• Nenhum resultado encontrado

O sistema imunológico na dor neuropática: uma revisão

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "O sistema imunológico na dor neuropática: uma revisão"

Copied!
6
0
0

Texto

(1)

O sistema imunológico na dor neuropática: uma revisão

The immune system in neuropathic pain: a review

Marcia de Miguel

1

Durval Campos Kraychete

2

, Roberto José Meyer Nascimento

3

1Mestranda em Processos Interativos dos Órgãos e Sistemas – ICS/UFBA; 2Professor Adjunto de Anestesiologia – Fac.de Medicina/UFBA; 3Professor Titular de Imunologia – ICS/UFBA

Resumo

Introdução: A dor neuropática representa uma condição debilitante e, na maior parte das vezes, difícil de tratar. A compreensão de seus mecanismos fisiopatológicos e a disponibilidade de tratamentos efetivos ainda representa um desafio aos especialistas. Evidências recentes têm demonstrado que o sistema imunológico desempenha um importante papel no aparecimento e na perpetuação da dor neuropática. Objetivo: Revisar a literatura sobre a relação entre a dor neuropática e o sistema imunológico. Metodologia: Foi realizada busca na base de dados Medline de artigos de revisão publicados nos últimos dez anos, utilizando os termos “neuropathic pain” e “immune system”. Os artigos selecionados foram analisados e novas buscas foram realizadas através das referências bibliográficas. Resultado: As evidências mostraram uma intensa relação entre a gênese e manutenção da dor neuropática e o sistema imunológico, abrangendo células e mediadores pró-inflamatórios. Conclusão: Ainda há muito que se esclarecer sobre o papel do sistema imunológico na dor neuropática, no entanto, nos últimos dez anos, as pesquisas sobre essa interação produziram destacado conhecimento que pode subsidiar a busca por tratamentos mais efetivos.

Palavras-chave: Dor. Sistema Imunológico. Abstract

Introduction: Neuropathic pain is a debilitating condition and, in most cases, difficult to treat. Understanding its

pathophysiological mechanisms and the availability of effective treatments still represents a challenge to experts. Recent evidence has shown that the immune system plays an important role in the onset and perpetuation of neuropathic pain.

Objective: The purpose of this article is to review the literature on the relationship between neuropathic pain and immune

system. Methodology: Search was performed in database Medline for review articles published in the last ten years, using the terms “neuropathic pain” and “immune system”. The articles chosen were analysed and new searches were performed using references. Result: the evidence showed an intense relationship between the onset and maintenance of neuropathic pain and the immune system, including inflammatory mediators and cells. Conclusion: there is still a lot to clarify the role of the immune system in neuropathic pain, however, over the past ten years, the research on this interaction produced highlighted knowledge that could help in the search for more effective treatments.

Keywords: Pain.Immune System.

ARTIGO DE REVISÃO

ISSN 1677-5090

© 2010 Revista de Ciências Médicas e Biológicas

Recebido em 29/06/2012; revisado em 20/08/2012.

Correspondência / Correspondence: Secretaria do Programa de Pós-graduação Processos Interativos dos Órgãos e Sistemas. Instituto de Ciências da Saúde. Universidade Federal da Bahia. Av. Reitor Miguel Calmon s/n - Vale do Canela. CEP 40.110-100. Salvador, Bahia, Brasil. Tel.: (55) (71) 3283-8959, Fax: (55) (71) 3283-8894. E-mail - ppgorgsistem@ufba.br

INTRODUÇÃO

O conhecimento sobre o caminho do estímulo doloroso da periferia até o sistema nervoso central, ativando os núcleos corticais e originando as diversas dimensões da dor, desenvolveu-se substancialmente nas últimas décadas. No entanto, quando se trata da dor crônica, a limitação dos tratamentos disponíveis indica que ainda temos que aprimorar esse conheci-mento.

