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A possibilidade jurídica da adoção homoafetiva no Brasil e a contradição do Estado Democrático de Direito

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF

FACULDADE DE DIREITO

MAYARA DE SOUZA RAMOS MENDES

A POSSIBILIDADE JURÍDICA DA ADOÇÃO

HOMOAFETIVA NO BRASIL E A CONTRADIÇÃO DO

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Niterói, RJ

2016

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MAYARA DE SOUZA RAMOS MENDES

A POSSIBILIDADE JURÍDICA DA ADOÇÃO

HOMOAFETIVA NO BRASIL A CONTRADIÇÃO DO

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito obtenção do título de bacharel em Direito.

ORIENTADOR: PROF. EDER FERNANDES MÔNICA

Niterói, RJ

2016

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Universidade Federal Fluminense Superintendência de Documentação

Biblioteca da Faculdade de Direito

M538 Mendes, Mayara de Souza Ramos

A possibilidade jurídica da adoção homoafetiva no Brasil e a contradição do Estado Democrático de Direito / Mayara de Souza Ramos Mendes. –

Niterói, 2016.

57 f.

TCC (Curso de Graduação em Direito ) – Universidade Federal Fluminense, 2016.

1. Direito civil. 2. Direito constitucional. 3. Direito de família 4. Adoção. 5. Homossexualidade. I. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Direito, Instituição responsável II. Título.

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MAYARA DE SOUZA RAMOS MENDES

A POSSIBILIDADE JURÍDICA DA ADOÇÃO

HOMOAFETIVA NO BRASIL E A CONTRADIÇÃO DO

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito obtenção do título de bacharel em Direito.

Aprovada em 05 de abril de 2016.

COMISSÃO EXAMINADORA

________________________________________ Prof. Dr. Eder Fernandes Mônica (Orientador)

________________________________________ Prof. Dr. Giselle Picorelli Yacoub Marques (UFRRJ)

________________________________________ Prof. Me. Ana Paula Antunes Martins (UnB)

________________________________________ Pesquisadora Beatriz Akutsu (PPGSD/UFF)

(5)

Aos meus pais, com todo o meu amor e gratidão.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, eu agradeço a Deus. A correria do dia-a-dia, às vezes, nos faz buscar a fé somente nos momentos de necessidade, mas mesmo assim, Ele, junto dos amigos espirituais e protetores, nunca deixaram de me guiar e me colocar no caminho certo: o da vitória.

Agradeço aos meus pais, Carla e Leandro, por sempre me ensinarem o valor da educação e por acreditarem em mim. Por me ensinarem que a família é a base de tudo e transformarem o nosso lar nesse alicerce poderoso, que nos sustenta em todas as situações.

Aos meus irmãos, Guilherme e Fernanda, que são além de tudo, meus melhores amigos. Obrigada por torcerem por mim e pelo meu sucesso e por compreenderem as minhas desculpas e as minhas ausências. Com vocês dois, papai, mamãe, Lila e Miucha, não somos uma família de comercial de margarina, mas somos a melhor família que poderíamos ter e eu amo vocês acima de qualquer coisa.

Ao meu incrível namorado, Túlio, pelos melhores anos da minha vida. Obrigada por sempre estar ao meu lado, me apoiando, sendo meu parceiro e me ajudando a passar pelas dificuldades. Sempre me dando bons conselhos e querendo o meu melhor. Eu não poderia desejar ninguém tão bom pra mim como você é.

Agradeço ainda aos meus amigos, mas especialmente aos “mores” da UNIRIO e à Mari, à Cecília, à Larissa, à Gabi e à Alexia, da UFF, por enfrentarmos juntos essa fase longa e maravilhosa que é a graduação, sempre apoiando uns aos outros, dando leveza ao dia-a-dia e estando presente nas piores e nas melhores horas. Que a nossa amizade dure por mais muitos anos.

Por fim, agradeço ao meu orientador Eder Fernandes, pela paciência e por me mostrar a importância de um trabalho acadêmico bem feito.

(7)

“A democracia surgiu quando, devido ao fato de que todos são iguais em certo sentido, acreditou-se que todos fossem absolutamente iguais entre si.”

Aristóteles

(8)

RESUMO

O presente trabalho pretende demonstrar que as dificuldades e os obstáculos enfrentados pelas famílias homossexuais no espaço da adoção vão de encontro ao que se entende por Estado Democrático de Direito, porquanto violam princípios e garantias fundamentais, como a dignidade da pessoa humana. Esta ideia surgiu da polêmica que permeia este instituto, o da adoção homoafetiva, como forma de discutir a impossibilidade de constituição de famílias homoparentais, que é uma problemática regida pela moralidade e conservadorismo presentes na sociedade brasileira, que aceita melhor que um casal heterossexual abandone uma criança, mas rejeita que um casal homoafetivo a adote. Para construção dos argumentos, foi utilizado método de pesquisa bibliográfica, com análise de textos, leis e jurisprudência e construção de análises históricas, sociológicas e legais. Conclui-se que, de fato, o modelo democrático vigente no Brasil não é suficiente para a demanda dos grupos sociais minoritários e o Estado Democrático de Direito não pode ser invocado, porquanto não se é garantido a todos os cidadãos direitos iguais, de modo que se violam direitos e garantias fundamentais e princípios constitucionais.

Palavras-chave: Adoção. Parentalidade. Homoafetividade. Democracia. Estado Democrático de Direito.

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ABSTRACT

The study intends to demonstrate that the difficulties and the obstacles the homosexuals families face in the space of adoption contraries the meaning of Democratic State ruled by law, as it violates principles and fundamental guarantees, like the dignity of human beings. This idea came from the controversies of the homoaffective adoption, as a way to discuss that the impossibilities of having a homoparental family is a problem ruled by morality and conservatism that exists in the Brazilian society, that accepts better an heterosexual couple to abandon a child, but rejects an homoaffective one to adopt her. To construct the arguments, was used bibliographic research method, with text, law and jurisprudence analysis and constructed historical, sociological and legal analysis. We conclude that, in fact, the current democratic model in Brazil is not enough to the minority social groups demands, and the Democratic State ruled by law can not be invoked, as it is not guaranteed to all citizens equal rights and violates rights and fundamental guarantees and constitutional principles.

Keywords: Adoption. Parenthood. Homoaffectivity. Democracy. Democratic State ruled by law.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 10

2. A FAMÍLIA NO BRASIL E O PARENTESCO HOMOAFETIVO ... 12

2.1. Evolução do conceito de família ... 12

2.2. A família no ordenamento jurídico brasileiro ... 14

2.2.1. A família na Constituição Federal ... 17

2.3. Naturalização de famílias hetero e monoparentais ... 21

3. A DEMOCRACIA E A ADOÇÃO HOMOAFETIVA ... 28

3.1. Teorias democráticas e a democracia da maioria ... 28

3.2. Estado Democrático de Direito e a Possibilidade Jurídica da Adoção Homoafetiva ... 36

4. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL – DECISÕES JUDICIAIS QUE VÃO CONTRA A MAIORIA ... 41

5. CONCLUSÃO ... 50

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1. INTRODUÇÃO

Ao longo das últimas décadas, o Brasil vem avançando fortemente no que se refere à garantia de direitos básicos de fundamentais às ditas minorias, como é o caso do reconhecimento da união estável homossexual. Não de forma pacífica, mas sob protestos de alas mais conservadoras, que, visando a proteção da família tradicional, enquanto instituto, e da moralidade, tentam impedir esse caminhar no sentido de conceder aos homossexuais os mesmos direitos, principalmente no ramo do Direito de Família.

Garantido o direito à união estável, no âmbito das famílias homoafetivas, agora busca-se garantir o direito à filiação através da adoção.

