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HERZ Monica 2005 OTratamentodaSegurancaRegionalpeladisciplinadeRelaçõesInternacionais

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O Tratamento da Segurança Regional pela Disciplina de Relações

Internacionais

Mônica Herz

Instituto de Relações Internacionais PUC-Rio

I – Introdução

Um dos processos que teve início como o final da Guerra Fria foi o debate sobre o novo papel dos mecanismos regionais de cooperação na produção de ordem no sistema internacional, na negociação de processos de paz, na criação de operações de paz, na produção de instituições e normas internacionais. Três fatores são considerados fundamentais para a emergência deste tema no debate da literatura especializada de

relações internacionais: a agenda internacional no pós Guerra fria, a revisão do conceito de segurança e o desenvolvimento de novos instrumentos analíticos para a investigação da segurança regional. Consideraremos em primeiro lugar a agenda de segurança no pós Guerra Fria, ressaltando as mudanças sistêmicas e a necessidade de envolver organizações e coalizões regionais na administração da segurança internacional.

II - Agenda de Segurança

O fenômeno regionalismo é hoje universal, tanto do ponto de vista espacial, atingindo praticamente todos os cantos do planeta, o quanto do ponto de vista funcional, estando as organizações regionais envolvidas em assuntos tão diversos quanto comércio internacional, a construção de instituições democráticas ou a resolução de conflitos. O número de organizações internacionais e o número de países partícipes de organizações regionais cresceram significativamente após o fim da Guerra Fria. O mapa dos projetos regionalistas em desenvolvimento hoje é denso e complexo.

A regionalização da segurança é um fenômeno bastante diferenciado. Experiências já consolidadas, como no Atlântico Norte, convivem com projetos mais recentes, como na

(2)

Ásia e na África . Em alguns casos o regionalismo tem tido um papel importante na administração da segurança regional, como na África ocidental , em outros arranjos regionais ainda não exercem um papel na administração da segurança, como no oriente médio e no sul da Ásia. Determinadas questões são mais propícias para um tratamento regional, como conflitos territoriais ou intra-estatais, outras, como a proliferação de armas de destruição em massa, parecem exigir um investimento no nível global.

Quando o otimismo inicial quanto ao novo papel da ONU no pós Guerra Fria e quanto à nova ordem internacional, exaltada no começo da década de 1990, se desfez, o tema da regionalização da segurança ganhou proeminência. O declínio da rivalidade entre as superpotências reduziu a “penetração” do interesse da potência global em diferentes regiões e a maior parte das grandes potências passou a ter incentivo menor para envolver-se em competições estratégicas em regiões distantes.1 Ademais, o processo de

descolonização, que se desdobrou desde os anos 40, lançou as bases para a regionalização da segurança, já que a dinâmica das relações entre os novos países independentes da África, Oriente Médio e Ásia se distinguia das tendências sistêmicas2. A criação de novos países no leste europeu nos anos 90 gerou novas distinções regionais, dando continuidade a esse processo.

Por outro lado, a regionalização aparece como resposta às ameaças percebidas no processo de globalização, o qual obteve impulso importante com a incorporação dos países do ex-bloco socialista ao universo das relações econômicas capitalistas. Ocorre também uma competição entre blocos que estimula projetos regionalistas. Para os países menos poderosos, em particular aqueles no sul, o regionalismo se destaca como forma de

promoção de interesses estatais ou de outros atores sociais, em um mundo profundamente oligarquizado. O novo regionalismo, gerado a partir de meados dos anos 1980s, em contraposição ao “regionalismo fechado”, associado a estratégias de desenvolvimento econômico, visava uma melhor inserção na economia internacional, no contexto do processo de globalização econômica. O termo regionalismo aberto é então utilizado em alusão à relação com a liberalização econômica.

1

O argumento é feitoBarry Buzan & Ole Waever (2004), Regions and Powers The Structure of International

Security, Cambridge, Cambridge University Press,p.10.

2

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Logo após os primeiros anos de otimismo já eram claras as indicações de que a ONU não teria como lidar com suas novas tarefas, como resultado de limitações

financeiras, políticas, da incapacidade de coordenação ou de sua debilidade institucional. A tragédia de Ruanda levou o tema a media internacional. Uma das respostas à crise que se revelava era o compartilhamento de tarefas na esfera da segurança com organizações ou coalizões ad hoc de caráter regional. Organizações como a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), a OEA (Organização dos Estados Americanos), a OSCE (Organization

for Security and Cooperation in Europe) apareceram com opções neste contexto.

As organizações regionais tiveram um papel marginal na manutenção da ordem internacional durante a Guerra Fria. Em alguns casos elas estiveram envolvidas em

operações que visavam administrar conflitos, como foi o caso da Organização para Unidade Africana no Chade em 1981, da Liga Árabe no Líbano em 1976 , da Commonwealth na Rodésia/Zimbábue em 1979, ou da OEA na Republica Dominicana em 1965. Ainda durante a Guerra Fria , surgiram organizações sub regionais que visam um maior dinamismo como a ASEAN (Association of Sotheast Asian Nations) em 1967, o

CARICOM (Caribbean Community) em 1973, a ECOWAS (Economic Community of West

African States) em 1975, a SADC ( South African Development Community) em 1980, a

GCC (Gulf Cooperation Council) em 1981 e a SARC (South Asian Association for

Regional Cooperation) em 1985. Coalizões regionais ad hoc também exerceram atividades

no campo da segurança durante a Guerra Fria, como foi o caso da contribuição do grupo de Contadora para resolução da crise na América Central ou das forças africanas que buscaram lidar com crises no Zaire, no Chade e em Moçambique nos anos 70 e 80.

