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A pedagogia gerencialista do Capital : neoliberalismo, empresariamento e mercadorização da educação "pública"- estatal (Fundação Lemann, Instituto Unibanco e Estado do Piauí - 2003/2017)

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Texto

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Educação

IAEL DE SOUZA

A Pedagogia Gerencialista do Capital

Neoliberalismo, Empresariamento e

Mercadorização da Educação Pública Estatal

Fundação Lemann, Instituto Unibanco e Estado

do Piauí 2003/2017

CAMPINAS

Fevereiro – 2020

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IAEL DE SOUZA

A Pedagogia Gerencialista do Capital

Neoliberalismo, Empresariamento e

Mercadorização da Educação Pública Estatal

Fundação Lemann, Instituto Unibanco e Estado do

Piauí 2003/2017

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de Doutora em Educação, na área de concentração de Educação.

Orientador: Evaldo Piolli.

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA POR IAEL DE SOUZA, ORIENTADA PELO PROFESSOR DR. EVALDO PIOLLI.

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FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

A Pedagogia Gerencialista do Capital

Neoliberalismo, Empresariamento e

Mercadorização da Educação Pública Estatal

Fundação Lemann, Instituto Unibanco e Estado do

Piauí 2003/2017

Autora: IAEL DE SOUZA

COMISSÃO JULGADORA:

Evaldo Piolli

José Roberto Montes Heloani

Luciano Pereira

Débora Cristina Goular

Fernando Leitão Rocha Junior

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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AGRADECIMENTOS

Há momentos que se é testado. As provações se colocam, as incertezas assaltam, o medo ameaça tomar conta. Insegurança e temor inundam os pensamentos. Nervos “à flor da pele”. Porém, é também nessas horas de turbulências que se pode eventualmente ser surpreendido por “adoráveis criaturas” que surgem do inesperado (o acaso, como diziam os gregos). Isto descreve, sobremaneira, o que se passou comigo. A “adorável criatura” que conheci foi Evaldo Piolli e é a quem especialmente agradeço, de forma imensurável e indescritível, pela acolhida, apoio, solidariedade, compreensão e amizade. À você, toda minha gratidão, Evaldo.

E como “pessoa=pessoas”, como tão bem retrata Gonzaguinha em sua canção (Caminhos

do Coração), porque “(...) se depende sempre, de tanta, muita diferente gente (...) e é tão bonito

quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá”, outras pessoas devem ser lembradas.

Meu fraternal agradecimento à Banca de Qualificação, cujos membros foram compreensivos e solidários aceitando ler o material por meio eletrônico, e às sugestões, análises e comentários realizados que serviram para uma nova síntese da tese. A maioria também aceitou o convite para fazer parte da Banca de Defesa, deixando-me muito feliz por poder contar com um acompanhamento contínuo e por fazerem parte do encerramento, estando todos no momento de consubstancialização da tese. Que a quantidade de laudas não os desanime. Um colega de departamento disse que esteve numa palestra do professor José Paulo Netto e que este, em dado momento, disparou que aqueles que se aventurassem à produzir uma dissertação ou tese utilizando do materialismo histórico-dialético e escrevessem menos de 500 páginas, não o convidassem para a banca, porque menos que isso não era digno do materialismo marxiano. Isso significa que aqueles que se aventuram a pesquisar com base no método marxiano, precisam dar conta da totalidade social, fazer as mediações (ao invés de representações), reconstruir os nexos e as determinações reflexivas entre as múltiplas determinações do real, não perdendo de vista o estrutural, o histórico e suas especificidades. Foi o que se procurou realizar neste trabalho, ainda que tenha suas lacunas.

À todos os colegas de trabalho – que não irei nomear para não correr o risco de desmerecer nenhum deles, mas que sabem muito bem a quem me refiro – que acompanharam/acompanham minha trajetória, pelo incentivo, pelo apoio, pela colaboração, pela solidariedade, pelo companheirismo e pela força, muito obrigada.

Aos docentes do departamento da Ledoc (Licenciatura em Educação do Campo), de Teresina/PI, pela aprovação e concessão ao meu afastamento de seis meses para terminar de escrever a tese.

Aos familiares, que também fizeram parte deste percurso, sendo compreensivos às ausências em momentos de encontros e pela torcida e ânimo para enfrentar as adversidades surgidas no percurso.

À UFPI (Universidade Federal do Piauí), pelo tempo de afastamento remunerado para o aperfeiçoamento através do doutoramento, um dos direitos ameaçado pelos ataques cada vez mais ostensivos ao “público”-estatal.

Por fim, nomeio aqui uma pessoa em especial, meu marido Naudiney de Castro Gonçalves. Pelo apoio, pelo carinho, pelo companheirismo, sou e serei sempre grata.

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Por tanto amor Por tanta emoção A vida me fez assim Doce ou atroz Manso ou feroz Eu, caçador de mim (...) Nada a temer senão o correr da luta Nada a fazer senão esquecer o medo Abrir o peito à força, numa procura Fugir às armadilhas da mata escura (...) Vou descobrir o que me faz sentir Eu caçador de mim (Caçador de mim – Milton Nascimento)

(...) Te perturba esse amor? Sem máscaras por trás (...) Te perturba esse amor? Amor de humanidade Meu amor é amor de verdade (...) Meu amor, não é amor de mercado Esse amor tão sangrado Não se tem pra lucrar (...) Meu amor, o mais apaixonado Pelo injustiçado, pelo mais sofredor Meu amor abre o peito pra morte E se entrega pra sorte Por um tempo melhor Meu amor, esse amor destemido Arde em fogo infinito Por quem merece amor... (Por quem merece amor – Pablo Milanez/Silvio Rodriguez)

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R E S U M O

O capital é um sistema metabólico crísico. Por isso, está perpetuamente se reestruturando, procurando garantir sua reprodução sistêmica. Para que o modo de produção capitalista da vida social seja consensualmente legitimado, precisa conformar sua pedagogia às renovadas necessidades metamórficas da produção ampliada do valor, respondendo aos novos desafios da acumulação e de sua taxa decrescente. É assim que no estágio atual do desenvolvimento do capital em crise estrutural assiste-se à dominação e direção da Pedagogia Gestionária

Gerencialista do Capital, personificada pelo empresariado – e também pelo Terceiro Setor –,

reformulando a lógica de operacionalidade jurídico-política do Estado de Direito, que passa a ser a lógica gerencial, empresarial, privada. A reforma do Aparelho e do Aparato de Estado responde às novas necessidades da sociabilidade neoliberal, criando as bases infraconstitucionais para o empresariamento, mercadorização e mercantilização do que é denominado como “público”, que, na verdade, é estatal. A educação se transforma na principal mercadoria para o capital e suas personas, já que além do lucro que gera torna-se a principal responsável, perante a crise estrutural do capital, em produzir e promover o novo senso comum, o novo consenso, a nova força de trabalho apta a se adaptar e sobreviver ao desemprego estrutural, às flutuações do mercado, as incertezas e inseguranças da economia, forma(ta)ndo indivíduos com uma concepção de mundo empresarial, que tem como principais características: o empreendedorismo, a responsabilidade individual, o protagonismo individual, a resiliência, a inovação, a adaptação, a modernização, a concorrência e competição, a meritocracia, criando o capital humano e social necessários para a nova fase da acumulação e produção capitalista. A subjetividade da juventude é capturada pelo empresariado e a educação, após as mudanças na base infraconstitucional, é descaradamente abocanhada pelo empresariado, respaldado na legalidade e legitimidade das leis. Estado, mercado e sociedade civil rearticulam e reconfiguram seus papéis e funções. A hegemonia e supremacia fica à cargo das personas do capital. Fundações e Institutos, como a Fundação Lemann e o Instituto Unibanco no Estado do Piauí, vão progressivamente se apropriando e passando a dirigir e dominar o que, como, quando, para que, para quem e aonde se ensina. Tudo parece indicar a vitória integral da Pedagogia Gestionária Gerencialista do Capital. Mas a esperança lateja nas contradições, que se repõem estrutural e historicamente. A educação também contém essas mesmas contradições presentes no real. Deriva daí ela ser condicionada e condicionante, determinada e determinante, de onde advém a possibilidade de contribuir para a articulação entre o complexo da educação e o complexo da produção, radicalizando as lutas sociais e desenvolvendo atividades educativas de caráter emancipador. Expor e evidenciar o que se está vivendo hoje no campo educativo; como os governos que se revezaram no poder desde a década de 1990 contribuíram para a atual conformação das relações entre “público”-estatal e privado, fortalecendo este último e consumando sua hegemonia (direção e dominação); desmascarar o discurso e as práticas empresariais é o que se pretende com este trabalho, uma vez que esta é entendida como uma das principais tarefas para que se possa resgatar e retomar o significado ontológico da educação, como também romper e superar a captura da subjetividade dos professores efetuada pelo empresariado, de modo a desenvolver e construir propostas pedagógicas contra-hegemônicas e anticapitalistas para além do capital, que tenham caráter emancipador.