A dor desempenha um importante papel fisiológico de proteção frente a um estímulo danoso ou nocivo, tornando-se essencial à sobrevivência (MACHELSKA, 2011). Na dor neuropática, iniciada por lesões ou doenças que afetam o sistema somato-sensitivo, as propriedades fisiológicas normais do nervo se perdem e dá-se origem a condições de difícil

tratamento. A dor neuropática pode acometer o sistema nervoso central (lesão medular, esclerose múltipla) tanto quanto o periférico (neuropatia diabética, herpes zoster, amputações (BARON, 2006). A dor neuropática pode persistir mesmo após a resolução da causa inicial e tornar-se mais que um sintoma, uma doença. Além do sofrimento físico, a dor crônica frequentemente desencadeia depressão, ansiedade, falta de motivação e prejuízos nas atividades laborativas e sociais (MACHEL-SKA, 2011). As alterações neuronais responsáveis pela dor neuropática também são bem conhecidas e englobam a geração de impulsos ectópicos, o brotamento de fibras nervosas degeneradas em locais não usuais, o brotamento de fibras do sistema nervoso periférico simpático, a diminuição da atividade ou perda dos neurônios inibitórios, a intensificação da atividade facilitadora descendente e a diminuição da atividade inibitória descendente da transmissão dolorosa (LEONARD et al., 2009). Essas alterações são acompanhadas por mudanças na síntese de neurotransmissores e na expressão e na sinalização de receptores e canais iônicos, levando à sensibilização

(2)

periférica e central, que se caracteriza pela diminuição do limiar doloroso e aumento da resposta aos estímulos centrais e periféricos (MACHELSKA, 2011). As alterações estruturais e químicas das fibras nervosas não são as únicas responsáveis pela perpetuação da dor neuropática. Por algum tempo se considerou que os mediadores inflamatórios produzidos pelas células imunológicas poderiam contribuir para a persistência da dor, porém evidências dessa relação emergiram apenas recentemente (MARCHAND, PERRETTI, McMAHON, 2005), indicando uma comunicação entre os sistemas imunológico e nervoso (SAFIEH-GARABEDIAN et al., 2002). A interferência das células imunológicas no processo de inflamação, caracterizado por calor, rubor, edema e dor, há muito foi compreendida e, a partir de então, os antiinflamatórios passaram a fazer parte do arsenal terapêutico com sucesso. No entanto, dados mais recentes indicam que tais células podem desempenhar um importante papel na modulação da dor associada a lesões em nervos periféricos e no sistema nervoso central (MARCHAND, PERRETTI, McMAHON, 2005). A lesão inicial de uma fibra nervosa também obedece à cascata inflamatória que resulta no aumento da perfusão local, no aumento da permeabilidade capilar e na concentração e ativação das células imunológicas inatas. No entanto, substâncias imuno-ativas liberadas no local da lesão podem iniciar uma reação imunológica sistêmica pela ativação das células da micróglia e os astrócitos, células gliais localizadas na medula espinhal e no cérebro, que parecem ter grande importância na nocicepção (VALLEJO et al., 2010).

2 PRINCIPAIS TIPOS CELULARES ENVOLVIDOS Mastócitos

Os mastócitos são importantes iniciadores e efetores da imunidade inata (GALLI, NAKAE, TSAI, 2005). Existe uma população residente nos nervos periféricos que sofre degranulação no local da lesão nervosa (ZUO et al., 2003). Os grânulos contêm mediadores como histamina e citocinas, que são capazes de sensibilizar e ativar neurônios (GALLI, NAKAE, TSAI, 2005). Em animais submetidos à ligadura parcial do nervo ciático, ocorre maciça degranulação no local da lesão (SMITH ET al., 2007). Evidências sugerem que a degranulação dos mastócitos pode causar o aparecimento da dor neuropática uma vez que, em animais submetidos à ligadura parcial do nervo isquiático, houve a supressão do desenvolvimento da dor neuropática, bem como a redução de macrófagos e neutrófilos no local da lesão com a estabilização dos mastócitos com cromoglicato de sódio (ZUO et al., 2003). Assim como o bloqueio dos receptores histaminérgicos 1 e 2 (ZUO et al., 2003), injeções intraperitoneais únicas ou repetidas de antagonista do receptor histaminérgico 4, iniciadas após a lesão nervosa, conseguiram reverter a alodínia mecânica após ligadura parcial do nervo ciático e após lesão por constrição crônica. Por outro lado, injeções repetidas do mesmo antagonista, aplicadas na pata de ratos antes da lesão nervosa, potencializaram discretamente a hiperalgesia mecânica produzida por ligadura parcial do nervo ciático (SMITH et al., 2007). Dessa forma, sugere-se que os mastócitos contribuem para a hiperalgesia neuropática pela liberação de

histamina e outros mediadores como, citocinas pró-inflamatórias, e pelo recrutamento de outras células imunológicas também secretoras dessas citocinas (MACHELSKA, 2011).