Por outro lado, o conceito de região é relevante para a compreensão da ordem bipolar. Durante a Guerra Fria, a dimensão regional das relações internacionais se

expressou na forma que a disputa entre os dois blocos adquiriu. Estados Unidos e a URSS disputavam zonas de influência regionais e dentre as normas da Guerra Fria se destaca o respeito mútuo por zonas de influência. Uma série de organizações e alianças regionais foi criada no âmbito da Guerra Fria como, a SEATO ( South Eastern Ásia Treaty

Organization) ou a OTAN. A responsabilidade assumida pelos EUA face à segurança de

seus aliados tinha como meta manter sua preponderância, no contexto das alianças que garantiram a contenção da URSS durante a Guerra Fria.

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Um dos aspectos desta política de preservação da preponderância refere-se a regionalização da segurança. Através de assistência econômica e militar os EUA se dispõe a participar do balanço de poder para além de sua orla (off-shore balancing). Trata-se de uma política que valoriza o papel e a competência de potências regionais na administração do sistema . No caso latino americano esta estratégia não pode ser aplicada através da transferência de responsabilidade pois o hegemônico regional é os EUA. Não podemos esquecer que é neste período que surge a Comunidade Européia como um projeto regional, com fortes motivações no campo da segurança, vindo a se tornar um paradigma para o debate sobre integração regional, a despeito da lenta caminhada em direção a uma maior cooperação nesta esfera.

Mas com o final da Guerra Fria as organizações e grupos regionais adquirem uma importância muito maior. Organizações regionais, e outras instâncias de cooperação no nível regional, passaram a ser vistas no contexto de uma discussão densa sobre governância global. O nível regional complementaria os processos globais, nacionais e subnacionais na constituição da governância em múltiplos níveis.

A cooperação entre a ONU e as agencias regionais ocorreu com bastante freqüência ao longo dos últimos 20 anos. A Carta da organização já prevê este tipo de prática - uma norma incorporada a partir do estímulo criado pelos países latino americanos. O capítulo VIII , artigo 52 prevê um papel para as organizações regionais na resolução de conflitos. A Carta abre caminho para que as organizações regionais participem da resolução pacífica de disputas, mas mantém o Conselho de Segurança como agência para a imposição de

resoluções. Ademais, comissões econômicas e sociais regionais fizeram parte do sistema ONU desde a fase inicial da organização.

A intervenção em 1990 da ECOWAS no conflito liberiano marcou o inicio de uma tendência a maior participação de agências regionais na gestão da ordem internacional. A coordenação entre as agencias regionais e a ONU tornou-se necessária na medida em que o envolvimento internacional no conflito na Bósnia e Herzegovina aumentava, o mesmo tendo ocorrido durante e depois da intervenção no Kosovo em 1999. A regionalização da esfera da segurança adquiria novo significado a partir dos anos 90. A proliferação de guerras intraestatais e a crescente pressão para que a ONU exercesse um papel mais ativo e diversificado gerou um debate sobre as possibilidades de cooperação entre a ONU e as

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organizações regionais3. A agenda para Paz de Boutros Boutros Ghali buscou promover a atuação de agências regionais e a necessidade de regularizar esta relação foi uma das propostas feita pelo relatório Brahimi de 2000. Quinze organizações regionais estão representadas nas reuniões de alto nível na ONU: CARICOM, (Comunidade Caribenha ), CIS( Commonwealth of Independent States), Secretariado da Commonwealth , Conselho Europeu , ECOWAS, Comissão Européia, União Européia, Liga dos Estados Árabes, OTAN, União Africana, OEA, Organisation Internationale de la Francophonie, Organização da Conferência Islâmica, OSCE e WEU (Western European Union).

Uma das características no sistema internacional no pós Guerra Fria, em contraste com outros períodos posteriores a grandes guerras e re-ordenamentos sistêmicos, é a ausência de um grande projeto simbolizado pela realização de uma grande conferência, como aconteceu em Versailles em 1919. Processos sociais e políticos, reativos a diversas crises que surgiram no período, geraram a constituição de padrões de comportamento e a institucionalização de práticas. Assim também ocorreu no que se refere à regionalização de esferas da segurança internacional. Gradualmente as organizações regionais passaram a exercer papéis de acordo com a lógica do capítulo VII da Carta da ONU, embora

originalmente a idéia era de que exerceriam funções descritas no capítulo VIII4. Uma outra transformação notável foi a incorporação de organizações voltadas para a defesa coletiva – em contraposição as organizações voltadas para a segurança coletiva – ao menu de opções da ONU para a administração e resolução de conflitos. A resolução 1244 sobre a o Kosovo explicitamente se refere a OTAN como um arranjo regional.

