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REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E OPINIÕES DO COMPOSITOR CLAUDIO SANTORO

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Academic year: 2021

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REFLEXÕES, EXPERIÊNCIAS E OPINIÕES DO COMPOSITOR CLAUDIO SANTORO

Iracele Vera Lívero

Resumo: Este trabalho faz parte da dissertação de mestrado Santoro: Uma História em Miniaturas-Estudo analítico-interpretativo dos Prelúdios para piano de Claudio Santoro” da própria autora, realizada na Unicamp. Trata-se de uma entrevista com o compositor Cláudio Santoro, concedida ao compositor Raul do Valle, em Heidelberg (Alemanha), em 1976. Este material foi gravado em fita K7 e cedido à pesquisadora que transcreveu e inseriu em seu trabalho, estando redigido aqui apenas uma parte dessa entrevista. A ordem de distribuição do assunto, bem como a adaptação das frases ficaram a critério da pesquisadora. O objetivo é poder transmitir aos estudiosos da música, o pensamento e as opiniões de um relevante compositor brasileiro, principalmente no que diz respeito à música contemporânea.

Palavras chave: Claudio Santoro. Compositor brasileiro. Música contemporânea.

Abstract - This work is part of the author’s Master degree dissertation entitled “Santoro: A History in miniatures - An analytical and interpretative study of Claudio Santoro’s piano preludes”. It’s based on the interview given by Santoro to the composer Raul do Valle, in Heidelberg, Germany, 1976. This material was recorded in tape (K7) and later passed to the author, who transcribed it and inserted parts into her dissertation, where here it is presented just part of it. The subject’s ordinations of the original interview, as well as the adaptation of phrases were entirely done by the author. The aim here was to bring to the researchers in music the thinking and the point of views of one of the most relevant Brazilian composers of contemporary music.

Keywords: Claudio Santoro. Brazilian composer. Contemporary music.

Música Contemporânea nos Últimos 50 Anos:

dodecafonismo, que foi uma das primeiras revoluções, vamos dizer assim, do nosso século (pra mim não foi propriamente uma revolução mas uma evolução), é uma conseqüência de toda evolução da técnica do passado, principalmente da técnica contrapontística. A maior

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parte da técnica dodecafônica está baseada em cima da técnica tradicional do contraponto. E acontece que os primeiros compositores que usaram a técnica dodecafônica , experimentaram; quer dizer, foi uma técnica de experimento, e quando ela começou a se cristalizar, se acabou.

Na minha opinião, ela é o clímax, é o final de todo um período. Vem desde o início, quando as técnicas da polifonia vocal se cristalizaram; e esta evolução toda, passando pelo barroco, classicismo, etc, até chegar ao dodecafonismo. Isso é o clímax. Então acabou, quer dizer ficou um beco sem saída, apesar deles saírem para técnica serial, chamada serialismo dos anos 50, que é o desenvolvimento do pós Webern, naturalmente um pouco menos musical e mais técnica, vamos dizer assim, do que música. Mais experiência do que realização.

Tanto que você começa a pensar: qual é grande obra deste período? Tem uma outra coisa feita pelo Stockhausen e pelo Boulez. São coisas que estão tão serializadas, mais matemático do que propriamente musical, e o resultado é que hoje em dia isso ficou ultrapassado e ninguém mais toca.” Problemas da Música Contemporânea:

“Eu acho que um dos grandes problemas da música contemporânea, é como está sendo feita a educação musical nos conservatórios. O que acontece? Você estuda música hoje exatamente há mais de 200 anos atrás, a não ser a técnica no piano que melhorou: o digital mais do que o emocional. Então o que acontece, toda a formação da juventude musical dos conservatórios do mundo inteiro de uma certa forma é falsa. Eu acho que o sujeito deve conhecer Bach, e tudo mais,

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mas não só Bach; quanto muito chegam a Debussy, Ravel e agora um pouquinho de Schoenberg ou de Webern..