PALAVRAS-CHAVE: gestão, gerencialismo, reforma jurídico-política do Estado, emancipação

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ABSTRACT

Capital is a physical metabolic system. Therefore, it is perpetually restructuring itself, seeking to guarantee its systemic reproduction. In order for the capitalist mode of production of social life to be consensually legitimized, it must conform its pedagogy to the renewed metamorphic needs of expanded value production, responding to the new challenges of accumulation and its decreasing rate. This is how, in the current stage of capital development in structural crisis, we can see the domination and direction of the Managerial Managerial Pedagogy of Capital, personified by the business community - and also by the Third Sector -, reformulating the logic of legal-political operation of the rule of law. , which becomes the managerial logic, business, private. The reform of the State Apparatus and Apparatus responds to the new needs of neoliberal sociability by creating the nonconstitutional basis for the entrepreneurialization, commodification, and commodification of what is termed “public,” which is actually state-owned. Education becomes the main commodity for capital and its personas, since in addition to the profit it generates, it becomes the main responsible, before the structural crisis of capital, in producing and promoting the new common sense, the new consensus, the new Workforce able to adapt and survive structural unemployment, market fluctuations, economic uncertainties and insecurities, forming individuals with a conception of the business world, whose main characteristics are: entrepreneurship, individual responsibility , individual protagonism, resilience, innovation, adaptation, modernization, competition and competition, meritocracy, creating the human and social capital necessary for the new phase of capitalist accumulation and production. The subjectivity of youth is captured by the business community and education, after changes in the infraconstitutional basis, is blatantly taken over by the business community, backed by the legality and legitimacy of the laws. State, market, and civil society rearticulate and reconfigure their roles and functions. Hegemony and supremacy rests with the personas of capital. Foundations and institutes, such as the Lemann Foundation and the Unibanco Institute in the State of Piaui, are progressively appropriating and directing and mastering what, how, when, for what, for whom and where they teach. Everything seems to indicate the full victory of the Management Managerial Pedagogy of Capital. But hope throbs on contradictions, which are structurally and historically restored. Education also contains these same contradictions present in the real. It derives from it being conditioned and conditioning, determined and determinant, from which comes the possibility of contributing to the articulation between the education complex and the production complex, radicalizing social struggles and developing emancipatory educational activities. To expose and highlight what is going on today in the educational field; how the governments that took turns in power since the 1990s contributed to the current shaping of relations between "public" -state and private, strengthening the latter and consummating its hegemony (direction and domination); unmasking the discourse and business practices is what is intended with this work, since it is understood as one of the main tasks for rescuing and retaking the ontological meaning of education, as well as breaking and overcoming the capture of the subjectivity of the students. teachers made by the business community, in order to develop and build counter-hegemonic and anti-capitalist pedagogical proposals beyond the capital, which have an emancipatory character.

KEYWORDS: management, managerialism, legal-political reform of the state, human

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S U M Á R I O

INTRODUÇÃO...

p. 012

CAPÍTULO 1 – As metamorfoses da pedagogia do capital:

gerencialismo como nova forma de perpetuar a direção e

dominação do sistema capital-imperial

1. Uma nova onda avassaladora assola o mundo: a Gestão Gerencialista do

capital... p. 021 1.1 Jorge Paulo Lemann, Fundação Lemann e a forma(ta)ção da futura força de

trabalho aos desígnos do mercado e da gestão

gerencialista... p. 046

1.2 Educação, Educação de Mercado/Mercantilização e Mercadorização da Educação

1.2.1 Educação: essência anti-mercadorial – constituinte da ontologia do ser

social... p. 098 1.2.2 Educação de Mercado/Mercantilização e Mercadorização da

Educação... p. 105 1.3 Pedagogia do capital: legitimação da sociabilidade neoliberal, das

necessidades do mercado e apropriação da forma(ta)ção de professores para a

produção do novo consenso... p. 126

1.4 Da tendência ao fato: a mundialização da educação mercantilizada

1.4.1 O Acordo Geral de Comércio em

Serviços/GATS... p. 146 1.4.2 O Processo de Bolonha... p. 153 1.5 Sobre o “Público”-estatal...

CAPÍTULO 2 – O Neoliberalismo: política/econômica

normatizadora/reguladora do novo ethos social da Pedagogia

do Capital

p. 165

2. Do Neoliberalismo (origens e valores) ao Neoliberalismo Social-Liberal de Terceira Via

2.1 Um breve panorama histórico... p. 174 2.2 Das origens do neoliberalismo: crise do liberalismo, novo liberalismo e

neoliberalismo... p. 176 2.3 O Colóquio Walter Lippmann e a construção do neoliberalismo... p. 179 2.4 A preparação para o lançamento das ideias e atuação dos

neoliberais... p. 190 2.5 Os valores supremos do neoliberalismo... p. 196 2.6 O Social-Liberalismo /(de)/ Terceira Via: nova síntese... p. 211

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CAPÍTULO 3 – A conformação de um Estado de Direito

Privado e seus impactos nas reformas educacionais

3. A reforma do Estado e do Aparelho de Estado no governo FHC (1995-2002): implantação da Gestão Gerencialista Neoliberal no

“público”-estatal... p. 250 3.1 Nova legislação infra-constitucional: empresariamento e mercadorização da

educação... p. 265 3.2 O compromisso/movimento/plano de metas TODOS PELA EDUCAÇÃO

(TPE): a hora e a vez do mercado, dos empresários e do capital... p. 284 3.3 O PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação) e o PNE (Plano Nacional

de Educação 2014-2024) – Operação “Cavalo de Troia”... p. 306

CAPÍTULO 4 – Educação neoliberal: Parcerias

“Público-Privadas” – Instituto Unibanco e Estado do Piauí (2012/2018)

4. A institucionalização das PPP‟s no Estado do Piauí – Lei nº 5.494/2005... p. 330 4.1 A PPP (Parceria Público-Privada) do Estado do Piauí – Lei nº

5.494/2005... 4.2 O Programa Ensino Médio Inovador (ProEmi) – Portaria nº 971/2009...

p. 332 p. 335 4.3 Orientações do Banco Mundial para a Educação (2011-2020)...

4.4 Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – Resolução CNE/CEB 2/2012... 4.5 Pátria Educadora – privatização, mercadorização e empresariamento do “público”... 4.6 Uma Ponte para o Futuro: base para o “Golpe Democrático” de 2016 e para a Reforma do Ensino Médio...