A dimensão regional da fragilidade e/ou falência de Estados também impulsiona a agenda em foco aqui. A reconstrução de Estados e a preocupação mais geral com a fragilidade e ou falência de Estados tornou-se um dos elementos centrais da política de

3

Os principais textos sobre o tema são: Thomas Weiss (ed.) (1998), Beyond UN

Subcontracting:Task-Sharing with Regional Security Arrangements and Service-providing NGOs, London, Macmillan. Michael

Pugh e Waheguru Pal singh Sidhu (ed.) (2003), The United Nations and Regional Security:Europe and

Beyond, Boulder Co, Lynne Rienner. 4

Para esta discussão ver Michael Puig (2003), The World Order Politics of Regionalization, in Michael Pugh e Waheguru Pal singh Sidhu (ed.) (2003), op.cit.r.

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segurança norte americana5. Diversos projetos de lei sobre o assunto estão sendo considerados pelo congresso americano, a literatura sobre o assunto é vastíssima. O governo Bush lançou um programa especial para atender a esta demanda - Millennium

Challenge Account (MCA). As iniciativas do governo de Tony Blair para a África também

podem ser compreendidas sob este prisma, assim como o investimento feito pelo governo francês no Congo. O contrabando de armas pequenas na Ásia Central, a produção de drogas no Afeganistão, o uso do território da Somália e do Paquistão por redes terroristas

sinalizam a estreita articulação entre a falta de penetração do Estado em diversas regiões e a segurança nacional das potências ocidentais. A ameaça à segurança do Estado,

possibilidades de presença em território de países ocidentais, ameaça à economia global são salientadas. A necessidade de fornecer assistência para que sejam fortalecidas as

instituições estatais é enfatizada por autores mais próximos do realismo ou de correntes liberais. O exercício do monopólio da violência pelo Estado é a agenda mínima neste contexto.

A violência, os refugiados e as epidemias que acompanham a falência das

estruturas estatais adquirem uma dimensão regional na medida em que transbordam através das fronteiras nacionais. A contribuição de atores regionais – organizações regionais, coalizões ou potências regionais é considerada fundamental. Países como o Brasil, a Nigéria ou organizações, como a União Africana e a Associação de Nações do Sudeste Asiático, são considerados importantes aliados no enfrentamento de crises institucionais , de conflitos ou crises humanitárias.

III – A revisão do Conceito de Segurança

A discussão sobre a redefinição do conceito de segurança tem dois aspectos importantes e inter-relacionados : a internacionalização da segurança e a extensão do conceito de segurança.

5

Stuart Eizenstat, E. Porter, John Edward & Jeremy Weinstein ( 2005 ), Rebuilding Weak States, Foreign

(7)

O debate sobre segurança coletiva, as novas formas de intervencionismo, a crescente rede de normas internacionais no campo da segurança são expressão de um movimento de internacionalização da segurança. O lugar proeminente ocupado anteriormente pelo conceito de segurança nacional é questionado. A crescente

interdependência entre as sociedades e o fluxo de interação cada vez mais intenso coloca em dúvida a possibilidade de lidar com ameaças, como a proliferação de armas de

destruição em massa, o terrorismo, a degradação ambiental e epidemias, a partir da lógica da segurança nacional. A idéia de que jogos de que soma zero definem as relações no campo da segurança parece cada vez mais absurda.

A extensão do conceito de segurança refere-se à consideração de novas fontes de ameaças e novos objetos de referência para ameaças. O aparecimento de novos temas, a serem tratados por especialistas em segurança internacional, o estabelecimento de fortes conexões entre economia e segurança, entre política e segurança compõe este cenário. A relação entre conflitos violentos e a disputa por recursos e a percepção de que a origem e respostas às ameaças não estão limitadas à esfera militar, está cada vez mais presente na literatura especializada.

Richard Ullman 6 sugeriu uma ampliação do conceito de segurança em 1983, mas a Segunda Guerra Fria não provia um ambiente favorável para o debate. Contudo, a partir da década de 90, o debate sobre o conceito de segurança adquiriu um lugar central na

subárea7.

Devemos ressaltar que este movimento não é totalmente inovador. Nos anos 1970 a extensão do conceito de segurança esteve na agenda de lideres políticos, tendo sido

discutida por comissões lideradas por Willy Brandt, Olf Palme, Gro Harlem Brundtland and Julius Nyrere.8 Por outro lado, como ressalta Peter Katzenstein ocorre um retorno a definições do século XIX:

6

Richard Ullman (1983), Redefinig Security, International Security v. 8 n.1

. 7

J. Ann Tickner (1995), Re-visioning Secuirty, in Ken Booth & Steve Smith, International Relations Theory

Today, Oxford, Polity Press. Jessica Mathews (1991), The Environment and International Security , in Klare

& Thomas (1991), World Security:Trends and Challenges at Century’s End, Nova York, St Martin’s Press. David Baldwin (1997), The Concept of Security, Review of International Studies, n.23.