A música que nós fizemos nos últimos 10 anos não tem nenhuma vez, não é tocada, ninguém sabe, ninguém faz porque os professores são pessoas antigas, que tiveram formação antigas. Transmitem aos alunos uma formação feita de 200 anos atrás, chegando até inclusive a desmoralizar, porque não querem ter o trabalho de penetrar no assunto, porque isso dá trabalho.

Por isso é que eu tenho uma grande admiração pelo Arnaldo Estrela no Brasil, por exemplo, como intérprete. Eu acho uma coisa fantástica um homem na idade do Arnaldo, chegar a compreender, a se interessar, tocar e fazer um esforço, de ter o maior interesse em divulgar, tocar e entender a música feita hoje. Eu que conheço o Arnaldo desde a década de 1940, posso dizer que ele é um elemento formado por essa coisa do passado, mas no entanto é tão inteligente, tão musical que ele soube se atualizar sempre. Esse é um dos poucos camaradas. Na nova geração, não querem nem saber, nem ouvir, estão gravando Mozart, Chopin, Beethoven, porque já conhecem, porque o empresário manda, porque ele tem que ganhar o dinheiro dele. Por isso é de se tirar o chapéu para o Arnaldo, porque ele faz alunos dele tocar música contemporânea. Você conta nos dedos quem faz um negócio desse.”

Sobre o Serialismo:

“O serialismo dos anos 50 aos 60, aquele que fez o Boulez por exemplo, Berio e Stockhausen, o qual teve várias fases, aquela fase pontilhista, acho uma fase completamente estéril,

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seca. Ela influenciou por exemplo o início das pesquisas eletroacústicas, assim como também as primeiras pesquisas

eletroacústicas influenciaram posteriormente o

desenvolvimento da música instrumental, da música pós-serial. Eu tive aliás uma conversa com Maderna, creio que foi em 1957/58 no estado de Milão, e ele me levou na RAI (ele trabalhava na RAI nessa época), para ouvir as primeiras pesquisas que foram feitas em música chamada eletrônica, e ele mesmo confirmou isso. Houve na música contemporânea interinfluências de certos aspectos da música eletrônica, como também houve essas pesquisas, principalmente pontilhismo, que influenciaram à música de pesquisa eletroacústica. Depois elas se dividiram naturalmente cada um tomou um rumo diferente, e passaram a ter uma independência muito grande, porque os meios são diferentes. Naturalmente até hoje elas se influenciam. Certos efeitos que se procuram fazer hoje na orquestra são efeitos que tem uma grande influência da música eletroacústica. Esse problema do cluster, a procura timbrística que existe hoje é uma influência.”

Opiniões Sobre Algumas Obras Serialistas:

“O pessoal do Boulez é ultraserialista porque fez aquela serialização nas sonatas e nas outras obras, os quartetos, etc. O Stockhausen também fez uma série de Klavierstüke. Um dos Klavierstüke, não sei se você conhece, consiste em que cada dedo da mão ser uma pauta, em que a serialização é tamanha que cada dedo tem uma intensidade diferente. Este negócio é um absurdo, um negócio irrealizável, um negócio que é puramente para o papel. Se tivesse sido feito na América Latina, todo mundo iria rir, mas como foi feito na Alemanha,

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saiu lindo, todo mundo editou e foi divulgado em toda parte. O pessoal tentou tocar, porque ninguém podia tocar ao mesmo tempo um dedo com sforzatto, outro com mezzo piano, outro piano, o outro pianíssimo, isso é impossível. Técnicamente é impossível você dar um acorde com 10 dedos dessa maneira. Isso foram exageros.

Mas você pode ver que esta música afastou completamente o público da música contemporânea. Eles não estavam preocupados em dizer ou transmitir alguma coisa pra alguém. Eles estavam preocupados numa pesquisa, talvez seriamente ou não, não sei. Isso eu não posso afirmar porque eu não mantinha contato com esse pessoal nessa época, eu estava completamente afastado deles. Stockhausen nem existia quando estive na Europa estudando. Ele foi estudar com Messiaen depois que eu saí de Paris. Era um trabalho muito intelectualizado. Acho que falhou.” Música Atonal:

“Na minha opinião a obra de arte hoje não é acabada, não pode ser acabada, ela não pode ter um principio e um fim. Ela tem que ter elementos de dinâmica, daí justamente um dos grandes erros e problemas da música atonal: não conseguir ultrapassar uma das coisas muito importantes que a música tonal fez, que é a dinâmica das chamadas dissonância e consonância. Essa dinâmica, do ponto de vista dialético, esse contraste que dava o movimento na música, que estabelece justamente esse parâmetro da dissonância e consonância, a cadência, enfim. E este elemento que é importantíssimo na música tonal, não conseguiu ser substituído na música atonal.