As mudanças observadas nas configurações familiares da sociedade brasileira criaram uma necessidade de se reconhecer legalmente outras formas de família. Desde aquelas compostas por homem e mulher, a famílias monoparentais, ou formadas por parentesco colateral e até mesmo por casais com pessoas do mesmo sexo. A família é reconhecida como instrumento que garante a realização do princípio da dignidade da pessoa humana e todas as suas formas devem ser tratadas com igualdade.

Desde 1988, com a promulgação da Constituição Federal, o Brasil deixou de um período ditatorial para se tornar um Estado Democrático1, que tem como objetivos uma sociedade justa, plural e livre de preconceitos, com respeito à individualidade, à igualdade e ao bem estar. Além disso, o art. 1º, III da Carta Magna inclui como fundamento da República a dignidade da pessoa humana.

No entanto, toda a ideologia presente ao longo do texto constitucional nem sempre está presente na prática, nos textos legislativos. O Estado Democrático de Direito, que possui como base a existência de leis justas, que promovam igualdade, objetivando garantir a dignidade da pessoa humana, necessita, como base, de um modelo democrático que garanta aos cidadãos, participação ativa na tomada de decisões e na vida política do país.

Após uma pesquisa bibliográfica, de literatura sociológica e jurídica, o presente trabalho pretende verificar se o modelo democrático vigente no Brasil

1

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atende às necessidades das minorias, principalmente no tocante ao Direito de Família, mais especificamente na adoção homoafetiva. Este ramo, ao misturar conceitos modernos, como homoafetividade, parentesco socioafetivo, etc, ainda sofre muita influência do conservadorismo, o que dificulta a garantia de direitos básicos aos grupos sociais minoritários.

Em um primeiro momento, traçaremos um breve histórico da evolução do conceito de família no Brasil, adentrando nos avanços dentro do ordenamento jurídico brasileiro, pretendendo demonstrar que as mudanças ocorridas na sociedade ao longo dos anos, são refletidas no momento da elaboração das leis. Ainda, buscaremos analisar os aspectos da sociedade e o direito brasileiro, sob a ótica do conservadorismo, que faz com que tendam a naturalizar comportamentos, de modo a dificultar e, até mesmo, inviabilizar a concessão de direitos mínimos aqueles que não se adequam ao padrão heteronormativo, dentro do âmbito da adoção.

No segundo capítulo, analisaremos estudos de teorias democráticas, para encontrar o modelo vigente no Brasil e desconstruí-lo, a fim de apresentar outras possibilidades mais eficazes para a realização de um sentido profundo de democracia, no qual o povo possui efetiva participação e os direitos são isonômicos. Utilizaremos este estudo para contrapor o modelo democrático vigente e a ideia de Estado Democrático de Direito, demonstrando que a teoria democrática hegemônica não é suficiente para garantir os direitos fundamentais a todos os cidadãos, rompendo, desta forma, com a noção de que o Brasil é um Estado Democrático ou que ao menos cumpre esse papel.

Finalmente, no terceiro e último capítulo, traremos uma análise jurisprudencial, com decisões sobre adoções conjuntas por pessoas do mesmo sexo, a fim de identificar como o judiciário brasileiro vem lidando com as lacunas deixadas nas leis, valendo-se de princípios constitucionais para equiparar e tornar igualitárias as composições familiares existentes, de modo a viabilizar adoção por famílias homoparentais.

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2. A FAMÍLIA NO BRASIL E O PARENTESCO HOMOAFETIVO

2.1. Evolução do conceito de família

Inicialmente, traçaremos um brevíssimo histórico da evolução do conceito de família no Brasil, sob a ótica, principalmente, jurídica. Por este motivo, faz-se necessária a citação de manuais e livros didáticos de Direito, com o intuito de analisar a forma como o ordenamento jurídico brasileiro absorveu as mudanças sociais no âmbito da família.

A família na sociedade brasileira possui um histórico de característica patriarcal, isto é, famílias caracterizadas por relações hierárquicas, prevalecendo a autoridade paterna, a monogamia heterossexual e o casamento indissolúvel.

A estrutura da família patriarcal era construída na figura de um chefe, representado pelo pai, somado à esposa, filhos, netos, sendo esses os representantes primários. Além destes, havia os membros secundários, cuja formação era composta por criados, afilhados, agregados, etc. O patriarca estava à frente de ambos os grupos familiares, comandando os negócios, defendendo a honra da família dentre outras funções.

Nas palavras de Gagliano (2011, p.62):

Sob o manto (ou o jugo) conservador e hipócrita da “estabilidade do casamento”, a mulher era degradada, os filhos relegados a segundo plano, e se, porventura, houvesse a constituição de uma família a latere do paradigma legal, a normatização vigente simplesmente bania esses indivíduos (concubina, filho adulterino) para o limbo jurídico da discriminação e do desprezo.

Este conceito de família patriarcal foi consolidado pela análise de Gilberto Freyre2 a respeito da formação da sociedade brasileira e permanece como ponto de partida dos estudos sociológicos, antropológicos e até mesmo jurídicos, a respeito do conceito de família no Brasil.

2 “Em Casa Grande & Senzala, Gilberto Freyre apresenta a conhecida descrição da família

patriarcal colonial brasileira, uma família chefiada por um patriarca que detém poder sobre seus filhos e esposa e também sobre parentes, agregados e escravos, constituindo uma família extensa. Esta imagem acabou sendo hegemônica quanto à caracterização do que seria a família no período colonial brasileiro.” (ITABORAÍ, 2005, p.173).

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Importante lembrar que os colonizadores brasileiros tinham origem europeia, com seus costumes e tradições transplantadas e adaptadas à realidade colonial. Portanto, as noções de casamento e família eram regidas pela Igreja Católica, seguindo um modelo com tendências conservadoras, fazendo com que, a título de exemplo, as relações existentes entre colonizadores e índias, ou colonizadores e escravos, não fossem consideradas família.

O crescimento da urbanização, a Revolução Industrial e necessidade da mulher compor o mercado de trabalho, fez com que surgisse a figura da família nuclear, que, mais moderna e diferentemente patriarcal, é composta apenas pelo pai, esposa e seus descendentes. Segundo ensina Teruya (2000, p.10):

A condição urbano/rural foi a baliza para determinar o tipo familiar. Concordava-se que o processo de urbanização e industrialização da sociedade no século vinte, juntamente com o fenômeno da migração, fizeram com que o controle da produção passasse gradualmente da família para os empresários capitalistas e para o Estado, e com isto, ocorreram o enfraquecimento das relações de parentesco, a redução do tamanho da família e a redução do poder do pai e do marido.

Manteve-se, porém, a moral patriarcal como medida: o tabu da virgindade para as mulheres e o da virilidade para os homens e a dupla estrutura familiar, herança de uma sociedade escravista (uma legal, representada pelo núcleo conjugal e seus filhos, e outra assentada sobre a violação dos direitos dos menos afortunados).

Esta estrutura familiar surgiu a partir do século XVIII, na Europa, como uma ideia de manter a família em um espaço mais limitado e próximo da vida particular, afastando-se do caos da família extensa. Esta tendência fez com que o espaço familiar fosse isolado, não só entre seus membros, como também da criadagem, que, se na família patriarcal compunha o núcleo secundário, na nuclear nem mais família é considerada. No Brasil, ela surgiu com a chegada da Corte Real Portuguesa e persiste até os dias de hoje.

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2.2. A família no ordenamento jurídico brasileiro

É verdade que o sistema patriarcal e o nuclear foram de suma importância para a construção do que conhecemos hoje como sociedade brasileira. Entretanto, suas raízes conservadoras permanecem até os dias atuais, dificultando e, muitas vezes, até inviabilizando, o reconhecimento de outros tipos familiares, como, por exemplo, as famílias homoparentais.