4.7 O Instituto Unibanco e a decisão em focar e atuar na educação e no Ensino Médio

4.7.1 Instituto Unibanco: intensificação da dominação e direção (=hegemonia, com supremacia) cultural e política do empresariado brasileiro na educação “pública”-estatal... 4.7.2 Instituto Unibanco – Relatório de Atividades 2003... 4.7.3 Instituto Unibanco – Relatório de Atividades 2004... 4.7.4 Instituto Unibanco – Relatório de Atividades 2005... 4.7.5 Instituto Unibanco – Relatório de Atividades 2006... 4.7.6 Instituto Unibanco – Relatório de Atividades 2007... 4.7.7 Instituto Unibanco – Relatório de Atividades 2008... 4.7.8 Instituto Unibanco – Relatório de Atividades 2009... 4.7.9 Instituto Unibanco – Relatório de Atividades 2010... 4.7.10 Instituto Unibanco – Relatório de Atividades 2011... 4.7.11 Pro-EMI/MEC x ProEMI/Jovem de Futuro: diferenças que fazem a diferença – Instituto Unibanco: Relatório de Atividades 2012/Notícias SEDUC-PI/2012... 4.7.12 Instituto Unibanco: Relatório de Atividades 2013/Notícias SEDUC-PI/2013... 4.7.13 Instituto Unibanco: Relatório de Atividades 2014/Notícias SEDUC-PI/2014... 4.7.14 Instituto Unibanco: Relatório de Atividades 2015/Notícias SEDUC-PI/2015... 4.7.15 Instituto Unibanco: Relatório de Atividades 2016/Notícias SEDUC-PI/2016... p. 346 p. 348 p. 355 p. 371 p. 387 p. 390 p. 395 p. 397 p. 398 p. 404 p. 414 p. 436 p. 448 p. 459 p. 470 p. 484 p. 490 p. 503 p. 529

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4.7.16 Instituto Unibanco: Relatório de Atividades 2017/Notícias SEDUC-PI/2017... 4.8 SEDUC-PI/Notícias 2018 e CIRCUITO DE GESTÃO: PRINCÍPIOS E MÉTODO...

CONSIDERAÇÕES FINAIS... Referências Bibliográficas... Matérias/Notícias em meio eletrônico... Documentos eletrônicos... Notícias SEDUC/PI – Fundação Lemann... Notícias SEDUC/PI – Instituto Unibanco...

p. 539 p. 545 p. 552 p. 571 p. 596 p. 600 p. 602 p. 603

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INTRODUÇÃO

Há um ditado popular que diz: “há males que vêm para o bem”! Talvez esse tenha sido meu caso. Após dois anos de acompanhamento com um determinado orientador, sou surpreendida com uma ligação dele uma semana antes da qualificação, já com passagem comprada. Atônita, ouço que o mesmo está abrindo mão da orientação, acusando incompatibilidade de referenciais teóricos. Orienta-me a procurar a secretaria da pós-graduação, pois já havia comunicado o abandono.

Tomei ciência de que teria de procurar por um novo orientador naquela “altura do campeonato”. Nos corredores da pós-graduação, encontrei com a secretária da minha ex-linha de pesquisa. Graças a ela, fui apresentada ao professor Evaldo Piolli e ao professor Roberto Heloani. Estava carregando o material que havia produzido para a qualificação. Narrei o ocorrido para os professores e a situação atual. O professor Evaldo Piolli talvez pudesse ofertar uma vaga, mas para isso precisaria ter um novo objeto. Trocamos e-mail e mantivemos contato, até que fiz um novo recorte e encontrei um novo objeto.

Fui acolhida, aceita e mudei de linha de pesquisa e de orientador. Infelizmente, não havia mais tempo para pesquisa de campo, de modo que tive de me concentrar em pesquisa documental e bibliográfica.

A epígrafe traduz como me senti: “eu, caçadora de mim! Nada a temer senão o correr da luta. Nada a fazer senão esquecer o medo. Abrir o peito à força, numa procura...” Uma amiga disse que teria desistido. Não!!! Nem pensar!!! Essa palavra não faz parte do meu jeito de ser e nem do meu vocabulário. Tratava-se de um novo desafio e estava disposta a recomeçar e fazer o melhor trabalho possível dentro das condições dadas. E foi o que fiz, com o apoio de Evaldo Piolli.

Piolli propôs que eu pensasse em algo relativo às políticas educacionais do Piauí, uma vez que sou professora assistente da Universidade Federal desse estado, atualmente no campus da capital, Teresina, após aprovação em edital de remoção, retomando às atividades acadêmicas e encerrando o afastamento para o doutorado. Acatei de imediato e, num primeiro momento, aventei de averiguar as diretrizes da educação pública e a interferência da Fundação Lemann e do Instituto Unibanco nas políticas “públicas” educacionais do Estado do Piauí entre 2012/2018, procurando explorar e demonstrar a influencia da gestão empresarial na educação “pública” resultando no empresariamento e mercadorização da educação.

A primeira tentativa de contato com a Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Piauí deu-se em Parnaíba, antes da mudança para Teresina. A solicitação para ter acesso aos

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documentos das parcerias entre a Secretaria, o MEC e a Fundação Lemann e o Instituto Unibanco foi sutilmente vetada pela resposta de que são de domínio público e que poderia acessá-los via internet.

Ao me instalar em Teresina, fiz uma segunda tentativa. Fui pessoalmente à Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Piauí e dei entrada em solicitação para ter acesso ao processo administrativo de parceria público-privada entre a Secretaria e a Fundação Lemann e entre a Secretaria e o Instituto Unibanco. O contato foi estabelecido com a equipe da Secretaria que trabalha em parceria com o Instituto Unibanco. Apesar das promessas, das idas e vindas e das protelações, não consegui acesso ao processo administrativo da parceria público-privada firmada entre a SEDUC/PI e o Instituto Unibanco. Com o pessoal da Secretaria obtive apenas dois opúsculos, utilizados na escrita da tese. Quanto à Fundação Lemann, não houve retorno.

Perante as circunstâncias, teria de me restringir ao material disponibilizado na internet, de domínio público. Devido ao tempo perdido à espera do Instituto Unibanco, acabei concentrando a pesquisa muito mais nele do que na parceria da Secretaria com a Fundação Lemann. De modo que a Fundação Lemann é mencionada e analisada brevemente – um “relance” –, mas não à fundo, como é o caso do Instituto Unibanco. Ainda assim, acaba servindo para evidenciar o processo de gerencialismo, empresariamento e neoliberalismo na educação, atestando as reflexões e análises de Gaulejac (2007), Laval (2004) e Dardot/Laval (2016).

Embora tivesse feito o recorte temporal da parceria público-privada entre a SEDUC/PI e o Instituto Unibanco a partir de 2012, após o levantamento e análise documental efetuados, fiquei convencida da necessidade de demonstrar as razões que levaram o Instituto Unibanco a investir na educação “pública” e no “segmento” (de mercado) do Ensino Médio, remontando ao início do processo, que se deu a partir de 2002, tendo como primeiro resultado o Relatório de Atividades do Instituto em 2003. A cobertura temporal foi maior do que a anteriormente planejada, mas o esforço valeu a pena pela riqueza das informações colhidas, repercutindo nas mediações, conexões, análises e reflexões desenvolvidas.

As mediações, nexos construídos também contaram com notícias eletrônicas de revistas e jornais, propiciando uma abordagem mais multifacetada sobre as múltiplas determinações determinadas e determinantes do movimento condicionado e condicionante do real e suas contradições. Como adiantado, por questões independentes de minha vontade e pelo escassear do tempo, retive-me na técnica de pesquisa documental, também prejudicada pelas dificuldades encontradas para acesso à informação, restando os sites da SEDUC/PI, do Instituto Unibanco e da Fundação Lemann.

Sobre a Fundação Lemann, a mudança na forma de investigação deveu-se também, além do motivo já explanado, pela contratação da parceria público-privada entre a SEDUC/PI e a

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Fundação ser recente, tendo sido firmada em abril de 2017, de modo que não haveria amplo material para análise, já que o recorte temporal se estende até 2018, último ano do mandato de Wellington Dias (2014-2018).

O caso do Instituto Unibanco, ao contrário, demandaria muito mais tempo de estudo, dado que a parceria público-privada foi firmada em fevereiro de 2012, sob o governo de Wilson Martins (2010-2014), sendo renovada/mantida no de Wellington Dias. Considere-se ainda o fato de que ao invés de iniciar o levantamento de dados a partir de 2012 houve a alteração no recorte temporal, principiando pelo ano de 2003.

