesma terra e lhes desse de sesmarias seis leguas de terras em quadra onde chamam Carapicuiba ao longo do rio de uma parte e da outra começando donde acabarem as dadas de Domingos Luiz e Antonio Preto e para os da aldeia de Ururay outras seis leguas em quadra começando donde se acabam as terras que se deram a João Ramalho e Antonio de Macedo que dizem que eram até onde chamam Juaguapore..ba [Jaquaporessuba] e por serem muitos e cada vez mais pediam tanta terra no que receberiam mercê o que …. mandei o tabellião que passasse …… aos taes indios e vendo sua petição e as razões que nella allegam serem justas e outrosim a maior parte delles serem christãos e terem suas igrejas estarem sempre prestes para ajudarem a defender a terra e a sustental-a o que fizeram assim em meu tempo como dos capitães passados [...] dou seis leguas em quadra ao longo do rio Ururay para os indios da aldeia do dito Ururay as quaes começarão a partir adonde acabar a dada de João Ramalho e de seus filhos e vão pelo dito rio correndo tanto de uma parte como da outra e até se acabem as ditas seis leguas em quadra as quaes dou aos moradores da dita aldeias que agora são e pelo tempo em diante forem com as condições de sesmaria [...].188

186 RIHGSP v. 23. p. 311.

187 MADRE DE DEUS, 1953, p. 125; MARQUES, 1980. v. 2, p. 341; PETRONE, 1995. p. 296 ; HOLANDA,

1941, p. 106 ;

188

Por meio do texto de registro de sesmaria, algumas questões ficam evidentes: 1) a maior parte dos indígenas dos aldeamentos de Pinheiros e São Miguel eram cristão, portanto, já se encontravam sob tutela dos jesuítas desde antes de 1580; 2) em 1580 ambos os aldeamentos já possuíam suas igrejas, o que não necessariamente signifique, como veremos mais adiante, que a igreja referida neste documento seja a mesma capela de São Miguel que conhecemos; e 3) o documento não faz menção a ―São Miguel‖, mas ―Ururaí‖.

Até o ano de 1589, só encontramos referência nominal à ―Ururaí‖ na documentação.189 Na sessão de 26 de Agosto de 1589, é feito o requerimento de que ―os moradores de S. Miguel abrirão hû caminho novo a sua aldea em royn envenção hy era perjuizo aos moradores desta villa‖.190

Já na provisão de Gaspar Collaço de 13 de abril de 1590, se faz a referência de ―que porquanto a aldeia de São Miguel de Ururai está ora sem capitão e cabeça que possa ordenar e mandar os ditos indios no que for necessario para defensão e bem da terra e lhe falarem e dizerem o que eu mando e é necessario que elles façam porquanto os do sertão são alevantados e se diz virem com guerra [...]‖.191 Assim, se descarta as hipóteses de que o aldeamento de São Miguel teria sido fundado em 1622 ou 1623, e que tenha se chamado São Lourenço em algum momento anterior.

A construção da Capela de São Miguel Arcanjo

Como consta da Informação de José de Anchieta e no registro de Sesmaria acima citados, na década de 1580, o aldeamento de São Miguel já possuía uma igreja, a qual era constantemente visitada pelos padres jesuítas do Colégio de São Paulo. Era na igreja onde se celebravam os sacramentos, e onde muito provavelmente se ensinavam os indígenas os diversos ofícios. No entanto, reafirmamos que, muito provavelmente, a referida igreja dos documentos do final do século XVI, não seria a mesma Capela de São Miguel de nosso estudo. Leonardo Arroyo e Sérgio Buarque de Holanda, afirmam que nenhum documento conhecido confirma a hipótese de se tratar da mesma igreja.192 A hipótese levantada por Sylvio Bomtempi é a de que a primeira capela construída no estabelecimento do aldeamento de São Miguel, por ser construída em métodos precários e rudimentares, ―ante o avultar do

189 Como na sessão de 1 de junho de 1583 da Câmara paulistana, já há menção dos índios da aldeia de ―riraí‖.

ACSP, v. 1. p. 211.

190

ACSP, v. 1. p. 372

191 RGSP, v. 1. p. 21.

192 ―Mas essa igreja seria a mesma referida por Anchieta? Nenhum documento o confirma, embora nenhum deles

possa destruir a tradição de que a igreja data pelo menos desde que um padre penetrou na aldeia‖ ARROYO, 1966, p. 44.; ―Nada indica que a igreja hoje existente na localidade seja a mesma que se ergueu na segunda metade do século XVI‖. HOLANDA, 1941, p. 107.

povoado e o possível estado ruinoso da capela, iniciou-se a reconstrução desta por volta de 1620, sabendo-se com segurança terem terminado os trabalhos a 16 de julho de 1622, data então inscrita na verga da porta da frontaria‖.193 É plausível que o primeiro templo religioso do aldeamento de São Miguel fosse construído de forma mais simples, a exemplo da primeira construção do Colégio jesuítico de São Paulo em 1554, como relata José de Anchieta em carta do mesmo ano:

De Janeiro até o presente tempo permanecemos, algumas vezes mais de vinte, em uma pobre casinha feita de barro e paus coberta de palhas, tendo quatorze passos de comprimento e apenas dez de largura, onde estão ao mesmo tempo a escola, a enfermaria, o dormitório, o refeitório, a cozinha, a dispensa (...). Os Indios por si mesmos edificaram para nosso uso esta casa; mandamos agora fazer outra algum tanto maior, cujos arquitetos seremos nós, com o suor do nosso rosto e o auxílio dos Indios.194

Tal hipótese é reforçada pelo requerimento de Alonso Perez junto à Câmara de São Paulo em 26 de Setembro de 1592, em que os índios de São Miguel e de outras aldeias se queixavam contra a falta de assistência espiritual e material, indicando o possível estado de abandono o qual se encontravam os aldeamentos:

―(...) e logo requereu o dito procurador do conselho Alonso Perez aos ditos oficiais dizendo que ele era informado que a aldeia de São Miguel e as mais aldeias ou indios delas estavam arruinados do qual ele não sabe qual é a causa que se requeria da parte del Rei Nosso Sr. fossem a dita aldeia de São Miguel donde ao presente estavam muitos índios das outras aldeias principais donde hoje mandaram um índio a esta vila a que fosse a justiça desta dita vila a saber juizes e vereadores e assim o padre vigário com um escrivão para que diante deles queriam os principais tratar coisas pertencentes ao bem da capitania e assim lhes requeria a eles ditos oficiais o dito procurador mandassem tirar devassa contra todos aqueles que foram em amotinarem aos ditos índios porquanto era bem comum e se dizia que agora dia de são miguel se queriam levantar contrarios e eles assentaram que iriam la as ditas aldeias e que la veriam donde nascia o que os ditos diziam e saberiam como passava tudo e de que se agravavam e que fariam nisso tudo quanto fosse possível para bem e sossego da terra [...]‖.195

Apesar de não ficar explícito o motivo de tal abandono, as atas anteriores levam a crer que o assolamento dos aldeamentos era devido, tanto às guerras entre índios de diferentes

193 Na verdade, a data correta inscrita na verga da porta é 18 de julho de 1622, e não 16 de julho. BOMTEMPI,

1970. p. 56-58.

194 ANCHIETA, José de. Carta Quadrimestre de Maio a Setembro de 1554, de Piratininga. In: ANCHIETA,

1933, p. 43.

195

aldeias não cristianizadas, quanto às guerras entre índios e colonos disputando por terras e mão-de-obra indígena.196 De qualquer forma, não restam dúvidas de que existia uma igreja no aldeamento de São Miguel antes de 1622, e que ela era assistida pelos padres jesuítas.

Sylvio Bomtempi afirma que é muito provável que a primeira igreja do aldeamento de São Miguel datada do século XVI, tenha sido reconstruída e não reformada.197 O relatório da pesquisa arqueológica feita na Capela de São Miguel em 2007 conclui que os materiais mais antigos apresentados nas camadas de aterro, datam dos séculos XVII e XVIII.198 Assim, a questão do local e a reconstrução da capela são postos em dúvida com a conclusão deste relatório, embora a documentação e a historiografia não façam menção à uma possível mudança de local da capela, sustentando ser o mesmo desde o seu estabelecimento no final do século XVI.199 No entanto a localização do aldeamento, como já abordamos, seria a mesma desde o início.

A construção da Capela de São Miguel é atribuída por Azevedo Marques ao colono espanhol Fernão Munhoz e ao padre secular João Álvares. Embora não façamos aqui juízo de valor da idoneidade deste historiador, seus apontamentos em relação à São Miguel são equivocados em algumas questões.200 Visto que não se conhece a existência de documentação segura e definitiva sobre a construção da Capela, tal atribuição é assim repetida sistematicamente ao longo dos estudos feitos sobre a Capela de São Miguel ao longo dos anos.

196

Várias sessões das Atas da Câmara entre os anos de 1590 e 1592 fazem menção a guerras e a entradas de apresamento de indígenas nos sertões. Na ata anterior, de 20 de Setembro de 1592, é assinada uma provisão entregando a posse das aldeias aos padres da Companhia de Jesus, na qual o padre Lourenço Dias ―(...) disse que em toda a costa do Brasil que os reverendos padres ensinam aos índios e que da mesma maneira o faziam nesta vila de São Paulo sem ninguém lho impedir até o dia de hoje [...] e que da maneira que os tinham e os doutrinavam havia quarenta anos que dessa própria maneira estivesse e que quanto a real posse ele sentia por estar a terra de guerra não ser tempo para se lhe dar porquanto os índios sentiam mal e o assinou aqui os sobreditos oficiais e mais povo (...)‖. ACSP, v. 1. p. 446-448.