Percebe-se que, apesar das diferenças entre as duas estruturas familiares, patriarcal e nuclear, é inegável que a construção de ambas se funda na heterossexualidade, com chefe de família, representado pela figura masculina do pai, como provedor, e da mãe, como a responsável pelo lar e pela criação dos filhos.

O Direito Civil moderno define a família em um sentido restrito, considerando aquelas pessoas unidas pela relação conjugal ou de parentesco. Conforme define Venosa (2008, p.1):

O direito de família estuda, em síntese, as relações das pessoas unidas pelo matrimônio, bem como daqueles que convivem em uniões sem casamento; dos filhos e das relações destes com os pais, da sua proteção por meio da tutela e da proteção dos incapazes por meio da curatela.

O parentesco, por sua vez, dá à família o sentido amplo, que compreende, não só os descendentes diretos e lineares (filhos), como ainda os ascendentes e os parentes por afinidade (colaterais do cônjuge).

O Código Civil de 1916, de criação de Clóvis Beviláqua, sob uma realidade social na qual a presença masculina no topo da família ainda era algo muito forte, considerava a família como um instituto necessário, basicamente, para a manutenção do patrimônio. Nas palavras de Orlando Gomes (2006, p.14-15):

O Código incorpora certos princípios morais, emprestando-lhes conteúdo jurídico, particularmente, no direito familiar. (...)

Vários artigos do Código denunciam, segundo o mesmo escritor3, a “preponderância do círculo da família, ainda despoticamente patriarcal”.4

(...)

3

Em trecho anterior, Orlando Gomes cita Pontes de Miranda.

4

Artigos mencionados originalmente por Orlando Gomes: 315, parágrafo único, 331, 447, 460, 461, 464, 470, 477, 744-186, 233, 329, 380, 384, 393, 407

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O marido é chefe da sociedade conjugal, competindo-lhe administrar os bens particulares da mulher, fixar e mudar o domicílio da família, e autorizar a profissão da esposa.

A criação deste Código ainda sofreu grande influência do modelo patriarcal, que apesar de, naquela época, estar se aproximando do seu fim, foi o que fundamentou as regras do Direito de Família de 1916. Neste sentido, Orlando Gomes (2006, p.18) corrobora:

A influência da organização social do Brasil Colônia faz-se sentir até o fim do século XIX, e é nos primeiros anos do século XX que começa a discussão do projeto de Código Civil elaborado por Clóvis Beviláqua. Natural, assim, que repercutisse, na sua preparação, aquele primitivismo patriarcal que caracterizou o estilo de vida da sociedade colonial.

As constantes mudanças na sociedade levam o Direito a permanecer também em constante modificação e atualização. No âmbito do Direito de Família, defendem Fiuza e Poli (2013, p. 102):

Talvez o esteio da família e das relações afetivas deva repousar nos princípios constitucionais, na medida em que toda e qualquer legislação que se pretenda criar, por mais ampla que se possa conceber, estará sempre um passo atrás da realidade social, face aos intermináveis perfis que a família assume a cada dia.

É dizer, desta forma, que apesar das tentativas de acompanhar os avanços sociais, o fato é que o Direito sempre surge após o fato. Por este motivo, torna-se uma tarefa árdua para os legisladores acompanharem, através das normas, as modificações diárias da sociedade, fazendo com que a lei sempre fique um passo atrás da realidade. Segundo expõe Moraes (2011, p.409) em seu livro A nova família e a ordem jurídica, “assim, novas formas de convivência conjugal e realidades familiares antecederam a incorporação constitucional que reconhece e legitima relações e famílias existentes de fato”.

As mudanças ocorridas na sociedade brasileira ao longo do século XX tornaram o antigo Código Civil antiquado e inadequado para a realidade familiar. Dentre estas modificações, podemos citar o avanço na industrialização, com a consequente inserção da mulher no mercado de trabalho, o aumento do mercado de consumo e a conquista da autonomia

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financeira das mulheres. Tais fatos romperam com o modelo familiar tradicional, no qual a figura paterna era fortíssima e a esposa dependia economicamente do marido.

Moraes (2011, p.413) ensina que “novas realidades implicam novas formas de pensar em novos valores com profundas repercussões sobre o estatuto das “famílias”. (...)”. A transformação do modelo familiar patriarcal para o modelo nuclear, fez com que surgisse a necessidade de se adaptar as leis à nova realidade das famílias brasileiras.

Desta forma, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) incorporou as mudanças sociais trazidas ao longo das décadas que a antecederam, a família deixa de ser um instituto e passa a ser um instrumento de proporcionar ao indivíduo garantias, eis que o âmbito familiar deixa de ser mero mantenedor patrimonial e se torna uma relação fundada no vínculo afetivo.

Se anteriormente o homem era o centro do seio familiar e a mulher mera auxiliar, agora ambos possuem igualdades de direitos e deveres para com a família (art. 5º, I, e art. 226, §5º, CF/88). O §4º do art. 226 do texto constitucional, ao reconhecer a família monoparental como entidade familiar, amplia a noção do conceito de família dentro do sistema jurídico brasileiro.

É dizer, desta forma, que a Carta Magna, criada como um símbolo de retorno do Estado Democrático de Direito, no Brasil, buscou conceder aos cidadãos brasileiros direitos e garantias que há muitos anos lhes vinham sendo vedados. A sociedade clamava por liberdade e a Constituição de 1988 veio com esse objetivo, inclusive no tocante ao Direito de Família.

O Código Civil (CC/2002), que consolidou o texto constitucional, em sua organização, apesar da definição restrita acima mencionada, deixa claro aspecto da valorização do indivíduo, pois os primeiros artigos do livro de Direito de Família (arts. 1.511 a 1.638) tratam de matéria de direito pessoal, como casamento, relações de parentesco, filiação, etc, enquanto os artigos seguintes (arts. 1.639 a 1.722) regulamentam o direito patrimonial, envolvendo questões tocantes ao regime de bens, bens de família e alimentos.

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Portanto, o direito pessoal passa a ser mais importante do que o direito puramente patrimonial. Isto porque, esta nova organização afetou o Direito Privado como um todo.

Sobre este tema, ilustra Flávio Tartuce (2015):

Essa organização do Direito de Família, de imediato, demonstra a tendência de personalização do Direito Civil, ao lado da sua

despatrimonialização, uma vez que a pessoa é tratada antes do

patrimônio. Perde o patrimônio o papel de ator principal e se torna mero coadjuvante.

Foi criado, portanto, o chamado “Novo Direito de Família”, que tem como parâmetro os princípios constitucionais, os quais serão analisados a seguir.

2.2.1. A família na Constituição Federal

Primeiramente, ao se estudar o Direito de Família com base na Constituição, é necessário ter em mente que o direito à constituição de família é um direito fundamental. Conforme mencionado anteriormente, a sociedade brasileira não possuía mais as mesmas características daquela de 1916, quando foi instituído o antigo Código Civil, e a Carta Magna transformou o conceito legal de família, antes tratado como instituto, em instrumento de concretização das garantias nela previstas.

Desta forma, é forçoso salientar que o estudo do “Novo Direito de Família” tomou, dentre outros rumos, a valorização dos elementos psicológico e afetivo, além da autonomia privada e igualdade entre os membros da entidade familiar. Criou-se, ainda, a figura da “funcionalização” da família, isto é, atribuiu-se a ela uma função social, em razão da dignidade de cada partícipe.

Ademais, cumprimos esclarecer que o objetivo final das leis que regem o âmbito privado no ordenamento jurídico brasileiro é a felicidade do cidadão. Trata-se de um conceito chamado de “família eudemonista”5.