8

Willy Brandt (1980), North-South: A Programme for Survival ,London, Pan Books. Olf Palme (1982),

Common Security , Nova York, Simon and Schuster. Gro Harlem Brundtland (1987), Our Common Future,

(8)

“In the nineteenth century, the concept covered economic and social dimensions of political life that, for a variety of reasons, were no longer considered relevant when national security acquired a narrower military definition in the first half of the twentieth century, especially during the Cold War. The intellectual move to broaden the concept thus returns the field of national security studies to its own past.”9

Emma Rotshchild resume bem o movimento em curso:

“The extension takes four main forms . In the first, the concept of security is extended from the security of nations to the security of groups and inividuals:it is extended downwards from nations to individuals. In the second, it is extended form the security of nations to the security of the international system, or of a supranational physical environment:it is

extended upwards, from the nation to the biosphere. The extension, in both cases, is in the sorts of entities whose security is to be ensured. In the third operation, the concept of security is extended horizontally, or to the sorts of security that are in question. Different entities (such as inciviusal, nations, and “systems”) cannot be expected to be secure or insecure in the same way;the concept of security is extended, therefore, from military to political, economic, social, environmental, or “human security. In a fourth operation, the political responsibility for ensuring security ( or for invigilating all these “concepts of security”) is itself extended: it is diffused in all directions from national states, including upwards to international institutions, downwards to regional or local government, and sideways to nongovernmental organization, to public opinion and the presss, and to the abstract forces of nature or of the market. “ 10

A ampliação das atividades das operações de paz é um reflexo prático desta discussão. Nas operações em El Salvador, Camboja, Nicarágua, Haiti, Namíbia, Angola Timor Leste, Kosovo a reforma do sistema judicial, a criação de uma nova polícia, a

Responsibility in the 1990s, Stockholm, Prime Minister’s Office, 1991. , The Challenges to the South, New

York, Oxford University Press .

9

Katzenstein (ed.), The Culture of National Security Norms and Identity in World Politics, Columbia University Press, Nova York, p.10.

10

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organização de eleições, a assistência ao desenvolvimento e a ajuda humanitária estiveram articuladas. Uma série de termos e conceitos que vem se popularizando expressam estas mudanças : segurança humana, intervencionismo humanitário, segurança cooperativa, segurança preventiva.

A redefinição do conceito de segurança estimula o debate sobre segurança regional na medida em que autores se afastam do paradigma da segurança nacional . Dentre os mecanismos de cooperação que despontam para lidar com a multiplicação de ameaças, muitas das quais adquirem caráter regional, as instituições regionais se destacam. O intervencionismo, os mecanismos de segurança coletiva e a constituição de normas no campo da segurança podem ter expressão regional. As ameaças em campos “menos ortodoxos” transbordam para a esfera regional de forma muito clara. Por outro lado, as organizações regionais desenvolveram um aparato diversificado para lidar com as múltiplas ameaças.

IV- Segurança Regional na Literatura de Relações Internacionais

O debate sobre o conceito de região, os processos de regionalização e o

regionalismo ganhou proeminência na literatura de relações internacionais, acompanhando a agenda internacional e as discussões teóricas e epistemológicas da disciplina.

Conseqüentemente, um conjunto de questões e conceitos passa a povoar esta literatura. Buscarei sintetizar estas a seguir, sempre tendo como foco a temática da segurança regional.

Os conceitos de regionalismo, regionalização ou região não são consensuais.

Disputas emergem sobre o lugar da definição dos atores e dos processos em curso. A região é o espaço social onde processos diferenciados se desenvolvem. O regionalismo é um fenômeno em que ocorre a coordenação de políticas por parte dos atores envolvidos. A existência de um projeto para maior aproximação no nível regional pode ser detectado. A transferência de autoridade e poder para uma organização regional pode ocorrer como parte do processo. A regionalização refere-se ao processo de intensificação das relações a nível

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regional, que pode ocorrer antes do desenvolvimento do regionalismo ou depois, pode ocorrer na esfera econômica, de segurança ou cultural.

Pode-se dizer, adotando uma posição subjetivista, que o regionalismo ocorre quando os atores adotam esta definição. A própria definição de região pode ser determinada pelos significados atribuídos pelos atores envolvidos no processo de regionalização ou em um projeto regionalista. O trabalho de Emanuel Adler, por exemplo, salienta o aspecto subjetivo da definição de uma região. A identidade, o costume e a prática destes atores é considerada fundamental 11. O lugar da construção social da região está em jogo aqui. Uma posição mais objetivista caminha na direção da definição de região a partir de critérios objetivos, como a contigüidade espacial. Buzan e Weaver, por exemplo, salientam que embora considerem o discurso e a prática dos atores na definição de seu conceito chave – complexos de segurança – não estão interessados exclusivamente no discurso sobre a região e/ou o regionalismo. Ademais, apontam para o fato de que o conceito é um instrumento analítico e não somente um elemento discursivo veiculado pelos atores12.

A influência do construtivismo, no momento em que o regionalismo adquire nova relevância para a literatura de relações internacionais, produziu um fortalecimento da idéia de que regiões são socialmente construídas, afastando posições oriundas do determinismo geográfico. 13 A inclusão do tema identidade regional no debate é a expressão mais clara desta tendência.

A definição de região pode ser vinculada à existência de um espaço contíguo ou não. Estes espaços podem ser considerados mutuamente excludentes ou a participação em diferentes regiões pode se sobrepor14. Para atores como Joseph Nye e Barry Buzan a

11

Emmanul Adler (1997), Imagined Security Communities:Cognitive Regions in InternationalRelations,

Millennium 26. 12

Buzan e Weaver (2004), op. cit. p.48.

13

O retorno da literatura sobre economia e sociedade ao tema da geografia, observado nas últimas décadas, aumenta a possibilidade de diálogo interdisciplinar. ver Dwayne Woods (2003), Bringing Geography Back In: Civilizations, Wealth, and Poverty, International Studies Review v.5 n.3.