Centrando-se a pesquisa na fonte documental, pode-se apontar como um aspecto positivo desta técnica o fato de que os documentos e registros (notícias, matérias, sites por meio eletrônico, etc.) “não são apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo contexto” (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 39). Tanto é assim que as análises dos variados documentos utilizados, aliadas ao embasamento dos referenciais bibliográficos, enriqueceram o processo de historicização e fundamentação dos fatos e fenômenos em questão, proporcionando uma maior aproximação de suas múltiplas determinações.

Pode-se dizer que foram produzidas quatro teses desde o início do doutorado. A primeira com o ex-orientador, cujos dois primeiros capítulos totalizaram 460 páginas. Como a projeção era de cinco capítulos, houve a necessidade de revisão e reescrita para a qualificação, reduzindo a quantidade de laudas, resultando numa segunda versão de 350 páginas. Com a mudança de linha e orientação, como também de objeto, principia uma nova produção. Trata-se da terceira tese, estruturada em quatro capítulos. Com a qualificação e as sugestões da banca, sendo uma delas a de trazer o objeto para o início da tese, novamente se produz reviravoltas na produção textual, oriundando uma quarta tese.

Como trazer o objeto para a abertura historicizando concomitantemente a exposição? Veio-me à mente O Capital, de Karl Marx e o modo como o autor o inicia, discorrendo sobre a mercadoria. De modo que para dar conta do objeto a ser investigado precisaria falar sobre o processo de gestão gerencialista da vida no novo estágio de produção do capital e de sua

pedagogia reprodutiva.

Buscar ler o real através da concepção metodológica da primazia do objeto não é tarefa fácil. Marx o fez em caráter inaugural de forma exímia, indubitavelmente. Apesar das dificuldades, é o que se dispôs a fazer no processo de produção desta tese doutoral. Nos passos de Marx (1982, p. 16), partiu-se do pressuposto de que “a investigação tem de apoderar-se da matéria, em seus pormenores, de analisar suas diferentes formas de desenvolvimento, e de perquirir a conexão íntima que há entre elas”. Isto se deve ao fato de que, “só depois de

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concluído esse trabalho, é que se pode descrever, adequadamente, o movimento real”. Caso assim se proceda e “se isto se consegue, ficará espelhada no plano ideal, a vida da realidade pesquisada, o que pode dar a impressão de uma construção a priori”, o que, em verdade, não procede, já que se parte das múltiplas determinações do real (da objetividade do objeto) realizando um longo trabalho de explicitação progressiva das categorias, de suas mediações, imbricações, conexões, interdeterminações para só então chegar à unidade do real, o que denota que a verdade não se encontra logo no começo da exposição, mas que é através do seu desenvolvimento que se captura e desvela a concretude do real, que se materializa no momento da pesquisa.

Aspectos históricos e aspectos estruturais se articulam em Marx, isto é, a) aquilo que se manifesta de modo específico, enquanto produto de certo período/momento histórico e b) aquilo que permanece enquanto continuidade necessária de produção do próprio processo histórico-social, independente do tipo de organização social. Porém, o cerne da questão é dada à

articulação entre esses dois momentos, daí as dificuldades enfrentadas por aqueles que procuram

dar seguimento à produção marxiana de captura e intelecção do movimento do real. Como alerta Mészáros (2006, p. 109):

não se pode compreender o “específico” sem identificar suas múltiplas interconexões com um determinado sistema de mediações complexas. Em outras palavras: devemos ser capazes de ver os elementos “atemporais” (sistemáticos) na temporalidade, e os elementos temporais nos fatores sistemáticos.

Ressalta-se que esse é o intento mas, de antemão, sabe-se o quão delicada e complexa é a construção desse processo e que se pode cometer gafes e equívocos no decorrer do caminho. De qualquer maneira, esse é o referencial que guia nosso método de exposição e pesquisa. Talvez, um dos desdobramentos desse escrutínio seja a quantidade de laudas que perfazem a tese. Como a preocupação foi “apoderar-se da matéria em seus pormenores, de analisar suas diferentes formas de desenvolvimento, e de perquirir a conexão íntima que há entre elas” (MARX, 1982, p. 16), articulando (ao menos esse foi o objetivo) o histórico e o estrutural, por conseguinte tenha acabado historicizando e fundamentando mais do que deveria, embora isso também seja questionável, uma vez que vivemos tempos de exigência de produtividade, perdendo na

qualidade daquilo que se produz. Teses com 500, 600 páginas, como a minha, de Lazarini

(2010), de Favaro (2014) e outros autores, estão escasseando e mesmo sendo podadas pelos novos imperativos e requisitos da “produção acadêmica fast food e enxuta”, como prega a lógica toyotista da produção para nichos de mercado e segundo os interesses do mercado e prescrição de suas normas, dentre elas, ser conciso, sintético, breve, até mesmo porque os orientadores estão sobrecarregados com as atividades acadêmicas e gestionárias.

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Tendo isso em mente, a produção textual dessa tese doutoral configura-se também como um ato de resistência, de afirmação da necessidade de construir as mediações, de perquirir as conexões, de articular o histórico e o estrutural. Aquilo que pode ser entendido, num primeiro momento, como repetição é apenas impressão aparente, pois trata-se de aprofundamento a partir de outra determinação que compõe as múltiplas determinações que perfazem o objeto exposto e pesquisado. Não se pode deixar enganar pelas aparências. Ainda que sejam parte daquilo que é essencial, não são a essência mesma. Esta precisa ser perscrutada.

Por isso, peço aos examinadores da banca que se solidarizem e compartilhem desse ato

de resistência, resistindo submeterem-se às prescrições e normatizações do tempo presente de

produção de teses toyotizadas. Todos nós que nos dizemos críticos, que lutamos, nos mobilizamos e procuramos nos organizar para interferir no real a fim de ir construindo as condições para transforma-lo, precisamos buscar manter a coerência entre o que acreditamos, pensamos, dizemos e fazemos, caso contrário, a perderemos. A contradição é parte da realidade, a incoerência, por outro lado, deve ser combatida tenazmente para manter acesa a chama revolucionária.

Ao expor e buscar construir as conexões, as mediações e suas imbricações e interdeterminações em relação ao objeto pesquisado, atendendo à solicitação do professor Dr. Fernando Leitão Rocha Junior feita durante a qualificação, foi brevemente explicitado o Processo de Bolonha e sua relação/contribuição para a privatização e mercantilização da educação, não restrita apenas ao ensino superior, servindo de modelo para os avanços daqueles processos em todas as etapas do ensino.

O título da tese para a qualificação era: A Pedagogia do Capital: as Diretrizes da Política

Pública Educacional do Estado do Piauí de 2012 a 2018 – Gerencialismo, Empresariamento e Mercadorização da Educação Pública. Após a qualificação, a nomenclatura ficou assim

designada: A Pedagogia Gerencialista do Capital: Neoliberalismo, Empresariamento e Mercadorização da Educação “Pública”-Estatal (Fundação Lemann, Instituto Unibanco e Estado do Piauí – 2003/2017).

Essa alteração ocorreu, em grande parte, devido o comentário feito por membro da banca, professora Dra. Débora Cristina Goulart, apontando que havia percebido uma ênfase sobre a questão do gerencialismo. De fato, a nova reconfiguração da pedagogia da hegemonia do capital a partir de final da década de 80 do século XX é a da gestão gerencialista, cujos termos, como

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esclarece Gaulejac (2007, p. 31, 41, 42, 51, 52, 111), não são sinônimos1, nem redundância pleonástica, tendo significados específicos que se complementam, como demonstrado no capítulo um desta tese. Daí a primeira frase: A Pedagogia Gerencialista do Capital, que foi modificada à pedido do orientador, dado que a primeira escrita era: A Pedagogia da Gestão

Gerencialista do Capital. Embora extraída do título, aparece ao longo da produção textual como

pares dialéticos, fazendo jus ao entendimento de Gaulejac (2007).

Os quatro capítulos que compõem a tese procuram articular o histórico e o estrutural a fim de dar conta das múltiplas determinações do real, articulando também o momento de exposição e pesquisa do objeto problematizado.