5

A família eudemonista ou afetiva significa "doutrina que admite ser a felicidade individual ou coletiva o fundamento da conduta humana moral", o que a aproxima da afetividade. (BIRMANN, 2006)

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Sendo assim, reconhece-se que a Constituição de 1988 deu início a um processo de constitucionalização do Direito Privado, a partir do momento que o Texto Maior engloba temas sociais com grande relevância jurídica, com o intuito de lhes dar maior efetividade.

Com esse intuito, o ramo jurídico do Direito de Família foi remodelado, dando espaço aos novos princípios constitucionais e deixando para trás princípios antigos, que não mais se encaixavam com a realidade da família brasileira. Resultado disso foi criação do Estatuto das Famílias (PL 470/2013), por iniciativa do Instituto Brasileiro de Direito de Família, o IBDFAM, que pretende revogar todo o Livro IV do Código Civil de 2002 e tem o objetivo de abranger e proteger as novas configurações familiares.

Dentre os chamados “novos princípios”, é sabido que alguns estão intimamente ligados às diversas disciplinas abordadas pelo direito, ao passo que outros destinam-se a regular matérias específicas, no que tange o direito das famílias, norteando as várias questões que permeiam as relações familiares.

O primeiro e mais importante destes princípios é o da Dignidade da Pessoa Humana. Tratado como valor fundamental pelo art. 1º, III da Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana, também chamado de princípio dos princípios, foi o responsável pelo que Flávio Tartuce (2015, p. 3) chamou de “personalização” e “despatrimonialização” do Direito Privado, ao inserir a pessoa à frente do patrimônio.

Nas palavras de Da Gama (2003, p. 520),

A dignidade da pessoa humana, colocada no ápice do ordenamento jurídico, encontra na família o solo apropriado para o enraizamento e desenvolvimento, daí a ordem constitucional dirigida ao Estado no sentido de dar especial e efetiva proteção à família, independentemente da sua espécie. Propõe-se, por intermédio da repersonalização das entidades familiares, preservar e desenvolver o que é mais relevante entre os familiares: o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe, com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas.

Este conceito é abstrato, porém materializa-se pelo contato da pessoa com a sua comunidade e todos os princípios que serão aqui

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estudados têm como objetivo final a realização e a garantia da dignidade da pessoa humana, do princípio maior.

No âmbito do Direito de Família, como já explicitado, a família deixa de ser um instituto e passa a ser um instrumento de concretização das garantias fundamentais, baseada na dignidade de cada partícipe.

Em seguida, temos o Princípio da Igualdade, que no Direito de Família pode ser subdividido em três: igualdade entre filhos (CF, art. 227, § 6º); igualdade entre cônjuges e companheiros (CF, art. 226, § 5º); e igualdade na chefia familiar (CF, art. 226, §§ 5º e 7º).

A novidade trazida pela Constituição de 1988 é de que, se antes havia uma hierarquia entre os membros da relação familiar, hoje todos estão no mesmo patamar. Desta forma, não há distinção entre os filhos, sendo, inclusive, vedada qualquer forma de discriminação relativa à filiação; não há diferença entre os direitos e deveres do homem e da mulher na relação conjugal ou convivencial (formada pela união estável); e, também não existe hierarquia, tendo sido ela substituída por uma diarquia, em que a mãe e o pai tem poderes iguais na chefia familiar, podendo, inclusive, se necessário, exercê-la sozinha.

Outro princípio é o da afetividade. Em que pese não conste expressamente a palavra “afeto” no texto constitucional, fato é que este princípio decorre da constante valorização da dignidade da pessoa humana, é o principal fundamento das relações familiares e está ligado ao direito fundamental à felicidade. Segundo Maria Berenice Dias (2015, p.52), no

Manual de Direito das famílias, “o afeto não é somente um laço que envolve os integrantes e uma família. Também tem um viés externo, entre as famílias, pondo humanidade em cada família”.

A afetividade legitima relações que possuem ligações fora do âmbito biológico, de modo a reconhecer que o vínculo familiar é muito mais afetivo do que biológico, podendo ser citado a título de exemplo, a criação do conceito de parentalidade socioafetiva6.

6 “É a chamada filiação socioafetiva, onde está presente o vínculo afetivo, independente de

consanguinidade. É a filiação sob a ótica do afeto. Na realidade ela sempre existiu, porém é só nos tempos atuais que ela começou a ser evidenciada e protegida.” (SANCHES, 2014)

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Pode-se dizer que o reconhecimento da afetividade enquanto princípio decorre da constitucionalização da família eudemonista, cujos laços são criados pelo afeto, na qual a felicidade do indivíduo prevalece. Tal fato demonstra uma desinstrumentalização do conceito antigo de família, fundado no matrimônio e nas relações de parentesco biológicas para valorização das relações fundadas no afeto.

Após, o princípio da solidariedade familiar, decorrente do princípio da solidariedade social, previsto no art. 3º, I, da Constituição, é tido como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, estendendo-se, portanto, ao Direito de Família.

Sobre este tema, dispõe Maria Berenice Dias (2015, p. 48):

Ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se o Estado do encargo de prover toda a gama de direitos que são assegurados constitucionalmente ao cidadão. Basta atentar que, em se tratando de crianças e de adolescentes, é atribuído primeiro à família, depois à sociedade e finalmente ao Estado o dever de garantir com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação (CF 227). Impor aos pais o dever de assistência aos filhos decorre do princípio da solidariedade (CF 229). O dever de amparo às pessoas idosas dispõe do mesmo conteúdo solidário (CF 230).

Desta forma, concluimos que o princípio da solidariedade concretiza uma forma de responsabilidade social aplicada à relação familiar. É dizer que a responsabilidade é transferida aos membros da família, para que exista um dever recíproco de cuidado, respeito e consideração entre eles.

O caput do art. 226 da Constituição Federal dispõe que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, porquanto é a sua

célula mater, isto é, o principal meio social do homem. Falamos, portanto, do

princípio da função social da família.

Através da família, o ser humano, tendo a sua liberdade individual respeitada, consegue encontrar a ambiência necessária para a realização de seus projetos de vida e concretização do seu sentido individual de felicidade. Por fim, temos o princípio do Melhor Interesse do Menor. Este princípio constitucional prevê, através do art. 227, caput, a proteção integral da criança e do adolescente. Isto porque, segundo dispõe o referido texto legal, a família tem o dever não só de assegurar aos menores, todos os

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direitos e garantias fundamentais inerentes a qualquer ser humano, como também de fazê-lo com absoluta prioridade.

Além da proteção constitucional, os menores possuem o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, como mais uma forma de lhes assegurar seus direitos dentro da família e da sociedade. Neste sentido, afirmou Dias (2015, p.50):

O Estatuto rege-se pelos princípios do melhor interesse, paternidade responsável e proteção integral, visando a conduzir o menor à maioridade de forma responsável, constituindo-se como sujeito da própria vida, para que possa gozar de forma plena dos seus direitos fundamentais.

Portanto, quando se fala em proteção integral, no âmbito do Direito Civil e, mais especificamente, no Direito de Família, este princípio deve ser interpretado como a realização do melhor interesse da criança e do adolescente. Através da observância desse critério é que se poderá assegurar a concretização do princípio da proteção integral.

Ressaltamos, ainda, que a plena proteção deve ser estendida para além dos filhos, valendo também para netos, sobrinhos e a inobservância deste princípio poderá levar não só à responsabilização criminal e civil dos responsáveis, como, inclusive, à destituição do poder familiar, no caso dos pais, conforme disposto nos arts. 1.637 e 1.638 do Código Civil de 2002.