14

Buzan e Weaver (2004) op. cit. adotam a primeira posição enquanto Lake e Morgan (1997) adotam a segunda. David Lake & Patrick Morgan (1997), The New Regionalism inSecurity Affairs, in David Lake

& Patrick Morgan, Regional Orders Building Security in a New World, University Park PE, The Pennsylvania State University Press.

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definição de uma região tem de partir de uma realidade geográfica, embora esta não seja uma opção pelo determinismo geográfico. Outros critérios podem ser adotados, como nível de desenvolvimento, cultura ou instituições políticas. O padrão de comportamento

específico entre um grupo de Estados também pode ser adotado como critério15 .

Uma forma de compreender a regionalização é como atividades no nível regional que contribuem para a promoção da paz e da segurança internacional 16. Esta é uma

concepção presente na literatura sobre resolução de conflitos e organizações internacionais que emerge com o final da Guerra Fria. Neste caso, a definição de região é bastante

flexível, mas não parte necessariamente da atribuição de significado pelo atores, mas da prática do conflito e de tentativas de resolução dos mesmos.

Uma terceira pergunta se coloca no que tange a definição de regiões e de regionalismo. Estamos falando de uma forma de interação limitada aos Estados, ou fundamentalmente envolvendo Estados, ou de um fenômeno mais amplo, que envolve fluxos de interação entre diferentes atores sociais. Barry Buzan e Olé Weaver incorporam fluxos de interação envolvendo outros atores sociais, mas apenas na medida em que são securitizados e o objeto de referência continua sendo o Estado. Victor Cha e Jean-Marie Chehenno, por sua vez, discutem a perspectiva de mais cooperação no nível regional advindo do processo de globalização17.

Em quarto lugar seria importante ressaltar o tratamento epistemológico das regiões – em que medidas devem ser produzidas teorias ou conceitos específicos para o estudo de regiões. Stephen Walt e John Mearsheimer, por exemplo, propõem a aplicação de teorias para estudar, respectivamente, padrões de alianças e o mecanismo de deterrência a regiões específicas. As regiões podem assim ser tratadas como estudos de caso18. Outra opção é

15

Kalevi J. Holsti (1996), The State, War, and the State of War, Cambrige, Cambridge University Press, pp.142-3.

16

Luise Fawcett (2003) The Evolving Architecture of Regionalization, in Michael Pugh e Waheguru Pal singh Sidhu (ed.), The United Nations and Regional Security:Europe and Beyond, Boulder Co, Lynne Rienner, p.11.

17

Victor D. Cha (2000), Globalization and the Study of International Security , Journal of Peace Research n. 37 v.3 pp.391-403. Jean-Marie Guehenno (1998), The Impact of Flobalization on Strategy, Survival v. 40 n.4 p.5-10.

18

John Mearsheimer (1983), Conventional Deterrence, Ithaca, Cornell University Press. Stephen Walt (1987),The Origins of Alliances, Ithaca, Cornell University Press.

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tratar cada região de forma específica, como é comum nos estudos de áreas, resultado em parte do investimento feito na formação de especialistas nos Estados Unidos durante e após a Guerra Fria. Esta tendência é particularmente clara nos estudos soviéticos durante a Guerra Fria. È possível também propor que instrumentos teóricos específicos para os estudos de regiões podem ser desenvolvidos. Neste caso a região é tratada como uma realidade ontológica distinta, embora adquira o caráter de ator apenas raramente. Como veremos a seguir, este caminho é sugerido por um conjunto de autores e ganha

proeminência nos anos 1990.

Finalmente coloca-se uma questão normativa: em que medida o regionalismo é um fenômeno positivo. A defesa da cooperação entre a ONU e as organizações regionais, da idéia de que grupos regionais, mais ou menos institucionalizados, têm uma função crucial na administração da segurança internacional, é feita por autores mais próximos do

liberalismo institucionalista19. A visão positiva do regionalismo como complemento importante para garantia da ordem internacional ganhou expressão entre autores que discutem o papel das organizações internacionais contemporâneas e que participam do debate sobre a redefinição do papel e do funcionamento da ONU como Louise Fawcett:

”For those concerned with international order, regionalism has many positive qualities . Aside from promoting economic, political and security cooperation and community, it can consolidate state-building and democratization, check heavy-handed behaviour by strong states, create and lock in norms and values, increase transparency, make states and international institutions more accountable, and help to manage the negative effects of globalization. “ 20

Autores realistas, evidentemente, são céticos em relação às formas mais

institucionalizadas de cooperação internacional, e a mesma lógica é aplicada à análise do regionalismo. A política externa da primeira administração Bush expressa este tipo de posição. Por outro lado, é possível criticar as formas existentes de regionalismo, como

19

Por exemplo Mary Mackenzie (2001), The UN and Regional Organizations, in Edward Newman and Oliver Richmond (ed.) The United Nations and Human Security, Basingstoke, Palgrave. Jeremy Greenstock (2001), Refashioning the Dialogue:Regional Perspectives on the Brahimi Report in UN Peace Operations , Nova York, International Peace Academy.

