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Um olhar sobre a cidade n'A Emparedada da Rua Nova de Carneiro Vilella

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA. FÁTIMA MARIA BATISTA DE LIMA. UM OLHAR SOBRE A CIDADE N’A EMPAREDADA DA RUA NOVA DE CARNEIRO VILELLA. .. RECIFE 2005.

(2) FÁTIMA MARIA BATISTA DE LIMA. UM OLHAR SOBRE A CIDADE N’A EMPAREDADA DA RUA NOVA DE CARNEIRO VILELLA. Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Letras e Lingüística da Universidade Federal de Pernambuco para obtenção do título de Mestre em Teoria da Literatura... Orientadora: Profa. Dra. Luzilá Gonçalves Ferreira. RECIFE 2005.

(3) L732. Lima, Fátima Maria Batista de. Um olhar sobre a cidade n’A Emparedada da rua Nova de Carneiro Vilella / Fátima Maria Batista de Lima. – 2005. 122 f.; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Letras e Lingüística) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2005. Bibliografia: f. 110-114. 1.Literatura Brasileira – Carneiro Vilella – Crítica e Interpretação. I. Título. CDU 869.0(81).

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(5) A Alberto, Mônica e Maria Eduarda, luzes de minha existência.

(6) AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, criador de todas as coisas, que me deu a chance de realizar mais esta etapa de minha existência. A Alberto, meu esposo, sempre presente, auxiliando-me e incentivando à realização dos meus ideais. A Mônica e Maria Eduarda pela paciência e companheirismo em todas as horas. À professora Luzilá Gonçalves Ferreira, minha orientadora, por me conduzir de forma precisa, e pelas vezes em que me orientou a escrever o que pensei de outra maneira. À Professora Zuleide Duarte, minha co-orientadora, pela disponibilidade, carinho e atenção dados nos momentos em que necessitei. Ao professor Lourival de Holanda pelo incentivo para que eu ousasse no momento da escritura. Ao professor Anco Márcio por esclarecer as dúvidas que surgiram durante à realização deste trabalho. A CAPES pela bolsa de estudo. A Eraldo e a Diva pelo amparo e carinho durante esse percurso À Biblioteca da Pós-graduação nas pessoas de Welita, Juliana e Raquel. À Fundação Joaquim Nabuco pela oportunidade dada à pesquisa em microfilmagem, nas pessoas de Renato Phaleante, Marcondes, Zé Mário, Teotônio e César. Ao Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano por disponibilizar os jornais para a minha pesquisa. À Drª Lúcia Vilella nas duas vezes em que precisei entrevistá-la, sempre atenciosa e gentil. A Virgínia Barbosa, amiga e comadre, pela ajuda em conseguir os livros raros, indispensáveis a este trabalho e por seu auxílio precioso na formatação metodológica do mesmo. Às amigas Jeane Guimarães, Ilzia Zírpoli e Telma Dutra, pela amizade, conselhos, troca de conhecimentos..

(7) A Múcio Sérvulo amigo sensível que compartilhou das minhas dúvidas e pelas boas risadas que me proporcionou e a Sávio Freitas por contar com sua amizade e confiança. A amiga Maria das Vitórias pelo desprendimento em me emprestar os livros fundamentais para minha pesquisa. Aos colegas de mestrado..

(8) Estou simplesmente no meu século, no século das luzes, e conto apenas o que muitos viram, aquilo de que muitos sabem ou lêem notícia, só o ignorando ou o estranhando quem é refráctário (sic) ao estudo do passado por julga-lo inútil, quem tem a própria fatuidade por última palavra da inteligência, a ausência do critério por uma boa qualidade e finalidade a própria ignorância por uma condição de felicidade. (Carneiro Vilella, 05.03.1901).

(9) RESUMO. A presente pesquisa está centrada na poética do autor pernambucano Carneiro Vilella e busca fazer uma leitura em sua obra mais famosa A Emparedada da rua Nova com o objetivo de trazer à discussão o seu olhar sobre a cidade, o qual foi capaz de revelar através de sua escritura. Como o espaço e tempo se apresentam dialogicamente relacionados, percorremos também o seu itinerário no século XIX, analogicamente ligados à época da infância e adolescência do escritor, bem como algumas crônicas em busca desse olhar, sempre atento às coisas que o rodeavam, as quais registrava na memória para posteriormente transformá-las em arte. Considera-se como embasamento teórico preponderante às concepções de Ítalo Calvino, Gaston Bachelard, Kevin Lynch e Lucrécia D’Alessio Ferrara. Além destes, é necessário à recorrência a outros teóricos sobre as questões elucidativas com a finalidade de obtermos êxito na configuração desta pesquisa. O principal objetivo é mostrar que lugares e situações representativos do eu-poético podem unir-se com aqueles que captam a evolução da cidade no tempo, através da arte. Palavras-chave: Análise da Poética, Carneiro Vilella, Literatura Brasileira, Recife – Século XIX..

(10) ABSTRACT. This paper focuses on the poetry of an author from Pernambuco Carneiro Vilella and tries to provide a reading through his most famous piece writing A Emparedada da Rua Nova, aiming at discussing the way he looks over the city, which was revealed in his writing. As space and time are intrinsically related, we also followed his itinerary in the XIXth Century, linked to his infancy and adolescence, as well as his chronicle in search of his way of looking over the city. He was always aware of the things that surrounded him, which he kept in memory to change them into art later. It is considered the main theoretical support to Ítalo Calvino’s, Gaston Bachelard’s, Kevin Lynch’s and Lucrécia D’Alessio’s conceptions. Besides the ones mentioned, it is necessary to appeal to other theorists to cover elucidative matters in order to be successful to fulfill this research. Its main aim is to show that places and situations, which are representative of the self-poetic, can mingle with those which capture the evolution of the city in time through art.. Key words: Analysis of Poetry, Carneiro Vilella, Brazilian Literature, Recife- XIXth Century..

(11) SUMÁRIO: INTRODUÇÃO ............................................................................................. 10 CAPÍTULO I 1 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 1.6 1.7. O RECIFE DO SEÇULO XIX ..................................................................... O homem e o seu tempo ................................................................................ A Faculdade de Direito e a Escola do Recife .............................................. As livrarias e os letrados ............................................................................... A Escola do Recife ......................................................................................... A influência de Tobias Barreto .................................................................... A Questão Religiosa ...................................................................................... O Recife e a República ................................................................................... 13 13 20 22 25 28 34 40. CAPÍTULO II 2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5. O HOMEM E SUAS IDÉIAS ....................................................................... O jornalista .................................................................................................... O poeta ........................................................................................................... O cronista ...................................................................................................... Nostalgia do paraíso ..................................................................................... O pitoresco ..................................................................................................... 44 44 48 52 52 59. CAPÍTULO III 3 3.1 3.2. UM OLHAR SOBRE A CIDADE ................................................................ 62 Eis que surge a cidade ................................................................................... 65 A cidade como escritura ................................................................................ 70 CAPÍTULO IV. 4 4.1 4.2 4.2.1 4.2.2 4.2.3 4.2.4 4.3. A RUA NOVA: CRÔNICA DE UMA TRAGÉDIA ANUNCIADA........... A enunciação n’A Emparedada da rua Nova ................................................ O enunciado n’A Emparedada da rua Nova ................................................. Situação inicial da trama (momento estático e conflitivo) ............................ Atualização do conflito .................................................................................. Paroxismo do conflito .................................................................................... Tragédia final ................................................................................................. Os personagens d’A Emparedada da rua Nova.............................................. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 103. 78 79 86 86 87 87 87 88. REFERÊNCIAS ............................................................................................ 110 ANEXO A – BIOGRAFIA DO AUTOR .................................................... 116 ANEXO B – OBRAS DE CARNEIRO VILELLA .................................... 118.