2.3. Naturalização de famílias hetero e monoparentais

Apesar do que restou exposto acerca dos princípios, sob uma ótica civil-constitucional atual do direito brasileiro, ainda temos como principais instrumentos de construção familiar o casamento e a união estável, sendo considerada, também, a família monoparental, ou seja, aquela composta apenas por um dos genitores e seu(s) filho(s). Clóvis Beviláqua (2003, p.6), em uma definição clássica, descreve o direito de família como:

(...) complexo de normas que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoas e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, a relação entre pais e filhos, o vínculo de parentesco e os institutos complementares, curatela, tutela e ausência.

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Existe uma tendência, que não é de hoje, de naturalizar comportamentos com base em aspectos sociológicos, culturais, históricos e de todo o contexto em que vive determinado grupo social. Essas naturalizações ocorrem através dos costumes e tradições das elites e camadas privilegiadas da sociedade. Ao parar para pensar, quem seria a maioria privilegiada em direitos no Brasil? O homem (gênero masculino), heterossexual, cristão e branco.

Sob este aspecto, é possível, desde já, determinar, em relação à família e à parentalidade, o modelo mais bem aceito, social e juridicamente reconhecido: aquele heteroparental, fundado em valores cristãos, em que muitas vezes a figura paterna é a principal, retomando, assim, o caráter patriarcal presente no Brasil-colônia.7

Todo o histórico apresentado sobre a evolução do conceito de família no Brasil mostrou uma realidade na qual o casamento, em que pese estar previsto e somente ser válido no âmbito legal, ainda tem uma carga religiosa, devido à influência da Igreja Católica, no período colonial, que, com sua doutrina dogmática, se apropriou deste instituto.

Além da influência religiosa, no último levantamento apresentado pelo IBGE8, com base no Censo de 2010, mais de 85% da população brasileira se diz cristã, sendo 65% da religião católica e 22% da religião evangélica. Desta forma, traça-se um perfil de uma população em que sua a maioria é composta por pessoas que seguem as mais conservadoras das religiões ocidentais.

Esta configuração faz com que tenhamos uma população que reproduz discursos ultrapassados e se apega a valores conservadores, no que diz respeito a diversos aspectos, mas principalmente sobre sexualidade, que ainda é um tabu, e se reflete, principalmente, nas questões tocantes a valores morais cujo critério de valoração é totalmente subjetivo.

7

Saindo um pouco do aspecto cultural brasileiro, cita-se, a título de exemplo, o filósofo Emmanuel Kant (1993), que na sua obra “A Doutrina do Direito”, atribui o direito ao matrimônio às relações heterossexuais e o uso das faculdades sexuais. Desta forma, ele classifica como “uso natural”, aquele que terá referido direito por relacionar-se com o semelhante do sexo oposto, e “uso contra a natureza”, sendo aquele que se relaciona com pessoa do mesmo sexo ou com espécie estranha à humana.

8

Fonte: Censo Demográfico 2010: Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência”. 2010.

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Diante disso, o fato é que existe muita dificuldade em fazer com que esta massa conservadora reconheça e aceite a existência de novos modelos familiares, como a família homoafetiva, justamente pelo fato de a sociedade brasileira ter vindo de um histórico em que a religião comandava os principais institutos civis, dentre eles, o casamento e a família. E este conservadorismo acaba sendo refletido na política. Tal característica já havia sido observada por Gilberto Freyre, em 19339 (2003, p. 114):

(...) a tradição conservadora no Brasil sempre se tem sustentado do sadismo do mando, disfarçado em "princípio de Autoridade" ou "defesa da Ordem". Entre essas duas místicas - a da Ordem e a da Liberdade, a da Autoridade e a da Democracia - é que se vem equilibrando entre nós a vida política, precocemente saída do regime de senhores e escravos.

Durante muitos anos, na sociedade ocidental como um todo, e não somente no Brasil, o perfil dos homossexuais foi estigmatizado, patologizado e até mesmo criminalizado. Com os avanços da medicina e da psicologia, foi-se desmistificando e a homossexualidade deixou de ser considerada doença. Entretanto, aparentemente, tais progressos não foram suficientes para que os homossexuais deixassem de ser considerados diferentes e passassem a ser encarados com naturalidade, aos olhos da sociedade.

Diversos são os motivos para a dificuldade em naturalizar a parceria homoafetiva. Além do já citado conservadorismo, Miskolci (2007, p.103-104) menciona o desejo de manutenção da ordem social e o medo de romper com este paradigma:

O debate contemporâneo sobre o casamento gay é um fenômeno privilegiado para a compreensão do lugar atual de gays, lésbicas e transgêneros em nossa sociedade como também do papel da instituição casamento em nossos dias. A discussão evoca um dos temas clássicos da sociologia: a dinâmica da reprodução e da mudança social.

(...)

Assim, se a rejeição ao casamento gay reside neste pânico da mudança social, isto se dá porque nossa sociedade construiu historicamente a imagem de gays como uma ameaça ao status

quo.

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Miskolci (2007, p.111), afirma, inclusive, que a homofobia como é conhecida hoje foi criada pelos pânicos morais e sexuais, estes mesmo s pânicos que excluíram e estigmatizaram os homossexuais e fizeram com que, em resposta a esses comportamentos, a luta política pelos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros (LGBT) fosse mais organizada. Em suas palavras “Os pânicos morais exprimem de forma culturalmente complexa as lutas sobre o que a coletividade considera legítimo em termos de comportamento e estilo de vida.”.

Hoje em dia, enfrentamos na política brasileira uma realidade na qual, em que pese o Brasil seja considerado um Estado laico, encontramos nas principais casas legislativas, tal como a Câmara dos Deputados, a chamada “bancada evangélica” que, apoiada por partidos de frente conservadora, ocupa cargos importantes, como a presidência da Câmara e a Comissão de Direitos Humanos. Isso faz com que, qualquer projeto de lei que seja garantidor de direitos referentes às minorias, especialmente os de caráter sexual e reprodutivo, enfrente dificuldades para avançar, seja rejeitado ou, ainda, fique à mercê de ações afirmativas de órgãos que não necessitam da atuação do poder legislativo, como o Supremo Tribunal Federal (STF).

É dizer, portanto, que a partir do momento em que aos casais homossexuais são negados direitos civis básicos como o casamento e união estável, lhe são negados também o direito de não ter violada a sua dignidade e o reconhecimento destas relações como família, se torna um processo ainda mais dificultoso.

Este óbice criado por todo um aspecto histórico da sociedade brasileira é reflexo de uma naturalização dos comportamentos heterossexuais e uma consequente negação das relações além dos sexos opostos. Esta maneira de enxergar sob um aspecto binário cria um modelo de educação que impõe a cada membro, divididos entre seus sexos biológicos, determinados comportamentos. A este modelo dá-se o nome de heteronormatividade.

Importante ressaltarmos, desta forma, que o impedimento ao casamento e à união estável, faz com que as relações formadas por casais homossexuais, encontrem obstáculos para o exercício de diversos outros

(26)

direitos, como a sucessão hereditária do cônjuge e do companheiro, o direito à dependência de benefícios de seguros de vida, planos de saúde, etc., e o principal deles e que será tratado neste trabalho, à adoção de filhos, para finalmente, constituir uma família aos olhos do direito de família brasileiro.

É dizer que no momento em que existe uma dificuldade em reconhecer o casamento homoafetivo, a concretização da construção familiar se torna ainda mais distante. E o direito brasileiro não ajuda muito nesse sentido, a partir do momento que a própria Constituição Federal, apesar de todo o avanço acima demonstrado, em seu artigo 226, §3º, limita o reconhecimento da entidade familiar como aquela formada pela união estável entre o homem e a mulher.

No aspecto da parentalidade, nos deparamos com o seguinte fenômeno: a naturalização da família heteroparental e da família monoparental. E tal se dá por algumas razões.

