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02 - Análise Antropológica em Sepultura de Criança

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ANÁLISE ANTROPOLÓGICA EM SEPULTURA DE CRIANÇA DO SÍTIO SÃO JOSÉ II, DELMIRO GOUVEIA, ESTADO DE ALAGOAS

Madson de Souza Fontes1 Olívia Alexandre de Carvalho2

RESUMO

Neste trabalho serão apresentados resultados da análise de uma sepultura de criança do sítio São José II, como estudo de caso. Métodos antropológicos foram aplicados para descrever e interpretar os eventos fúnebres que ocorreram antes, durante e depois do sepultamento. Com base na descrição e interpretação do posicionamento do indivíduo dentro da sepultura e seu grupo etário foi possível sustentar a hipótese inicial deste trabalha e fomentar que estudos sejam realizados embasados na ideia de que o contexto funerário pré-histórico é portador de identidades que estão representadas na materialidade das estruturas funerárias, seja por meio de objetos e formas comuns, seja do próprio indivíduo.

Palavras-chave: bioarqueologia, sítio São José II, enterramentos infantis.

ANTROPOLOGICAL ANALYSIS IN THE CHILD OF BURIAL OF SITE SÃO JOSÉ II, DELMIRO GOUVEIA, STATE OF ALAGOAS.

ABSTRACT

The bioarchaeology studies have allowed increasingly infer biocultural factors through the analysis performed in organic character of archaeological remains. The funerary behavior, part of the human species, must have arisen in parallel with the abstract concept of death and the fallibility of its antithesis, life. Thus, the analysis results are presented of a child grave of site São José II, as a case study. Anthropological methods were applied to describe and interpret the events that occurred before burial, during and after the burial. Based on the description and interpretation of the individual position within the grave, and their age group could support the initial hypothesis of this work and to encourage studies are grounded in the idea that prehistoric funerary context is the bearer of identities that are represented in

1 Graduando do curso de Arqueologia Bacharelado na Universidade Federal de Sergipe.

2 Doutora em Bioantropologia pela Universidade de Genebra, professora do curso de graduação em Arqueologia da Universidade Federal de Sergipe e coordenadora do Programa de Pós-graduação em Arqueologia da UFS.

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materiality of funerary structures, either through common objects and forms, is the individual himself.

Keywords: Bioarchaeology, site São José II, infants burials.

INTRODUÇÃO

O termo arqueologia das práticas funerárias designa um conjunto de modelos interpretativos que surgiu em decorrência da necessidade de uma reflexão e de métodos adaptados ao estudo das práticas funerárias pré-históricas (CHAPMAM et al., 1981, p. 23; DUDAY et al., 1990, p. 37; PEARSON, 2002, p. 19).

Fora a partir da frequência e da tendência de cada vez mais se buscar bases para uma nova abordagem nessa área resultante do redimensionamento do objeto e do aperfeiçoamento das técnicas analíticas, que aspectos socioculturais passaram a ser pesquisados, tendo como foco de estudo não somente os dados da cultura material, mas aceitando a inclusão impositiva dos dados biofísicos. Assim, os restos esqueléticos também constituem objetos de reflexão arqueológica (AMBROISE et al., 1975, p. 563).

Saxe (1970, p. 59) e Binford (1971, p. 12) procuraram desenvolver um corpo teórico para auxiliar a reconstrução dos sistemas sociais que deram origem a práticas funerárias. Baseando-se na etnologia comparativa, demonstraram a existência de regularidades transculturais na relação entre a organização das comunidades vivas e seus tratamentos funerários.