(12) INTRODUÇÃO. Nos meados do século XIX, o cenário literário pernambucano passou a abrigar um autor que viria a ser posteriormente, um dos fundadores da Academia Pernambucana de Letras. Trata-se do bacharel em Direito, Joaquim Maria Carneiro Vilella, romancista, novelista, poeta, dramaturgo, caricaturista, paisagista, cenógrafo, e que escolheu como cenário de sua obra mais famosa, A Emparedada da Rua Nova, a capital pernambucana. Neste trabalho, percorreremos o romance que mistura ficção e realidade em busca desse olhar atento sobre a cidade e os elementos que a compõem, com a finalidade de analisar a sua poética e compreender de que forma o autor pôde construí-la. Sílvio Rabelo1 nos faz ver que Carneiro Vilella, apesar de possuir uma extensa produção: romances, crônicas, teatro, não teve a devida importância, como nos revela em seu artigo Um Novelista de Província:. O próprio Silvio Romero, que viveu perto de dez anos no turbulento grupo de Tobias Barreto, parece não ter dado a devida importância ao companheiro que tinha, como todos os outros, o seu livro de versos e por sinal com o título Silvestre de As Margaridas. Na verdade, Carneiro Vilella não mereceu espaço suficiente digno na História da Literatura, tanta vezes aberta com a mais tolerante hospitalidade para autores de menor significação de que ele. Apenas em três ou quatro momentos, e incidentemente, menciona Silvio Romero o nome de Carneiro Vilella. Menciona-o de cambulhada com muitos outros, sem nenhuma referência às suas obras e muito menos, às qualidades que elas pudessem ter2.. As novelas que escreveu, publicadas a princípio como folhetins do Correio do Recife, da Província e do Jornal Pequeno, posteriormente sairiam definitivamente em livro, nada diminuindo das simpatias do público que as consumia aos milheiros. Escrevia simultaneamente duas ou três sem misturar os tipos e os episódios, como se cada uma tivesse. 1. Escritor e jornalista pernambucano. RABELLO, Silvio. Um novelista de Província. In: ______. Caminhos da Província. Recife: Imprensa Universitária da UFPE, 1965. p. 61-62.. 2.

(13) 11. uma vida própria. Sílvio Rabelo, chegou à conclusão de que os leitores de O Moço Louro, de Joaquim Manuel de Macedo e de A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, teriam a mesma enternecida admiração pela A Menina de luto se esta chegasse às suas mãos.3 Quanto a isso acrescenta Vamireh Chacon. Acontece, porém, com Carneiro Vilella, idêntico fenômeno do tipo ocorrido com a Inconfidência de 1789 e a Revolução Pernambucana de 1848, tão carregadas de pioneiro sentido socialistas: se elas fossem mineiras, ou paulistas, conforme disse ironicamente Barbosa Lima Sobrinho, seriam hoje muito mais conhecidas e festejadas [...]4. Para tecer o seu romance, que foi escrito inicialmente em folhetim, no Jornal Pequeno, entre 1909 e 1912, Carneiro Vilella uniu um relato que lhe foi narrado por uma exescrava ainda quando criança, a um crime ocorrido em 1864, no Engenho Suaçuna, sendo este o fio condutor que percorrerá toda a história. Fazendo o entrelaçamento entre fato e ficção conseguiu transformá-los em arte. Também faz uma análise dos costumes de um Recife do século XIX, remetendo o leitor a um tempo só visto quando muito por fotografias. Dividimos nosso trabalho em quatro capítulos. No primeiro, daremos um enfoque sobre o Recife do século XIX, contextualizando o homem e o seu tempo, dando ênfase a alguns elementos que marcaram a nossa cidade, principalmente a partir da metade do século, ao início da República, que não passaram despercebidos pelo referido autor e, que estavam de certa maneira, direta ou indiretamente ligados ao mesmo, como A Escola do Recife, A Questão Religiosa, A Questão Abolicionista. Para fundamentar este capítulo tomamos como referência as seguintes obras: Arruar e Maxambombas e Maracatus de Mário Sette; CasaGrande & Senzala, Sobrados e Mocambos e Ordem e Progresso de Gilberto Freyre; Traços do Recife: ontem e hoje de Orlando Parahym; O Tempo Mágico; Dom Vital e a Questão. 3 4. RABELLO, op. cit., p. 63. CHACON, Vamireh. Da Escola do Recife ao Código Civil. Rio de Janeiro: Organizações Simões, 1969. p. 149..

(14) 12. Religiosa no Brasil, ambas de Nilo Pereira; O Seminário de Olinda e seu fundador o Bispo Azeredo Coutinho de Mons.Severino Leite Nogueira; Presença Poética do Recife e os lançamentos mais recentes sobre o Recife como o do professor Antônio Paulo Rezende, O Recife – histórias de uma cidade e A velha rua Nova de Rostand Paraíso. No segundo capítulo estudaremos o homem envolvido com a sua produção jornalística e literária, publicadas nos jornais da época. Utilizamos como fonte os periódicos nos quais escrevia, como A América Ilustrada, A Província, Jornal Pequeno, Diário de Pernambuco, além do roteiro jornalístico de Luiz do Nascimento. No terceiro capítulo, abordaremos o surgimento da cidade como processo de escritura e no quarto e último capítulo trataremos da análise do seu romance mais famoso A Emparedada da Rua Nova, analisando a poética do autor, procurando evidenciar seu olhar sobre a cidade, na tentativa de apurar a imagem de um homem sob constante vigília que procurou, através da sua obra, registrar a observação sobre a cidade antes que os outros a esqueçam. Como fundamento para dissertar sobre a cidade, espaço de emaranhados humanos, recorremos a: Ítalo Calvino, com as obras As cidades invisíveis e Seis propostas para um novo milênio; Kevin Lynch com A imagem da cidade; Gaston Bachelard com A Poetica do Espaço; Lucrecia D’Alessio Ferrara com O Olhar Periférico e Os Significados Urbanos; e Renato Cordeiro Gomes com Todas as Cidades, A Cidade; Para falar da memória utilizamos Memória e Sociedade de Ecléa Bosi, bem como o capítulo sobre O narrador de Walter Benjamin, que nos serviu também para sustentação a respeito do narrador clássico. Outras obras não menos importantes foram utilizadas ao longo da construção desse trabalho, as quais poderão ser percebidas durante a leitura..

(15) 13. CAPÍTULO I. 1. O RECIFE DO SÉCULO XIX É a cidade valente Brio da altiva nação, Soberba, ilustre, candente Como uma imensa explosão: De pedra, ferro e bravura, De aurora, de formosura, De glória, fogo e loucura... Quem é que lhe põe a mão? Tobias Barreto. 1.1. O homem e o seu tempo O século XIX foi considerado como um dos mais agitados na história do Recife. Essas. agitações foram de certa maneira, influenciadas pelas mudanças que aconteciam na Europa, desde o século XVIII, que ficou marcado como o século das grandes revoluções burguesas. A revolução Industrial na Inglaterra, não só alterou o sistema de produção, como também eliminou o modelo econômico existente entre comércio e a agricultura. Adam Smith com a sua obra A riqueza das nações criticava fervorosamente o mercantilismo. A grande fonte de riqueza social para ele, era o trabalho produtivo. A partir do século XVII, o conceito de liberdade e igualdade, já vinham sendo elaborados5. Locke, Voltaire, Montesquieu e Rousseau preconizavam novos tempos e pactos sociais. A Revolução Francesa (1789) e a Independência das colônias inglesas da América do Norte (1776), serviriam como referências para o processo de independência das colônias. Esse desejo se fez também presente em terras brasileiras. O domínio português foi ameaçado pela Inconfidência Mineira (1789) em Minas e 5. REZENDE, Antônio Paulo. O Recife: histórias de uma cidade. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 2002. p. 64..

(16) 14. posteriormente na Bahia, com a revolta dos Alfaiates (1798). Inspirados pelas idéias de liberdade, igualdade e fraternidade, os revolucionários baianos redigiram diversos panfletos, nos quais conclamavam o povo a participar. Um deles dizia: “Animai-vos, povos baiense, que está para chegar o tempo feliz da nossa liberdade, o tempo em que seremos irmãos, o tempo em que todos seremos iguais.” No Recife, as idéias liberais circulavam, fazendo parte das discussões dos intelectuais, fascinando os mais rebeldes. A chegada da família real, ao Brasil em 1808, que fugia do exército napoleônico iria provocar mudanças significativas: os portos brasileiros foram abertos às nações amigas, favorecendo especialmente a Inglaterra com as tarifas diferenciadas; Elevação, em 18l5, do Brasil à categoria de Reino Unido aos de Portugal e Algarves. Em outras palavras, o Brasil ganhava a autonomia administrativa; O Rio de Janeiro passou a ser capital do Império. As realizações que D.João VI executou no plano cultural, como a fundação da Imprensa Régia, da Academia Militar, da Marinha e do Hospital Militar; Criação do ensino superior, com a fundação de duas escolas de medicina; Criação do Jardim Botânico e a inauguração da Biblioteca Real, e a criação da Academia Belas de Artes, com a contratação de artistas e professores, estavam marcadas pela mentalidade colonialista e não tinham preocupação em beneficiar o povo. Essas medidas visavam satisfazer as elites sociais, cujo desejo era europeizar o Brasil. Em suma, a vinda da família real em nada modificou as condições da população pobre, que já era cerca de 4 milhões de habitantes em 18l9. Escravos, negros livres e mestiços pobres representavam mais de 70% da população do país. Desejos de liberdade alimentavam as mentes, que buscavam concretizar esse sonho derrubando o sistema vigente. Esses desejos transformar-se-iam em realidade com os movimentos que iriam marcar o século XIX. O professor Antônio Paulo Rezende, assim classificará esse século..