A primeira delas é, como falamos anteriormente, a heteronormatividade (ou heterossexualidade compulsória), que faz com que se imponham determinados comportamentos com base no sexo biológico do indivíduo. A partir daí, cria-se um imaginário coletivo de que as relações afetivas e sexuais devem ocorrer entre pessoas de sexos opostos, limitando, desta forma, a liberdade sexual dos indivíduos da sociedade. Não é de se surpreender, portanto, que a família formada por um casal heterossexual seja o modelo de família mais bem aceito dentro da sociedade.

A razão mais aceita para a naturalização da família monoparental tem fundamento na necessidade de reconhecer a família formada por apenas um dos genitores, seja por motivo viuvez ou por fenômenos ocorridos ao longo do século XX, na sociedade brasileira. Dentre estes fenômenos podemos citar: a facilidade dos casais em se separar, fazendo com que um deles precise criar o filho do casal sozinho; avanço nas tecnologias de inseminação artificial, que facilitou o acesso de mulheres à gravidezes sem a necessidade de um parceiro; a diminuição do preconceito com as mães solteiras, que engravidam e depois são deixadas pelos parceiros; etc.

Já em relação aos argumentos que vão de encontro à aceitação das famílias homoparentais, nos deparamos com uma situação que remonta

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conceitos, em tese, já superados, de patologização e estigmatização da homossexualidade. O mais utilizado deles seria uma suposta intenção dos referidos casais em adotar crianças com o intuito de praticar pedofilia. Sobre isso, nas palavras de Cardoso e Cavalcanti (2013, p.127):

Primeiro, há um contraponto entre os diversos léxicos e o termo “homossexualismo”. Além da axiologia do sufixo “ismo”, os léxicos homoafetividade, homossexualidade, homoparentalidade e homoconjugalidade herdam, também, a força do tabu/desconfiança em relação ao casal homossexual, que teria a intentio pervertida à sombra do aparente desejo de adotar crianças. Tal intenção seria realizar uma fantasia libidinosa velada ou condicionar os filhos adotivos também à homossexualidade.

Este argumento, no entanto, já foi desmistificado por estudos10 que afirmam, em primeiro lugar, que não existe relação entre homossexualidade e abusos sexuais e, em segundo lugar que o índice de abusos sofridos por crianças adotadas por casais homossexuais é igual, inferior ou até mesmo nulo, se comparado a famílias heterossexuais. Valer-se desse argumento é fazer com que se encerre o debate sem que haja a devida reflexão sobre a homoparentalidade.

Tal posição também é defendida pela Associação Americana de Psicologia, com base em extensas pesquisas focadas no assunto11:

Available evidence reveals that gay men are no more likely than heterosexual men to perpetrate child sexual abuse (Groth &

Birnbaum, 1978; Jenny et al., 1994; Sarafino, 1979)12.

Outro argumento seria a suposta necessidade de a criança ter ambas as figuras, paterna e materna, durante o seu desenvolvimento social, sob pena de sofrer com problemas psicológicos em razão da ausência de uma dessas figuras, ou ainda, ser alvo de preconceito, por ter dois pais e duas mães.

A primeira afirmação cai por terra quando se reconhece a família monoparental, pois, nessa hipótese, claramente faltará à criança ou pai ou

10

Jenny, Roesler & Poyer, 1994

11

American Psychological Association (2005)

12 “Evidências disponíveis revelam que homens gays não são mais propensos que homens

heterossexuais a praticar abusos sexuais infantis. (Groth & Birnbaum, 1978; Jenny et al., 1994; Sarafino, 1979)” (Tradução minha)

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mãe. Além disso, as figuras paternas e maternas não necessariamente serão exercidas especificamente pelo pai e pela mãe. Normalmente, quem escolhe esse referencial é a própria criança.

Quanto à possibilidade de preconceito, infelizmente é algo que ainda necessita ser combatido na nossa sociedade. De fato, existe esse risco que deve ser tratado com a própria criança e com os colegas com os quais ela venha a se relacionar, de modo a evitar que tais situações venham a ocorrer. No entanto, há que se frisar que ser impedido de pertencer a uma família é algo muito mais nocivo do que qualquer preconceito que uma criança possa vir a sofrer.

Não podemos olvidar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal reconheceu, em 2011, através do julgamento das ADI 4277 e ADPF 132, a união estável para casais do mesmo sexo, sendo considerado um marco no avanço dos direitos LGBT. Faz-se mister ressaltar, ainda, que o Conselho Nacional de Justiça, motivado pelo decisum do STF, emitiu a Resolução 175, em 2013, que proíbe às autoridades competentes a recusa de habilitação e celebração de casamento, ou de conversão a partir de união estável em casamento, entre pessoas do mesmo sexo.

Vejamos, portanto, que apesar de todos os argumentos citados, que são os mais utilizados para justificar a rejeição das famílias homoparentais, terem sido desmistificados, contra argumentados e superados e apesar de todas as conquistas dos direitos aos LGBT, a garantia do pleno exercício dos direitos civis, e especialmente, a adoção de crianças por estas famílias ainda enfrenta inúmeros impedimentos e dificuldades. Mas por quê?

Clara resposta para esta pergunta repousa no tipo de democracia em que a sociedade brasileira está fundada. Isto é, qual seria o sentido de democracia e que democracia é esta em que não são garantidos a todos os cidadãos os mesmos direitos?

(29)

3. A DEMOCRACIA E A ADOÇÃO HOMOAFETIVA

3.1. Teorias democráticas e a democracia da maioria

Antes de iniciarmos uma discussão acerca da democracia na qual a sociedade brasileira está fundada e se a mesma contempla toda uma população e suas demandas sociais (o que já foi visto que não), se faz necessário debater sobre a definição, o sentido, da palavra “democracia”.

Ao falar de democracia, criamos a ideia de que um governo democrático é aquele que atende às vontades da maioria. Isto porque, por uma análise muito rasa da definição da palavra, encontramos termos-chave como “governo do povo”, “cidadão”, “participação popular”, etc. Entretanto, qualquer indivíduo com mínima consciência política é capaz de enxergar que o termo originário da Antiguidade nunca possuiu e não possui este significado na prática.

A democracia nasceu com o sentido de ser o “governo do povo”, na Grécia Antiga. Porém, mesmo em seu berço, observou-se uma imensa dificuldade de colocá-la em prática tal como foi concebida. Isto se dá pois, apesar de possuir um conjunto bem definido de instituições, como assembleia popular, rodízio nas posições do governo, crença na capacidade de todos os cidadãos para a gestão da polis, o pensamento político encontrava dificuldade em chegar a um consenso sobre o objeto da discussão, colocando-se, quase sempre, contra a ideia de democracia.

Numa experiência atual, tentar remontar a democracia à Grécia Antiga não obteria resultado algum, senão o fracasso. O mundo moderno e globalizado tornou-se uma rede complexa de indivíduos das mais variadas formas de organização, pensamentos políticos e modos de vida. Desta forma, pretender que todo o povo governe e/ou, seja responsável pela tomada de decisão, é algo, não só utópico, como impraticável.

Desta forma, dentre as definições da palavra “democracia”, Luis Felipe Miguel (2005, p.5), no seu estudo sobre teorias democráticas, assim se colocou:

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Há mais de cinquenta anos, no mundo ocidental, a democracia tornou-se o horizonte normativo da prática e do discurso políticos. Tamanho consenso esconde uma profunda divergência quanto ao sentido da democracia: como é comum em relação a palavras que se tornam objeto de disputa política, os diferentes grupos empenhados em ostentar o rótulo promovem sua ressemantização, adequando seu significado aos interesses que defendem.