O primeiro capítulo trata das metamorfoses da Pedagogia do Capital. Expõe a versão gestionária gerencialista de direção e dominação do capital e a supremacia alcançada pelo empresariado como personificação da Pedagogia Gestionária Gerencialista do Capital. Jorge Paulo Lemann e a Fundação Lemann são trazidos, evidenciando-se como o ethos da vida e da lógica funcional/operacional empresarial passa a contaminar todos os poros da vida social, principalmente o complexo da educação e a instituição escolar, então transformada em organização flexível. Deriva daí o processo de empresariamento da educação, exigindo o estabelecimento da diferenciação entre educação, educação de mercado, mercantilização e mercadorização da educação, expondo a essência e natureza anti-mercadorial da educação (educação na perspectiva ontológica), o próprio conceito de mercado e de mercadoria para entender o processo de mercantilização e mercadorização da educação. Enquanto parte da nova pedagogia gestionária/gerencialista do capital, o empresariamento da educação legitima e cria o consenso em torno da lógica da sociabilidade neoliberal, das necessidades do mercado e se apropria da forma(ta)ção de professores, vistos como os responsáveis diretos pela produção do novo consenso: do homem-empresa (empresa de si), empreendedor (empreendedor de si), inovador, “protagonista” de sua própria vida, competidor, que se arrisca, concorre, assume sua responsabilidade individual e social (capital humano e capital social), etc. Todas essas novas características, essas competências e habilidades, tornam-se exigências da mundialização da educação mercantilizada, como se constata através do Acordo Geral de Comércio em Serviços e do Processo de Bolonha, desvelando que aquilo que ainda se nomeia de “público” nada tem de “público”, sendo, na verdade, estatal.

O segundo capítulo expõe o novo estágio da sociabilidade do capital através da política-econômica normatizadora/reguladora do neoliberalismo, suas adequações e repaginação através

1 Lembre-se, aqui, da explicação dada por Pasquale Cipro Neto, no programa “Nossa Língua Portuguesa” de que, na verdade, não existem sinônimos, pois cada palavra tem uma etmologia diferente e raiz diferenciada. Os “sinônimos” são uma convenção humana para facilitar a compreensão e comunicação entre os homens.

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do seu complemento Social-Liberal de Terceira Via, reconstruindo toda a trajetória de sua origem, consolidação e internacionalização, explicitando suas principais ideias, táticas de persuasão e valores, demonstrando ser o neoliberalismo social-liberal de terceira via a nova fase para a garantia da reprodução sociometabólico do capital. Parte do segundo capítulo foi aceito para publicação na Revista Eletrônica Arma da Crítica, tendo como título: Sobre o neoliberalismo (Parte I): Contribuições de Dardot e de Laval – antes de Hayek....

O terceiro capítulo evidencia que o Estado é, de fato, o Estado jurídico-político do

capital e que a Reforma/Reestruturação do Aparato e do Aparelho de Estado brasileiro a partir

do governo Fernando Henrique Cardoso preparou e criou as bases legais e infraconstitucionais para a constituição do Estado de Direito Privado, para um Estado Gerencialista Neoliberal, privatizando o “público”-estatal e adotando a lógica do empresariado e do mercado, como se desnuda com a criação do Movimento Todos pela Educação e pela ingerência do empresariado no PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação) e no PNE (Plano Nacional de Educação – 2014/2024), uma verdadeira operação “Cavalo de Troia”. Ressalta-se que o item 3.3 deste capítulo foi publicado no livro recentemente lançado no 20º encontro nacional da Abrapso do corrente ano, intitulado: Educação & Trabalho Docente no Brasil – Gerencialismo e

Mercantilização, organizado por Evaldo Piolli e Tatiana de Oliveira.

O quarto e último capítulo explana como as alterações infraconstitucionais realizadas pela Reforma do Aparelho e Aparato do Estado nos governos FHC, Lula da Silva e Dilma Rousseff (Pátria Educadora) contribuem para o empresariamento e mercadorização/mercantilização da educação, como fica evidenciado pelas parcerias público-privadas e como esse processo se agrava com o golpe parlamentar-jurídico-midiático sofrido pela presidenta Dilma Rousseff e ascensão de Michel Temer a presidente interino, encaminhando a Medida Provisória de Reforma do Ensino Médio, depois transformada em lei, colocando em prática o plano “Uma Ponte para o Futuro”, do PMDB. As conexões, mediações e imbricações tecidas entre essas múltiplas determinações em seus aspectos históricos e estruturais vão evidenciando as razões que tornam possível o fortalecimento e expansão das parcerias público-privadas entre o Instituto Unibando, MEC e Secretarias de Educação, num primeiro momento para, posteriormente, serem firmadas apenas entre o Instituto e as Secretarias, expondo os verdadeiros motivos por detrás da aparente preocupação altruísta do Instituto com a educação da juventude.

Por fim, à guisa de conclusão, buscou-se elucidar os objetivos específicos trabalhados em cada capítulo e como constroem a macroestrutura de atuação e desenvolvimento da microestrutura da política educacional gerencialista e empresarial brasileira, que vai tomando conta da política “pública”-estatal de toda a educação básica. Também são tecidas as devidas considerações a respeito da Pedagogia da Gestão Gerencialista do Capital, reforçando as

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evidências demonstradas pela pesquisa e exposição doutoral da transformação da instituição escolar numa organização escolar flexível, regida pela filosofia empresarial, por seus preceitos e prescrições, fabricando o novo indivíduo, a nova força de trabalho requisitados pelo mercado e pela política neoliberal contrabalanceada pelo social-liberalismo de Terceira Via à brasileira do sistema capital.

Espera-se, portanto, que essa tese possa contribuir para uma maior e mais aproximada apropriação possível do atual momento e movimento do real e de suas tendências, servindo de aporte para todos aqueles que dedicam suas vidas, tempo e esforços à construção das condições objetivas e subjetivas para a transcendência positiva do capital e do capitalismo, viabilizando pensar/realizar atividades educativas de caráter emancipador dentro e fora dos muros das instituições de ensino, articulando o complexo social da produção com o complexo social da educação, construindo as lutas sociais que possam se radicalizar por conseguirem evidenciar a incapacidade do capital em se reformar estruturalmente.

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CAPÍTULO 1

As metamorfoses da Pedagogia do Capital: gerencialismo como

nova forma de perpetuar a direção e dominação do sistema

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1. Uma nova onda avassaladora assola o mundo: a da Gestão Gerencialista do Capital

O contexto atual é a hegemonia de uma era engendrada no final da década de trinta do século XX: o neoliberalismo gestionário gerencial. A gestão2 e o gerencialismo3 tornaram-se os eufemismos para eficácia, competitividade, resultados, planejamento, desempenho, produtividade, qualidade, quantificação quantofrênica (GAULEJAC, 2007, p. 98), custos e benefícios, inovação, competências, reatividade, adaptação, empreendedorismo, boas práticas, flexibilidade, pragmatismo, imediatismo; fazer sempre mais, sempre melhor, com menos; metas, projetos, enfim, um sutil arcabouço de mecanismos de controle que garantem a fabricação e construção do consentimento e consenso de um sujeito assujeitado.

Os efeitos colaterais do keynesianismo e as necessidades de ajustes, reformas e rearticulações já são apontadas no Colóquio Walter Lippmann, realizado em Paris, a partir de agosto de 1938, preparando as condições para a reinvenção do liberalismo através do neoliberalismo e reacomodação do papel e função do Estado Político (e de Direito) do capital (intervencionismo propriamente liberal), como também para a criação da Sociedade Mont-Pèlerin, formada em 1947.