(17) 15. Na França européia, houve um século das luzes. Século da razão..e por que não século da paixão? Pois o Recife pode orgulhar-se do seu século XIX. Século que desponta com a conspiração dos Suassunas pela República, como a antever a bravura patriótica de pernambucanos amantes e amados pela terra natal6.. A julgar pelos movimentos subseqüentes como a Revolução de 18l7, a Confederação do Equador e a Praieira, podemos concluir que a história do século XIX está marcada pela lutas no campo das idéias políticas e religiosas. Constantes inquietações agitavam nossa cidade, que se recusava a subordinar-se à corte, desafiando todas as ordens advindas. O Seminário de Olinda, instalado no dia 16 de fevereiro de 1800 pelo bispo Azeredo Coutinho, foi um difusor das idéias liberais que vinham da Europa. Muitos alunos e professores que participaram dos movimentos de rebeldia eram do Seminário. Era objetivo do bispo, através deste estabelecimento religioso fazer do ignorante um sábio; para ele, o homem sem estudos e sem educação, entregue aos vícios e a si próprio prejudicava ao mesmo tempo a Religião e o Estado. Esperava com isso a regeneração da sociedade. O referido Seminário abrigou homens para a Igreja e para o mundo. Outra grande contribuição foi através da maçonaria, sociedade secreta, que atuava na divulgação e defesa das idéias liberais. Intelectuais, padres e militares reuniam-se com a finalidade de elaborar um plano para a revolução. A sociedade preocupava-se em resolver seus problemas que tinham na reorganização política um grande foco de discussão. Trazida ao nosso país pelos que em Portugal foram estudar, a maçonaria teve papel destacado na subversão ao autoritarismo português. Tanto a Inconfidência Mineira, como a Revolução de 18l7, em Pernambuco teriam maçons como principais líderes.. 6. REZENDE, Antônio Paulo. Histórias do Recife. Recife: PCR, 1998, p. 63.

(18) 16. No século XIX, o Recife não era mais uma vila, nem estava subordinada a Olinda, tornara-se uma cidade em 1823 e capital de Pernambuco em 1827, conseguindo a autonomia que tanto almejava. Tais rebeldias tinham, com efeito, fortes relações com a modernidade, com seu projeto civilizatório que se ampliava e conquistava sobretudo a cultura ocidental. As mudanças como se vê não aconteceriam apenas, no mundo das idéias ou nos anseios de liberdade política:. Os espaços urbanos ganhavam importância, os costumes sociais exigiam novos comportamentos, a burguesia colocava claramente suas cartas na mesa.. Queriam fazer o mundo a sua imagem e semelhança, o grande mundo das mercadorias e do liberalismo. Os povos da América, que conseguiram expulsar os antigos colonizadores, passavam a conviver com uma dominação mais sofisticada, certamente mais sedutora e sutil7.. Como capital, o Recife apresentava alguns problemas: havia ainda a escravidão, cuja defesa não foi objetivo nos movimentos de 18l7 e 1824; a confusão entre liberais e conservadores nas suas práticas e escolhas políticas seria um assunto que iria ainda esquentar o cenário pernambucano. Os sinais de modernização chegavam entre essas polêmicas, pelas mãos do presidente da província de Pernambuco, Francisco do Rêgo Barros (1837-1844), conhecido posteriormente como Conde da Boa Vista. Ligado ao partido conservador, no entanto procurou inovar a nossa cidade, não apenas com as idéias, mas também com trabalhadores e técnicos franceses, pois o modelo era Paris. O conde, se não conseguiu realizar todos os seus projetos, deu novos ares ao Recife, com as ruas numeradas, nomes definidos, instalação de luz pública a gás, padronização de prédios, além de ter mandado construir estradas, a ponte pênsil de Caxangá e o Teatro Santa Isabel. A contratação de Louis Vauthier chefiando uma missão de engenheiros, operários alemães como pedreiros e marceneiros, trouxe no setor das obras. 7. REZENDE, op. cit. p. 78.

(19) 17. públicas mudanças importantes, além da circulação de idéias socialistas através da revista O Progresso. Fora o teatro, foi construído o palácio presidencial (atual palácio do governo). É importante registrar que assim como o bispo Azeredo Coutinho, através do Seminário de Olinda, interessou-se em tirar os seus alunos da ignorância em que se encontravam, difundindo as idéias liberais; Louis Vauthier preocupou-se com as questões sociais que dominavam o Brasil, trazendo consigo idéias socialistas, procurando repassá-las. O francês provavelmente chocou-se com o sistema patriarcal, escravocrata e monocultor, que detinha todo o poder político sobre os demais elementos da população ou da organização social. Vauthier contribuiu para o conhecimento das novas tendências do socialismo europeu, sendo dessa forma um elemento de difusão das preocupações reformadoras dos idealistas da primeira metade do século XIX. No seu Diário Íntimo há a lista de assinantes pernambucanos da Democratie, do Socialiste e da Phalange, vultos de projeção cultural e da política: Soares de Azevedo, Antônio Pedro de Figueiredo, Paula Batista, Antônio Borges da Fonseca.8 Gilberto Freyre apud Quintas,9 mostra a preocupação de Vauthier no que diz respeito aos oprimidos e espoliados, contra inclusive a deficiente alimentação fornecida aos calcetas. Dois pernambucanos irão comungar com as idéias do francês: Antônio Pedro de Figueredo, o Cousin Fusco e Abreu e Lima, o General das Massas. Antônio Pedro foi um dos primeiros socialistas brasileiro, fundador e principal redator da revista O Progresso. Tinha anseios de ordem social: Foi Antônio Pedro de Figueiredo dos primeiros em Pernambuco, se não o primeiro, a discutir e levar para um plano de rigorosa observação, e para um plano de idéias, problemas que antes dele eram ordinariamente uma diversão da Retórica, e pretexto para demagogia, como os relacionados com literatura e com o sistema social e político do Brasil10.. 8. QUINTAS, Amaro. O sentido social da Revolução Praieira. Recife: Ed. Massangana, 1982. p. 30. Ibidem, p. 31. 10 QUINTAS, op. cit., p. 32 9.

(20) 18. Nas páginas d’O Progresso soube fazer crítica social, percebendo o verdadeiro itinerário a seguir na solução das nossas questões. Suas idéias no dizer do professor Amaro Quintas se “encontravam adiantadas um século.”11 O General das Massas, que era diretor do Diário Novo, foi outro que enriqueceu a nossa vida político-social com idéias reformadoras principalmente em A Barca de São Pedro, onde teve a oportunidade de expandir a sua concepção de um ideal de livros publicados. Gilberto Freyre afirma que Abreu e Lima foi o precursor das lutas de classe e anteviu as influências dos fenômenos da infra-estrutura, como mostra o artigo do jornal A Barca de São Pedro nº 20: “ Estes fenômenos econômicos não podem ficar no esquecimento sem que os males da sociedade em que vivemos se agravem todos os dias; cumpre portanto preveni-los com tempo”12. Os modos, os costumes, as comidas da França, passaram a ser assimilados pelos recifenses. Todos esses francesismos não tiveram aceitação unânime. Alguns nacionalistas não viam com bons olhos essas mudanças. Os gastos que Rêgo Barros fazia em prol dessa modernização foram alvo de críticas da oposição que o acusava de gastar sem medidas. Em 1839, apontava aqui pela primeira vez, uma embarcação a vapor, trazendo um grande benefício ao Recife, visto que desenvolvia uma velocidade quatro a cinco vezes superior a de um veleiro, o que demonstra a preocupação do Conde em tornar o Recife mais civilizado. No entanto, essa modernização não conseguia acalmar os ânimos dos insatisfeitos e as divergências políticas. O governo de Rêgo Barros tinha os seus adversários. Uma parcela do Partido Liberal conseguiu formar o Partido Nacional de Pernambuco ou Partido Praieiro, esse nome devido à sede do jornal Diário Novo, localizar-se na rua da Praia. Insatisfeitos com a administração e o estrangeirismo que reinava em nossa cidade, principalmente com a decisão 11 12. Ibidem, p. 35 FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mocambos. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1998. p. 165..