Tal afirmação somente reforça o que já foi dito: o sentido de democracia, em sua essência, nunca chegou a ser plenamente posto em prática, considerando que, nas disputas políticas, os interesses priva dos são sempre levados mais em conta na hora de escolher os governantes e, ainda, de governar.

Norberto Bobbio, em sua obra “O futuro da democracia” (1997, p.12), traça algo que ele chama de “definição mínima de democracia”:

Por regime democrático entende-se primariamente um conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados.

A definição dada por Bobbio se aproxima do que chamamos de “democracia liberal”. Trata-se de uma teoria democrática que enxerga a política como instrumento para a realização de interesses da esfera privada daqueles que votam e daqueles que governam, como dito anteriormente.

Dentre as teorias democráticas mais aceitas, encontramos uma dicotomia das chamadas “democracia representativa” e “democracia direta”. A primeira, em linhas gerais, é aquela em que as decisões políticas não são tomadas pelos cidadãos, mas por representantes eleitos por eles. A segunda remete a uma ideia de o cidadão vota e expressa sua opinião diretamente, sem intermediários. Essa divisão abrange outras classificações, que enfatizam aspectos variados do que se entende por democracia.

Aos olhos de Bobbio, atualmente o Ocidente experimenta modelos da democracia representativa, cujo caminho natural e clamor público tende à democracia direta. Seu pensamento se baseia em Jean-Jacques Rousseau, que afirmou na sua obra “Contrato Social”, que “a soberania não pode ser representada”, e, portanto, o destino da política é a democracia direta, porém sob uma ótica ressignificada.

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Já Miguel afirma que o modelo democrático vivenciado ao longo dos últimos anos é o da democracia representativa e a democracia direta é algo quimérico.

Analisando o que foi dito pelos dois autores, ficaremos com o segundo. Sendo assim, no estudo das teorias democráticas feito por Miguel, buscamos encontrar aquela que mais se assemelha à realidade da sociedade brasileira.

Dentro de seu estudo, que culminou na obra “Teoria democrática atual: esboço de mapeamento”, ele destacou cinco classificações dos modelos de democracia, que podem ser inseridos na categoria genérica de “democracia representativa”. São elas: Democracia Liberal-Pluralista; Democracia Deliberativa; Republicanismo Cívico; Democracia Participativa; e Multiculturalismo.

A Democracia Liberal-Pluralista tem como base a doutrina de Joseph Schumpter, autor austríaco que enxerga a democracia como uma maneira de se criar uma minoria governante legítima. O processo democrático é reduzido ao processo eleitoral, portanto, meramente instrumental e que não indica a formação de nenhum tipo de vontade coletiva. Isto porque, partindo do princípio que os cidadãos são guiados por um entendimento esclarecido de seus interesses, os candidatos travam uma luta competitiva pelos votos, que, depois de eleitos, atuam no sentido de defender interesses individuais e ao povo cabe somente aceitar as ordens. Miguel aponta que este seria a atual concepção liberal de democracia e é a ideologia oficial dos regimes democráticos ocidentais, incluindo o Brasil.

A Democracia Deliberativa, por sua vez, é inspirada em Habermas e seria uma crítica atual à democracia liberal pluralista. Segundo esta teoria, as decisões políticas devem ser tomadas após ampla discussão, através da qual as preferências são construídas e reconstituídas com os debates, em que os partícipes estão em pé de igualdade.

O Republicanismo Cívico busca remontar o sentimento de comunidade, cujos principais autores são Maquiavel e Rousseau, pensadores políticos clássico e moderno. Segundo eles, a ação política deve pensar no benefício da coletividade.

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A Democracia Participativa, ao contrário da Liberal-Pluralista, entende que a participação do povo somente no período eleitoral é insuficiente para que o qualifique como cidadãos e cidadãs. Esta teoria, segundo Miguel (2005, p. 24), é a que mais se aproxima de um modelo a ser implementado. Os participacionistas vislumbram a participação política dos cidadãos comuns como uma qualificação capaz de aprimorar sua representação. A democracia deixaria de ser instrumentalizada e se tornaria um processo educativo.

Os teóricos dessa corrente defendem que a educação dada através do processo democrático, tornaria os cidadãos mais capazes e competentes e, com isso, deixariam de ser apáticos e desinteressados e se tornariam mais ativos nas questões políticas, principalmente nas tomadas de decisão.

Este modelo, no entanto, demanda uma reorganização das relações de produção, o que necessariamente vai de encontro ao capitalismo e a torna impraticável.

Por fim, o multiculturalismo, ou política da diferença, é a mais recente das teorias democráticas apresentadas por Miguel e tem po r objetivo inserir na cena política os grupos sociais que são representados por indivíduos unidos em um sentido de identidade compartilhada. Esta teoria rompe com o individualismo presente nas correntes liberais e reconhece que dentre os diversos grupos presentes na sociedade, alguns se encontram em desvantagem estrutural, numa situação de opressão e dominação sistemática. E é para esses grupos que o multiculturalismo pretende garantir o acesso à arena política.

Pelo estudo feito por Miguel, é possível chegar a algumas conclusões. A primeira delas é de que, de fato, como afirmado por ele, a ideologia democrática hegemônica nos países ocidentais é a liberal, segundo a qual a democracia se instrumentaliza através do voto, e tão somente por ele, pois, passado o processo eleitoral, os cidadãos e cidadãs praticamente não possuem mais participação na vida política. E o Brasil está incluído neste modelo.

A partir do momento em que é realizado todo um processo eleitoral e que, nas suas regras, “vence” quem recebe a maioria dos votos, passa-se a

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ter a falsa impressão de que os representantes eleitos tem o condão de representar politicamente a maioria.

Como já dito acima, o termo “democracia” significa “governo do povo”, mas nem nos seus primórdios foi possível praticá-la de forma plena. Mas ao longo de todos esses anos, se busca tal realização. Considerando este fato e analisando a teoria democrática liberal, vislumbram-se os seguintes aspectos: (1) a participação popular no processo eleitoral é ínfima se comparada a tudo o que a política influencia e representa na vida dos cidadãos. As decisões tomadas pelos representantes que elegemos têm impacto direto nas nossas vidas. Portanto, é normal que escolhamos políticos com interesses que se aproximam dos nossos; (2) a partir do momento em que um representante é eleito, ele passa a agir de acordo com seus interesses individuais. Interesses estes que se assemelham aos de quem os escolhe. Sobre isso, afirma Tiradentes (2014, p. 24):

O governo, que, teoricamente deveria governar para a população, tem se mostrado mais condizente àqueles poucos detentores das maiores rendas, os quais são pilares nos financiamentos das campanhas políticas.

Desta forma, na atuação política, terão mais força aqueles representantes que possuem mais cidadãos os apoiando. O que não necessariamente significa que esses cidadãos representam a maioria de uma população. E é neste ponto que se deve fazer uma reflexão: o modelo atual de democracia vigente no Brasil é o ideal para garantir que todos os seus cidadãos tenham os mesmos direitos? Já podemos adiantar que não.

A teoria democrática liberal, por seu aspecto objetivo, a instrumentalização da democracia, isto é, considerar como a realização da democracia o processo eleitoral, em tese não excluiria nenhum dos cidadãos. Mas no seu aspecto subjetivo, é uma teoria individualista, que acaba por ignorar a existência de grupos sociais identitários, deixando de se realizar, portanto, um sentido mais profundo de democracia, no qual o povo tem o poder e a política é feita e pensada na população como um todo.

(34)

Estes grupos sociais refletem cada vez mais uma das principais características da sociedade contemporânea. São grupos de pessoas com estilos de vidas e interesses distintos, muitas vezes conflitantes.