Para Binford (1971, p. 10), a complexidade do enxoval mortuário estava diretamente relacionada à organização social, ideia esta ratificada por Martin (2008), quando defende que em termos gerais a categoria social e hierárquica do indivíduo reflete-se no seu sepultamento. Com os dados da análise realizada e por meio de abordagens bibliográficas referentes ao sítio São José II em trabalhos anteriores (VERGNE, 1997; CARVALHO & VERGNE, 2001; CARVALHO, 2006; CASTRO, 2009) partimos do pressuposto que há uma distinção da prática funerária presente em sepultamentos de indivíduos não adultos em relação às inumações adultas na população do sítio São José II. Todavia, os principais objetivos deste trabalho executado em apenas um enterramento infantil do mesmo sítio foram descrever em detalhes o posicionamento do corpo dentro da sepultura e interpretar os eventos fúnebres que ocorreram antes, durante e depois do processo de inumação do cadáver. O mesmo trabalho servirá como fomento para que estudos sejam realizados e venham a sustentar ou não a

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hipótese inicial de diferenciação da prática mortuária em grupos etários distintos no sítio São José II.

Embora os sepultamentos sigam a um padrão, não são idênticos mesmo estando em um único sítio. Desta forma há uma dificuldade em estabelecer se as práticas fúnebres sofreram mudanças através dos tempos, outrora é certo que houve tratamento diferenciado para alguns indivíduos, seja por questões de status, sexo, idade etc. (GASPAR, 2004, p. 70).

O acompanhamento funerário depositado sobre o morto pode se apresentar de diversas maneiras, desde plumagem, pelos, artefatos líticos, restos faunísticos, cerâmicos e conchas de moluscos etc, sendo estes últimos geralmente os mais encontrados por apresentarem melhor conservação, em razão da sua estrutura química, rica em minerais (CARVALHO et al., 1999, p. 49).

Outrora, as práticas mortuárias em muitas sociedades podem por vez distinguir indivíduos não adultos de adultos. Os sepultamentos de crianças e jovens podem apresentar sinais de um tratamento com atenção mais elaborada, mesmo considerando o declínio da oportunidade de reposição da geração seguinte (SILVA, 2007, p. 70). Ou ainda essas mesmas inumações podem ser caracterizadas pela ausência, pela negligência ou superficialidade da prática fúnebre.

Isso pode ser perceptível tanto pela gradação diferenciada dada ao corpo como pelo enxoval mortuário presente.

A utilização de informações etnográficas servirá para lembrar ao arqueólogo que as sociedades podem apresentar categorias, como os não adultos, que são submetidos a diferentes maneiras de sepultamento em relação ao restante da mesma população (UCKO, 1969, p. 264).

Outrossim, os dados fornecidos pela arqueologia podem ser complementados com os dados etnográficos, levando sempre em consideração, as distâncias cronológicas e as distorções que a informação pode conter (MARTIN, 2008, p. 319).

Para a análise bioarqueológica buscar-se-á embasamento na literatura especializada em Arqueotanatologia e Antropologia Biológica (BUIKSTRA & UBELAKER, 1994; UBELAKER, 1987; DUDAY et al., 1990; CRUBÉZY et al., 2000).

A Arqueotanatologia tem por finalidade fazer um registro completo das informações relativas aos cadáveres, à sua evolução pós-deposicional e ao entorno cultural e religioso dos indivíduos e/ou populações que enterraram os seus mortos num determinado local e duma determinada maneira (NEVES, 2009, p. 3). Em 1987, Duday e Masset realizam os primeiros

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trabalhos enfatizando uma verdadeira abordagem arqueológica e antropológica sobre os esqueletos de forma sistêmica.

A Arqueotanatologia surge como uma disciplina que impõe métodos específicos para a exumação de remanescentes humanos, onde segundo Duday et al., (1990, p. 28), a partir de sua prática é permitido fazer uma leitura da posição original do corpo, adornos e peças mobiliárias a ele associados e se o enterramento é fruto de uma deposição primária ou secundária.

Seguindo os princípios da Arqueotanatologia, o sepultamento será analisado através de observações que vão traduzi-lo em três momentos: práticas preparatórias (antes do enterramento), práticas sepulcrais (estrutura sepulcral, posição do enterramento e dos artefatos) e pós-inumação (reabertura da sepultura, manipulação do material e reorganização) (DUDAY et al., 1990, p. 30). Através da aplicação dessa metodologia, será identificada a posição original do corpo, o conhecimento dos processos pós-deposicionais, atribuição crono-cultural e caracterização do indivíduo (NEVES, online, 2009). “Em um estudo de Antropologia Funerária uma das primeiras etapas para interpretar os gestos funerários é determinar se tratam de inumações primárias ou secundárias” (FERREIRA, 2005, p. 26). Define-se como deposição primária a que se refere ao local em que os restos humanos foram depositados logo após a morte do indivíduo, e como deposição secundária aquela em que os restos humanos são colocados em locais distintos daqueles onde foram depositados após a morte (DUARTE, 2003, p. 266).