(21) 19. dos comerciantes em contratar apenas portugueses, os recifenses começaram uma campanha contra Rêgo Barros. Os praieiros se fortaleceram politicamente, quando cai o governo de Rêgo Barros em 1844. A partir daí os ânimos seriam cada vez mais acirrados entre liberais e os conservadores, culminando com a Revolução Praieira em 1848, que teve como líderes Nunes Machado, Pedro Ivo, Jerônimo Vilella. A batalha antes de chegar às vias de fato, acontecia pelos jornais, onde cada um procurava atingir o adversário com quadrinhas agressivas, como esta do Dr. Jerônimo Vilella Tavares Quem viver em Pernambuco Deve estar desenganado Que ou há de ser Cavalcanti, Ou há de ser cavalgado.13. Por sua vez os guabirus retrucavam: Tudo passa, tudo morre, Neste mundo de cachorro, Só não morrem os chimangos, Chica Polka e o Chichorro.14. A Revolução Praieira foi deflagrada em 7 de novembro de 1848. Foi considerada a última das chamadas Revoluções Libertárias. O motivo foi a queda do governo Liberal que desde 1844 assumira o poder. Após a morte de Nunes Machado em combate, em 2 de fevereiro de 1849, o movimento perde força até ser totalmente eliminado. Encerrava-se a fase de intensa agitação social iniciada no Período Regencial. O Recife possuía na metade do século XIX, uma população aproximada em 50.000 habitantes. Era a terceira cidade do Brasil. Apesar disso tinha problemas que precisavam ser solucionados como a modernização dos equipamentos do porto, a fim de agilizar o embarque; Também não possuía um sistema de água encanada nem de esgoto. A cidade no entanto,. 13 14. QUINTAS, op. cit., p. 41. Ibidem, p. 149..

(22) 20. crescia rapidamente, os arrabaldes ganhavam novos moradores. Em 1870 uma nova estrada ligava Recife a Olinda15.. 1.2. A Faculdade de Direito e a Escola do Recife O Recife era considerado o centro da vida do Norte. Mereceu essa consideração pela. primazia intelectual dentre as cidades vizinha. Uma gama de jovens intelectuais vinha de todas as partes para estudar Direito na Faculdade que ficava em Olinda e que só mais tarde, em fins de 1854, seria transferida para Recife. Possuía a Faculdade um estudo sério e proveitoso. A freqüência obrigatória das aulas, a severidade dos exames, tornava o curso, objeto de dedicação e esmero para o estudante.16 Nas horas de folga, as algazarras noturnas imperavam, a ponto de perturbar o sossego da pacata cidade. Carneiro Vilella na sua obra O esqueleto, fez um interessante comentário dessa agitação estudantil:. Descrever a vida dessa Boêmia, naqueles tempos em que a Academia funcionava na antiga capital de Pernambuco, seria tentar um trabalho hercúleo, senão totalmente impossível. Seria preciso para isso reunir e resumir em um só quadro todas as extravagâncias imagináveis, todos os episódios extraordinários que têm dado a Heidelberg, Salamanca ou Bolonha17.. No entanto, quando em 1831, soldados insubordinados se apoderaram da cidade do Recife, no movimento que ficou conhecido como setembrizada, os estudantes souberam deixar de lado a anarquia e se uniram para combater os insubordinados.18 Quando em 1865. 15. REZENDE, op. cit., p. 86. BEVILÁQUA, Clóvis. História da Faculdade de Direito do Recife. Brasília: INL, Conselho Federal de Cultura, 1977. p. 295-296 17 VILELLA, Carneiro. O esqueleto: crônica fantástica de Olinda. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2000. p. 45. 18 BEVILÁQUA, op. cit., p. 298. 16.

(23) 21. irrompeu a Guerra do Paraguai, também deixaram a folha dobrada para morrer lutando num sinal de patriotismo, como diria Tobias Barreto.19 Em Olinda, essa classe acadêmica formava um grupo social dominante, contraía-se um espírito corporativista. Os estudantes passavam a ser respeitados nas suas relações com a sociedade civil, onde quer que fossem, desde o primeiro ano recebiam o tratamento de doutor. Gilberto Freyre em Sobrados e Mocambos, chama a atenção para a ascensão desses bacharéis, que crescera de importância desde os começos do Império.. Entretanto, o prestígio do título de ‘bacharel’ e de ‘doutor’ veio crescendo nos meios urbanos e mesmo nos rústicos desde os começos do Império. Nos jornais, notícias e avisos sobre ‘Bacharéis formados’, ‘Doutores’ e até ‘Senhores Estudantes’, principiaram desde os primeiros anos do século XIX a anunciar o novo poder aristocrático que se levantava, envolvido nas suas sobrecasacas ou nas suas becas de seda preta, que nos bacharéis-ministros ou nos doutores-desembargadores, tornavamse becas ‘ricamente bordadas’ e importadas do Oriente. Vestes quase de mandarins. Trajos quase de casta. E esses trajos capazes de aristocratizarem homens de cor, mulatos, ‘morenos’20.. Quando da transferência para o Recife, o espírito de corporação dos estudantes se foi afrouxando para dar espaço ao espírito religioso:. Com a mudança, escreve PHALEANTE,(sic) o carolismo invadiu a Faculdade e, enquanto os lentes iam ouvir os sermões de frei Espírito Santo, metidos nas opas da confraria de São Pedro, os rapazes fundavam a irmandade do Bom Conselho, faziam, em procissão solene, com assistência do diretor e do reverendíssimo bispo diocesano, a transferência da imagem para o Ordem Terceira de S. Francisco. E a memória histórica daquele ano, omissa em coisas do ensino, pormenorizou aquela cerimônia religiosa, com um zelo meticuloso e um tom beato, que eu cheguei a pensar que aquilo era uma crônica de convento e não um trecho de nossa vida escolar21. Contudo essa carolice foi sendo substituída por novas correntes que agitavam o século XIX; tornaram-se livres pensadores em filosofia e republicanos em política. A importação das. 19. Ibidem, p. 298. FREYRE, Sobrados e Mocambos..., op. cit., p. 582. 21 BEVILÁQUA, op. cit., p. 299. 20.

(24) 22. coisas européias se fazia corriqueira e generalizada, principalmente dos livros e das idéias como nos mostra Mário Sette: “Principiava-se a ler no Recife sem o recato de um pecado. Filosofia e poética, oratória e política, romance e teatro. O danado do século XIX amanhecera trepidante de novidades: constitucionalismo, democracia, igualdade, individualismo, republicanismo [...]”22. O autor mais adiante, alerta para a soberania política e autônoma do século XIX, como também do máximo prestígio intelectual do Recife:. O século XIX, sendo o da soberania política e autonomia literária, seria também o do máximo prestígio intelectual do Recife. Olinda, com a sua Academia criada em 1827, conservá-la-ia, no seio de suas ridentes colinas até 1853, considerada então uma Nova Coimbra. Núcleo mental de juristas e de beletristas. Sociedades de letras e imprensa na qual O Olindense deixou nome em prédios literários e políticos acompanhando as agitações da época. Consoante acentua Hélio Viana, em sua Contribuição à História da Imprensa Brasileira, foi o primeiro jornal de estudantes do Brasil.Contudo o Recife ia tendo suas ruas povoadas de homens de letras, que as preferiam às ladeiras desertas da capital23.. 1.3. As livrarias e os letrados. Foi esse “século das luzes”, segundo o autor de Arruar24, que favoreceu o aparecimento das livrarias no Recife. A primeira, foi a de Cardoso Aires, na rua da Cadeia Velha, no bairro de São Frei Pedro Gonçalves. O dono da livraria viria a ser o pai de um jovem e erudito sacerdote, futuro bispo, que mais tarde iria de encontro às idéias socialistas do gal.Abreu e Lima. Tal livraria foi destruída por um incêndio em 28 de janeiro de 1871. Contava, então já 65 anos de existência. Outras surgiriam no decorrer do século dezenove, por exemplo a Livraria Acadêmica, na rua do Imperador, já com a Faculdade de Direito no antigo 22. SETTE, Mário. Arruar. Rio de Janeiro: Livraria Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1978. p. 325. SETTE, op. cit., p. 331. 24 Ibidem, p. 335. 23.