Neutrófilos

A invasão do nervo danificado por neutrófilos ocorre entre 24 e 72 horas (LABUZ et al., 2009; PERKINS, TRACEY, 2000; ZUO et al., 2003). Os neutrófilos se mantêm concentrados no local da lesão e não se observa a invasão nos nervos intactos. A depleção de neutrófilos circulantes no momento da lesão reduziu o aparecimento da dor neuropática, porém não conseguiu reverter o quadro já instalado, sugerindo que os neutrófilos estão mais envolvidos na indução que na manutenção da dor neuropática (PERKINS, TRACEY, 2000).

Macrófagos

Os macrófagos são encontrados nos nervos danificados após transecção completa, lesão por constrição crônica e ligadura parcial do nervo isquiático (3, ROOIJEN, TRACEY, 2000; LABUZ et al., 2009). A injeção intravenosa de condronato, iniciada no momento da lesão nervosa, reduziu em 30% o número de macrófagos no nervo lesionado, atenuando discretamente a hiperalgesia térmica após a ligadura parcial do nervo isquiático (LIU, ROOIJEN, TRACEY, 2000). No entanto, em outro estudo não foi observada a redução da alodínia mecânica após a injeção intraperitoneal de um bloqueador da ativação de macrófagos denominado CNI-1493 ou após a aplicação intravenosa de condronato, ambos administrados antes da lesão nervosa produzida por ligadura do nervo espinhal (RUTKOWSKI et al., 2000). Além disso, a aplicação direta de macrófagos ativados e inativados em um nervo intacto não induziram alodínia mecânica, sugerindo um papel limitado dos macrófagos no aparecimento da dor neuropática (RUTKOWSKI et al., 2000). Essas inconsistências podem refletir diferenças no envolvimento dos macrófagos nos mecanismos subjacentes à hiperalgesia e à alodínia, ou até mesmo discrepâncias entre as metodologias dos estudos (MACHELSKA, 2011). Dessa forma, sugere-se que os macrófagos podem estar relacionados ao aparecimento da dor neuropática, provavelmente envolvendo diversos mecanismos, incluindo a liberação de mediadores pronociceptivos. Em uma posição especial entre a resposta inflamatória adaptativa e o sistema imunológico, os macrófagos são um alvo na tentativa de se estabelecer as interações neuroimunológicas associadas à dorneuropática (MACHELSKA, 2011).

Linfócitos T

Os linfócitos T constituem-se na população de linfócitos responsáveis pela mediação da imunidade celular. A identificação de linfócitos T no local da lesão nervosa em diversos estudos em animais sugere o envolvimento dessas células na gênese da dor neuropática (THACKER et al., 2007). Em ratos congenitamente atímicos, com ausência de linfócitos T, observou-se a atenuação da alodínia e da hiperalgesia mecânicas e térmicas (MOALEM, XU, YU, 2004). Um estudo recente também mostrou a redução da alodínia mecânica em camundongos nocauteados para linfócitos

(3)

T funcionais e submetidos à lesão do nervo ciático com preservação do ramo sural (COSTIGAN et al., 2009). No entanto, por conta da heterogeneidade dos linfócitos T, com subpopulações de auxiliares (CD4) e citotóxicos (CD8), subdivididas em tipo 1 e tipo 2, de acordo com o perfil de citocinas expressas, o papel dessas células na dor neuropática ainda não parece muito claro. A transferência de linfócitos T auxiliares do tipo 1, produtores de citocinas pró-inflamatórias, aumentou a dor em ratos atímicos submetidos à lesão por constrição crônica. Por outro lado, a transferência de linfócitos T auxiliares tipo 2 produziu uma discreta redução da dor (MOALEM, XU, YU, 2004). Outro estudo mostrou a ausência da alodínia mecânica em camundongos deficientes em linfócitos T e a discreta diminuição da alodínia mecânica em camundongos deficientes em linfócitos T CD4. Vale destacar que tanto a ausência de alodínia no grupo de deficientes em linfócitos T (observada entre cinco a 14 dias após a lesão) quanto a redução da hipersensibilidade nos animais com ausência de linfócitos T CD4 (observada entre 14 e 21 dias após a lesão) não parecem relacionar-se com a expressão dos linfócitos T (CAO, DELEO, 2008). Baseado nesses e outros achados, parece que a redução da hipersensibilidade não está associada somente à ausência dos linfócitos T (CAO, DELEO, 2008). Recentemente foi observada a ausência de correlação entre o limiar mais elevado de sensibilidade mecânica e a expressão temporal de linfócitos T em camundongos com imunodeficiência combinada grave após lesão por constrição crônica (LABUZ et al., 2010). Dessa forma, os estudos mostram que a deficiência de linfócitos T, independente da espécie animal ou linhagem, modelo de dor neuropática ou tipo de teste para dor, resulta na diminuição da dor. No entanto, os efeitos geralmente são moderados e não parecem ser exclusivamente atribuíveis à ausência dos linfócitos T, mas provavelmente às alterações secundárias relacionadas à deficiência genética dessa célula, como por exemplo, a expressão de outros tipos celulares.