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-porque um dos elementos que não dá essa monotonia, que quebra essa monotonia, que dá um sentido dinâmico, de desenvolvimento é o contraste estabelecido pela dissonância-consonância. Tentou-se estabelecer intensidades diferentes ou cores diferentes. Mas isso não foi suficiente.

Na música chamada pós-serial foram introduzidos novos conceitos de som, pesquisas do som, não como um elemento isolado, mas como um elemento timbrístico. Então ele não é apenas resultado de uma série harmônica ou de uma construção, de um complexo que foi estabelecido até o fim do serialismo, mas de uma complexidade de junção de sons. Não tem mais sentido a classificação desses sons separadamente, mas a classificação da resultante desses conjuntos de sons.” Música Aleatória:

“Eu fiz 10 programas na Rádio francesa, que se chama: ‘Da improvisação ao aleatório’, onde eu mostrava e provava com exemplos musicais que a improvisação e o aleatório sempre existiram na música, foi uma constante na música. O que é a interpretação se não é uma parte aleatória do intérprete dentro da música. Então eu provei isso, eu pus três gravações de um Prelúdio de Chopin que um intérprete toca em um minuto, um em três e meio, e outro em dois minutos e meio. O tempo na música tem uma importância muito grande. Quer dizer foi uma interpretação que mudou o sentido da coisa.

Por exemplo o que era o Baixo Cifrado antigamente senão a possibilidade do intérprete improvisar sobre um determinado plano. Existe até uma sonata de um compositor italiano, que eu não me lembro o nome agora, que ele fez pra dois violinos

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e baixo cifrado, em que os dois violinos não estão escritos, só está escrito o baixo cifrado, e os dois violinos improvisam o tempo todo em cima do baixo cifrado.

Quero dizer então que isso não é novo na música, isso é uma coisa que esteve sempre ligada à música. Por isso que eu acho que quando começou a teorização da música, provocado em grande parte pelos teóricos e musicólogos (quero dizer,o sujeito que não pode fazer música), a música perdeu uma grande parte da sua razão, e impediu em o seu desenvolvimento expressivo.

Muita gente está usando o aleatório de uma maneira sem objetivo. Cheguei a conclusão de usar o aleatório porque sempre me preocupei com o problema da interpretação, como eu fui intérprete também, toquei em Orquestras, fiz muita música de câmara, fui solista, eu sempre tive uma preocupação sobre o problema da interpretação também. Eu achava um absurdo que certas coisas que eu mesmo escreví, dificílimas na execução, com o Aleatório teria praticamente o mesmo resultado, e sem tanta dificuldade técnica pra fazer. Então é por isso que eu uso o Aleatório – como um elemento de facilitar, e que meu pensamento musical tenha melhor resultado na interpretação, na realização.

Em geral eu faço um aleatório controlado, eu não deixo fazer o que quiser. Por exemplo, eu coloco várias notas, e digo: sobre essas notas improvisar ritmos diferentes com intensidades diferentes. Mas os outros instrumentos que estão também fazendo isso, terão aquele mesmo número de notas, que eu imagino que aleatoriamente tocando, pelo processo aleatório, vão certamente dar um complexo sonoro x.

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Quando uso por exemplo na percussão, eu deixo o movimento, mas eu digo quais os instrumentos que eu quero que use, e em qual proporção, eu escrevo o espaço em relação ao tempo. Não é um negócio assim completamente caótico. Tem camaradas que escrevem: aqui fazer o que quiser, ou tocar o que está na sua cabeça. Não sei se é válido ou não, é uma experiência que o Cage em geral fez.