No plano internacional, os organismos multilaterais internacionais se ocuparam de propagandear e difundir as novas ideias, ideais, conceitos, slogans, lemas, cartilhas da refundação liberal, isto porque são os coadjuvantes extensivos da ordenação política-econômica ditada pelo “sistema global de Estados múltiplos” (WOOD, 2014, p. 18), ou, em outras palavras,

2 “Significando inicialmente administrar, dirigir, conduzir, o termo „gestão‟ remete atualmente a certo tipo de relação com o mundo, com os outros e consigo mesmo. (...) é, definitivamente, um sistema de organização do poder. (...) As necessidades de gestão se impõem à opções políticas e sociais. Os homens procuram na gestão um sentido para a ação e até, por vezes, para sua vida e para seu futuro. A economia política se torna uma economia gestionária, na qual as considerações contábeis e financeiras importam mais que as considerações humanas e sociais. (...) (Também é empregada como) ideologia que legitima uma abordagem instrumental, utilitarista e contábil das relações entre o homem e a sociedade. Sob uma aparência pragmática e racional, a gestão subentende uma representação do mundo que justifica a guerra econômica. Em nome do desempenho, da qualidade, da eficácia, da competição e da mobilidade, construímos um mundo novo” (GAULEJAC, 2007, p. 37, 40, 31).

3 Evoca a ideia de arranjar, instalar, providenciar. Atualmente, as empresas utilizam o termo significando “arrumação”, com um sentido mais preciso de manipular, manobrar, manejar (GAULEJAC, 2007, p. 51 e 52). “Arte de governar os homens e as coisas: de um lado, fazer a arrumação e dirigir; do outro, ordenar e arranjar” (GAULEJAC, 2007, p. 111). “(...) uma tecnologia de poder, entre o capital e o trabalho, cuja finalidade é obter a adesão dos empregados às exigências da empresa e de seus acionistas. (...) (Essas) tecnologias gestionárias induzem e (...) contribuem para normalizar os comportamentos, eliminando toda crítica. A gestão gerencialista é uma mistura não só de regras racionais, de prescrições precisas (metas), de instrumentos de medida sofisticados, de técnicas de avaliação objetivas, mas também de regras irracionais, de prescrições irrealistas, de painéis de bordo inaplicáveis e de julgamentos arbitrários (...) o poder gerencialista mobiliza a psique sobre objetivos da produção. Ele põe em ação um conjunto de técnicas que captam os desejos e as angústias para pô-los a serviço da empresa. Ele transforma a energia libidinal (sentimentos, afetividade, emoções) em força de trabalho. Ele encerra os indivíduos em um sistema paradoxal que os leva a uma submissão livremente consentida. (...) A ideologia gerencialista preenche o vazio ético do capitalismo a partir do momento que este se dissociou da ética protestante, que fundava sua legitimidade. O poder gerencialista se desenvolve diante do duplo movimento de abstração e de desterritorialização do capital (...)” (GAULEJAC, 2007, p. 31, 41, 42), da transformação do trabalho concreto em trabalho abstrato.

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“um sistema global de múltiplos Estados locais, estruturados numa relação complexa de dominação e subordinação” (WOOD, 2014, p. 27).

O processo de valorização do capital, da acumulação exponencial capitalista, necessita de acompanhamento constante para planejar e conduzir as mudanças exigidas para a continuidade da extração do mais-valor. A “mundialização do capital” (CHESNAIS, 1996) ocorrida nas décadas posteriores à II Guerra Mundial, indevida, errônea e equivocadamente denominada de “globalização4”, é um outro momento daquele processo e representa uma nova fase do

imperialismo do sistema capital, já apontada por Lênin (2005) e Rosa Luxemburgo (1985), iniciado a partir do momento em que todos os espaços vitais e territórios tenham sido devidamente ocupados e (neo)colonizados.

O pós-II Guerra concretizou as tendências apontadas por Lênin e Luxemburgo, fazendo germinar a “nova forma de império” (WOOD, 2014, p. 09), “cuja principal característica é operar o máximo possível por meio dos imperativos econômicos, e não pelo domínio colonial direto”. Eis a originalidade e caráter distintivo do novo imperialismo: “seu modo único de dominação econômica administrada por um sistema de Estados múltiplos” (WOOD, 2014, p. 115).

Os traços principais reunidos e sintetizados por Lênin há mais de 80 anos para descrever o imperialismo são exacerbados: fortalecimento de monopólios, concentração do poder de dominação em um pequeno número de nações ricas e poderosas que submetem um número crescente de nações, centralização do capital internacional em um número restrito de grandes corporações. Capital comercial, industrial, e financeiro se fundem dominando os diferentes setores da produção e valorizando o valor através dos investimentos e aplicações em títulos das Bolsas de Valores, concretizando a subsunção real do capital produtivo ao capital especulativo, financeiro. De modo que o capital financeiro parece adquirir predominância, passando a dominar e submeter as demais formas de capital.

Nessa nova conjuntura, as organizações empresariais, os homens de negócio, passam a expandir e estender seus domínios, fazendo do mundo a sua imagem e semelhança, impondo os

imperativos econômicos sistêmicos de mercado a todos os espaços sociais, remodelando o ethos

da vida social por intermédio do “imperativo da concorrência, da maximização dos lucros e da

4 O termo, propalado no início da década de 1980, origina-se das escolas de negócio de Harvard, Columbia e Stanford. O objetivo é passar a ideia de que todos os obstáculos que impediam a expansão do capital haviam sido quebrados. Era o princípio de um novo tempo, de um mundo sem fronteiras, transformado numa “aldeia global”, aumentando cada vez mais a interdependência entre os seres humanos, realizando a integração da economia mundial, liberalizada e desregulamentada, fazendo fluir o movimento do capital, cada vez mais volátil graças aos avanços das telecomunicações e da rede informática, reestruturando as políticas internacionais e as áreas de investimento de capital. As novas tecnologias figuram enquanto “condição permissiva e como fator de intensificação” (CHESNAIS, 1996, p. 26) da mundialização do capital.

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acumulação, que inevitavelmente exigem a colocação do valor de troca na frente do valor de uso e do lucro na frente das pessoas” (WOOD, 2014, p. 24). O mercado, os interesses privados e a lógica empresarial que os traduz passam a regular, gestar e gerir todas as relações sociais e de produção, incluindo o campo das políticas “públicas”-estatais. O crescimento da influência dessas organizações e corporações, dos empresários e dos homens de negócio materializa-se através do Todos Pela Educação, movimento de caráter global com suas representações na escala nacional, interferindo diretamente nas políticas “públicas” dos Estados-Nação, principalmente no âmbito da educação, como demonstra a construção do PDE e do PNE no caso brasileiro.

A nova pedagogia do capital se materializa através da gestão e do gerencialismo, onde o privado serve de paradigma para o público, uma vez que o primeiro contém em si todas as virtudes em contraposição ao segundo, onde estão todas as imperfeições, vícios, defeitos, males. Nas políticas “públicas”-estatais educacionais, as Fundações, Institutos do setor privado (empresários e homens de negócio) se incumbem da tarefa de transformar a educação “pública”, adaptando-a e adequando-a aos novos tempos do capital mundializado e financeirizado, produzindo o capital humano competente, competitivo, adaptável, flexível, empreendedor requisitado pela competitividade da economia concorrencial globalizada.

A educação torna-se um indicador de competitividade entre outros nessa renovada ordenança e governança mundial da sociedade de mercado, e o consumo ultrapassa e assume o lugar da transmissão do patrimônio histórico-cultural produzido e acumulado pelas várias gerações humanas. Como apontado por Laval (2004, p. XVI): “(...) os jovens são facilmente desencaminhados pela „socialização-atomização‟ mercantil das alegrias intelectuais e, em decorrência, entram com mais dificuldade na cultura transmitida pela escola”, afinal, estão à mercê “da pressão das solicitações mercantis e de divertimentos audiovisuais que aprisionam o desejo subjetivo na gaiola estreita do interesse privado e do consumo”.

Nesse tocante, vale a pena complementar a afirmação do autor com o pensamento de Gaulejac (2007), evidenciando a sedução e galvanização dos indivíduos pelos segredos do sucesso, da satisfação dos desejos, dos resultados, do desempenho eficaz, da competitividade e concorrência, cada vez mais fascinados por acrobacias do “aprender a aprender” do que por conteúdos. No mundo do mercado e dos negócios o essencial é ser pragmático e guiar-se por boas práticas, e não por teorias. Segundo Gaulejac (2007, p. 18): “É provável, inclusive, que o humor, que subitamente invadiu as salas de aula, em escolas ou empresas, seja corolário de um esvaziamento das grandes narrativas, como a do próprio conhecimento (...), ou de modalidades de cultura „reflexiva‟”.