20

Luise Fawcett (2004), Exploring Regional Domains: A Comparative History of Regionalism, International

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mecanismos que contribuem para a perpetuação de uma ordem injusta . A discussão sobre zonas de paz e zonas de guerra, ou seja a delimitação de fronteiras regionais21 pode supor uma divisão entre o mundo liberal democrático e outros mundos. Possivelmente a

responsabilidade pela administração da segurança fora das fronteiras do mundo liberal democrático seria regional e não global. Como sugere Michael Pugh:

“Boundary drawing becomes a form of guettoization in whcih the inception of conflict and its management is positioned with the societies most immediately affected. ” 22

Ademais, a regionalização da segurança reproduziria a distribuição desigual de recursos, podendo países industrializados do norte garantir operações altamente competentes e sofisticadas, enquanto países mais pobres produziriam mecanismos de administração da segurança bem menos eficazes23. Cabe ainda lembrar o papel de potências hegemônicas regionais e a possibilidade de que tenham controle sobre as operações e medidas adotadas por organizações ou grupos regionais, utilizando-se das mesmas para gerar e reproduzir sua proeminência regional.

Um conjunto de conceitos pode ser utilizado para a análise da segurança regional. Os conceitos clássicos da literatura de segurança internacional, como balanço de poder e deterrência, são aplicados para a análise do fenômeno, sem que se estabeleça uma distinção epistemológica entre o estudo de segurança internacional e regional. Esta é a tradição realista, preponderante durante a maior parte da “vida” da disciplina de relações internacionais.

Durante a Guerra fria, especialistas em segurança internacional não produziram propostas teóricas e conceituais para enfrentar a questão. Os conceitos de comunidades de segurança, proposto por Richard Van Wagenen, e desenvolvido por Karl Deutsch e de “ilhas de paz”, proposto por Joseph Nye, são exceções que confirmam a regra. 24 Em ambos

21

Para esta discussão veja Michael Pug (2003), The World Order Politics of Regionalization, in Michael Pugh e Waheguru Pal singh Sidhu, op, cit.

22

Michael Pugh, op. cit. p.42. 23

Por exemplo, Walter Dorn (1998), Regional Peacekeeping Is not the Way, Peacekeeping and

International Relations, v. 27 n.3-4. 24

Karl Deutsch (ed.) (1957), Political community and the North Atlantic Area, Princenton, Princeton University Press. Joseph Nye (1971), Peace in Parts: Integration and Conflict in Regional Organization,

(14)

os casos, uma discussão sobre regiões onde a guerra seria excluída como opção para as relações entre Estados foi apresentada. Os estudos sobre subsistema regionais, adotando uma perspectiva realista, nos anos 60 e 70 devem ainda ser mencionados25. O lugar central ocupado pelas correntes neorealista e neo liberal nos anos 80 afastou a preocupação com o regionalismo no campo da segurança, estando o debate entre estas correntes focado sobre o nível sistêmico. A crise do processo de integração europeu no período apenas reforçou a tendência.

Contudo, nos anos 90 o nível regional passa a ter maior importância no âmbito dos estudos sobre segurança. Como vimos, os debates em torno da agenda internacional e transformações específicas ao debate acadêmico impulsionaram este movimento. Alguns movimentos dentro da disciplina de relações internacionais devem ainda ser destacados como elementos que favoreceram o surgimento de uma nova literatura sobre segurança regional. Observa-se uma recuperação do debate sobre níveis de análise, iniciado no final dos anos 50. A tendência dominante a partir dos anos 1980s é a incorporação da interação entre os níveis de análise ao estudo das relações internacionais. A possibilidade de pensar o nível regional neste contexto está aberta. A crítica à hegemonia de uma epistemologia positivista e a maior incorporação de uma literatura sociológica contribui para a discussão sobre a definição de regiões e a construção social de regionalismos. È bom lembrar que a regionalização continua sendo discutida por diversos autores que não apresentam propostas teóricas específicas.26

A literatura realista, que continua sendo dominante no campo dos estudos sobre segurança internacional, concentra-se na discussão sobre a relação entre estrutura sistêmica e estudos de região. Variações na natureza da polaridade sistêmica teriam um impacto

25

Por exemplo William Zartman (1967), Africa as a Subordinate State System in International Relations,

International Organization 21, pp.545-564. Mivhael Brecher (1963) International Relatiosn and Asina

Studies:The Subordinate State System and Southern Asia, World Politics 15, p.231-235. Para uma revisão desta literatura ver William Thompson (1973), The Regional Subsystem: A Conceptual Explication and a Propositional Inventory, International Studies Quarterly 17, pp.89-117.

26

Veja Luise Fawcett & Andrew Hurrell (ed.) (1995), Regionalism in World Politics, Oxford, Oxford University Press. Michael Schulz, Fredrik Soderbaum & Joakim Ojendal (2001), Regionalization in a

(15)

sobre o nível regional27. B. Hansen, por exemplo, propõe que a atividade regional será mais intensa em um sistema unipolar. Por outro lado, a contribuição realista na distinção entre super potências, grandes potências e potências regionais é fundamental para o estudo da segurança regional 28. Como salienta, Douglas Lemke, a área de segurança internacional é marcada pelo euro-centrismo. A relação entre as grandes potências no ocidente é a

referência básica para a elaboração de conceitos e teorias. Assim, o tratamento das relações entre atores regionais, em particular no sul, é feito a partir de um aparato conceitual que não pode prover as explicações específicas para estas realidades. Lemke procura corrigir o problema, adaptando a teoria de transição de poder , proposta em 1958 por ª F. K. Organski, para a analise da interação entre países menos poderosos, concentrando-se na definição de sub sistemas regionais29.