197 ―Não se tratou, pois, de mera reforma, em que se mantivesse a capela do século XVI, acrescentando-se-lhe

alguns melhoramentos. Basta considerar que a própria igreja da vila ia pouco além de choça, e seria conjeturar no absurdo que àquele mesmo tempo um simples aldeamento de índios tivesse capela maior e construída com todos os elementos que a tornaram exemplo da arquitetura jesuítica e colonial. Quanto ao local da reconstrução, não há fortes motivos para se crer não tenha sido o mesmo sítio primitivo‖. BOMTEMPI, 1970, p. 59.

198

JULIANI, Lúcia. Relatório Final. Pesquisa arqueológica na Capela de São Miguel Paulista. 2007, p. 199. Agradecemos à diretoria do Sítio Morrinhos por nos disponibilizar este trabalho para a realização de nossa pesquisa.

199

Embora o relatório não faça nenhuma menção a esta questão, neste trabalho não é relatado a ocorrência de vestígios arqueológicos anteriores ao século XVII. Pode se tratar de uma questão metodológica de não ter alcançado camadas mais profundas por razões diversas, ou simplesmente não ocorrer vestígios mais antigos.

200 Como já vimos em relação ao ano de fundação do aldeamento de São Miguel, atribuída pelo historiador como

sendo o ano de 1623, baseado na transferência de indígenas do aldeamento de Itaquaquecetuba em 1622. MARQUES, 1980, p. 237.

Não se sabe muito sobre estas duas figuras responsáveis pela construção da Capela, mas a documentação nos assegura que Fernão Munhoz era carpinteiro em 1620,201 e que recebeu terras dos indígenas situadas entre o Jacuí e o rio Itaquera, em pagamento pela construção da capela de São Miguel entre outras obras, como consta de seu testamento escrito em 1673:

Lança-se mais oitocentas braças de terra nos matos de Cahaguasu onde o dito defunto sempre teve sua labora começando do Rio de Itaquera donde o defunto do capitão Antonio Raposo da Silveira teve o pro. sítio até ao Rio de Tacuhy pouco mais ou menos e de comprido toda a terra que se achar ser dos índios por uma escritura que passaram os ditos índios aprazimento de seu Capitão e administrador e do venerável padre João de Almeida em pagamento do dito defunto fazer a Igreja de São Miguel como consta pela escritura.202

Assim como afirma Sérgio Buarque de Holanda, foi deste documento que Azevedo Marques teria baseado sua atribuição da construção da capela de São Miguel também ao padre João Álvares. Contudo, como bem observa o historiador, o texto do inventário e testamento de Fernão Munhoz não faz menção alguma ao padre.203 Tal atribuição ao Pe. João Álvares enquanto promotor da reconstrução da Capela não se sustenta totalmente com a documentação com a qual trabalhamos nesta pesquisa. O que a justifica são as importantes relações deste padre e sua presença no aldeamento de São Miguel.

De acordo com Gabriel Frade, João Álvares, teria sido ordenado padre secular entre 1594 e 1599, e atuou como vigário da vila de São Paulo entre 1605 e 1607.204 Nascido provavelmente em 1570 ―era natural da vila de São Paulo, filho e neto de conquistadores‖, assim se justifica a participação direta e indireta deste padre nas bandeiras de Nicolau Barreto entre 1602 e 1604; e na bandeira chefiada por Antônio Raposo Tavares entre 1628 e 1629. Em 1610, teria adquirido terras em Itaquaquecetuba por meio de sesmaria, onde mais tarde, em 1624 teria mandado erigir uma capela dedicada à Nossa Senhora da Ajuda. Há informações que em 1628 ele seria novamente vigário em São Paulo e que por volta de 1640 ainda estaria

201 Em 9 de Agosto de 1620, Fernão Munhoz, carpinteiro, é nomeado quadrilheiro. ACSP, v. 2. p. 438. Os

quadrilheiros eram oficiais de justiça, ordenados pela Câmara para servir por três anos, equivalente aos policiais. Cf. BELMONTE. Os ―Quadrilheiros‖. In: BELMONTE. No tempo dos bandeirantes. 3.ed. São Paulo, SP: Melhoramentos, [19--?]. p. 135- 142.

202 ―Inventários e testamento de Fernando Munhoz (1675)‖, In: RIHGSP, v. 34. p.265.; BOMTEMPI, 1970. p.

61-62.

203 ―Sucede que no texto do testamento de Fernão Munhoz, [...] não há referência à participação de João Álvares

na construção da capela. Se essa referência existiu deve estar ilegível‖. HOLANDA, 1941, p. 108.

204 FRADE, Gabriel. A aldeia da capela: Elementos para a história do aldeamento jesuítico de Itaquaquecetuba-

SP. In: Antigos aldeamentos jesuíticos: a companhia de Jesus e os aldeamentos indígenas. Gabriel Frade (org.). São Paulo: Edições Loyola, 2016. p. 145.

vivo.205 Gabriel Frade também menciona a participação do padre João Álvares na construção da capela de São Miguel em 1622, onde à época se encontravam índios transferidos de

Documentos relacionados