Todo cidadão está inserido em um grupo social. Entretanto, alguns desses grupos acabam por ser invisibilizados, por serem, nas palavras de Miguel (2005, p. 30), “sistematicamente oprimidos e dominados” e “estão em posição de desvantagem estrutural”. Esta invisibilização é a responsável por romper com o aspecto subjetivo de uma democracia ideal dentro da teoria liberal, pois acaba com a ideia de vontade da maioria.

As consequências desse modelo democrático se refletem, não só no aspecto político da sociedade, como principalmente na vida civil dos seus cidadãos.

Um ambiente político que privilegia uma “maioria”, através de interesses individuais, faz com que estes interesses prevaleçam na construção da sociedade como um todo, seja na criação de leis e na aprovação delas ou, ainda, na adoção de políticas sociais. Os nossos hábitos, costumes e pensamentos, são reflexo da sociedade em que vivemos e que construímos ao longo dos anos. Segundo sustenta Tiradentes (2014, p.20):

Em uma sociedade plural e multifacetada, como a brasileira, a democracia entendida como vontade da maioria não é adequada, já que não se presencia uma sociedade homogênea, e sim, uma sociedade heterogênea, plural. Desse modo, as diferenças não mais podem ser condenadas à invisibilidade social e os grupos minoritários deverão ter sua efetiva representação.

É o que acontece, por exemplo, com a naturalização da heteroparentalidade e da monoparentalidade. A sociedade brasileira, regida por leis e costumes que privilegiam a heteronormatividade, tem imensa dificuldade em entender e aceitar a homossexualidade. Soma-se isso a nossa democracia da “maioria” e é o cenário perfeito para se inviabilizar a garantia de direitos fundamentais aos grupos sociais formados pelos homossexuais (LGBT). Os grupos sociais de identidade conservadora que atualmente se encontram no poder são os que representam a nossa “maioria”.

(35)

Como exposto no capítulo anterior, as famílias homoafetivas possuem um histórico de enfrentamento de dificuldades em seu reconhecimento enquanto família e o caráter conservador dos políticos brasileiros apresenta um grande obstáculo nos debates que envolvem a concessão de direitos civis básicos aos homossexuais.

Analisando as teorias democráticas apresentadas por Miguel (2005), buscamos encontrar a que melhor representa uma solução ao modelo democrático hegemônico, qual seja, a democracia liberal. O objetivo é, sempre, a ampliação da representatividade política, como forma de concretização de um sentido profundo de democracia.

O primeiro modelo democrático que ele apresenta é a Democracia Liberal Pluralista, que como dito, é o modelo vigente nos países ocidentais, inclusive no Brasil. Por este motivo, não cabe estender o debate, pois é justamente para ele que procuramos a solução. A democracia liberal cria uma falsa noção de “maioria”, a partir do momento em que a democracia se encerra com o processo eleitoral e a escolha dos representantes políticos. Tal procedimento não é suficiente para que todos os grupos sociais sejam representados e tenham seus interesses e necessidades acolhidos.

O segundo modelo é a Democracia Deliberativa. Esta teoria, apesar de se apresentar como uma crítica ao modelo hegemônico, não representa grande solução à carência de representatividade política dos grupos sociais identitários oprimidos. Isto porque, ela parte do princípio que todos os partícipes da política estão em pé de igualdade.

No entanto, a partir do momento que se reconhece a existência de grupos sociais excluídos e com menos representatividade, falar em igualdade entre os cidadãos seria invisibilizar a existência dos grupos sociais e suas diferentes necessidades. O próprio Miguel (2005, p.19) afirma que “o mero acesso de todos à discussão é insuficiente para neutralizar a maior capacidade que os poderosos têm de promoverem seus próprios interesses.”.

Além do mais, a proposta de que as decisões sejam tomadas após longos debates é algo impraticável nos dias de hoje, considerando a complexidade dos Estados.

(36)

A terceira teoria, o Republicanismo Cívico, possui a intenção de remontar um sentido de coletividade e enxerga a política como uma atividade instrumental, porém secundária, como um meio para se chegar a um consenso. Este modelo sobrepõe os interesses coletivos em relação aos individuais, visando o “bem comum”.

Em um primeiro momento, as ideias de comunidade e vontade geral aparentam ser uma forma de solucionar o problema de representatividade trazido. Entretanto, considerando que o pensamento em prol da coletividade visando o bem comum somente será possível através da construção de um sentimento de identidade, dentro da sociedade, o fato de existirem grupos sociais distintos, torna inviável a sua realização, pois a existência e a formação de tais grupos representam interesses privados, que é algo que esta teoria tenta afastar.

O quarto modelo apresentado por Miguel (2005), é a Democracia Participativa, no qual se pretende fazer da democracia, um processo educacional. Apesar de o autor entender que este seria o modelo mais próximo do que se deve ser implementado, eu entendo que somente ele não seria suficiente para suprir as necessidades representativas. Isto porque, o processo de implementação da Democracia Participativa deve ser feito a longo prazo. Gerações devem ser educadas através do sistema democrático para que só então possamos atingir um modelo democrático ideal. Mas, enquanto tais mudanças não ocorrem, não podemos permitir que os grupos sociais excluídos permaneçam nessa condição.

O quinto e último modelo, o Multiculturalismo, seria, ao meu entender, o mais adequado. Cada vez mais a sociedade vem se modificando e o Multiculturalismo surge, portanto, como a principal crítica atual à teoria democrática liberal, pois enxerga que o modelo de democracia hegemônico não atende, de fato, às necessidades de uma maioria.

Esta teoria democrática, enquanto “política da diferença”, se preocupa menos com uma teoria de democracia e mais com uma teoria de justiça, pois entende que a democracia é um arranjo político propício à realização da justiça. Reconhece, portanto, que os grupos sociais identitários oprimidos, tais como os LGBT, carecem de representatividade, principalmente política.

(37)

Fato é que, desde o início da era moderna se busca a efetivação de um modelo democrático que atinja um ideal além da inclusão política, mas que as políticas visem um ideal maior, envolvendo dignidade e igualdade. O nome que atualmente se dá para este modelo é “Estado Democrático de Direito”

3.2. Estado Democrático de Direito e a Possibilidade Jurídica da Adoção Homoafetiva

O Estado Democrático de Direito é um conceito no qual, através da democracia, se busca a proteção das liberdades civis, o respeito pelos direitos humanos e das garantias fundamentais. É um modelo em que as leis são justas e o povo possui adequada representação política, cujo objetivo final é a garantia da proteção da dignidade da pessoa humana.

Entretanto, para a realização do Estado Democrático de Direito, a norma positivada não deve ser a única fonte de um direito. No âmbito do Direito de Família, enfrenta-se uma enorme dificuldade em aceitar uma abertura do ordenamento jurídico para além das normas escritas e aplicáveis a cada caso concreto. Segundo Fiuza e Poli (2013, p.111-112):

Há uma considerável dificuldade na seara da família em se aceitar que os princípios, explícitos ou implícitos, também constituam normas jurídicas. É importante salientar que os princípios, principalmente no Estado Democrático de Direito, constituem o fundamento ou a razão de ser das regras jurídicas, o que, desde logo, salienta a precedência daqueles sobre estas. (…)

A base da proteção da família encerra-se hoje na tutela constitucional. A família deverá ser interpretada dentro do contexto principiológico inserido na Carta da República, em especial tendo em conta os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade.

No caso das uniões homoafetivas e, consequentemente, o direito destes casais de constituir família através da adoção, o fato de não existir lei que o regulamente, mas tão somente jurisprudência favorável, torna -se um grande empecilho para o seu reconhecimento, a sua legalidade e a sua legitimidade. Estes direitos, qual seja, casar-se ou constituir união estável e formar família, estão inseridos no rol de direitos fundamentais do ser

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