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O universo dos conhecimentos e o dos bens e serviços parecem se confundir, a ponto de serem cada vez mais numerosos aqueles que não veem mais a razão de ser da autonomia dos campos de saber nem a significação tanto intelectual quanto política da separação entre o mundo escolar e o das empresas. (...) Na nova ordem educativa que se delineia, o sistema educativo está a serviço da competitividade econômica, está estruturado como um mercado, deve ser gerido ao modo das empresas (empenhado em realizar a promessa de) (...) aprendizados dóceis às empresas e voltados para a satisfação do interesse privado. Quem mais é em nome da „igualdade de chances‟, instaura uma lógica mercantil que consolida e mesmo intensifica as desigualdades existentes.

É assim que a lógica empresarial vai se apropriando e tomando conta da educação “pública”-estatal e construindo um novo ideal de homem e de sociedade: o capital humano, a sociedade de mercado. Se desde a revolução industrial do século XVIII as relações entre complexo do trabalho/produção e complexo da educação/escola já eram denunciadas, essas relações tornaram-se ainda mais complexas, de modo que hoje assiste-se à entrega da educação “pública”-estatal (rendida e prisioneira em uma gaiola dourada) ao mercado, aos empresários e homens de negócio. No Estado do Piauí, esse entreguismo se concretiza através dos governos de Wilson Nunes Martins (PSB – Partido Socialista Brasileiro/2010-2014) e José Wellington Dias (PT – Partido dos Trabalhadores/2014-2018, reeleito em 2018, com mandato até 2021), cujas diretrizes das políticas “públicas”-estatais educacionais seguem os ditames do governo federal (PDE, PNE) pactuado com o empresariado (Todos Pela Educação), os homens de negócio e os Organismos Multilaterais Internacionais5 que orientam os rumos e modus operandi da educação. A fala de Wilson Martins quando em campanha deixou bem claro como iria governar: “(...) na

defesa das ações do governo estadual e no alinhamento com o governo federal” (Wilson Martins é reeleito..., Gl. Globo, 2010), o que significa dizer: defendendo as Parcerias Público-Privadas (PPP‟s) no regime da Reforma do Estado neoliberal de Terceira Via brasileiro.

Seu sucessor daria continuidade a essa prática de forma muito mais acentuada, pois seguindo o exemplo dos homens modernos e de visão, como Jorge Paulo Lemann (CORREA, 2013), que concede bolsas de estudo para os “colaboradores” de melhor desempenho e competitividade – ou que apresentam um perfil promissor que justifica o investimento inicial – em Stanford, Columbia, Harvard, Illinois para se atualizar com os melhores na área da gestão e gerenciamento, Wellington Dias havia concluído em 2015 o curso de especialização em Gestão Pública em Harvard (Wellington Dias toma posse..., Gl. Globo, 2015).

A influência das ideias difundidas e incutidas por esse curso podem ser constatadas numa assertiva feita pelo governador em relação ao Projeto Jovem de Futuro, parceria firmada entre a

5 Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização Mundial do Comércio, Comissão Europeia, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

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Seduc (Secretaria de Educação e Cultura do Estado do Piauí), o Instituto Unibanco e o MEC em fevereiro de 2012, destacando a importâncias das parcerias público-privadas, dizendo que “toda e qualquer ação nesse sentido é fundamental para o fortalecimento da educação” (Seduc e Instituto Unibanco lançam..., SEDUC/PI, 2015). Além da continuidade da parceria com o

Instituto Unibanco, em abril de 2017 é firmada a parceria com a Fundação Lemann, de Jorge

Paulo Lemann.

A política “pública”-estatal educacional e a educação “pública”-estatal passam a funcionar sob a lógica da gestão gerencialista empresarial ou, em outras palavras, pela lógica do mercado e da prevalência dos interesses individuais, onde os processos e procedimentos são organizados seguindo os parâmetros do léxico e do ethos dos homens de negócio, devendo: apresentar resultados, desempenho; realizar projetos; primar pela “qualidade” quantificada (IDEB); desenvolver boas práticas; alcançar as metas; desenvolver o perfil do novo homem para o mercado (flexível, reativo, comunicativo, empreendedor de si – homem-empresa –, motivado, eficaz, adaptável, competitivo, autônomo, etc.); e todas as demais práticas implicadas nas organizações produtivas e de serviços, de modo que a educação vai deixando de atuar como uma

instituição e passa a se comportar como uma organização produtiva flexível (de bens e serviços).

Daí a importância de compreender as bases da gestão gerencialista, aplicação prática do neoliberalismo (normatização pelo mercado) nas práticas escolares e educativas (escola neoliberal/educação neoliberal). Por isso mesmo a gestão – e seu “boom”, que ocorre na década de 1980 – pode ser entendida como complemento extensivo da produção de um renovado ethos político, social e cultural para responder às renovadas necessidades de valorização do valor e acumulação do capital no mundo das novas tecnologias de comunicação e informação (NTIC) e da predominância do capital financeiro/especulativo sobre o produtivo/industrial.

Há que se ressalvar que quando da passagem do trabalho artesanal para o trabalho industrial, há a necessidade de garantir e assegurar a extração do valor de uso da força de trabalho do trabalhador assalariado, ou seja, sua vontade, criatividade, iniciativa, envolvimento afetivo-sentimental, comportamental-atitudinal. Não basta apenas se apropriar do seu valor de

troca, isto é, a transformação do trabalhador em mercadoria que se vende no mercado sob a

legitimidade legal de um contrato que, formalmente, o coloca em igualdade jurídica com o capitalista, já que ambos aparecem como livres e proprietários de algo e acordam em trocar suas propriedades para realização de seus fins (interesses individuais, egoísticos). Na verdade, trata-se da expropriação do trabalhador dos meios e bens de produção, não restando a ele nada mais que sua força de trabalho física e mental, ou seja, seu valor de troca.

Porém, ainda que a exploração e extração do valor de troca estejam assegurados pelas novas relações de produção (capitalista), de propriedade (privada) e de trabalho (assalariado), o

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mesmo não ocorre com o valor de uso da força de trabalho. É justamente aí que entra o papel da educação sistematizada (hoje sofrendo uma desinstitucionalização6 pela adoção da lógica, das práticas empresariais e de mercado), da educação escolar, universalizada (massificada) através do ensino “público”-estatal. Como diz Enguita (1989, p.144), o valor de uso da força de trabalho do trabalhador só é obtida através do seu consentimento, do concurso de sua vontade, “e, portanto, nada mais seguro que moldá-la desde o momento de sua formação”.

O renovado interesse dos empresários e dos homens de negócio pela educação advém dessa consciência e da necessidade de tomar conta, não mais de forma indireta mas direta, da forma(ta)ção da força de trabalho, garantindo que o processo de escolarização produza o capital

humano com os atributos necessários exigidos pela reordenação das bases

técnico-tecnológica-científicas e econômico-produtiva-financeira do sistema capital mundializado.

Coloca-se em questão a função social da escola para a reprodução social (produção dos indivíduos como seres humanos), que é o conhecimento universal e desinteressado, precisamente por elaborar e sistematizar o patrimônio histórico-cultural-artístico-filosófico produzido e acumulado pelas várias gerações humanas.

Esse tipo de conhecimento não é útil ao mercado, não responde as suas demandas. Erudição e cultura não produzem rentabilidade, muito menos competitividade. O saber requerido e que realmente importa é aquele ligado à prática (pragmático, utilitário, instrumental), o

saber-fazer, e exige que o indivíduo esteja aberto, disposto e apto a “aprender a aprender” “ao longo

de toda a vida”. Afinal, “o mercado é um processo de aprendizagem contínua e adaptação permanente” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 147).