(25) 23. Colégio dos Jesuítas. Vendia-se ali desde a Gramática Portuguesa, às obras do momento: O Manuscrito Materno, de Peres Escrish; As doidas de Paris, de Montepin; Eurico, o presbítero de Alexandre Herculano; A judia, de Tomás Ribeiro; A Morgadinha dos Canaviais, de Júlio Dinis e os volumes mais sugestivos de Júlio Verne, Camilo, Dumas Pai, Pinheiro Chagas, do qual o Santa Isabel levara à cena, com êxito de aplausos e lágrimas, A Morgadinha de ValFlor. Esse entusiasmo pelas letras, foi favorecido, parece-nos, pelo surgimento dos folhetins. Muitas dessas obras citadas acima foram publicadas anteriormente via periódico e só então enfeixadas em livros, como nos mostra Marlyse Meyer no seu livro Folhetim, editado pela Companhia das Letras:. Tão fulgurante e rápida penetração do folhetim francês sugere a constituição no Brasil, nas décadas de 1840 e de 1850, de um corpo de leitores e ouvintes consumidores de novelas já em número suficiente para influir favoravelmente na vendagem do jornal que as publica e livros que as retomam25.. Desde 1838, o folhetim francês já havia chegado ao Brasil, com o primeiro ensaio no gênero de Alexandre Dumas, o Capitão Paulo. Alguns jornais tiveram, inclusive, de adaptarse ao gênero para melhor atender a demanda de leitores. A autora de Folhetim dá um exemplo da real dimensão, do que foi esse gênero a partir de um edital de 3 de janeiro de 1842:. Desde 1839 os melhoramentos do Jornal do Comercio tem ido em continuado progresso. Aumentamos o formato da folha, chamamos para a colaboração os mais hábeis redatores, demos um Jornal aos domingos, envidamos enfim todas as nossas forças para o melhoramento moral e intelectual de nossa folha. Cumpre porém confessa-lo: o aumento de circulação do jornal não compensou o acréscimo da despesa nem o extraordinário trabalho que exige uma folha como o Jornal do Comércio. Nessa circunstancia, temos de escolher de duas uma: ou diminuir a despesa, ou aumentar a receita. Julgamos que os nossos leitores antes queiram concorrer com um pequeno aumento do preço das assinaturas do que ver o jornal retroceder ao estado em que se 25. MEYER, Marlise. Folhetim. São Paulo: Cia. das Letras, 1996. p. 292..

(26) 24. achava em 1838. Por conseqüência, a principiar de 1º de janeiro de 1842, é elevada a 20$ por ano (em vez de 16$000)26.. Marlise Mayer ressalta ainda o público que se formou a partir do folhetim francês, mas deixa bem claro que esse mesmo público também é fiel à produção nacional, basta lembrar A Moreninha de Joaquim Manuel de Macedo,1844 e outros mais. Porém, faz uma ressalva, quando se refere à produção nacional folhetinesca: Mas, se considerarmos o folhetim nacional explicitamente imitador do modelão europeu, sem rebuços nem paródia, com talvez idênticas ambições de vendagem, mais provavelmente como única forma de expressão de candidatos a romancistas, pode-se dizer com aquele articulista citado por Brito Broca, que escreve em 7 de abril de 1890 em Cidade do Rio: ‘os esqueletos e as caveiras do paço têm fornecido assunto a nada menos de três romances que, valha a verdade, bem poderiam ficar guardados no fundo do tinteiro; a julgar por eles os Dumas, os Ponsons e os Montépin brasileiros ainda estão por nascer’. Mas nasceu um autor, salvou-se um esqueleto: a exceção honrosíssima fica por conta de um escritor e jornalista pernambucano Carneiro Vilella, autor de um excelente romance-folhetim. Grande, grosso e cativante livro como sói ao gênero: A Emparedada da rua Nova27.. As livrarias serviam também de ponto de encontro dos intelectuais da época. Os novos ousavam penetrar a pretexto de mirar as recentes edições de 3 fr. e 50, entre as quais as novidades de Maupassant, de Daudet, de Leconte de Lisle, de Baudelaire. Os intelectuais ali habitualmente reunidos eram os membros da novel Academia Pernambucana de Letras ou do velho Instituto Arqueológico. Nenhum ponto de reunião mais cobiçado para os cultuadores da literatura do que a Livraria Econômica, ou a Nogueira, como nos afirma Mário Sette28. Ali, invariavelmente, à tarde, encontravam-se e cavaqueavam os eminentes da época, alguns de dobrada eminência: nas letras e na política. Comentavam-se os últimos aparecimentos literários e as futuras chapas para deputados. A Livraria Nogueira reunia nos primeiros anos de 1900, quase todos os vultos literários do tempo, como Samuel Martins, Manuel Arão, Artur Muniz, Gervásio Fioravanti, Regueira Costa, amigo de Castro Alves.. 26. Ibidem, p. 282. MEYER, op. cit., p.310 28 SETTE, Arruar..., op. cit. 27.

(27) 25. Carneiro Vilella, segundo Sette, já preso de hemiplegia, nem por isso deixava de mirar as vitrinas dos livreiros, com o seu ar de ironista, temido pela crítica mordaz em que fazia lembrado seu tirocínio na América Ilustrada, pela pena e pelo lápis de caricaturista, ambos seguros e destros. Lia-se muito o seu A Emparedada da Rua Nova, e emprestavam-se nomes reais àqueles personagens, enquanto um prédio era apontado como o verdadeiro cenário do drama. Tanto A Emparedada da Rua Nova como os Mistérios do Recife, ambos de Carneiro Vilella, foram publicados, primeiro, em folhetins nos jornais recifenses. Como se sabe, o gênero estava muito em moda, inspirado em Eugène Sue, no Visconde Ponson du Terrail, autor de Rocambole, e em Dumas, pai.. 1.4. A Escola do Recife. Orlando Parahym, no seu discurso de posse na Academia Pernambucana de Letras, invoca o testemunho de Cruz Costa para afirmar que a “Escola do Recife” é certamente, a parte mais fulgurante da renovação intelectual do Brasil no século XIX, com irradiações pelo Brasil todo29. “Foi, primeiramente um movimento poético, depois crítico e filosófico, e, por fim, jurídico, sendo, em todos, figura preponderante Tobias Barreto”, afirma Clóvis Beviláqua30. A Escola do Recife, se a considerarmos como tendo durado dos anos 60 do século XIX até o início da segunda década do nosso século, atravessou sessenta anos. Observa Nelson Saldanha,31 que gerações não são demarcações cronológicas fáceis de situar, pois há restos de gerações anteriores convivendo com gerações em ascensão. Conclui, desse modo,. 29. COUTINHO, Edilberto. Presença Poética do Recife. São Paulo: Empresa Gráfica Carioca, 1969. p. 19. BEVILÁQUA, História da Faculdade..., op. cit., p. 350. 31 SALDANHA, Nelson. A Escola do Recife. 2. ed. São Paulo: Convício; Brasília: INL, Fundação Nacional PróMemória, 1985. p. 20. 30.

(28) 26. que efetivamente, a Escola correspondeu a umas três gerações: a de Tobias, nascido em 1839 e começando a publicar seus trabalhos no fim dos anos 60; a de Sílvio Romero, apenas doze anos mais moço, mas com vida mais longa e mais variada evolução; a que atua depois de 1890 e chega às primeiras décadas do século XX. Na sua História da Literatura Brasileira32 Sílvio Romero, no capítulo Período de Transformação Romântica, 1830-1870, elenca os participantes do movimento e afirma que foram os sustentadores deste durante os últimos quarenta anos, do qual fizeram parte : Tobias Barreto, Castro Alves, Franklin Távora, Araripe Júnior, Vitoriano Palhares, Guimarães Júnior, Carneiro Vilella, Celso Magalhães, Cardoso Vieira, Castro Rabelo, José Higino, Plínio de Lima, Jorge Generino dos Santos, Sousa Pinto, Aníbal Falcão, Clóvis Beviláqua, Artur Orlando, Inglês de Sousa, Marques de Carvalho, Rocha Lima, Martins Júnior, João Freitas, João Bandeira,Vergílio Brígido, Álvares da Costa, e outros, muitos outros. Como se vê, não foram pernambucanos todos os seus prógonos, mas é evidente que a atmosfera intelectual da nossa Faculdade de Direito favoreceu consideravelmente a eclosão dos seus talentos e que daqui jorrou nos decênios seguintes por todo o Brasil a torrente das novas idéias, fomentando o extraordinário progresso mental que tanto contribuiu para assegurar as letras pátrias a sua incontestada supremacia na América Latina33.. Segundo Alfredo de Carvalho, sem querer entrar no embate da questão entre Tobias e Castro Alves, a inauguração definitiva da nova Escola deve ser datada da publicação do jornal científico e literário O Futuro, redigido a partir de 15 de junho de 1864, por Castro Alves em companhia de Luiz Ferreira Maciel Pinheiro, Aristides Augusto Milton e Antônio Alves de Carvalho e que aparecia quinzenalmente, arvorando como epígrafe as palavras de Dupin : On ne commande pas à la pensée avec des fers. Ainda segundo Carvalho, foi este. 32. ROMERO, Silvio. Período de Transformação Romântica, 1830-1870. In: ______. História da Literatura Brasileira. [S. l. : s. n.], [19--]. p. 777. Xerox. 33 CARVALHO, Alfredo de. Estudos Pernambucanos. Recife: Secretaria de Educação e Cultura, Departamento de Cultura, 1978. p. 101..

