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Unidade 3 - História do Direito

O Direito Medieval:

Os Direitos Germânicos, o Direito no Feudalismo e o Direito Canônico.

O Direito Islâmico.

1) INTRODUÇÃO

A) A Queda do Império Romano e a Emergência do Mundo Feudal –O Direito Romano e seu Ressurgimento no Final da Idade Média

A História da civilização romana abrange doze séculos, divididos em três períodos: o da realeza, o republicano e o imperial. Já a do Direito também se divide em três períodos: o direito primitivo, o clássico e o pós-clássico.

A.1) Breve Histórico Socioeconômico da Roma Antiga

O extraordinário desenvolvimento do direito no período clássico coincidiu com o apogeu da civilização romana. Nessa época, todo o universo cultural e político girava em torno das cidades. A aristocracia domina as cidades. A mão-de-obra escrava estava no campo. Os pequenos proprietários agrícolas passaram a fazer parte do exército.

Com a expansão territorial, a mão-de-obra passou a ser escassa. E isso resultou na crise da produção agrícola, que somado à estagnação econômica resultou em crise profunda. Essa crise econômica, somada a outras de caráter político e militar e as constantes invasões bárbaras levaram o império ao enfraquecimento e, posteriormente, à sua queda.

O Direito, após a decadência econômica e política de Roma, foi muito afetado. A grande codificação dos preceitos do direito romano clássico ocorreu no Oriente (com o Imperador Justiniano). Isso se deve ao fato de que a porção oriental do antigo Império Romano,resistiu às invasões bárbaras que devastaram o Império do Ocidente (com sede em Roma). Logo, a cultura latina, após a queda da Roma Ocidental, refugiou-se no Oriente.

Contudo, com as invasões bárbaras e o colapso do Império Romano Ocidental, a influência romana não deixou de existir na Europa. A organização administrativa e religiosa foi preservada ainda durante muitos séculos.

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Mas em decorrência da queda do império, a despeito da dominação pelos povos bárbaros, as populações passaram a viver de acordo com suas próprias leis. Em razão disso, foi possível a sobrevivência do direito romano no Ocidente ainda durante os primeiros séculos após a queda do Império.

A.2) As Invasões Bárbaras

Os limites do Império Romano no século IV (já dividido em duas metades - Ocidente e Oriente) faziam fronteira com várias culturas não romanizadas: na África, os Berberes e as tribos do Sudão; e ao ao norte, desde a península escandinava em direção ao mar Negro, na região além do Reno e o Danúbio, os Germanos.

Os Germanos eram populações tipicamente nômades. Estes povos foram genericamente designados pelos Romanos como povos bárbaros1, numa clara alusão ao fato de não partilharem o mesmo nível de civilização e costumes de Roma.

No entanto, esses grupos já conviviam com o Império. Alguns deles transitavem livremente para dentro e fora das fronteiras. Várias tribos germanas se instalaram pacificamente no interior do Império, chegando mesmo a integrar o exército romano, quer como soldados quer como mercenários, contribuindo reciprocamente na defesa das fronteiras. Este fenómeno ganhou particular dimensão após o terceiro século (d. C.).

Por volta do ano 400, cerca de metade do exército romano era composto de mercenários germânicos. Sem outra saída, alguns grupos bárbaros foram alistados no exército de Roma como unidades inteiras para ajudar na defesa contra outros grupos. Isso foi muito popular durante as guerras civis do século IV, quando aspirantes ao trono romano precisavam levantar exércitos rapidamente. Essas unidades bárbaras mantinham seus próprios líderes e não tinham a lealdade e a disciplina das legiões.

Vivendo em solos pouco férteis, os Germanos dedicavam-se, sobretudo, ao pastoreio, embora, à data do contacto com os Romanos, já se dedicassem ao cultivo de cereais. As terras não cultivadas pertenciam à tribo, enquanto que as casas e mobiliário eram propriedade privada; as terras de cultivo eram sorteadas equitativamente de ano a ano entre as famílias, embora no século II este tipo de propriedade passasse a ser propriedade familiar, só podendo ser vendida com o consentimento de todos os membros da família.

Os Germanos organizavam-se politicamente vinculados a um rei, escolhido de uma

1 Entre os bárbaros incluem-se os povos denominados: Godos e Visigodos (originários do sudeste europeu), os Vândalos e os Anglos Saxões e Jutos (da Europa Central), Lombardos, Francos , Ostrogodos, Burgúndios, Alanos, Suevos, Hérulos 8 Francos e eslavos. Além disso havia Hunos, povo nômade, provenientee da Ásia

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família particular (considerada de origem divina), embora a autoridade estivesse formalmente nas mãos de uma assembléia de homens livres e com idade suficiente para usar armas. Nos tempos de guerra, era eleito um general que detinha todo o poder.

Por esta altura, os Germanos coexistiam pacificamente com o Império: os utensílios e moedas encontrados em túmulos germanos provam a existência de relações comerciais entre as duas civilizações. Durante o século III, os Germanos tomam contato com o Cristianismo.

As relações entre bárbaros e romanos não se limitavam à esfera comercial e cultural. O exército romano a cada dia ia se transformando num corpo profissional profusamente incorporado por mercenários que, sucessivamente, ia substiuindo as legiões e a aristocracia chegando mesmo a ingressar na família imperial — um filho de Teodósio II desposou a filha do vândalo Estilicão.

A sucessiva falta de mão-de-obra no campo obrigava o Império Romano a permitir a entrada destes povos, formando assim assentamentos caracterizados distintamente: os federados, ligados a Roma por um contrato, aos quais era permitida a preservação dos costumes, organização social e política, em troca da prestação de serviço militar. No decorrer do século IV estes tratados de federação aumentavam substancialmente, na tentativa de vencer a crise que se aproximava.

O progressivo desmembramento do Império, aliado ao incremento da corrupção e escassez de meios para controlar e fortificar as fronteiras, levaram à canalização do esforço defensivo para as regiões críticas do Império, como a própria capital. Como consequência, as fronteiras tornavam-se cada vez mais instáveis e, finalmente, devido à pressão dos Hunos oriundos de nordeste, as populações bárbaras adensaram a penetração no Império, na tentativa de manterem-se protegidas.

A estrutura administrativa do Império dependia fortemente dos tributos que impunha aos novos vencidos: além de uma forma de pagar as despesas da guerra, eram também impostos como medida de benevolência ou castigo pela resistência durante as conquistas. A paralisação das conquistas tinha igualmente paralisado o afluxo destes impostos (que iam diminuindo progressivamente). No século III, tinham já diminuído consideravelmente e no século seguinte já se haviam esgotado.

Na tentativa de contrapor a crise, é organizado um pesado sistema de impostos, e ditada uma lei que obrigava a hereditariedade das actividades exercidas, o que significa que as profissões eram herdadas pelos filhos do actual funcionário. Os filhos de soldados sucediam os pais nas fileiras, os colonos mantinham-se fixados ao solo que cultivavam.

O êxodo urbano dos aristocratas, paralelamente à formação das castas, provocou o surgimento no Ocidente de senhorios rurais, as villae, que constituíram o principal quadro da

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vida económica e social da época, e antecederam o feudalismo.

No ano 395 o Império Romano foi formalmente dividido duas partes: o Oriente, com as províncias mais ricas e populosas, e o Ocidente, em acelerada decadência. Por esta altura, alguns bárbaros coexistiam pacificamente no interior do Império; no entanto, no século V dá-se, em rRoma, um afluxo exorbitante de diveros povos em busca de protecção contra os Hunos que se mobilizavam em direcção à Europa latina.

A.2.1) Saque de Roma pelos Vândalos, em 455.

Em 406 d. C, os Alanos, Suevos e Vândalos atravessaram a fronteira do Reno. Entre 407 e 409, a Gália (França) foi saqueada por Alanos, Suevos e Vândalos, que logo de seguida (409-411) se apoderaram da Hispânia (Espanha). Foi necessário chamar as legiões estacionadas na Britânia e na Gália do norte, acabando assim com o domínio romano sobre a Britânia (Inglaterra).