Células da glia

As modificações periféricas ocorridas após a lesão nervosa produzem um meio inflamatório que pode causar a ativação da microglia e dos astrócitos na medula espinhal e no encéfalo. Tal ativação parece ter um importante papel na gênese da dor neuropática. As células da glia, também chamadas de neuroglia, formam, juntamente com os neurônios, o sistema nervoso, e são responsáveis pela nutrição, proteção e isolamento dos neurônios do sistema nervoso central. Algumas delas também modulam a neurotransmissão nas sinapses. As células gliais constituem 70% das células no sistema nervoso central e se subdividem em microglia, que representam 5% a 10% da neuroglia, e macroglia, que inclui astrócitos e oligodendrócitos (VALLEJO et al., 2010). Astrócitos e microglia desempenham um importante papel no aparecimento, propagação e potencialização da dor neuropática (McMAHON, CAFFERTY, MARCHAND, 2005, RAGHAVENDRA, TANGA, DELEO, 2004). Apesar de a microglia se distribuir de forma homogênea no sistema nervoso central, somente as células gliais localizadas na medula

espinhal são ativadas após uma lesão nervosa periférica (VALLEJO et al., 2010). A ativação dessas células produz alterações em marcadores de superfície e em proteínas de membrana (RAGHAVENDRA, TANGA, DELEO 2004). Além disso, a ativação da microglia promove a secreção de vários peptídeos sinalizadores, como citocinas, fatores neurotróficos e quimiocinas, que levam à ativação dos astrócitos vizinhos (WATKINS, MILLIGAN, MAIER, 2003). Uma vez ativados, os astrócitos sofrem hipertrofia, se proliferam e aumentam a expressão de marcadores de ativação específicos, o que promove a interação com o processo de apresentação de antígenos aos linfócitos B e pode ajudá-los a cruzar a barreira hematoencefálica (VALLEJO et al., 2010). A interleucina-1beta (IL-1 beta) e possivelmente a interleucina 18 (IL-18), secretadas pela microglia ativada, ligam-se aos receptores na membrana do astrócito, induzindo uma série de eventos que termina com a ativação da célula (MIYOSHI et al., 2008). O receptor

toll-like (TLR), expresso na microglia, pode desencadear a

síntese de IL-18, via ativação da proteína cinase ativadora de mitógeno p38 (p38MAPK), conhecida por induzir a expressão de citocinas inflamatórias tais como IL-1 beta e IL-6. Esses eventos intracelulares resultam na secreção de IL-1 beta, IL-6 e fator de necrose tumor á (TNF- alfa) pelos astrócitos, bem como na expressão da óxidonitrícosintetase (NOS), o que ajuda a propagar ainda mais a resposta inflamatória e prolongar o estado de dor (MIYOSHI et al., 2008). Os astrócitos ainda são responsáveis pela desativação da atividade glutamaérgica e, opostamente, pela síntese de glutamato utilizando a glicose. O glutamato, que é o principal neurotransmissor excitatório do sistema nervoso central, está aumentado nocorno dorsal da medula espinhal na dor crônica. Ainda, a enzima piruvatocarboxilase, envolvida na síntese de glutamato, é expressa apenas nos astrócitos, mas não nos neurônios. O glutamato ativa vários receptores de membrana, entre eles o receptor ionotrópico N-metil-D-aspartato (NMDA), que tem papel crucial na sensibilização dos neurônios nociceptivos e na ativação dos astrócitos por meio do influxo do íon cálcio (Ca2+)