(29) 27. periódico o primeiro que concretizou nitidamente os esforços tendentes a nacionalizar entre nós o panteísmo amplíssimo e a linguagem vigorosa e esplendente do grande mestre francês, suas colunas tiveram várias poesias de Castro Alves e nos artigos em prosa, nota-se o estilo metafórico, sobrecarregado de imagens audaciosas, estilo cujas qualidades foram mais tarde exageradas até ao absurdo e ao ridículo. Após o desaparecimento d’O Futuro, Antônio dos Passos Miranda, José Nicolau Tolentino de Carvalho, Adolpho Generino Rodrigues dos Santos e José Elysio de Carvalho Couto publicam, O Ensaio Literário, em 15 de Dezembro de 1864, que saiu regularmente até meados do ano seguinte, entretanto os redatores não compartilhavam do mesmo entusiasmo que abrasava os do precedente periódico: a nota dominante nos seus escritos é ainda freqüentemente o sentimentalismo lamartiano. Manifestou-se, ao contrário, inspirada num robusto desejo de renovação a revista contemporânea O Acadêmico, na qual escreveram Tobias Barreto de Menezes, José Jansen Ferreira Júnior, Manuel Pinheiro de Miranda Ozório, Casimiro Borges Godinho de Assis, José Pires da Fonseca e Fábio Nunes Leal; Antonio de Sousa Pinto e Claudino Gomes Barreto seguia-lhes as pegadas, com passos ainda indecisos, n’A Semana. Neste mesmo ano, ou seja, 1865, alguns estudantes, conhecidos pela sua verve, fundaram uma sociedade secreta, com a denominação de Tugenbund, da qual foi órgão a Illustração Acadêmica, redigida principalmente por Joaquim Maria Carneiro Vilella, José Hygino Duarte Pereira e José Elysio de Carvalho Couto; tanto no texto, recheado de espirituosas críticas, como nas gravuras, devidas ao lápis do alemão Luiz Schlappri., esta interessante publicação justificou cabalmente as célebres palavras de Erasmo: Admonere volimus, non mordere; prodesse, non laedere; moribus hominum, non officere – que trazia como divisa..

(30) 28. A sua influência foi assaz benéfica, porquanto verberou com o ridículo os exageros ,aos quais tendiam muitos dos poetas da escola hugoana, Tobias Barreto, por exemplo,viu parodiada com chiste inexcedível na Illustração Academica a sua conhecida Lenda rústica. Com o rompimento da guerra do Paraguai o estro patriótico alçou-se a vibrantes canções guerreiras; o embarque dos batalhões de voluntários, as notícias de vantagens obtidas pelas nossas armas, eram sofregadamente aproveitadas por Victoriano Palhares, Carneiro Vilella e Plínio de Lima, entre outros muitos, para tema e inspiração de composições poéticas que inundaram as colunas dos grandes diários noticiosos e dominaram por bastante tempo nos jornais literários, especialmente em 1866 no Mosaico de Paulo de Amorim Salgado, M.ª de Godofredo Autran e Tristão de Alencar Araripe Junior, e n’O Século de José Nicolau Tolentino de Carvalho, Antônio Passos de Miranda e José Elysio de Carvalho Couto; foi nesta época também que ocorreu a violenta e legendária polêmica entre Tobias Barreto e Castro Alves, aquele escrevendo na Revista Illustrada e este n’A Luz.. 1.5. A influência de Tobias Barreto. Tobias foi, sem dúvida, uma personalidade fascinante. Fazendo da Faculdade o centro preferido, agitou idéias, renovou ambiente, a literatura e o pensamento brasileiros, com uma força e uma garra que ainda hoje permanecem. Ariano Suassuna apud Edilberto Coutinho34 indica como resultado, direto ou indireto, da Escola do Recife, no século XIX – tanto a epopéia de Euclides da Cunha e o amor pelo Romanceiro (através de Sílvio Romero), como a poesia de Augusto dos Anjos e o romance cearense. No Canto Armorial ao Recife, presente na obra de Edilberto Coutinho, o autor do Auto da Compadecida, assim evoca Tobias. 34. COUTINHO, Presença poética..., op. cit., p. 18..

(31) 29. Canta, ó clarim do Teuto Sergipano, A onça-da-pobreza, a Desumana. Não te enganes: o cheiro desse Mel Mesmo de prata, mesmo em Massangana É forjado no sangue que bebeu A leoa-dos nobres, a Tirana !35. Nos versos seguintes, ainda referindo-se a Tobias Barreto, faz menção a Sílvio Romero, nascido em Lagarto, Sergipe. Considera Sílvio como o principal crítico da “Escola do Recife”, com o crédito de ter valorizado as fontes populares da poesia, como o Romanceiro Nordestino, de indiscutível influência em poetas dos nossos dias (o próprio Ariano, João Cabral, Ascenso Ferreira, Joaquim Cardoso, Audálio Alves e tantos outros):. Vai! Chama teu irmão desabusado, teu irmão sertanejo e brasileiro, Lagarto alumiado pelo sol, escorpião da Raça e do braseiro, gila-do-sangue, Povo-coroado, Arauto-inicial do Romanceiro36.. Deve-se a Tobias Barreto, o pioneirismo das idéias que iriam impulsionar o movimento denominado por Sílvio Romero de Escola do Recife. Tobias foi quem trouxe para o Recife idéias revolucionárias em Filosofia, Direito e Literatura. Luiz Delgado em seu ensaio Centenário do nascimento de Artur Orlando, conforme Mauro Mota,. traduz o seu. pensamento a respeito da influência produzida por Tobias: Entrou como um furacão, na alma da mocidade que no Recife se concentrava, vinda de todos os pontos do país, para estudar Direito. Em nossa história, antes ou depois dele, até agora ninguém teve uma influência igual a sua em amplitude e feitio. A verdade é que ele mudou a fisionomia e talvez a alma do Brasil [...]Fixou-se ele como um divisor de águas na paisagem de nossa cultura37.. 35. Ibidem, p. 23 COUTINHO, op. cit., p. 23. 37 MOTA, Mauro. O Recife no tempo de Tobias e Castro Alves. In: ARQUIVO PÚBLICO ESTADUAL DE PERNAMBUCO. Um tempo do Recife. Recife: Ed. Universitária, 1978. p. 173. 36.