Esses povos bárbaros fundariam na África, em 429, o primeiro reino independente em solo do Império. Os Suevos seriam empurrados pelos Alanos para noroeste, fixando-se na Galécia, enquanto que os segundos foram etnicamente absorvidos pelos Vândalos em direcção a África. Os Vândalos daí para a frente confrontaram várias vezes o Império, chegando mesmo a saquear Roma, em 455. Em 470, o império mediterrânico dos Vândalos estende-se do Norte de África às ilhas mediterrânicas.

A.2.2) A invasão dos Hunos

O Império Huno prolongava-se da Ásia Central até à Germânia (actual Alemanha), e do Danúbio ao mar Báltico.

Os Hunos eram povos nômades que constituíam uma ameaça constante ao Império Chinês. Foi para se proteger dos seus ataques que (202 a.C.-220 d.C.) foi construida a Grande Muralha. Ainda assim, a China do Norte foi devastada e, mais tarde, com a chegada dos novos invasores mongóis, os Hunos deslocaram-se para oeste. Gerrearam e venceram vários povos até que, por volta de 370, cruzaram o rio Volga, confrontando os germanos Ostrogodos.

Houve pânico provocado nas regiões invadidas pelos Hunos que se deslocavam constantemente, arrastando consigo as famílias, instaladas em carroças.

Átila, inicia o governo das hordas hunas, a partir de 434. No século V, os Hunos abandonam o nomadismo, instalando-se nos territórios balcânicos (antiga Iuguslávia). Em em 443 chegaram

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diante de Constantinopla e, em 448, penetram na Grécia. Em 451, Átila atravessa o Reno, destrói diversas cidades e sitia Orleães, cuja queda lhe permitiu entrar em contato com o reino dos Visigodos. No entanto, o rei visigodo consegue unir os Romanos, Francos, Alanos e Burgúndios na batalha dos Campos Catalúnicos (Junho de 451), forçando os Hunos a uma retirada para a margem oposta do Reno.

Átila refez suas forças e, no ano seguinte, moveu-se em direção à península Itálica, devastando Milão, Feltre, Pádua e Pavia, cujas populações se refugiam nos Apeninos. O próprio imperador Valentiniano III abandona Ravenna para se refugiar em Roma. Observando a incapacidade do imperador romano de defender o território, o Papa Leão I confrontou pessoalmente Átila em Mântua numa conversa cujo teor nunca foi descrito, logrando fazê-lo desistir de invadir a cidade em troca de um tributo considerável. Ao que parece, o medo da peste, as superstições de Átila e um compromisso com o imperador Valentiniano III livraram a Roma do saque. Átila morreria a 455, antecipando o colapso do império huno.

Em 463 chegaram à península itálica os Daneses, de seguida os Hérulos e, finalmente, os Ostrogodos liderados por Odoacro (com batalhas em Isonzo e em Verona). Houve também um deslocamento dos Francos em 594 para o norte de Itália, com violentos confrontos.

A.2.3) Os Francos

A Gália (França), que já assistira à passagem de muitos dos povos germânicos que migraram durante este período, já vinha sendo assediada pelos Francos desde o século II. Em grande parte devido à sólida estrutura política, souberam sobreviver à fase das migrações, e fixavaram-se definitivamente na Gália Belga (Renânia, Bélgica e Artois), a cerca de 430, também com o consentimento do Império Romano, como aliados, ajudando a defender as fronteiras, durante algum tempo; destaca-se a aliança de Childerico I com o Império contra os Visigodos. Com efeito, foi a primeira dinastia de reis francos, a dos Merovíngios, que conseguiu erradicar a presença alamana, burgúndia e visigótica (na batalha de Vouillé em 507, que marcou o fim do Reino Visigodo de Toulouse). Começava assim, a expansão do império Franco, anexando vários territórios vizinhos. O seu rei Clóvis (482-511), converteu-se para o cristianismo e promoveu uma aliança com a Igreja Católica.

A.2.4) Queda do Império Romano

Enquanto o desmembramento do Império se tornava inevitável — em 455 os Vândalos pilharam Roma; os Visigodos, Suevos e Burgúndios declaram-se independentes em 476; o último

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imperador do Ocidente, Rómulo Augusto, é deposto. Os Bárbaros assimilaram a língua e grande parte dos costumes romanos, enquanto introduziam, mais ou menos harmoniosamente, os hábitos e termos germânicos. Terminava assim o Império do Ocidente.

Com o exército bizantino, o imperador Justiniano I conseguiria restabelecer a unidade imperial, reconquistando também o norte de África e parte da atual Espanha. O reino Vândalo foi, portanto, destruído (534), enquanto que na península Ibérica a monarquia visigótica foi seriamente enfraquecida. As medidas de Justiniano duraram pouco tempo. Na verdade, o enfraquecimento das regiões reunificadas seria a principal causa para o impacto do surgimento do Islã, cujas repercussões se verificaram na península Ibérica e no corte de ligações entre as duas metades do Império Romano (ocidente – Roma - e oriente - Constantinopla).

b) Os Direitos Germânicos

O direito das etnias germânicas era essencialmente consuetudinária (proveniente dos costumes arriagados naquelas sociedades). De fato não havia, propriamente, um único “direito germânico”, mas uma infinidade de costumes, vivendo cada povo segundo seu direito tradicional.

Fontes para o conhecimento dos direitos germânicos:

a) Fontes literárias latinas (séc. II)

b) Fontes literárias germânicas (sécs. XI e XII)

c) Costumes germânicos redigidos em alguns documentos após as invasões d) Os costumes escandinavos (sécs. XII e XIII).

Principais virtudes nas sociedades germânicas:

a) Bravura, coragem b) Lealdade c) Hospitalidade Principais penas: a) Decapitação b) Enforcamento

 WERGELD”: O Wergeld é uma instituição tradicional dos Direitos germânicos que visa substituir a vingança. Trata-se de uma prestação pecuniária paga à família da vítima de homicídio. O assassino, assim, não poderia ser alvo da vingança por qualquer um dos parentes do morto. Se o valor do Wergeld estipulado pela família fosse considerado demasiado alto era

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lícito ao causador do óbito recorrer a “Thing” – espécie de assembléia composta pelos homens mais respeitados da aldeia. Seu parecer a cerca do caso seria definitivo.

2) O FEUDALISMO

O Feudalismo pode ser visto como um sistema de produção a partir do século IX, definido após um longo processo de formação, reunindo principalmente elementos de origem germânica e de origem romana. Essa estrutura foi marcante na Europa Ocidental e responsável pela consolidação de conceitos e valores. Muitos historiadores vêem nesse momento o desenvolvimento da "Europa Cristã".

A economia feudal possuía base agrária, ou seja, a agricultura era a atividade responsável por gerar a riqueza social naquele momento. Ao mesmo tempo, outras atividades se desenvolviam, em menor escala, no sentido de complementar a primeira e suprir necessidades básicas e imediatas de parcela da sociedade. A pecuária, a mineração, a produção artesanal e mesmo o comércio eram atividades que existiam, de forma secundária.

Como a agricultura era a atividade mais importante, a terra era o meio de produção fundamental. Ter terra significava a possibilidade de possuir riquezas (como na maioria das sociedades antigas e medievais). Os proprietários rurais eram denominados Senhores Feudais, enquanto que os trabalhadores camponeses eram denominados servos.

O feudo era a unidade produtiva básica. Imaginar o feudo é algo complexo, pois ele podia apresentar muitas variações, desde vastas regiões onde encontramos vilas e cidades em seu interior, como grandes "fazendas" ou mesmo pequenas porções de terra. Para tentarmos perceber o desenvolvimento socioeconômico do período, o melhor é imaginarmos o feudo como uma grande propriedade rural. O território do feudo era dividido normalmente em três partes: O Domínio, terra comum e manso servil

 O Domínio é a parte da terra reservada exclusivamente ao senhor feudal e trabalhada pelo servo. A produção deste território destina-se apenas ao senhor feudal. Normalmente o servo trabalha para o senhor feudal, nessa porção de terra ou mesmo no castelo, por um período de 3 dias, sendo essa obrigação denominada corvéia.

 Terra comum é a parte da terra de uso comum. Matas e pastos que podem ser utilizadas tanto pelo senhor feudal como pelos servos. É o local de onde retiram-se lenha ou madeira para as construções, e onde pastam os animais.