(VALLEJO et al., 2010). O influxo de Ca2+ tem grande

importância na sinalização da dor, promovendo a liberação de neurotransmissores e modulando a excitabilidade da membrana celular (HOGAN, 2007). A ativação da microglia e dos astrócitos após uma lesão nervosa periférica envolve a liberação, pelos neurônios, de neurotransmissores como a proteína relacionada geneticamente à calcitonina (CGRP), a substância P, o glutamato o ácido gama-aminobutírico (GABA), a serotonina e o trifosfato de adenosina (ATP). No entanto, ainda não está claro por qual o mecanismo exato pelo qual essa ativação ocorre. Uma possibilidade seria que os mediadores químicos como a substância P, o CGRP, o óxido nítrico, o ATP e o glutamato liberados no momento da lesão nervosa poderiam ser transportados através ou entre os neurônios aferentes, não somente afetando a transmissão sináptica, mas também ativando as células da glia (GUO et al., 2007; VALLEJO et al., 2010). O ATP liberado pelos neurônios aferentes causaria a migração e a ativação da microglia num raio de 50 a 100µm, produzindo o aumento intracelular de Ca2+ e do

(4)

fator neurotrófico derivado do encéfalo (BDNF), que resulta na ativação do fator nuclear kappa B (NK-kB), e, por conseguinte, na expressão de agentes pró-inflamatórios. O ácido nítrico também apresenta essa ação sobre o NK-kB. A substância P causaria a ativação das células gliais por meio da ativação dos receptores para neurocinina-1 (NK-1) e outros mediadores, como ATP e glutamato, as ativariam pela interação com receptores de membrana específicos (GUO et al., 2007; BRAHMACHARI, FUNG, PAHAN, 2006). Outro possível mecanismo seria as alterações nas concentrações de íons nos meios intra e extracelular, como a elevação de K+, resultando na despolarização da membrana e na ativação dos astrócitos (HANSSON, 2006). A ativação de astrócitos supra-espinhais pode potencializar a dor neuropática pela ativação das células da glia por vias descendentes. A migração de macrófagos periféricos, permitida pelo aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica após uma lesão neuronal, poderia estar associada à proliferação dessas células e posterior diferenciação em células gliais ativadas no encéfalo (CAO, DELEO, 2008).

Mediadores pró-inflamatórios

A dor neuropática originada da lesão nervosa periférica resulta no aumento da excitabilidade dos neurônios como conseqüência da sensibilização. Estuda-se se esta sensibilização ocorre nos comparti-mentos periféricos ou centrais do sistema nervoso, ou ambos. Estudos apoiam a hipótese de que o micro-ambiente inflamatório e a liberação de media-dores, em vez da lesão nervosa, são fundamentais para o desenvolvimento da dor neuropática. Tais mediadores incluem os eicosanoides, serotonina, neurotrofinas, citocinas, quimiocinas e espécies reativas de oxigênio (LEUNG, CAHILL, 2010). Esses mediadores não são originados exclusivamente das células do sistema imune/inflamatórias, mas também das células de Schwann e das células da glia da medula espinhal (THACKER et al., 2009).

Citocinas

Dentre as citocinas pró-inflamatórias associadas à dor neuropática, as mais estudadas são IL-1beta, IL-6 e TNF- alfa.

Interleucina1beta

A IL-1beta é uma potente citocina pró-inflamatória e sua expressão é regulada para cima após a lesão nervosa (SCHAFERS et al., 2001). Os receptores dessa citocina (IL-1R) são encontrados no sistema nervoso central e periférico e a interação citocina/ receptor induz uma cascata de eventos intracelulares que envolve a expressão de outra citocina pró-inflamatória, a IL-6, a p38MAPK e o NFêB, responsáveis pela indução da expressão do gene da ciclooxigenase-2 (COX-ciclooxigenase-2) e da fosfolipase Aciclooxigenase-2 tipo II, o que produz a sensibilização dos nociceptores (VALLEJO et al., 2010). Na periferia, a IL-1beta resulta em hiperalgesia prolongada e alodínia após administração intraplantar (THACKER et al., 2007), intraperitoneal e intraneural (ZELENKA, SCHAFERS, SOMMER, 2005).