(32) 30. Esse encanto de que nos fala Luiz Delgado, refere-se possivelmente à irreverência de Tobias àquele arcaísmo existente dentro de uma sociedade estática. A novidade, a polêmica e a espontaneidade aliadas à jovialidade de Tobias foram o motivo para atrair as classes na Faculdade, os leitores em geral e as pessoas no convívio, apesar das críticas contrárias . A entrada de Tobias Barreto na dita Faculdade iria abalar as estruturas mentais dos que ali estudavam :. Para se avaliar o que foi a ação de Tobias Barreto, basta atender ao que eram os estudos de Direito antes e depois dele. Saíamos da disciplina de Braz Florentino, de Ribas, de Justino, para as lições de tantos mestres emancipados. O código Civil brasileiro, construção de Clóvis Beviláqua, se filia à inspiração de Tobias. À crítica se renova por ele. Sílvio Romero, Araripe e o próprio José Veríssimo são seus discípulos”. [E finaliza:] “Seu apostolado era o de emancipar as inteligências e não o de perpetuar escola; por ele me tornei um homem livre38. [...] A mensagem de Tobias frutificava assim, já no plano nacional, no que apresentava de mais juridicamente burguesa. Suas implicações filosóficas revolucionárias se limitavam a preparar o caminho da Nova Ordem , derrubando as resistências clericais, saudosas do domínio doutras classes ainda mais retrógradas39.. Foi através dele, inclusive, que pela primeira vez se ouviu falar de Marx, em discurso de colação de grau dos bacharéis de 1883:. Karl Marx diz uma bela verdade, quando afirma que cada período tem a suas próprias leis... Logo que a vida atravessa um dado período evolutivo, logo que passa de um estádio a outro, ela começa também a ser dirigida por leis diferentes. [E continua:] A questão cardeal do nosso tempo não é política e nem religiosa: é eminentemente social e econômica40.. Essas referências que Tobias fazia a Marx, aguçaram a curiosidade brasileira por este novo alemão, entre outros que descobriu para o nosso país. Foi também Tobias que percebeu os maus efeitos que produzia no Brasil a excessiva influência francesa, e que estimulava a nossa propensão para o literalismo superficial. Foi inclusive Tobias Barreto que prefaciou a. 38. CHACON, Da Escola do Recife..., op. cit., p. 47-48. Ibidem, p. 79. 40 Ibidem, p. 31. 39.

(33) 31. tradução brasileira de As relíquias vivas de Turguiéniev, em 1884, efetuada por Carolina Von Koseritz. Tobias revelou a Literatura russa a Artur Orlando e a Beviláqua e os três ao Brasil. E Beviláqua foi o primeiro brasileiro a escrever sobre Dostoievsky41. Se formos somar as influências positivas e negativas da Escola , cremos que a primeira sai em vantagem. Foram inúmeros que direta ou indiretamente beberam na fonte das suas idéias. Se nem todos foram homogêneos, pelos menos guardaram em si os ideais de renovação propostos. Quem nos dá uma abordagem a respeito dessa influência é Mauro Mota42 em seu ensaio O Recife no Tempo de Tobias e Castro Alves. Em seu artigo, afirma que o poeta baiano sem o Recife talvez não tivesse sido o que foi. O certo é que de uma maneira ou de outra a Escola do Recife contribuiu para as renovações das idéias. Quem vivenciou aquele momento não saiu indiferente. Assim é que encontramos como integrantes do movimento Castro Alves,Vitoriano Palhares, Franklin Távora, Araripe Júnior, Carneiro Vilella, Fagundes Varela, Rui Barbosa, Celso Magalhães, Inglês de Souza, Fausto Cardoso, Aníbal Falcão, Martins Júnior, e muitos outros, conforme a divisão de Sílvio Romero. Com relação a esses integrantes, Vamireh Chacon contesta quando afirma que Castro Alves, Rui Barbosa e Fagundes Varela pouco demoraram e que os mesmos se colocaram contra Tobias. A verdade é que de uma forma ou de outra participaram em determinado momento da Escola e o fato de suas idéias não serem homogêneas com o mestre é mais uma prova do espírito de liberdade proporcionado pela mesma. Havia entretanto, uma certa discriminação quando se referiam a ela, principalmente alguns artigos que tentaram diminuir a sua importância ou a de seus componentes. Partiu inclusive do Rio de Janeiro a iniciativa de difamar Tobias, apelidado por Carlos de Laet de teuto-sergipano. “A guerra impiedosa a Tobias e sua escola,consciente ou inconsciente foi. 41 42. Ibidem, p. 98. MOTA, op. cit., p. 163..

(34) 32. sempre para gáudio de Taunay, de Machado e d’outros bonzos das letras”43. Sílvio Romero além de perseguido pelos lentes, até hoje sofre um certo desdém quando seu nome é citado. Provavelmente pelo fato de ter em suas críticas, tratado com rudeza Machado de Assis e até mesmo Castro Alves em detrimento de Tobias Barreto. Segundo Chacon, muitos não perdoaram as virulências de suas críticas em relação aos dois ícones da Literatura Brasileira. No artigo do professor Antonio Candido44, por exemplo, constatamos algumas formas um tanto depreciativas ao referir-se a Sílvio e aos seus contemporâneos, tais como: “[...] Bacharel, sem preparo suficiente, como tantos dos seus contemporâneos[...]”; “Este artigo complicado, mal escrito, confuso”; “O seu primeiro trabalho acessível ao leitor, o pequeno artigo Realismo e Idealismo, canhestro e mal escrito[...]” “Este artigo igualmente mal escrito, a propósito do livro Nebulosas”. Todas essas formas, são de certa maneira um modo de diminuir, a primeira vista, a figura do polêmico seguidor de Tobias Barreto. Em seguida, no entanto, Antônio Cândido fala da importância do trabalho de Sílvio como precursor da crítica literária do Brasil, sendo capaz de organizar um trabalho até então incompleto sobre as idéias de Literatura. Seria exagero afirmar que foi no Recife que se jogou a semente inspiradora para o modernismo? Afinal, foi na Escola do Recife que surgiu uma reação às idéias francesas, que segundo Sílvio era a causa da nossa fraqueza. Foi através do ufanismo de Sílvio Romero que se combateu o romantismo, fenômeno de importação, ligado a nosso vezo incurável de imitar. Sílvio Romero destaca inclusive, o negro e não o índio como elemento primordial na estrutura de nosso caráter. Tinha a certeza que a relação africana com os brancos foi maior que a dos aborígenes. Procurou mostrar através do estudo analisado, pela primeira vez, o problema da crítica e do criticismo, cujo objetivo principal é desacreditar o romantismo, principalmente. 43. CHACOM, Da Escola do Recife..., op. cit., p. 94. CANDIDO, Antonio. O método crítico de Silvio Romero. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1988. p. 30, 38-39.. 44.

(35) 33. sob o aspecto indianista45. Se considerarmos esses aspectos podemos perceber que ecoa nos ideais do movimento de 22 alguma semelhança com as idéias da geração 70 do século XIX.. Foi através dessa geração eminentemente crítica, animada do desejo de esquadrinhar a cultura nacional que se deu um novo aspecto, uma nova feição às idéias sobre filosofia e literatura, criando um certo celeuma, tal como o movimento de 22 por romper com determinados arcaísmos. Enquanto no Rio de Janeiro os espíritos se diluíam nas divagações das cartas de Erasmo, a mocidade do Recife fremia sob o impulso das tentações republicanas, democráticas, abolicionistas e patrióticas46. Se tentaram negar as influências da Escola do Recife no Movimento Modernista, inclusive afirmando ter sido de satélite o papel de Graça Aranha, último discípulo direto de Tobias, heterodoxo como todos os demais, é porque não a consideraram como aquela que mais se identificou com os novos destinos de um Brasil em industrialização e emancipação intelectual. No entanto, basta ler a conferência de Aranha na abertura da Semana de Arte Moderna, para perceber os ideais de liberdade e rompimento com o academicismo. Desconhecer que aqueles ideais da Escola, não estão implícitos neste discurso é no mínimo desdenho pelo pensamento dos que fizeram a Escola do Recife: [...] Reclamemos contra essa arte imitativa e voluntária que dá ao nosso modernismo uma feição artificial. Louvemos aqueles poetas que se libertam pelos seus próprios meios e cuja força e ascensão lhes é intríseca.(...)Uma vibração íntima e intensa anima o artista neste mundo parodoxal que é o Universo brasileiro,e ela não se pode desenvolver nas formas rijas do arcadismo, que é o sarcófago do passado.Também o academismo é a morte pelo frio da arte e da literatura47.. 45. CANDIDO, op. cit., p. 42-44. MOTA, O Recife no tempo...., op. cit., p. 161. 47 TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e Modernismo brasileiro. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 284. 46.