O estudo focado nas ações químicas ou físicas que os restos esqueléticos podem ter sofrido anten, peri e post mortem à sua inumação é denominado de análise tafonômica. E a interpretação das práticas mortuárias está diretamente ligada a agentes tafonômicos que com o passar do tempo alteram a configuração final dos enterramentos humanos de qualquer sítio arqueológico (SILVA, 2007, p. 169).

Antes de qualquer coisa os restos ósseos são observados essencialmente em seu contexto arqueológico e como resultantes de atividades culturais. Sendo assim sofrem alterações tafonômicas tanto de caráter cultural como natural.

Os fatores culturais são divididos em intrínsecos, aqueles internos ao corpo, como causa da morte, estado do corpo, idade, sexo, massa corporal e patologias. Já os extrínsecos referem-se ao espaço de tempo decorrido entre a morte e a inumação, o tratamento dado ao corpo antes do sepultamento e o meio em que o corpo fora enterrado (SILVA, 2007, p. 170). Quanto aos agentes tafonômicos naturais são ocasionados pela ação do meio, fatores físicos, químicos etc.

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As normas culturais decidem como, quem, quando e onde será feito o sepultamento. Essas regras são fundamentais para a conservação do material osteológico em contexto arqueológico. Pois o modo de deposição influenciará não somente na posição dos remanescentes humanos dentro da cova, mas na sua conservação (SILVA, 2007, p. 171).

MATERIAL E METODOLOGIA

O material ósseo humano, que foi analisado é proveniente do sítio pré-histórico São José II, salvo durante o trabalho de salvamento arqueológico, coordenado pela arqueólog Cleonice Vergne, e realizado pelo Projeto de Arqueologia de Xingó (PAX), entre 1993 e 1994, na área de edificação da Usina Hidrelétrica de Xingó. Hoje, devido à barragem, o sítio encontra-se totalmente submerso pelas águas do rio São Francisco.

A vegetação da região onde o sítio foi localizado é basicamente composta por Caatinga Hiperxerófila com trechos de Floresta Caducifólia. A paisagem é típica do semiárido nordestino, caracterizada por uma superfície de pediplanação, relevo predominantemente suave-ondulado, cortada por vales estreitos, com vertentes dissecadas (MASCARENHAS et al., 2005, p. 4).

O sepultamento 23 foi encaminhado ao Laboratório de Bioarqueologia, do Núcleo de Arqueologia - UFS, campus de Laranjeiras, onde todas as análises foram realizadas, e é parte do projeto “Paleoantropologia dos Remanescentes Humanos no Acervo do Museu de Arqueologia de Xingó (MAX/UFS): Consolidação do Laboratório de Bioantropologia do Núcleo de Arqueologia (NAR), Campus de Laranjeiras/UFS”, coordenado pela professora Olívia Alexandre de Carvalho, financiado pelo CNPq.

Dentro do sítio São José II foram evidenciados 28 enterramentos, divididos em: vinte e dois (22) primários e seis (6) secundários. Com esses dados, foi possível realizar uma distribuição gráfica (Gráfico 1) do número de sepultamentos primários e secundários presentes no sítio estudado.

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GRÁFICO 1

Distribuição gráfica dos tipos de sepultamentos presentes no sítio são José II.

Segundo a análise realizada por Carvalho (2007, p. 96-97) em todos os indivíduos do sítio São José II, fora possível obter as seguintes determinações etárias, os resultados podem ser conferidos no quadro 1.

QUADRO 1

Resultados da determinação etária realizada por Carvalho (2007, p. 96-97) nos indivíduos do sítio São José II.