Conceitos desenvolvidos para o estudo do sistema internacional podem ser utilizados na investigação de segurança regional. O conceito de regimes internacionais também pode ser aplicado a análise da segurança regional30. Um regime de segurança permite a cooperação entre Estados e a administração de disputas. O dilema de segurança não deixa de existir, mas pode ser silenciado na medida em que as expectativas mútuas são modificadas. Neste caso, a possibilidade do uso da força continua presente. O grau de integração ou interdependência entre as partes não é uma condição necessária. O Concerto Europeu ou a Conferência para Segurança e Cooperação na Europa durante a Guerra Fria conformavam regimes de segurança regionais. Os conceitos de aliança e segurança coletiva também podem ser aplicados no âmbito regional. Em ambos os casos a possibilidade de uso da força é mantida aberta. Acordos ou mecanismos legais definem a interação, sem que o nível de interação entre as partes seja uma precondição.

O estudo comparado de regiões, proposto no volume organizado por David Lake e Patrick Morgan, está fundamentado na proposta de que é necessário pensar a especificidade

27

Birthe Hansen (2000), Unipolarity and Middle East, Richmond, Surrey, Curzon Press. Benjamim Miller (2000), Systemic Effects on the Transition of the Middle East and the Balkans from the Cold War to the Post-Cold War Era, ISA , Los Angeles.

28

Veja Buzan e Weaver (2004), op. Cit. P. 34.

29

Douglas Lemke (2002), Regions of War and Peace, Cambridge, Cambridge University Press. 30

(16)

do estudo de regiões, mas trabalhando com as variáveis já disponíveis no acervo da disciplina. Eles propõem a construção de teorias de ordem regional. A explicação para a especificidade das ordens regionais (tratadas como variável dependente) é encontrada na análise da estrutura do sistema regional, na política doméstica dos Estados (formação de coalizões políticas domésticas) e na interação entre o sistema regional e global. Uma distinção crucial entre o sistema global e regional é salientada – o sistema global é fechado e o regional aberto. Em sistemas abertos os constrangimentos e processos sistêmicos só podem ser uma parte da explicação do comportamento. 31 Os autores trabalham com o conceito de complexos de segurança, mas buscam explicar a ordem regional , ou seja a forma de administração de conflito no âmbito regional. Como salientam Buzan e Weaver, eles trabalham com a distinção entre o regional e o global mas usam definições de região que de fato confundem os dois níveis32. Isso ocorre porque os autores não consideram a proximidade geográfica uma condição necessária para a delimitação de um complexo de segurança. Grandes potências podem ser consideradas parte dos complexos, mesmo quando não há proximidade geográfica. Os complexos de segurança são definidos em termos de externalidades de segurança, ou seja um grupo de Estados afetados por uma mesma externalidade.

Acadêmicos europeus desenvolveram o conceito de complexos de segurança. O conceito aparece pela primeira vez no texto de 1983 33. Estes são definidos como constelações em que Estados têm uma interação intensa no campo da segurança. Já no texto de 1998 outros atores são introduzidos34. Em complexos de segurança a relação entre os Estados é tão intensa que processos afetando um dos membros do mesmo têm

necessariamente efeito sobre os demais. A região é assim concebida a partir da dimensão segurança - outras dimensões não precisam estar presentes. A teoria dos complexos de segurança regionais esta baseada na idéia de que a maior parte das ameaças se move com

31

David Lake & Patrick Morgan (1997), The New Regionalism in Security Affairs, in David Lake & Patrick Morgan, Regional Orders Building Security in a New World, University Park PE, The Pennsylvania State University Press.

32

Buzan e Weaver (2004), op. cti. P.27.

33

Barry Buzan (1983), People, States, and Fear, Brighton, Wheatsheaf .

34

Barry Buzan, Olé Weaver & Jaap de Wilde (1998), Security: A New Framework for Analysis, Boulder, CO, Lynne Rienner.

(17)

maior facilidade no contexto de distancias menores. A dimensão territorial é assim considerada central35. O processo de securitização e a interdependência no campo da segurança é mais intensa entre atores dentro de um complexo de segurança do que entre atores fora do mesmo. Estabelece-se um padrão de interdependência em que dois aspectos são fundamentais: padrões de amizade e inimizade e relações de poder. Rivalidades, balanço de poder e alianças podem fazer parte do padrão de cada complexo de segurança. Assim a estrutura essencial dos complexos de segurança é composta por quatro variáveis: fronteiras, estrutura anárquica (pelo menos duas unidades autônomas tem que existir), polaridade e construção social.

A penetração de potências globais ocorre, mas a dinâmica regional mantém um nível significativo de autonomia. De uma forma geral, o mecanismo de penetração é a ligação entre o sistema global e a dinâmica regional. Pode ocorrer um “revestimento” da região pelos interesses das grandes potências e conseqüentemente o complexo de segurança não pode existir. Nas fronteiras de complexos de segurança encontramos zonas de

interação mais rarefeita ou “insuladores” (insulators), como a Turquia. Este aspecto é importante, já que os autores consideram os complexos de segurança mutuamente excludentes. A dimensão histórica é incorporada: os complexos de segurança se transformam internamente ou externamente36

A discussão sobre a distribuição de poder e sobre territorialidade feita por atores realistas é incorporada , mas transferida para uma dimensão regional. O processo social de construção de ameaças, partindo de uma lógica próxima ao construtivismo também é incorporado à análise37.