 Manso servil era a parte destinada aos servos. O manso é dividido em lotes (glebas) e cada servo tem direito a usar um lote. Em vários feudos o lote que cabe a um servo não é contínuo, ou seja, a terra de vários servos são subdivididas e umas intercaladas nas outras.

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De toda a produção do servo em seu lote (gleba), metade da produção destina-se ao senhor feudal, caracterizando uma obrigação denominada talha.

Esse sistema se caracteriza pela exploração do trabalho servil, responsável por toda a produção. O servo não é considerado um escravo, porém não é um trabalhador livre. O que determina a condição servil é seu vínculo com a terra, ou seja, o servo está preso a terra (servo d gleba). Ao receber um lote de terra para viver e trabalhar, e ao receber (teoricamente) proteção, o servo esta forçado a trabalhar sempre para o mesmo senhor feudal, não podendo abandonar a terra. Essa relação, definiu-se lentamente desde a crise do Império Romano com a formação do colonato (forma de organização econômica e social rural, na qual o trabalhador arrenda uma porção de terra sob condição de destinar parte de sua produção como pagamento ao proprietário -o c-ol-on-o é den-ominad-o meeir-o quand-o metade da pr-oduçã-o -obtida c-om -o cultiv-o tiver que ser paga ao proprietário da terra).

Além da corvéia e da talha, obrigações mais importantes devidas pelo servo ao senhor, existiam outras obrigações que eram responsáveis por retirar dos servo praticamente tudo o que produzia.

Tradicionalmente a economia foi considerada natural, de subsistência e desmonetarizada. Natural por que baseava-se em trocas diretas, produtos por produto e diretamente entre os produtores, não havendo portanto um grupo de intermediários (comerciantes); de subsistência por que produzia em quantidade e variedade pequena, além de não contar com a mentalidade de lucro, que exigiria a produção de excedentes; desmonetarizada por não se utilizar de qualquer tipo de moeda, sendo que havia a troca de produto por produto.

Apesar de podermos enxergar essa situação básica, cabem algumas considerações: o comércio sempre existiu, apesar de irregular e de intensidade muito variável. Algumas mercadorias eram necessárias em todos os feudos mas encontradas apenas em algumas regiões, como o sal ou mesmo o ferro. Além desse comércio de produtos considerados fundamentais, havia o comércio com o oriente, de especiarias ou mesmo de tecidos, consumidos por uma parcela da nobreza (senhores feudais) e pelo alto clero.

Mesmo o servo participava de um pequeno comércio, ao levar produtos excedentes agrícolas para a feira da cidade, onde obtinha artesanato urbano, promovendo uma tímida integração entre campo e cidade. A pequena produtividade fazia com que qualquer acidente natural (chuvas em excesso ou em falta, pragas) ou humano ( guerras, trabalho inadequado ou insuficiente) provocasse períodos de escassez. Nesse sentido, havia uma tendência a auto suficiência, uma preocupação por parte dos senhores feudais em possuir uma estrutura que pudesse prove-lo nessas situações

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estrutura social praticamente não permitia mobilidade, sendo portanto que a condição de um indivíduo era determinada pelo nascimento, ou seja, quem nasce servo será sempre servo.

Utilizando os conceitos predominantes hoje, podemos dizer que, o trabalho, o esforço, a competência e etc, eram características que não podiam alterar a condição social de um homem.

O senhor era o proprietário dos meios de produção, enquanto os servos representavam a grande massa de camponeses que produziam a riqueza social. Porém podiam existir outras situações: a mais importante era o clérigo. Afinal o clero é uma classe social ou não?

O clero possuía grande importância no mundo feudal, cumprindo um papel específico em termos de religião, de formação social, moral e ideológica. No entanto esse papel do clero é definido pela hierarquia da Igreja, quer dizer, pelo Alto Clero, que por sua vez é formado por membros da nobreza feudal. Originariamente o clero não é uma classe social, pois seus membros ou são de origem senhorial (alto clero) ou servil (baixo clero).

A maioria dos livros de história retrata a divisão desta sociedade segundo as palavras do Bispo Adalberon de Laon: "na sociedade alguns rezam, outros guerreiam e outros trabalham, onde todos formam um conjunto inseparável e o trabalho de uns permite o trabalho dos outros dois e cada qual por sua vez presta seu apoio aos outros". Para o bispo, o conjunto de servos é "uma raça de infelizes que nada podem obter sem sofrimento". Percebe-se o discurso da Igreja como uma tentativa de interpretar a situação social e ao mesmo tempo justifica-la, preservando-a. Nesta sociedade, cada camada tem sua função e portanto deve obedecê-la como vontade divina.

Na camada superior, "os guerreiros" pode-se perceber uma diferença entre nobres e cavaleiros. Os primeiros descendem das principais famílias, enquanto que os demais se tornaram proprietários rurais a partir da concessão de extensões de terras oferecidas pelos nobres. Essa relação era bastante comum, fortalecia os laços entre os membros da elite, mesmo por que os cavaleiros se tornavam vassalos e ao mesmo tempo procuravam imitar o comportamento da nobreza tradicional, adotando sua moral e seus valores. Com o passar do tempo a diferenciação entre nobres e cavaleiros foi desaparecendo; preservou-se no entanto a relação de suserania e vassalagem.

A relação de suserania e vassalagem é bastante complexa. Sua origem remonta ao Reino Franco, principalmente durante o reinado de Carlos Magno e baseia-se na concessão do feudo (beneficium).

Surgem os dois primeiros problemas: Quem esta envolvido nesta relação? e, o que é feudo?

Esta relação é eventual, pode existir ou não, dependendo da vontade ou da necessidade das partes, que são sempre dois senhores feudais; ou seja, é uma relação social que envolve membros da mesma camada social, a elite medieval.

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O termo feudo originariamente significava "benefício", algo concedido a outro, e que normalmente era terra, daí sua utilização como sinônimo da "propriedade senhorial". Suserano é o senhor que concede o benefício, enquanto que vassalo é o senhor que recebe o benefício.

Esta relação, na verdade bastante complexa, tornou-se fundamental durante a Idade Média e serviu para preservar os privilégios da elite e materializava-se a partir de três atos:

 a homenagem ,  a investidura e

 o juramento de fidelidade.

Normalmente o suserano era um grande proprietário rural e que pretende aumentar seu exército e capacidade guerreira, enquanto o vassalo, é um homem que necessita de terras e camponeses.

No mundo feudal não existiu uma estrutura de poder centralizada. Não existe a noção de Estado ou mesmo de nação. Portanto consideramos o poder como localizado, ou seja, existente em cada feudo. Apesar da autonomia na administração da justiça em cada feudo, existiam dois elementos limitadores do poder senhorial. O primeiro é a própria ordem vassálica, onde o vassalo deve fidelidade a seu suserano; o segundo é a influência da Igreja Católica, única instituição centralizada, que ditava as normas de comportamento social na época, fazendo com que as leis obedecessem aos costumes e à " vontade de Deus". Dessa forma a vida quase não possuía variação de um feudo para outro.

É importante visualizar a figura do rei durante o feudalismo, como suserano-mor, no entanto sem poder efetivo devido a própria relação de suserania e a tendência á auto-suficiência econômica.

Características gerais do período do direito feudal: a) Três séculos de quase ausência de legislação;

b) O costume é a única fonte do direito laico: desaparece o direito romano (salvo na Itália) e mantém-se, no âmbito do privilegium fori ou ratione materiae (como o casamento), o direito canônico escrito;

c) Poder real, ainda que de maior grau na hierarquia feudal, é desmembrado em benefício de grandes vassalos (condes, duques, marqueses), os quais, por sua vez, desmembram seus poderes em benefício de subvassalos;

d) O direito feudal é um conjunto de instituições que regulam as relações feudo-vassálicas que convive com os demais sistemas jurídicos (o romano enfraquecido e principalmente, o costumeiro direito germânico);

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(1789); na Alemanha, até 1918; na Itália, até a Restauração (1815-1830);

f) São pressupostos do feudalismo: a decadência do Estado e da propriedade privada e a vida prevalentemente rural e costumeira, sem a presença de autoridade pública, distante ou desconhecida.