Interleucina6

A IL-6 é sintetizada por fagócitos mononucleares, células endoteliais, fibroblastos e outras células em resposta a IL-1beta, TNF-alfa e prostaglandinas. Central-mente, a IL-6 é produzida por neurônios, astrócitos e microglia (VALLEJO et al., 2010). Experimentos em animais produziram evidências de que a IL-6 está envolvida nos mecanismos da dor neuropática, mostrando uma correlação entre a alodínia mecânica e o aumento da imunorreatividade da IL-6 no local da lesão nervosa (THACKER et al., 2007). Observou-se também o aumento do RNAm da IL-6 no gânglio da raiz dorsal após lesão por constrição crônica (MURPHY et al., 1999). Camundongos nocauteados para IL-6 apresentam diminuição da expressão da substância P no gânglio da raiz dorsal e no corno posterior da medula espinhal, bem como a atenuação da hiperalgesia térmica e da alodínia mecânica, quando comparados com camundongos selvagens após lesão por contrição crônica. Após ligadura do nervo espinhal, também foi observado aparecimento tardio de alodínia mecânica em camundongos nocauteados para IL-6, o que foi correlacionado à diminuição do brotamento de ramo adrenérgico (THACKER et al., 2007). No entanto, não foi observada alteração quanto à alodínia térmica. Com um efeito excitatório direto sobre os neurônios nociceptivos, o brotamento de ramos adrenérgicos induzidos pela IL-6 pode ser outro mecanismo pelo qual a IL-6 contribui para a produção da dor neuropática. Em oposição, foi demonstrado que a administração de IL-6 tem efeitos antinociceptivos (FLATTERS, 2004). A aplicação espinhal de IL-6 induz a inibição dose-dependente de resposta neuronal após ligadura do nervo espinhal (THACKER et al., 2007), sugerindo o caráter bimodal da IL-6 na dor neuropática.

Fator de necrose tumoral alfa

TNF-alfa inicia a cascata de ativação de várias citocinas e fatores de crescimento, parecendo estar diretamente envolvido no desenvolvimento de dor em muitos modelos de lesão nervosa. Tanto o RNAm quanto o próprio TNF- alfa estão regulados para cima no local da lesão nervosa e o TNF-alfa é transportado axonal-mente e acumulado nos neurônios sensoriais de pequeno e grande calibre do gânglio da raiz dorsal após lesão por constrição contínua LEUNG, CAHILL, 2010. Além disso, os receptores para TNF-alfa foram encontrados nas células do gânglio da raiz dorsal e em nervos lesionados (MACHELSKA, 2011). Após lesão por contrição contínua e esmagamento, observou-se a expressão aumentada dos receptores tipo 1 e 2 (THACKER et al., 2007). A aplicação direta de TNF- alfa no nervo ciático de roedores aumentou das descargas ectópicas nas fibras aferentes (SORKIN et al., 1997) e a injeção endotelial de TNF-alfa produziu compor-tamentos de dor neuropática (LEUNG, CAHILL, 2010). Ainda, a diminuição da sinalização do TNF- alfa atenuou a hiperalgesia/alodínia após uma lesão nervosa em vários modelos experimentais (THACKER et al., 2007). O efeito do TNF- alfa sobre os neurônios do gânglio da raiz dorsal parece ser mediado direta ou indiretamente pela fosforilação da p38MAPK, que pode mediar a

(5)

alodínia mecânica pela modulação dos canais de sódio resistentes à tetrodotoxina (LEUNG, CAHILL, 2010).

Quimiocinas

As quimiocinas constituem uma subfamília das citocinas e apresentam um duplo papel imunológico de quimiotaxia durante a inflamação e de direcionamen-*to das células células-tronco hematopoiéticas para seu desenvolvimento e diferenciação (VALLEJO et al., 2010). Numerosos estudos em animais têm demonstrado uma regulação para cima dos receptores para as quimiocinas CX3CR1 ou CCR2, bem como da quimiocina CCL2 em tecidos neurais após uma lesão (VALLEJO et al., 2010). Camundongos nocauteados para CCR2 não desenvolveram hiperalgesia mecânica após lesão por ligadura do nervo ciático. Ainda, a ação de quimiocinas, como SDF-1á/CXCL12, sobre os neurônios e os astrócitos parece afetar a liberação de glutamato, interferindo na excitação do neuronal (VALLEJO et al., 2010).

Fatores neutróficos

Os fatores neurotróficos regulam a sobrevivência, o crescimento e a manutenção dos neurônios. Com relação à dor neuropática, o fator de crescimento neuronal (NGF) tem sido o mais estudado. Níveis elevados de NGF aumentam a expressão de substância P e de CGRP (VALLEJO et al., 2010). Estudos em animais e humanos têm demonstrado que a hiperalgesia térmica e a alodínia mecânica estão ligadas a níveis elevados de NGF. Uma mutação no receptor tirosina cinase de alta afinidade ao NGF (trkA) levou à insensibilidade congênita à dor (THACKER et al., 2007). O NGF produz sensibilização de nociceptores diretamente, após a ativação de trkA, e indiretamente, com a mediação de outras células periféricas. Os mecanismos diretos envolvem a alteração de expressão genética e a regulação pós-tradução de receptores e canais iônicos, incluindo o receptor potencial transitório vaniloide tipo I (TRPV1) e os canais de sódio resistentes à tetrodotoxina (THACKER et al., 2007).