(36) 34. A Escola do Recife parece que foi julgada apenas por seus equívocos literários, ou seja, repulsa de Tobias e Sílvio a Castro Alves, oposição a Taunay, Machado de Assis e José Veríssimo. Esqueceram de levar em conta a sua contribuição global à evolução nacional sendo a parte mais fulgurante na renovação intelectual do Brasil, cobrindo o país todo, transbordando das nossas fronteiras, e firmando-se como o maior movimento de idéias na América Latina48.. 1.6. A Questão Religiosa. É durante a segunda fase da Escola do Recife (1868 a 1870) que mais uma vez a capital de Pernambuco será palco de um conflito, desta vez envolvendo a Igreja e o Estado: Até 1968, diz Sílvio Romero, nas Explicitações indispensáveis, dadas como prólogo dos vários escritos, de Tobias, p. XXIII, o catolicismo reinante não tinha sofrido, nestas plagas, o mais leve abalo; a filosofia espiritualista, católica e eclética, a mais insignificante oposição; a autoridade das instituições monárquicas, o menor ataque sério por qualquer classe do povo; a instituição servil e os direitos tradicionais do feudalismo prático dos grandes proprietários, a mais indireta opugnação; o romantismo com seus doces, enganosos e encantadores cismares, a mais apagada desavença reatora49.. A partir de 68 como acentuou Sílvio Romero, a intelectualidade brasileira deixou-se penetrar pelas idéias reinantes da Europa : o positivismo, o monismo e o liberalismo que ganha terreno e inspira o manifesto republicano de 187050. Essa postura materialista adotada pelos intelectuais refletir-se-á de uma certa maneira no embate entre Estado e Igreja com a chamada Questão Religiosa. Note-se bem que a assimilação da idéias alemãs coincidirá com o conflito envolvendo os bispos de Olinda e do Pará. Na imprensa do Recife – a imprensa católica e a imprensa maçônica – travou-se um longo debate, que não somente mostra uma fase do jornalismo pernambucano, mas o ardor do 48. CHACON, Da Escola do Recife..., op. cit., p. 186. BEVILÁQUA, História da Faculdade..., op. cit., p. 359. 50 PEREIRA, Nilo. O tempo mágico. Recife: Ed. Universitária, 1975. 49.

(37) 35. combate. A decretação da infabilidade pontifícia pelo Concílio Vaticano I, que os jesuítas vinham defendendo desde o Concílio de Trento, pareceu aos liberais, uma ameaça do Pontificado Romano não somente às consciências, mas aos próprios Estados. O SYLLABUS de Pio IX, condenando os erros de liberalismo, não era menor perigo para os que viam na Alemanha e na Itália o paradigma das nações livres, onde as perseguições religiosas davam a medida da liberdade que então se exaltava: Jesuitismo e Liberalismo. Os jesuítas eram considerados ultramontanos e os maçons liberais. A Maçonaria apoiava-se na sua tradição brasileira: a de ter contribuído para a Independência nacional, lutando por ela nos seus areópagos, lojas, academias. Os jesuítas, que apoiavam Pio IX e Dom Vital, tinham por si a tradição missionária e evangelizadora do período colonial. Desenvolver-se-á a partir de então, uma campanha na imprensa. De um lado A União, órgão católico, na tentativa de defender-se das investidas dos seus adversários. Do outro, sem dó, nem piedade os seguintes jornais: A Verdade, A Família Universal, A Província, O Jornal do Recife, O Diário de Pernambuco e o Diabo a Quatro. Esta última, no dizer de Nilo Pereira no seu livro Dom Vital e A Questão Religiosa51, com um poder realmente satânico. Tal revista gabava-se em caricaturar bispos, frades, freiras e sobretudo jesuítas. Algumas charges com Dom Vital, jesuítas e freiras dorotéias seriam hoje irreproduzíveis, segundo Nilo Pereira. E tinham o propósito de levar ao achincalhe o Bispo e aqueles que o apoiavam, envenenando a opinião pública. No mesmo sentido, havia também a América Ilustrada que nasceu da sociedade de Carneiro Vilella juntamente com José Caetano da Silva, destinada à discussão franca de princípios e à recreação por meio de sátira decente, que admoesta e moraliza. O fundador da América Ilustrada, passaria mais tarde, sempre com o mesmo tom, por alguns periódicos como A Província, O Diário de Pernambuco e o Jornal do Recife, como veremos no segundo capítulo deste trabalho. 51. Carneiro Vilella que havia sido. PEREIRA, Nilo. Dom Vital e a Questão Religiosa no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Recife: Arquivo Público Jordão Emerenciano, 1986. p. 23..

(38) 36. companheiro de quarto do Bispo Dom Vital, quando na época era interno no Colégio Benfica, tornava-se agora seu opositor, pondo inclusive em relevo a vocação mística do Bispo. É de Lucilo Varejão Filho o seguinte comentário a respeito: “[...] Vale a pena lembrar aqui, que, vigoroso jornalista militante, Carneiro Vilella, embora antigo colega de escola de D. Vital, em nenhum momento, durante a Questão Religiosa, tomou da pena para defender o seu antigo condiscípulo”52. Esse afã, na defesa de seus ideais, levará o autor d’A Emparedada em 1878 ao Pará para defender, como o mesmo confessa, na coluna Cartas sem arte, que assinava no Diário de Pernambuco os interesses da maçonaria. Nilo Pereira no seu livro O Tempo Mágico53 ressalta a prática desse polemismo no século XIX. “O jornalismo era, até certo ponto, mais de opinião que de informação” reitera Aníbal Fernandes. A polêmica era doutrinária, embora resvalando nos casos pessoais, com o azedume ou a perversidade das caricaturas, que, em revistas como o Diabo a quatro, tanto procuravam desmoralizar o Bispo de Olinda Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira. Também não seria poupado Joaquim Nabuco. Aníbal Fernandes apud Nilo Pereira cita esses versos satíricos de Tobias Barreto: Ó tu que vieste de Londres, Com teu verbo eloqüente, A este pobre beócio Ensinar que negro é gente. Falando de mão na ilharga Qual figura de entremês. Como quem dança a Cachucha Ou quem bate o solo inglês. O que dizes não tem senso, O que escreves não tem suco. És um cômico medíocre Não sejas besta, Nabuco54. 52. VAREJÃO FILHO, Lucilo. Notas. In: VILELLA, Carneiro. A emparedada da rua Nova. 3. ed. Recife: PCR; Secretaria de Educação e Cultura, Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1984. p. 221. 53 PEREIRA, O Tempo Mágico. op. cit., p. 12. 54 Ibidem, p. 12..

(39) 37. Gilberto Freyre salienta no seu livro Ordem e Progresso55 a respeito das caricaturas do. século XIX, que além de Dom Vital foram objetos dessa prática D. Pedro II e nos primeiros do século XX, Ruy Barbosa. Ressalta o mestre de Apipucos, que ninguém até hoje excedeu ou sequer. igualou a Emílio Cardoso Ayres, que era o extraordinário caricaturista da. sociedade elegante, do Rio de Janeiro. A Questão Religiosa terminou como todos sabem com a prisão e condenação dos bispos, sendo considerada um dos motivos que enfraqueceriam a monarquia, já um tanto abalada com a Questão Militar:. A Questão Religiosa foi por isso, como disse Pandiá Calógeras, o maior erro político do Segundo Reinado. Ninguém ignorava que os Bispos haviam sido julgados por um Tribunal incompetente. E ninguém podia acreditar que o Papa, em Roma, estivesse contra eles. Presos, eram maiores do que anistiados. Mas uma vez libertados pelo próprio Poder que podia ter evitado a sua prisão, eram mais fortes do que o Império. Esqueceu-se Dom Pedro II que a força moral era maior do que a coação civil. Enganou-se com a psicologia do povo como também se enganou com o destino da própria Coroa. O grande equívoco talvez fosse menos dele do que do Regalismo, que pensou salvar, comprometendo o prestígio do Estado, transformando o poder moderador num poder vingador. O Poder moderador não transige, disse ele a propósito da Questão Religiosa, que aos seus olhos não passava uma desobediência. Não transigiu, com efeito. Mas o trono não pôde mais suportar o peso dessa intransigência. E isso era um mau sinal! 56. É nesse clima que vai sendo preparado o terreno para a queda da monarquia no final do século XIX. A culminância dar-se-á com a abolição dos escravos. Dessa maneira, sem o apoio dos senhores de engenho, dos militares e da igreja só restará ao imperador aceitar o novo modelo que se pensava para o Brasil: a República. Não foram poucas as lutas em favor da abolição e a instalação da República. Os jovens bacharéis aqui no Recife, reuniam-se, muitas vezes no meio da rua, conspirando, apesar do olho atento da polícia como nos mostra Carneiro Vilella, no seu artigo do dia 15 de março de. 55 56. FREYRE, Gilberto. Ordem e Progresso. Rio de Janeiro: Record, [1962]. p. 630-631. PEREIRA, Dom Vital e a Questão..., op. cit., p. 29..

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