SÍTIO Nº. SEPULTURA CAMADA IDADE

São José II 01 28-32 40-49 São José II 02 28-32 1-4 São José II 03 28-32 18-29 São José II 04 28-32 5-9 São José II 05 30-34 40-49 São José II 06 30-34 18-29 São José II 07 32-34 1-4 São José II 08 32-34 30-39 São José II 09 30-34 5-9 São José II 10 30-34 50-59

São José II 11 32-34 ADULTO

São José II 12 32-34 50-59

São José II 13 30-32 60-69

São José II 14 32-34 60-69

São José II 15 32-34 1-4

São José II 16 30-34 ADULTO

São José II 17 30-34 15-19

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São José II 19.1 32-36 30-39

São José II 19.2 32-36 ADULTO

São José II 19.3 32-36 10-15 São José II 20 32-34 4-9 São José II 21 34-36 1-4 São José II 22 34-36 1-4 São José II 23 32-34 5-9 São José II 24 32-36 30-39 São José II 25 38-42 40-49 São José II 26 34-38 15-19 São José II 27 34-38 5-9 São José II 28 36-38 -

Fonte de dados: Carvalho, (2007, 96-97).

Considerado nesta pesquisa um indivíduo não adulto aquele que possuia idade entre 0 e 20 anos, é possível projetar graficamente a densidade percentual dos grupos etários (Gráfico 2). Fica notável o número relevante de indivíduos não adultos inumados no sítio São José II.

GRÁFICO 2

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A coleta razoável de carvão proveniente de fogueiras encontradas no sítio permitiu a obtenção da datação absoluta por meio do método radiocarbono: 3500±110 BP (BETA-86739) corresponde ao enterramento 06, encontrado a 3,75m de profundidade, e 4140±90 BP (BETA-86740) dada aos 3,95m de profundidade. Esta proveniente de carvão encontrado em restos de fogueira (CARVALHO, 2007, p. 51).

Por se tratar de um trabalho de salvamento arqueológico, a metodologia aplicada pela equipe do PAX aos remanescentes humanos fora a retirada em blocos e encapsulamento em envoltórios de gesso (Figura 1), preservando a posição original do indivíduo dentro da estrutura funerária a ele destinada, e possibilitando que estudos sejam realizados posteriormente de forma cautelosa e limitada.

Figura 1: Indivíduo 23 em seu envoltório de gesso (foto: Arquivo do MAX).

Deste modo, a aplicação de métodos arqueotanatológicos desta pesquisa deu-se por etapas tendo como dorso as metodologias apresentadas por Duday (2006, p. 32) e Duarte (2003, p. 45), estas serão aqui expostas separadamente, obedecendo cada fase e abordando, quando necessário, as adaptações indispensáveis a este trabalho.

 Levantamento bibliográfico: com o objetivo de buscar tanto informações referentes ao contexto arqueológico, onde o sítio está inserido, como trabalhos já realizados com ênfase em práticas funerárias relacionadas a não adultos no período pré-histórico.

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 Identificação da sepultura: coletar dados gerais do sepultamento, antes que os trabalhos de exumação sejam iniciados. Para tal faz-se necessário registrar tanto por meio de desenho, quanto fotograficamente o sepultamento; identificar o contexto e atribuir uma numeração identificativa para cada indivíduo da sepultura e descrever todo o sepultamento em seu estado atual.

 Evidenciação dos vestígios arqueológicos: é necessário que as características da superfície e demais evidências sejam devidamente documentadas gráfica e fotograficamente. Havendo um mapeamento e a coleta dos mesmos. Logo é delimitado um limite para esta sepultura e somente assim, dar-se-á início a remoção do sedimento fazendo uso de pincéis, a este procedimento dar-se o nome decapagem (LEROI-GOURHAN, 1981, p. 17).

 Análise do sepultamento: esta nos permite compreender a lógica do processo deposicional dos restos humanos no local antes de qualquer desarticulação; as alterações causadas por fatores externos sejam eles antrópicos ou ambientais e verificar a existência de enxoval fúnebre associado ao sepultamento.