O conceito de comunidades de segurança, desenvolvido Deustch ainda nos 1950, é hoje recuperado por autores como Adler e Barnett38, em uma versão construtivista, a partir

35

É importante notar que os autores consideram a possibilidade de crescente desterritorialização das relações de segurança e da conseqüente superação de suas proposições teóricas. Barry Buzan & Olé Waever (2004 ), op. cit. p.12.

36

Barry Buzan & Ole Weaver (2004), op. cit. p.53.

37

Barry Buzan & Ole Waever (2004 ), op.cit. p.4. 38

Emanuel Adler & Michael Barnett (eds) (1998), Security Communities,Cambridge,

Cambridge University Press. Acharya, Amitav (2000), Constructing a Security Community in Southeast Asia

(18)

de um marco epistemológico bastante distinto. Enquanto no período anterior a proposta de Deusch de que o dilema de segurança poderia ser superado e que forças transnacionais teriam um papel relevante na arquitetura de segurança de uma região contradizia o pensamento realista hegemônico, atualmente observa-se maior disposição para retomar estes temas, pelos motivos mencionados acima.

Uma comunidade de segurança, como Deutsch a definiu é um grupo de países integrados dentre os quais uma noção de comunidade desenvolveu-se. O trabalho de Deutsch tinha como objeto a relação entre os países da Europa Ocidental e da América do Norte. Um conjunto de instituições formais e informais, de práticas suficientemente robustas garante transformações pacíficas durante um período de tempo prolongado.

Embora comunidades de segurança possam se desenvolver a partir da formação de alianças, o conceito não se refere ao comportamento em face de ameaças externas, como é o caso do conceito de alianças de defesa coletiva.

Nesta formulação, as comunidades de segurança são resultado de transações. A idéia de que a comunicação é a base da formação de comunidades políticas é central. As transações são medidas através de indicadores como análise de conteúdo da media, dados sobre fluxos de correio ou passagens pelas fronteiras. A metodologia adotada era

característica da perspectiva behaviorista, prevalecente no período, sendo os métodos quantitativos exaltados.

Estas comunidades podem gerar uma nova formação política (comunidades

amalgamadas) ou manterem se pluralistas, ou seja seus membros continuam sendo unidades independentes. Expectativas de mudança pacífica são consolidadas, a guerra está ausente das relações internacionais e preparativos para a guerra contra os membros da comunidade não ocorrem. Em síntese, os conflitos são resolvidos com meios diversos que excluem o uso da força. A ausência de corridas armamentistas ou planejamento para contingências envolvendo conflito armado é um indicador de que o dilema de segurança teria sido superado.

Comunidades amalgamadas podem ser detectadas na formação da federação norte americana, na formação da Grã Bretanha ou no processo de unificação alemã. A relação entre a Noruega e a Suécia depois de 1905 ou entre os EUA e o Canadá depois de 1815 são exemplos de comunidades pluralistas. O exemplo paradigmático hoje é a União Européia.

(19)

A discussão está claramente associada a noção kantiana de paz democrática ou a proposição liberal de que há uma relação entre interdependência econômica e paz. A associação com propostas neofuncionalistas sobre o efeito “spillover” indicam a possível associação entre processos de integração regionais e a formação de comunidades de

segurança. Contudo, não há consenso sobre a relação entre interdependência, democracia e paz na literatura de relações internacionais. Acharya sugere que um compromisso comum face ao desenvolvimento econômico , a regimes de segurança ou estabilidade política pode compensar a ausência de interdependência. Os valores comuns à comunidade de segurança não precisam ser os valores da liberal democracia.

Adler e Barnett, em uma versão construtivista do estudo de comunidades de segurança, analisam as mudanças de normas, as transformações institucionais, o processo de aprendizado e a mudança de identidades e interesses que compõe a transformação das relações de segurança. Os autores superam a proposta original de Deutch, baseada no conceito de transações, para analisar mecanismos impulsionadores da formação de comunidades de segurança. Elementos materiais e subjetivos são considerados de acordo com a perspectiva construtivista. Ameaças comuns, benefícios econômicos,

homogeneidade cultural, política, social ou ideológica, distribuição de poder militar, novas idéias sobre cooperação são questões a serem estudadas.

Adler e Barnett identificam três estágios no desenvolvimento de comunidades de segurança. Em uma fase inicial, mecanismos impulsionadores estão presentes, como percepções de ameaças, expectativas de ganhos comerciais, identidade compartilhada e influencia de organizações multilaterais de outras regiões ou globais. Na fase ascendente ocorre maior coordenação militar, diminuição das percepções de ameaças e uma transição cognitiva. Isso permite a constituição de uma expectativa mútua de mudança pacífica. Na fase madura há maior institucionalização, formas supranacionais se constituem, alto nível de confiança se estabelece e observa-se baixa ou nenhuma probabilidade de conflito militar.

Como vimos, o ambiente intelectual atual abre-se para novas discussões sobre segurança regional. Novos conceitos e teorias são desenvolvidos e os dilemas

epistemológicos e normativos apresentados nesta breve revisão da literatura alimentam uma literatura que ocupa um espaço significativo no contexto da disciplina.

Referências

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