Três instituições principais:

a) Feudo (elemento material) – originalmente com o nome de beneficium, no séc.VIII.

De posse vitalícia torna-se feudo hereditário no final do séc. IX na França, e depois em outras regiões. Originou-se no precário romano; tornou-se de longo prazo ou vitalício e, aos poucos, foi considerado transmissível ao herdeiro que se comportasse dignamente em relação ao rei-senhor, a quem deveria retornar; com o tempo tornou-se um direito real; dependendo do local e do tempo, podia ou ser indivisível, ou ser transferível somente ao primogênito, ou intransmissível às mulheres etc.;

b) Vassalagem (elemento pessoal), instituída por um juramento de fidelidade recíproca

entre o senhor e o vassalo, de natureza pública (consolida a soberania do rei) e privada (de liame de clientela por toda a vida), por meio da qual surge a obrigação moral de obediência do vassalo e proteção do senhor, originalmente não condicionada à concessão de um beneficium;

c) Imunidade – porque o benefício era geralmente constituído pela coroa ou pela

igreja, tradicionalmente imunes, quem o adquiria mantinha a condição jurídica da imunidade, isto é, no direito a que nenhum oficial público adentrasse o feudo privilegiado para exercitar funções judiciárias, para cobrar imposto ou para cumprir mandado. Trata-se de um poder negativo, de exclusão da presença régia, àquele que dele goza.

Como instituição política, o feudo é substituído aos poucos pelas Comunas e pelos Reinos centralizadores. Enquanto instituição jurídica, permanecerá por séculos, até o advento do direito contemporâneo. Foi compilado e agregado ao Corpus Iuris Civilis sob o título de Libri Feudorum, quando passou a integrar o ius commune estudado nas Universidades.

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3) O DIREITO CANÔNICO

A partir da derrocada do Império Romano, a Idade Média se desenvolveu economicamente e encontrou fundamentação para justificar socialmente seu discurso de poder. Naquela época, dois foram os fenômenos que abalaram a harmonia romana: o modo de produção escravocrata, o qual deixava sem trabalho os homens livres, e o cristianismo como religião oficial, a qual estimulou o aparecimento de seitas heréticas que traduziam o descontentamento da plebe com a política autoritária no baixo-império.

Nesse contexto, algo originado da junção de característica do regime escravocrata com o regime comunitário primitivo das tribos nórdicas fomentou um novo regime social: o regime feudal. “O responsável político pela junção desses dois modos de vida diferenciados foi a Igreja Católica Romana.

O direito derivado da igreja serviu, desse modo, para a sedimentação do poder institucional através de fundamentações ‘racionais’ na interpretação da verdade. A razão será o instrumento total que permitirá à prática jurídica subjugar tanto os direitos paralelos, quanto qualquer tipo de contestação expressa em interpretações ‘incompetentes’.

Com isso, o fim das relações públicas entre indivíduo e Estado e a concentração progressiva da propriedade deram origem a relações de produção diferenciadas, organizadas através dos vínculos de subordinação pessoal, característica determinante em todo o período medieval. Além disso, as relações de origem germânica possibilitaram a existência dos feudos como estrutura econômica, jurídica, social, cultural, moral, e política da Idade Média. Weber classificou esse tipo de relação senhor/vassalo de feudal.

Na Idade Média, o direito germânico foi utilizado, como instrumento privilegiado na resolução de conflitos. O direito germânico trouxe o modelo que originou o laço social mais característico do feudalismo: o vínculo de autoridade baseado no carisma de um líder guerreiro. Embora a dominação carismática não possa ser classificada como um tipo puro de dominação, pode-se dizer que tal crença dará origem, no fim da Idade Média, à utilização do contrato como fundamento político da existência do Estado.

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3.1) A Igreja Católica Medieval e a Institucionalização do Direito Canônico como Prática Repressiva

O imperador Constantino, com seu Edito de Milão2 , veio a favorecer o desenvolvimento da Igreja como autoridade religiosa e também temporal após o fim do Império Romano. A igreja era o maior latifundiário, logo estava comprometida com a defesa do feudalismo. Assim, a Igreja veio a participar como grande senhor feudal.

A partir do século V a Igreja Católica começa um longo e colossal trabalho para unificar na fé cristã todos os recantos da Europa. Além da implantação de mosteiros, figuras como Santo Agostinho foram muito importantes na pregação da fé.

Na Idade Média, nota-se uma verdadeira confusão de legislações, observava-se uma progressiva condensação dos vários direitos, principalmente dos romano e germânico. Essa confusão consistia também na descentralização da justiça e os diferenciados modos de resolução de litígios que envolviam a aplicação de leis pessoais [os quais] deram sobrevida ao direito romano no ocidente.

À medida que crescia a influência da Igreja Católica, os tribunais seculares (ou seja, não religiosos) passaram a ser pressionados para julgar seus litígios a partir do direito canônico.

Os cânones são regras jurídico-sagradas que determinam de que modo devem ser interpretados e resolvidos os vários litígios. Mais que regras, são leis, isto é, são verdades reveladas por um ser superior, onipotente, e a desobediência, muito mais que uma infração, é um pecado. Os cânones são desígnios de Deus.

Estabelecida a legitimidade divina, a Igreja passou a considerar o antigo direito romano como legislação viva, a qual deveria ser interpretada por doutores abalizados pelo clero. Nessa época feudal, a Igreja passou a monopolizar a produção intelectual jurídica. Mais do que revelar

2O Édito de Milão (313 d.C.), também referenciado como Édito da Tolerância, declarava que o Império

Romano seria neutro em relação ao credo religioso, acabando oficialmente com toda perseguição sancionada oficialmente, especialmente do Cristianismo. O édito foi emitido por Constantino I, o grande, e Licínio – os quais governavam o Império Romano.

A aplicação do Édito fez devolver os lugares de culto e as propriedades que tinham sido confiscadas aos cristãos e vendidas em hasta pública: "... o mesmo será devolvido aos cristãos sem pagamento de qualquer indenização e sem qualquer fraude ou decepção..."

Deu ao cristianismo (e a todas as outras religiões) o estatuto de legitimidade, comparável com o paganismo e com efeito desestabeleceu o paganismo como a religião oficial do império romano e dos seus exércitos.

Na tentativa de consolidar a totalidade do Império Romano sob o seu domínio, Licínio em breve marchou contra Constantino I. Como parte do seu esforço de ganhar a lealdade do seu exército, Licínio dispensou o exército e o serviço civil da política de tolerância do Édito de Milão, permitindo-lhes a expulsão dos cristãos. Alguns cristãos perderam consequentemente propriedades e alguns a vida.

No final, por volta de 324 d.C., Constantino ganhou o domínio de todo o Império e ordenou a execução de Licínio, por traição.

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a verdade, o jurista canônico externa a vontade política do poder eclesiástico.

Por isso, percebe-se que ao manifestar-se através do direito canônico, o poder político subtrai toda e qualquer aura de magia ou revelação divina presentes como caracteres tradicionais próprios, revelando que ambos não passam de simples mecanismo de dominação. Pois é disso que se trata a transmissão regrada dos cânones, isto é, trata-se de uma ‘ciência’ universal e sacrossanta de imposição e transmissão do poder.

Após duras críticas, a Igreja não aceita esses questionamentos e, com isso, mobiliza toda uma tecnologia repressiva para controlar os possíveis revoltosos, e essa tecnologia é o discurso jurídico canônico materializado na Santa Inquisição.

O texto sistematizado na Idade Média se apresenta como discurso dogmático que busca construir o mito da verdade instaurando-se como censura da realidade. O direito canônico aparece, então, como saber sagrado, privilegiado e separado dos outros. Aparece como a premência de dizer o que é a verdade e, com isso, controlar a instituição da própria realidade. No entanto, o direito se realiza como e através de práticas e, com elas, constrói seu sentido de verdade.

3.2) Aspectos Históricos, Políticos e Legais da Inquisição

A Inquisição é um dos fatos históricos mais controvertidos entre os estudiosos do período em que ela se desenvolveu. Caracterizada como grande cruzada religiosa empreendida pela Igreja Católica contra os hereges e bruxas, a Inquisição ocorreu entre os séculos XV e XVII em toda a Europa Ocidental. No entanto, esse capítulo visa explicitar não o porquê, tampouco as causas desse fenômeno, mas sim as mudanças no direito penal da época.