 Exumação do esqueleto: efetuar o levantamento antropológico individualizado de todas as peças osteológicas, atribuindo-lhes um número de ordem, descrevendo-as conforme posição, conservação, patologias e determinação da idade, além de referenciar todas as peças ósseas e os materiais a elas associadas.

 Acondicionamento do material: envolver o material individualmente em plástico do tipo bolha ou papel alumínio e alocar em embalagens devidamente etiquetadas e posteriormente agrupar em sacolas maiores conforme partes anatômicas, sendo necessária também a identificação. Acondicionar o material em caixas plásticas perfuradas e fechadas. Na parte externa de cada caixa será afixado um inventário contento cada peça ali acomodada.

Não havendo variabilidade sedimentológica, a decapagem deu-se em duas etapas: a remoção das peças ósseas, a priori evidenciadas superficialmente e a exumação dos ossos não evidenciados em trabalhos anteriores.

Os critérios escolhidos para estimativa da idade à morte, tratando-se de indivíduo não adulto, fora o grau de desenvolvimento dentário proposto por Ubelaker (1989, p. 81), que consiste na observação macroscópica dos dentes irrompidos e a sequência eruptiva dos mesmos. Este

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processo é extremamente relevante na determinação da idade dos indivíduos não adultos (FEREMBACH et al., 1979, p. 27; SCHEUER E BLACK, 2000; UBELAKER, 1989, p. 78), pois está em processo de maturação biológica (HADDAD, 2001, p. 56).

Às evidências ante-mortem buscou-se observar tanto macro como microscopicamente a existência ou não de paleopatologias na amostra, sejam elas ósseas ou dentárias. Havendo nas peças osteológicas qualquer indício de caso patológico seriam comparados com os casos apresentados por Aufderheide e Martín (1998, p. 198). Já as marcas post-mortem foram observadas com o auxílio de lupa e microscópio eletrônico, e em seguida classificadas como resultado da prática funerária (posição do indivíduo na sepultura, acompanhamento mortuário, localização do sepultamento no espaço destinado às inumações) e tafonomia. Estes últimos presentes na região periostal do osso podendo causar alterações na estrutura óssea semelhantes a casos patológicos, elas são conhecidas como pseudopatologias. Assim, podemos definir também a pseudopatologia como o conjunto das alterações que podem simular as lesões paleopatológicas, podendo ser provocadas após a morte do indivíduo, por agentes ambientais de extrema diversidade (GOMIDE, 1999, p.19; DASTUGUE & GERVAIS, 1992, p. 32).

Para o acondicionamento do material foram adquiridas caixas arquivos plásticas para o acondicionamento de todo o material analisado. Porém antes de serem acondicionadas algumas peças foram restauradas com cola Paraloide B-72 diluída em solução aquosa de Peróxido de Hidrogênio (H2O2), e acomodadas em sacos plásticos etiquetados e lacrados para melhor preservação do acervo. Em cada caixa fora afixada na parte externa uma lista onde consta o nome de cada fragmento ali acondicionado.

RESULTADOS

Com a catalogação tivemos uma noção geral das peças ósseas pertencentes ao indivíduo 23 que foram conservadas – marcadas em preto – (Figura 2 e Quadro 2). Quando exumados, alguns ossos por se encontrarem friáveis fragmentaram-se, impedindo que algumas mensurações fossem realizadas.

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QUADRO 2

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A decapagem nos permitiu evidenciar o esqueleto ainda na sepultura (Desenho 1) e identificar um sepultamento individual, do tipo primário em posição de decúbito lateral direito. Esqueleto incompleto e em conexões anatômicas bem conservadas. O crânio foi depositado com a face lateral direita totalmente voltada para o solo, e em estreita articulação com a C1 (atlas). Também foi constatado um espaço considerável entra as vértebras atlas e áxis, em contraposto ao dorso vertebral que apresentou-se de forma estreitamente articulada.

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Desenho 1: Croqui do sepultamento 23 (desenho de Madson Fontes).