CONCLUSÃO

Apesar de todo o conhecimento produzido nos últimos anos, muitos aspectos da interação entre o sistema imunológico e a dor neuropática ainda precisam ser esclarecidos. A elucidação de tais mecanismos pode desvendar um caminho possível para tratamentos mais efetivos direcionados ao sistema imunológico.

REFERÊNCIAS

BARON, R. Mechanisms of disease: neuropathic pain: a clinical perspective. Nat Clin Pract Neurol, London, v. 2, n. 2, p. 95-106, 2006.

BRAHMACHARI, S.; FUNG, Y. K.; PAHAN, K. Induction of glial fibrillary acidic protein expression in astrocytes by nitric oxide. J Neurosci, Baltimore,v. 26, n. 18, p. 4930-4939, 2006.

CAO, L.; DELEO, J. A. CNS-infiltrating CD4? T lymphocytes contribute to murine spinal nerve transection-induced neuropathic pain. Eur

J Immunol, Weinheim, v. 38, n. 2, p. 448–458, 2008.

COSTIGAN, M. et al. T-cell infiltration and signaling in the adult dorsal spinal cord is a major contributor to neuropathic pain-like

hypersensitivity. J Neurosci, Baltimore, v. 29, n. 46, p. 14415–22, 2009a.

FLATTERS, S.J.; FOX, A. J.; DICKENSON, A. H. Nerve injury alters the effects of interleukin-6 on nociceptive transmission in peripheral afferents. Eur J Pharmacol, Amsterdam, v. 484, n. 2-3, p. 183–91, 2004.

GALLI, S. J.; NAKAE, S.; TSAI, M. Mast cells in the development of adaptive immune responses. Nat. Immunol, New York, v. 6, n. 2, p. 135-42, 2005.

GUO, W. et al.Glial-cytokine neuronal interactions underlying the mechanisms of persistent pain. J Neurosci, Baltimore, v. 27, n. 22, p. 6006-18, 2007.

HANSSON, E. Could chronic pain and spread of pain sensation be induced and maintained by glial activation? ActaPhysiol, Oxford, v.187, n. 1-2, p.:321-7, 2006.

HOGAN, Q. H. Role of decreased sensory neuron membrane calcium currents in the genesis of neuropathic pain. Croat Med J, Zagreb, v. 48, n. 1, p. 9-21, 2007.

LABUZ, D. et al. Immune cell-derived opioids protect against neuropathic pain in mice. J Clin Invest, New Haven, v. 119, n.2, p. 278-86, 2009.

LABUZ, D. et al. T lymphocytes containing beta-endorphin ameliorate mechanical hypersensitivity following nerve injury.

Brain Behav Immun, San Diego, v. 24, n. 7, p. 1045-53, 2010.

LEONARD, G. et al. Evidence of descending inhibition deficits in atypical but not classical trigeminal neuralgia. Pain, Amsterdam, v. 147, n. 1-3, p. 217-23, 2009.

LEUNG, L.; CAHILL C.M. THF-alpha and neuropathic pain – a review.

J Neuroinflammation, London, v. 7, n. 27, p. 1-11, 2010.

LIU, T.; ROOIJEN, N. van; TRACEY, D. J. Depletion of macrophages reduces axonal degeneration and hyperalgesia following nerve injury. Pain, Amsterdam, v. 86, n. 1-2, p. 25-32, 2000.

MACHELSKA, H. Dual peripheral actions of immune cells in neuropathic pain. Arch Immunol Ther Exp, Warszawa, v. 59, n.1, p. 11-24, 2011.

MARCHAND, F.; PERRETTI, M.; MCMAHON, S. B. Role of the immune system in chronic pain. Nat Rev Neurosci, London, v. 6, n.7, p. 521-32, 2005.

McMAHON, S. B.; CAFFERTY, W. B.; MARCHAND, F. Immune and glial cell factors as pain mediators and modulators. Exp Neurol, New York, v. 192, n. 2, p. 444-62, 2005.

MIYOSHI, K. et al. Interleukin-18-mediated microglia/astrocyte interaction in the spinal cord enhances neuropathic pain processing after nerve injury. J Neurosci, Baltimore, v. 28, n. 48, p. 12775-87, 2008.