Com o Edito de Milão o cristianismo tornou-se a religião oficial do Estado. No entanto, foi no período da Baixa Idade Média que o poder eclesiástico atingiu seu apogeu. Nesse período é que teve início a Inquisição, criada para combater toda e qualquer forma de contestação aos dogmas da Igreja Católica.

O Termo heresia seria qualquer ação contrária ao que havia sido determinado pela Igreja, sendo os hereges identificados, julgados e condenados. Essa tarefa já se encontrava dividida em Tribunais Eclesiásticos e Tribunais Seculares

Em ambos os tipos de tribunais o sujeito era aprisionado, mesmo por meros boatos, interrogado, pressionado e condenado. Variando conforme a gravidade do crime, a condenação variava de trabalhos nos navios até a morte na fogueira, sempre acompanhada do confisco dos bens.

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Moderna que ela atingiu seu apogeu. Inicialmente criada pela Igreja para combater as heresias, a Inquisição, em sua versão moderna, além de mais violento, tornou-se objeto de perseguição utilizado pelos nobres contra os que ameaçavam seu poder.

3.2.1) Aspectos legais:

Na época, o direito canônico era um dos únicos redigido, analisado e comentado, por isso sua influencia estendeu-se até aos leigos. Em matéria penal, os Tribunais Eclesiásticos processariam e julgariam todas as pessoas que praticassem alguma infração contra a religião, católico ou não. Em virtude das relações entre Igreja e Estado, o poder da Igreja acabou refletindo-se sobremaneira nos princípios da lógica de ordenação do direito laico. Igreja e Estado uniram-se no combate à proliferação dos seguidores de Satã, que ameaçavam não somente o poder da Igreja, como o poder do soberano.

3.2.2) O Processo Penal Acusatório

O que realmente propiciou um julgamento intensivo dos hereges foi a mudança ocorrida no sistema penal. O período mais importante na formação dos direitos europeus foi a mudança de um sistema irracional para um racional, ou seja, a mudança do processo acusatório para o processo de inquisição.

No sistema acusatório, a ação só poderia ser desencadeada por uma pessoa privada. Se as provas apresentadas pelo acusados fosse inequívocas ou se o acusado admitisse sua culpa, o juiz decidiria contra ele. Em caso de dúvida, a determinação da inocência era feita de moro irracional, recorrendo-se à intervenção divina para que fornecesse algum sinal contra ou a favor do acusado A forma comumente utilizada era chamado ordálio3.

3 Ordálio ou ordália é um tipo de prova judiciária usado para determinar a culpa ou a inocência do

acusado por meio da participação de elementos da natureza e cujo resultado é interpretado como um juízo divino.Também é conhecido como juízo de Deus (judicium Dei, em latim).

As práticas mais comuns do ordálio são as que envolvem submeter o acusado a uma prova dolorosa. Se a prova é concluída sem ferimentos ou se as feridas são rapidamente curadas, o acusado é considerado inocente. Na Europa medieval, este tipo de procedimento fundava-se na premissa de que Deus protegeria o inocente, por meio de um milagre que o livraria do mal causado pela prova. Apesar de haver sido amplamente praticado durante a Idade Média na Europa, o ordálio possui raízes mais antigas, em culturas politeistas tão remotas quanto o Código de Hamurábi e o Código de Ur-Nammu, bem como em sociedades tribais, como o julgamento pela ingestão da "água vermelha" (fava-de-calabar) em Serra Leoa.

Nas sociedades pré-modernas, o ordálio era um dos três principais meios de prova que habilitavam o juiz a proferir um veredito, juntamente com o juramento e o testemunho. Na Europa, os ordálios em geral consistiam em testar o acusado no fogo ("prova de fogo") ou na água, embora a natureza precisa da prova variasse conforme o lugar e a época. O fogo costumava ser reservado para testar acusados de origem

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Além de ordálios, eram freqüentes duelos judiciais e os processos de compargação, no qual ganhava quem obtivesse mais testemunhas sob julgamento. No entanto, esse sistema apresentava várias deficiências como: tornava os crimes ocultos difíceis de serem julgados, consistia num risco para a pessoa do acusar, que responderia um processo em caso de inocência do acusado, entre outros.

3.2.4) O Processo por Inquérito

O processo por inquérito, que veio substituir o processo acusatório, alterou profundamente todo o sistema penal, atribuindo ao juízo humano um papel essencial, condicionado pelas regras racionais ao juízo humano um papel essencial, condicionado pelas regras racionais do direito. As falhas do antigo sistema aliado à restauração do estudo do direito romano estimularam de forma fundamental a mudança do sistema penal. No entanto, foi a Igreja que influenciou e incentivou a adoção dos novos procedimentos nesse sistema.

Com essa mudança, os ordálios ficaram proibidos, entretanto, essa proibição da Igreja não foi movida por motivos humanitários. Ocorreu principalmente pelo fato de que o novo sistema mostrava-se muito mais eficiente no combate aos crimes de heresia. A iniciação do processo nesta modalidade facilitou não só o julgamento de todos os crimes, como demonstrou-se muito eficaz na caça aos hereges.

A oficialização de todas as etapas do processo judicial a partir da denúncia facilitou muito o processo. Agora o juiz já não era mais um arbítro imparcial que presidia um conflito a ser resolvido pelo sobrenatural, ao contrário, ele junto com os demais oficiais assumiam a investigação dos crimes e determinavam a culpabilidade ou não do réu. As evidências do crime eram investigadas e avaliadas mediante regras formuladas, o que dava ao processo de inquérito o caráter de racionalidade.

nobre, enquanto que a água era mais usada para os plebeus.

Em 1215, no IV Concílio de Latrão, o Papa Inocêncio III proibiu que o clero cooperasse com os julgamentos pelo fogo e pela água, substituindo-os pela compurgação (um misto de juramento e testemunho).[2] Os julgamentos por ordálio escassearam no final da Idade Média, em geral substituídos pela confissão mediante tortura, mas a prática caiu em desuso apenas no século XVI.

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3.2.5) A Tortura

A enorme importância dada à confissão explica o meio utilizado pelos juízes e inquisitores para obtê-la: a tortura. O argumento para o uso da tortura era o de que, quando uma pessoa fosse submetida ao sofrimento físico durante o interrogatório, inevitavelmente, confessaria a verdade. A tortura foi muito usada na época chegando a arrancar confissões em 95% dos casos.

3.2.6) A Condenação

Após a confissão, vinha a condenação e, em seguida, a execução da pena. Antes disso o condenado era obrigado a se confessar e pedir perdão à Deus na frente de todos. Posteriormente era levado para praça pública para ser queimado. Com a execução da pena os bens da pessoa eram todos confiscados.

4) O RENASCIMENTO DO DIREITO ROMANO - OS DIREITOS ROMANISTAS Independentemente dos numerosos sistemas jurídicos vigentes em diversas regiões da Europa, coube aos professores das recém-criadas universidades elaborar, a partir do século XII, uma ciência do direito baseada no estudo dos textos romanos, mais especialmente os da compilação realizada pelo Imperador Justiniano. Este direito erudito apresentava diversas vantagens em comparação aos direitos locais:

a) Era escrito;

b) Era comum aos mestres das universidades continentais (daí um sentido menor da

expressão ius commune);

c) Era mais completo, portanto pôde desempenhar importante função supletiva, de

preencher as numerosas lacunas dos costumes locais e de inspirar os futuros reis legisladores;

d) Era mais complexo, podendo atender a necessidades de um progresso econômico e

social que se operará com a progressiva diminuição das instituições tradicionais da Idade Média.

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O grau de romanização variou de país para país. Foi maior na Itália, Península Ibérica (Portugal e Espanha), Alemanha. Menor na França. Pequeno nos países escandinavos e bálticos; quase nulo na Inglaterra, onde se desenvolveu a common law4.