As organizações empresariais necessitam, mais do que em qualquer outro momento histórico, que os trabalhadores se submetam sem resistência e rebeldia às novas exigências e incertezas do mercado de trabalho. Para isso, precisarão investir nos estudos de captura da subjetividade (desejos, sentimentos, energia psíquica, criatividade, imaginação, afetividade, etc.) do trabalhador.

Tais estudos têm início já na década de 1930, objetivando combater os efeitos colaterais do fordismo-taylorismo, sendo um dos principais a indiferença dos trabalhadores em relação ao

6 Uma das características essenciais das instituições sociais é sua permanência e autonomia relativa em relação àqueles que ocupam seus cargos hierárquicos e desempenham as funções sociais reconhecidamente garantidoras da reprodução da vida social. O ditado popularmente conhecido de que “as pessoas passam e as instituições permanecem” atesta, justamente, a estabilidade imanente às instituições. Diferentemente das instituições sociais, como é o caso da escola, as organizações produtivas (de bens e serviços), onde se enquadram as empresas, são marcadas pela instabilidade, pela incerteza, pela fluidez e vicissitudes do mercado, tendo de se adaptar a elas e responder imediata e reativamente à altura (inovar), visando resultados, rentabilidade, competitividade, alto desempenho, maximização dos lucros e diminuição dos custos, eficácia e eficiência objetivas (quantificadas, mensuradas, calculadas, projetadas).

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seu trabalho e ir além da visão estreita do homem econômico (bolsa e mão), procurando enxerga-lo como um metabolismo rico, diverso e complexo, enfatizando a determinação reflexiva de suas emoções e sentimentos nos resultados da produtividade e rentabilidade.

A sociologia, psicologia e a ergonomia7 aplicadas ao estudo e pesquisa das relações e comportamentos humanos serão responsáveis por revolucionar a área de recursos humanos das empresas no início da década de 19308. Os resultados obtidos servirão para o desenvolvimento de técnicas gestionárias e gerenciais largamente aplicadas a partir da década de 1980 e sucessivamente aperfeiçoadas.

Suas implicações tornam-se verificáveis através das novas táticas empregadas pelas organizações produtivas para capturar a subjetividade dos trabalhadores9, sua subsunção e exploração consentidas e consensuais10. Na verdade, há um refinamento desse processo de sedução e ludibriar, reforçado pelo discurso da competitividade econômica mundial e pelas perdas dos direitos e proteção social dos trabalhadores (Reforma Trabalhista e tentativa de fazer aprovar, a todo e qualquer custo, a Reforma da Previdência).

A pedagogia da gestão gerencialista traduzida seria: como conduzir o trabalhador e

envolve-lo com os objetivos da empresa, manipulando-o e controlando-o de modo perspicaz,

obliterando as formas de controle e poder a que está indiscutivelmente preso (prisão que liberta), extraindo desses trabalhadores uma implicação subjetiva e afetiva com seu trabalho11. É assim que “a repressão é substituída pela sedução, a imposição pela adesão, a obediência pelo reconhecimento” (GAULEJAC, 2007, p. 113).

Cada trabalhador deve sentir-se responsável pelos resultados para poder desenvolver suas competências e seus talentos, assim como sua criatividade. O essencial não é mais o respeito pelas regras e pelas normas formais, mas a emulação permanente para realizar os objetivos. A mobilização pessoal torna-se

7 “Ergonomia é o estudo do relacionamento entre o homem e seu trabalho, equipamento e ambiente e, particularmente, a aplicação dos conhecimentos de anatomia, fisiologia e psicologia na solução dos problemas surgidos desse relacionamento” (Ergonomics Research Society, 1950) Disponível em:

https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/fisioterapia/ergonomia/10546. Em 12 de junho de 1949 realiza-se a reunião que define a ciência da adaptação do trabalho ao homem, sendo oficializada em 1950. Ergo = trabalho, Nomos = lei, regra, conhecimento, saber. Conjunto de conhecimentos sobre o funcionamento do homem em atividade, a fim de se aplicar à concepção de tarefas e utensílios, máquinas e sistema operativos.

8 Um grupo de estudiosos renomados de Harvard (George Elton Mayo, T. Nash Whitehead, Fritz J. Roethlisberger e William J. Dickson) desenvolveram uma série de estudos e experiências no campo da motivação. Ficaram conhecidos como Escola das Relações Humanas.

9 Ver o filme A Onda, da década de 1980 e não a nova versão.

10 “(...) a dimensão subjetiva tornou-se tanto uma realidade em si como um instrumento objetivo de sucesso da empresa. A „motivação‟ no trabalho apareceu, então, como o princípio de uma nova maneira de conduzir os homens no trabalho, mas também os alunos nas escolas, os doentes nos hospitais e os soldados no campo de batalha. A subjetividade, feita de emoções e desejos, paixões e sentimentos, crenças e atitudes, foi vista como a chave do bom desempenho das empresas. Departamentos de recursos humanos, empresas de seleção e recrutamento e especialistas em formação puseram em ação um trabalho específico de conciliação entre a subjetividade desejante e os objetivos da empresa” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 359).

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uma exigência. Cada um deve ser motivado para preencher seus objetivos com entusiasmo e determinação. O desejo é solicitado permanentemente: desejo de sucesso, gosto pelo desafio, necessidade de reconhecimento, recompensa pelo mérito pessoal (GAULEJAC, 2007, p. 113).

Os próprios trabalhadores se autocontrolam, autodisciplinam, autovigiam através dos resultados que precisam alcançar (eliminam-se, assim, as funções intermediárias de supervisores, por exemplo); do desempenho, sempre mais alto e melhor, que precisam demonstrar; redobram a atenção para evitar as falhas e fazer certo da primeira vez, para agir de modo eficiente, seguindo à risca o paradigma utilitarista, procurando “otimizar a relação entre os resultados pessoais de sua ação e os recursos que a isso consagra” (GAULEJAC, 2007, p. 77), fazendo mesmo cada vez mais com sempre menos (meios e salário).

“O paradigma utilitarista transforma a sociedade em máquina de produção e o homem em agente a serviço da produção. A economia se torna a finalidade exclusiva da sociedade, participando da transformação do humano em „recurso‟” (GAULEJAC, 2007, p. 79).

Por isso, pode-se elencar como algumas das características principais da gestão gerencialista, além do “primado dos objetivos financeiros, a produção da adesão (e) a mobilização psíquica” (GAULEJAC, 2007, p. 112). De modo que

o poder gerencialista não funciona como uma „maquinaria‟ que submete indivíduos a uma vigilância constante, mas como um sistema de solicitação que suscita um comportamento reativo, flexível, adaptável, capaz de por em prática o projeto da empresa. (...) A gestão gerencialista prefere a adesão voluntária à sanção disciplinar, a mobilização à obrigatoriedade, a incitação à imposição, a gratificação à punição, a responsabilidade à vigilância. (...) Não se procura mais indivíduos dóceis, mas „batalhadores‟, winners que têm gosto pelo desempenho e pelo sucesso, que estão prontos para se devotar de corpo e alma. Duas outras qualidades também são exigidas: o gosto pela complexidade e a capacidade de viver em um mundo paradoxal (GAULEJAC, 2007, p. 118, 119, 120).

Instala-se um clima de pressão contínua dentro e fora do ambiente de trabalho. As fronteiras entre os locais e postos de trabalho e entretenimento e família se dissipam, ainda mais com a utilização massiva das novas tecnologias de comunicação e informação que possibilitam estar ligado ininterruptamente, transgredindo as barreiras de espaço e tempo pela hegemonia do ciberespaço. As expectativas dos empregadores aumentam no que se refere aos resultados, ao desempenho. O trabalhador se vê obrigado e forçado, pelas próprias circunstâncias da economia, a estar sempre acima das projeções, pois só assim poderá se manter por mais tempo empregado, embora não seja possível prever o quanto, porque com a instalação da concorrência brutal entre os trabalhadores e o processo de individualização que essas tecnologias gerenciais geram, o “sempre mais”, “sempre melhor”, a “inovação” e a “reatividade” nunca parecem ser suficientes, sendo inundado e tendo de conviver com um sentimento de angústia. Afinal, “o sucesso pode ser

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