MOALEM, G.; XU, K.; YU L, T-lymphocytes play a role in neuropathic pain following peripheral nerve injury in rats. Neuroscience, Oxford, v. 129, n. 3, p. 767–77, 2004.

PERKINS, N. M.; TRACEY, D. J. Hyperalgesia due to nerve injury: role of neutrophils. Neuroscience, Oxford, v. 101, n. 3, p. 745–57, 2000. RAGHAVENDRA, V.; TANGA, F. Y.; DELEO, J. A. Complete Freunds adjuvant-induced peripheral inflammation evokes glial activation and proinflammatory cytokine expression in the CNS.

Eur J Neurosci, Oxford, v. 20, n. 2, p. 467-73, 2004.

RUTKOWSKI, M. D. et al. Limited role of macrophages in generation of nerve injury-induced mechanical allodynia. Physiol Behav, Long Island, v. 71, n. 3-4, p. 225-35, 2000.

SAFIEH-GARABEDIAN, B. et al. The role of the sympathetic efferents in endotoxin-induced localized inflammatory hyperalgesia and

(6)

cytokine upregulation. Neuropharmacology, Oxford, v. 42, n. 6, p. 864-72, 2002.

SCHAFERS, M. et al. Combined epineurial therapy with neutralizing antibodies to tumor necrosis factor-á and interleukin-1 receptor has an additive effect in reducing neuropathic pain in mice.

Neurosci Lett, Amsterdam, v. 310, n. 2-3, p. 113-6, 2001.

SMITH, F. M. et al .Role of histamine H3 and H4 receptors in mechanical hyperalgesia following peripheral nerve injury.

Neuroimmunomodulation, Basel, v. 14, n. 6, p. 317-25, 2007.

THACKER, M. A. et al. CCL2 is a key mediator of microglia activation in neuropathic pain states. Eur J Pain, London, v. 13, n. 3, p. 263-72, 2009.

THACKER, M. A. et al. Pathophysiology of peripheral neuropathic pain: immune cells and molecules. Anesth Analg, Cleveland, v. 105, n. 3, p. 838-847, 2007.

VALLEJO, R. et al. The role of glia and the immune system in the development and maintenance of neuropathic pain. Pain Pract, Malden, v. 10, n. 3, p. 167-84, 2010.

WATKINS, L. R.; MAIER, S. F. Glia: a novel drug discovery target for clinical pain. Nat Rev Drug Discov, London, v. 2, n. 12, p. 973-85, 2003.

ZELENKA, M.; SCHAFERS, M.; SOMMER, C. Intraneural injection of interleukin-1beta and tumor necrosis factor-alpha into rat sciatic nerve at physiological doses induces signs of neuropathic pain. Pain, Amsterdam, v. 116, n. 6, p. 257-63, 2005.

ZUO, Y. et al. Inflammation and hyperalgesia induced by nerve injury in the rat: a key role of mast cells. Pain, Amsterdam, v. 105, n. 3, p. 467-79, 2003.

Referências

Documentos relacionados

* Texto apresentado no simpósio "A participação feminina na construção das novas disciplinas: o caso da historiografia econômica no Brasil", coordenado pelo pro- fessor

Dentre essas mudanças, destacamos: o ingresso, no ano de 2014, de um aluno do Projeto Esperança Viva, no curso de graduação em música da UFRN, e, no mesmo ano, a inauguração do

É, precisamente, neste âmbito que se apresentam quatro áreas que, dada a sua forte vertente estratégica, poderão influenciar significativamente as organizações, a

No final, os EUA viram a maioria das questões que tinham de ser resolvidas no sentido da criação de um tribunal que lhe fosse aceitável serem estabelecidas em sentido oposto, pelo

Este era um estágio para o qual tinha grandes expetativas, não só pelo interesse que desenvolvi ao longo do curso pelas especialidades cirúrgicas por onde

O fortalecimento da escola pública requer a criação de uma cultura de participação para todos os seus segmentos, e a melhoria das condições efetivas para

Mais uma vez, vemos uma inovação nos processos educacionais de Belo Horizonte: se as avaliações sistêmicas, como a Prova Brasil anteriormente apresentada, bem como as avaliações

Assim, almeja-se que as ações propostas para a reformulação do sistema sejam implementadas na SEDUC/AM e que esse processo seja algo construtivo não apenas para os