Citem-se como elementos comuns dos direitos romanistas, tomados da Idade Média e presentes até hoje:

a) Terminologia comum dos principais institutos (propriedade, contratos etc.);

b) Reconhecimento da lei abstrata e geral, como norteadora das decisões em cada caso

concreto;

c) Concepção de que o direito deve ser justo e razoável;

d) Raciocínio jurídico dedutivo em que a lei, fonte preponderante do direito, e a

doutrina, que desenvolve o próprio raciocínio, são os instrumentos para a resolução dos litígios.

O renascimento do direito romano permitiu a transformação de um sistema jurídico “irracional” a “racional”. Ordálios, julgamentos de Deus e juramentos cedem aos meios de prova racionais (inquéritos, testemunhos, atos escritos etc.); o arbítrio cede à justiça; a anarquia feudal à centralização real; a submissão por força ao pacto social; a economia fechada à de trocas (séc. XII na Itália, Flandres e Champagne).

Portanto, a despeito da queda do Império Romano, as marcas da civilização romana estavam por demais entranhadas no continente europeu, de forma que não poderiam ser facilmente esquecidas. Os invasores bárbaros não destruíram a ordem romana anterior ou tampouco impuseram uma nova cultura. Pelo contrário, assimilaram, à sua maneira, os elementos de uma civilização indubitavelmente mais desenvolvida.

4Common law (do inglês "direito comum") é o direito que se desenvolveu em certos países por meio das

decisões dos tribunais, e não mediante atos legislativos ou executivos. Constitui portanto um sistema de direito, diferente do romano-germânico, que enfatiza os atos legislativos.

Nos sistemas de common law, o direito é criado ou aperfeiçoado pelos juízes: uma decisão a ser tomada num caso depende das decisões adotadas para casos anteriores e afeta o direito a ser aplicado a casos futuros. Nesse sistema, quando não existe um precedente, os juízes possuem a autoridade para criar o direito, estabelecendo um precedente. O conjunto de precedentes é chamado de common law e vincula todas as decisões futuras. Quando as partes discordam quanto o direito aplicável, um tribunal idealmente procuraria uma solução dentre as decisões precedentes dos tribunais competentes. Se uma controvérsia semelhante foi resolvida no passado, o tribunal é obrigado a seguir o raciocínio usado naquela decisão anterior (princípio conhecido como stare decisis). Entretanto, se o tribunal concluir que a controvérsia em exame é fundamentalmente diferente de todos os casos anteriores, decidirá como "assunto de primeira impressão". Posteriormente, tal decisão se tornará um precedente e vinculará os tribunais futuros. .

Os sistemas de common law foram adotados por diversos países do mundo, especialmente aqueles que herdaram da Inglaterra o seu sistema jurídico, como o Reino Unido, a maior parte dos Estados Unidos e do Canadá e as ex-colônias do Império Britânico.

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Os séculos da recepção do direito romano (XII-XIII) são também os do desenvolvimento da burguesia européia. O capitalismo mercantil exigia uma nova estrutura jurídica, mais adequada às novas relações econômicas emergentes. Havia a necessidade de um direito que garantisse uma segurança institucional e jurídica às operações comerciais, assim como a de um direito unificado e um sistema legal que libertasse atividade mercantil.

Dessa maneira, era a estrutura racional e coerente da civilística romana, propícia ao estabelecimento de um sistema jurídico estável e universal, que sobremaneira interessava aos comerciantes dos burgos (pequenas cidades).

As causas políticas do ressurgimento do direito romano provém do caráter híbrido das emergentes nações européias, composta por uma economia capitalista baseada na liberdade dos agentes econômicos em contratar e no dispor de seus bens, e um poder político centralizado sujeito à discricionariedade do monarca.

O Estado monárquico absolutista encontrou no direito romano um poderoso

instrumento de centralização política e administrativa, em que a liberdade outorgada aos agentes econômicos privados é contrabalançada pelo poder arbitrário da autoridade pública.

Weber coloca o processo de burocratização do Estado como causa da readmissão do direito romano à época medieval.

Com a adoção do direito romano na era Moderna, surgiu também uma classe de profissionais do direito, fruto do processo de racionalização das técnicas jurídicas que libertou o direito da religião.

Dois fatores contribuíram para produção de um ambiente favorável ao recebimento da herança jurídica clássica:

 Em primeiro lugar, fatores de ordem institucional, como o surgimento das universidades, onde se desenvolveram os estudos romanísticos e cujo número restrito permitia uma maior homogeneidade no pensamento dos juristas europeus nela formados.

 Em segundo lugar, fatores filosófico-ideológicos, que sedimentaram a crença na legitimidade da razão. Apesar desta importante contribuição, o direito clássico reelaborado pelos juristas medievais mostrava-se inadequado ao novo cenário mundial que se delineou, principalmente a partir do século XVI. Isto acarretou na valorização dos direitos próprios em detrimento do direito romano. Obviamente, muitas das instituições eram baseadas em princípios retirados da jurisprudência romana, que agora passam a obedecer um ritmo próprio da evolução não mais norteado pelo conjunto de textos clássicos. O advento do racionalismo sepultou de vez o uso prático da jurisprudência romana.

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5) O ISLAMISMO

No século VII, a península arábica5 era habitada por povos que levavam uma vida nômade, divididos em tribos, incapazes de constituir uma federação mais ampla e estável. Ao sul da península, no Iêmen, havia formas de sociedades mais desenvolvidas. Importante porto, por ali passava todo o comércio vindo do Oriente, que ganhava o interior da península através de caravanas de camelos que iam até à Síria. Persas e etíopes disputavam a posse de pontos essenciais. Os persas tinham o monopólio comercial do oceano Índico e queriam impedir a concorrência de Bizâncio (Império Romano do Oriente) que, pelo Egito, tentava infiltrar-se na região.

Em decorrência disso, Meca tornara-se um centro comercial importantíssimo, rota de passagem entre o Iêmen e a Síria e o atual Iraque. Portanto, os árabes não viviam confinados, como podemos imaginar, mas sim nas fronteiras dessas duas grandes civilizações existentes então. Naquele tempo, eram politeístas e a religião absorvia essa realidade, posto que sua fé refletia um pouco de todas as crenças populares do Oriente.

Nessa época nasceu Maomé ou Muhammad (570 d.C) que se tornou um importante líder religioso e político árabe. Segundo a religião islâmica, Maomé é o mais recente e último profeta do Deus de Abraão.

Como figura política, ele unificou várias tribos árabes, o que permitiu as conquistas árabes daquilo que viria a ser um império islâmico que se estendeu da Pérsia até à Península Ibérica.

Maomé foi, durante a primeira parte da sua vida, um mercador que realizou extensas viagens a trabalho. Tinha por hábito retirar-se para orar e meditar nos montes perto de Meca. Os muçulmanos acreditam que em 610, quando Maomé tinha quarenta anos, enquanto realizava um desses retiros espirituais numa das cavernas do Monte Hira, foi visitado pelo anjo Gabriel que lhe ordenou que recitasse uns versos enviados por Deus, e comunicou que Deus o havia escolhido como o último profeta enviado à humanidade. Maomé deu ouvidos à mensagem do anjo e, após sua morte, estes versos foram reunidos e integrados no Alcorão, durante o califado de Abu Bakr.

Maomé não rejeitou completamente o judaísmo e o cristianismo, duas religiões monoteístas já conhecidas pelos árabes. Em vez disso, informou que tinha sido enviado por Deus para restaurar os ensinamentos originais destas religiões, que tinham sido corrompidos e esquecidos.

5 A península arábica está localizada na junção da África e da Ásia, a leste da Etiópia e ao norte da Somália, ao sul da Palestina, da Jordânia e da Mesopotâmia, e ao sudoeste do Irã. É uma região majoritariamente de clima desértico. É limitada pelo mar Vermelho e pelo golfo de Aqaba ao sudoeste, pelo mar da Arábia ao sudeste e

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Muitos habitantes de Meca, no início, rejeitaram a sua mensagem e começaram a persegui-lo, bem como aos seus seguidores. Em 622 Maomé foi obrigado a abandonar Meca, numa migração conhecida como a Hégira, tendo se mudado para Medina. Nesta cidade, Maomé tornou-se o chefe da primeira comunidade muçulmana. Seguiram-se anos de batalhas entre os habitantes de Meca e Medina, até à vitória de Maomé e seus seguidores. A organização militar criada durante estas batalhas foi usada para derrotar as tribos da Arábia. Quando da sua morte, Maomé tinha unificado praticamente o território sob o signo de uma nova religião, o islã.