As escápulas foram bem conservadas e pouco fragmentas, estando a escápula direita com a face anterior voltada para cima e a esquerda em posição anatômica. Em ambas as lateralidades o úmero apresentou-se fragmentado e em perfeita conexão com a ulna e o rádio. Os membros superiores estavam semifletidos e entrepostos à região pélvica. As mãos unidas; com sinais de compressão entre os carpos, de acordo com a posição dos ossos na estrutura funerária; e a face palmar de ambas voltada para o solo.

O conjunto pélvico foi o mais comprometido, estando visíveis as faces posteriores dos ossos ílio e ísquio esquerdos. Os membros inferiores estavam flexionados, as epífises proximais dos fêmures não estavam articuladas à cintura pélvica, e distais encontravam-se próximas às costelas.

A tíbia em perfeita conexão com a fíbula em ambos os lados, porém tanto as tíbias quanto as fíbulas estavam fragmentadas nas epífises. Os pés estavam comprimidos e com a face palmar voltada para o solo, visível apenas a face superior do membro esquerdo.

Com a reconstituição do modo em que indivíduo fora acomodado dentro da sepultura, utilizando uma réplica de esqueleto humano adulto (Figura 3), foi possível verificar que a posição evidenciada é anatomicamente impossível se não houver algum tipo de material comprimindo as mãos e os pés do indivíduo. Pois a inclinação do processo espinhoso da coluna vertebral, presente na amostra de forma articulada, não foi constatada na reconstituição quando ausente de material aplicando uma força de compressão na região dos carpos e tarsos, respectivamente.

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Figura 3: Reconstituição da posição do indivíduo dentro da sepultura (foto: Madson Fontes).

Ao que concerne ao perfil bioantropológico do indivíduo estudado, as análises culminaram em um indivíduo infantil, com idade entre 5 e 6 anos, com estrias de crescimento nas epífises de todos os ossos, principalmente os longos e as vértebras. Também não apresentou indícios de paleopatologias que viessem a marcar os ossos e os dentes.

Quanto à variável sexo, não houve a possibilidade de identificar no indivíduo 22, trata-se de uma variável só possível de análise em indivíduos adultos (UBELAKER, 1989, p. 54; STEELE & BRAMBLETT, 1988, p. 78; SCHEUER & BLACK, 2000, p. 34), pois está relacionada à morfologia, ou desenvolvimento morfológico que ainda não é definido nos ossos de uma criança. Entretanto, existem métodos métricos possíveis para diagnose sexual em indivíduos não adultos, porém não são confiáveis. Para este tipo de determinação o mais indicado seria a análise de DNA, pelo seu grau de eficiência e acurácia.

Alguns ossos tiveram fratura, fissuras e leves esfoliações na região periostal, decorrentes de umidade, acidez do solo e bioturbações de insetos e raízes de plantas. Pequenas manchas escuras em todos os ossos foram identificadas em alguns casos como fúngicas e em outros como resultante da acidez do solo. Ainda durante todo o processo de decapagem não foi evidenciado nenhum tipo de enxoval funerário associado ao sepultamento 22.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Assim como existem formas diversas de expressões humanas de viver, há distintas maneiras de manifestar também a visão sobre a morte e tudo que a envolve. Sendo a amostra analisada

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quantitativamente insuficiente para qualquer afirmativa referente à visão cultural da morte presente no sítio São José II, teceremos apenas alguns comentários sobre o sepultamento 22. Levando em consideração os resultados da análise quanto: a estimativa etária; a posição do indivíduo dentro da sepultura; a ausência de patologias ósseas e dentárias; e a inexistência de qualquer objeto que viesse a caracterizar a cultura material associada ao sepultamento 22, a hipótese inicial de que a distinção da prática mortuária estar ligada ao grupo etário se sustenta quando comparamos estes mesmos resultados com estudos mais específicos relacionados aos demais enterramentos adultos do mesmo sítio.

Por conseguinte, este trabalho vem a fomentar que estudos sejam realizados embasados na ideia de que o contexto funerário pré-histórico é portador de identidades que estão representadas na materialidade das estruturas funerárias, seja por meio de objetos e formas comuns, seja do próprio indivíduo.

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