Toda a Arábia havia se tornado muçulmana e os árabes já não mais estavam divididos entre a lealdade ao Islã ou às tribos, porque todos eram muçulmanos e o Islã havia absorvido a todos por igual.

Em linhas gerais, o Islã é uma religião simples, fundamenta-se em 5 pilares básicos: crença em Deus (Alah), nos Seus anjos, nos livros e nos mensageiros, no dia do juízo final, e na predestinação. São pilares da fé: o testemunho, a oração 5 vezes ao dia, o pagamento do zakat, o jejum no mês do Ramadã e a peregrinação, pelo uma vez na vida. São fontes do Islam: o Alcorão, a sunnah (ditos e atos) do Profeta (Maomé) e as biografias escritas.

Após a morte do Profeta, seguiu-se um momento de confusão na recém formada comunidade islâmica. Eram muitos os problemas. A forma de sucessão não tinha sido definida claramente, o império expandia-se rapidamente, novos territórios iam sendo incorporados e algumas alianças que o Profeta havia estabelecido com as diversas tribos estavam ameaçadas.

Algumas dessas tribos não rejeitavam o aspecto profético de sua mensagem, mas questionavam o poder político de Medina.

O processo de expansão das fronteiras era rápido e tornava-se necessário encontrar uma forma eficiente de governar uma tão grande extensão de terras (Síria Iraque, Egito, e outros na Ásia). Esses campos eram centros de poder e atraíam imigrantes da própria Arábia e das terras conquistadas, e com o tempo, transformaram-se em cidades importantes. Esses assentamentos ligavam-se ao califado em Medina por intermédio de estradas internas. A comunidade estava composta por grupos heterogêneos. Faziam parte desses grupos antigos companheiros do Profeta, havia também um grande contingente da aristocracia de Meca. Por outro lado, à medida que as conquistas prosseguiam, a comunidade ia incorporando outras tribos, que se mesclavam umas com as outras.

Apesar da coesão entre as diversas tribos e entre os novos convertidos, a comunidade estava dividida por diferenças pessoais. Os companheiros do Profeta olhavam com desconfiança para os recém convertidos, antes ferrenhos opositores e que agora tinham ascendido ao poder. As elites de Meca e Medina viam o centro do poder sendo deslocado para as terras mais populosas e mais ricas da Síria e Iraque, onde os governadores lutavam por mais autonomia e independência

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e havia também os descontentes com os rumos que a direção do califado estava tomando.

Seguiu-se, um período de guerra civil. Por questão de estratégia, mudou-se a capital para Kufa, enquanto os dissidentes foram para Basra, no Iraque. A mudança da capital provocou mais descontentamentos em Medina.

5.1) Expansão islâmica durante o Califado de Damasco

Com Abd al Malik (685-705), o quinto califa, foi fundado o primeiro estado

muçulmano na Índia. É a partir de Abd al Malik que a administração do império passa a ser

centralizada, é criada uma estrutura burocrática, o árabe é introduzido como a língua oficial do califado e a moeda é unificada. Merece destaque o fato da introdução de um novo estilo de cunhagem. No lugar de moedas mostrando figuras humanas, as novas traziam cunhadas inscrições em árabe que proclamavam a unicidade de Deus e a verdade da religião revelada a Mohammad. O serviço postal foi organizado e foi criado um sistema de arrecadação de impostos. A historiografia, a ciência canônica, a gramática e a arquitetura árabes surgiram com a disnastia do Califado de Damasco – chamada de omíadas.

Os omíadas também foram responsáveis pela construção de prédios monumentais. É desse período a construção da Mesquita de Al-Aqsa, a primeira obra-prima da arte muçulmana, cujo objetivo foi o de expressar a fé revelada no Alcorão. A mesquita compreende duas estruturas: a Grande Mesquita de Omar e a Cúpula do Rochedo, no Templo do Monte, em Jerusalém6. Mais ao sul do monte, os omíadas construíram um complexo de palácios e prédios públicos que se estendia por uma ampla área.

A Cúpula do Rochedo foi construída por Abd al-Malik, em 691, sobre as ruínas de um templo romano. Localizada no sítio mais sagrado do mundo antigo, a mesquita é carregada de simbolismo político e religioso. Do ponto de vista político, significou a implantação do domínio islâmico, a superioridade do Islam sobre judeus e cristãos, o "povo do livro", e simbolizou o fim de uma tradição que deveria ser absorvida pelos novos valores islãmicos.

Do ponto de vista religioso, o local é sagrado para judeus, cristãos e muçulmanos. A construção é composta de pilares que circundam uma enorme rocha localizada no centro. Na tradição judaica, a pedra representa a fundação simbólica a partir da qual o mundo foi criado. Ali foram construídos seus dois grandes templos da era bíblica., sendo que o Muro das Lamentações é tudo o que restou depois da destruição pelos romanos, em 70 d.C. Para os cristãos, trata-se do

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lugar onde Jesus teve sua entrada proibida pelos líderes religiosos judeus.

Para os muçulmanos, é o lugar para onde, segundo o Alcorão, Mohammad foi transportado em sua mística viagem noturna. “Glorificado seja Aquele (Deus) que, durante a noite transportou seu servo (Mohammad), tirando-o da Sagrada Mesquita (Meca) e levando-o à Al-Aqsa (Jerusalém)" -- Alcorão 17:1. Daí ser considerado o terceiro lugar mais sagrado do mundo muçulmano, depois de Meca e Medina. Além do mais, representa a inserção do Islam na linhagem de Abraão, por intermédio de Mohammad. As inscrições em árabe proclamam a unicidade de Deus e declaram que Deus e Seus anjos abençoam o Profeta.

Para o filósofo e pensador francês, Roger Garaudy, a "Cúpula do Rochedo representa o primeiro exemplo extraordinário da visão islâmica de mundo. O lugar onde ela foi construída, a estrutura do prédio, suas dimensões e proporções, as cores que a iluminam, seus contornos externos e a harmonia do interior, tudo é representativo da fé que inspirou sua construção."

Com o advento dos omíadas, contudo, as preocupações e problemas inerentes à administração de um grande império começaram a prevalecer entre os califas, muitas vezes até às custas das preocupações religiosas, o que incomodou a muitos muçulmanos devotos. Era uma nova civilização que estava nascendo, era uma sociedade em formação e os árabes, que não conheciam uma forma hierarquizada de poder, agora eram a própria classe governante.

Governar um império em expansão implicava em compromissos com a lei e o modo de vida islâmicos, mas o rápido crescimento do Islam e o contato com a cultura clássica das províncias romanas conquistadas pelos árabes pareciam diluir esses compromissos. A questão principal era se o mundo árabe seria dominado pelo Islam ou pelas políticas e leis mais antigas dos bizantinos e sassânidas.

Por volta de 740, o poder omíada rapidamente se deteriorou frente a uma nova guerra civil e a uma coalizão de forças que representavam objetivos diferentes mas unificada na oposição aos omíadas. Esses movimentos foram mais intensos na parte oriental do império, particularmente no Corassã entre grupos de colonos árabes e iranianos. Havia também um sentimento xiíta que, embora não fosse organizado, estava amplamente disseminado. Em 750, descendentes de Abbas, tio do Profeta, alegando direito de sucessão, criaram uma organização composta de dissidentes e formaram um exército que, partindo do Corassã, derrotou o último califa omíada, Marwan II. O líder do movimento, Abul â?~Abbas, foi proclamado o novo califa. Surgia, assim, a dinastia abássida que iria governar o mundo islâmico pelos cinco séculos seguintes.

A islamização e arabização da região de Al-Andalus (denominação árabe da Espanha

muçulmana) foram processos longos e complicados. As primeiras incursões militares árabes à

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propriamente por uma estratégia do califado central. No entanto, quando a sede do califado transferiu-se de Medina para Damasco, os omíadas reconheceram a importância de dominar o Mediterrâneo, o que exigia um esforço militar conjunto sobre o norte da África. Em 670, um exército árabe, chefiado por Uqba ibn Nafi, fundou a cidade de Al-Cairouan, cerca de 160 km ao sul do que hoje é a cidade de Túnis, que passou a servir de base para operações militares mais distantes.

No ano de 711, Tarik ibn Ziyad, general e governador da faixa ocidental do Magrebe (atual norte do Marrocos), venceu o visigodo Rodrigo, rei de Espanha. Chefiando um exército de 7.000 homens, e contando com o auxílio de convertidos bérberes, ele atravessou o Estreito e desembarcou junto a um enorme rochedo, que tomou o nome de Jabal-i-Tariq (Monte de Tariq), mais tarde ocidentalizado para Gibraltar. Em 712, uma nova leva de árabes chegou à região, quando grande parte da Espanha central, Portugal e partes da Itália já tinham sido ocupadas.

Seguiram-se as conquistas de Medina, Sidônia, Sevilha e Mérida. Os árabes estabeleceram uma nova capital em Córdoba, às margens do rio Guadalquivir, o que garantia água suficiente para a produção agrícola, que se desenvolveu graças às novas técnicas introduzidas por eles.

Prosseguindo em direção norte, os muçulmanos chegaram até a cidade de Tours, na França central, onde foram derrotados pelos francos em 732. A expansão muçulmana tinha alcançado seu ponto máximo no ocidente e as conquistas praticamente cessaram a partir daí.

A expansão do Islam entre os bérberes não garantiu o apoio deles para o califado. As constantes mudanças promovidas pelo califado central traziam insegurança e instabilidade. Além disso, havia diversas tribos que tinham os seus próprios interesses e faziam alianças locais e regionais.

A Andaluzia era uma mistura de etnias e culturas, onde conviviam árabes, que formavam a aristocracia, bérberes, que eram considerados uma classe inferior, mossárabes, habitantes da península que mantiveram o credo cristão, os mualadíes, filhos de mães escravas habitantes da península e que se converteram ao Islam, judeus e escravos. Mossárabes e mualadíes reivindicavam igualdade de condições e direitos com os árabes. Árabes e bérberes não se entendiam e já não estavam mais unidos como antes.

Os árabes oneraram os bérberes com pesados impostos e tratavam os convertidos como muçulmanos de segunda classe. Em decorrência, em 739-740, a insatisfação generalizada transformou-se em revolta aberta sob a bandeira do Islam carijita. Os carijitas conseguiram a adesão dos bérberes, que se sentiram atraídos pelos preceitos igualitários da seita. Por exemplo, contra a sucessão hereditária implantada pelos omíadas, os carijitas defendiam que qualquer muçulmano idôneo podia ser eleito califa, independentemente de raça, posição ou de possíveis

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laços familiares com o Profeta Mohammad. Após a revolta, os carijitas estabeleceram uma série de pequenos reinos tribais teocráticos, muitos dos quais tiveram histórias breves e problemáticas.

O fim da dinastia omíada e a chegada ao poder da dinastia abássida, em 750, deu início a um dos mais importantes capítulos da história islâmica. Lá, em Al-Andalus, foi construída uma civilização em muito superior a qualquer outra até então conhecida.

Durante a revolução abássida em Damasco, Abdul Rahman, neto de um ex-califa omíada, conseguiu escapar para a Espanha, e, auxiliado pelos árabes fiéis aos omíadas, tomou Córdoba (na Espanha) e assumiu o título de emir (príncipe), declarando-se independente do califado central, muito embora reconhecesse a soberania religiosa do califa.

Em Córdoba (Espanha), estabeleceu seu próprio califado em nome dos omíadas e a dinastia manteve o controle da Espanha por 300 anos, até que os bérberes almorávidas, vindos do norte da África, tomassem o poder no século XI. Abdul Rahman foi o responsável pela construção de canais e pelo desenvolvimento de um sistema de irrigação que tornou a terra mais fértil e produtiva. Fundou universidades em Córdoba, Sevilha e Toledo, que nos séculos seguintes foram centros de referência para muçulmanos e não muçulmanos de toda a Europa. Iniciou também a construção da grande Mesquita de Córdoba, uma das maravilhas da arte mourisca.

Foi com Abdul Rahman III que se deu a ruptura definitiva com o califado central. Ele se declarou califa, tornando-se independente da autoridade religiosa do Oriente. Esta foi a primeira instância regional de separação do califado abássida. Não obstante as inúmeras tentativas para retomar o controle da Espanha, os abássidas jamais conseguiram restabelecer a unidade com o califado central. A Espanha permaneceu sob o governo de dinastias locais até a completa rendição aos reis católicos, no final do século XV.

A proclamação do califado teve um duplo objetivo. Internamente, os omíadas fortaleceram o reino peninsular, e externamente consolidaram as rotas comerciais do Mediterrâneo, garantiram uma relação com Bizâncio oriental e asseguraram o suprimento de ouro. Em meados do século X, eles controlavam o triângulo formado pela Argélia, Sijilmasa e Atlântico. A hegemonia política de Al-Andalus também se estendeu até a Europa ocidental e o império germano-romano estabeleceu relações diplomáticas com o califado de Córdoba. Os pequenos fortes cristãos do norte da península acabaram reconhecendo e aceitando a superioridade do califado.

As bases do poder andaluz estavam assentadas na extraordinária capacidade econômica proveniente de um comércio importante, uma indústria desenvolvida e um conhecimento agrícola revolucionário para a época. A economia baseava-se na moeda e a emissão de dinheiro desempenhou um papel fundamental para o esplendor financeiro. A moeda de ouro de Córdoba

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tornou-se a moeda principal do período. O califado de Córdoba foi a primeira economia urbana e comercial que floresceu na Europa, depois do desaparecimento do império romano.

No século XI começaram a surgir os primeiros focos de resistência cristã e o exército cristão, liderado por Alfonso VI, retomou Toledo. Iniciava-se a Reconquista Espanhola, que evidenciou a causa maior que iria determinar o fim desse período refinado e de grande esplendor: a inabilidade dos inúmeros governantes da Espanha islâmica em manter uma unidade política.

Quando os reis cristãos começaram a representar uma ameaça real para os domínios islâmicos, os governantes muçulmanos pediram auxílio aos almorávidas, uma dinastia bérbere do norte da África. Os almorávidas atenderam ao chamado e acabaram com a revolta cristã, mas, em contrapartida, tomaram o poder para eles.

A realidade de um poder enfraquecido, às voltas com constantes insurreições, facilitou o surgimento de uma série de pequenos reinos. Esses estados variavam em extensão, recursos e poder. Por todo o século XI, cada um deles tentava, à sua maneira, manter independência em relação aos estados rivais. Os mais poderosos eram os de Toledo, Sevilha, Badajós e Granada.

Em 1055, eles capturaram os dois mais importantes centros do comércio de ouro trans-sahariano, Sijilmasa e Awdaghust. Fundaram a cidade de Marrakesh, que passou a ser a capital do reino almorávida. A morte de Ibn Yasin não os fez parar. Um seguidor de nome Abu Bakr, tomou para si o manto da liderança e, até sua morte, dedicou-se à conquista contínua da região noroeste da África.

Em 1224, pela terceira vez a Andaluzia sofreu mais uma fragmentação política. Foram instalados uma série de pequenos reinos "taifas", onde predominavam as tensões e lutas internas que viriam a enfraquecer definitivamente a Andaluzia, frustrando qualquer tentativa de impedir o avanço cristão.

As sucessivas conquistas alcançadas por Castela e Aragão reduziram a Espanha muçulmana aos domínios de Granada. Como um estado vassalo de Castela, a dinastia nasrida de Granada administrou o reino por cerca de dois séculos e meio. Embora sua importância política fosse pequena no comércio e nas artes, o califado de Granada alcançou grande prestígio.

Finalmente, em 1492 , os reis católicos sitiaram a cidade de Granada, cumprindo o último estágio da Reconquista Espanhola e pondo um fim ao domínio muçulmano na península.

5.2) Contribuições da Cultura Islâmica na Espanha

Para a civilização ocidental, as contribuições da Espanha islâmica foram de valor inestimável. Quando os muçulmanos entraram no sul da Espanha, os bárbaros do norte tinham devastado grande parte da Europa, a civilização clássica greco-romana tinha desaparecido e a

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