Mas o aleatório existe na natureza. Existem partículas elementares que são aleatórias, só podem ser explicadas pelos processos aleatórios, quer dizer o processo de probabilidade, elas podem estar aqui como estar aí. Só são explicadas por esse processo. Na própria natureza existe este processo. No fundo há uma influência direta ou indireta, consciente ou inconsciente que é o melhor termo dentro do compositor. E o compositor na minha opinião, só consegue atingir a compreensão, quando consegue transmitir um complexo musical expressivo de que a grande massa sente e gostaria de ouvi,r mas que não é capaz de fazer. Então ele atinge e está no seu tempo. É uma coisa importante. A pessoa não precisa cantarolar a peça, mas ela precisa sentir, sentir uma emoção, um impacto, mesmo que ele não saiba porque ele está recebendo este impacto. Mas ele está vibrando, recebendo um impacto emocional.”

Sobre a Forma:

“Um dos grandes problemas da música contemporânea é a Forma, sempre foi; inclusive já na música dodecafônica. Tanto é assim que os papas da música dodecafônica usaram as formas do passado, como Alban Berg e Schoenberg. Em

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parte o próprio Webern no fundo você pode analisar, são determinados parâmetros das muitas formas do passado. Agora na música pós-serial e na música super serialista, também houve o problema da Forma, embora eles quisessem sair da coisa, mas no fundo eles estavam presos.”

Recursos Técnicos a Serviço do Compositor:

“Hoje, na minha opinião os mais importantes são os recursos eletroacústicos. E as pesquisas que privadamente em toda a parte estão sendo realizadas por pessoas que as vezes não aparecem nos cabeçalhos dos jornais de música nem nas grandes rádios, televisões, etc, mas muito mais importantes do que aqueles que andam aparecendo.

Aliás modéstia a parte, um musicólogo americano da universidade de Illinóis fez uma análise de várias obras minhas à uns dois anos, em que ele explica, que nós agora estamos na quarta parte do nosso século e que muita coisa vai ser revista. Ele é contra a opinião da maioria dos críticos americanos que no dia em que morreu Stravinsky, disse que a música do século XX tinha morrido com ele, tinha acabado alí. Eu também acho que é uma burrice dizer um negócio desse, porque muita coisa se fez sem o Stravinsky. E ele então dizia: vai ser feito uma revisão grande. Ele acredita nisso. E vários nomes que até hoje foram consagrados passarão a ser esquecidos, e muitos que não tiveram ainda a posição que merecem, vão passar a ter essa posição. Então ele achava, modéstia a parte, que duas pessoas certamente assumiriam uma dessas posições: eu e o Lutuslovski. Quer dizer, tudo isso ele dizia pela análise da obra, pela coerência e independência, inclusive, fora da moda, embora certas coisas

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eu tenha empregado, mas não de uma maneira puramente esquemática.

Alías foi sempre uma norma na minha vida, aproveitar as coisas a minha maneira, e não fazer as coisas a maneira do que está se fazendo. Não seguir a moda; e naturalmente, nós latino americanos principalmente, sofremos. Temos um back ground desfavorável, pelo fato de sermos compositores latino americanos, porque os europeus principalmente não acreditam em nós e na nossa cultura. Eles não acreditam que nós somos capazes de obras à altura deles, somos capazes de inventar coisas antes deles, isso é um pouco da pretensão que geral há no meio cultural europeu e que eu reajo de uma maneira muito violenta, não somente por mim, mas pelos outros compositores latino americanos. Eu acho que hoje em dia há uma inquietação grande em matéria de criação, muito maior na América Latina do que na Europa. A Europa está se repetindo, a gente sente.”

Sobre Suas Obras Dodecafônicas:

“Eu não sabia que já fazia música dodecafônica naquela época, eu comecei a compor música no Brasil em 39/40, música atonal e depois em 1940 fazendo música com serialismo, dodecafonismo, com uma certa serialização, à minha maneira também, porque não havia nada codificado sobre isso, não existia teoria nem nada. Foi posteriormente que surgiu o primeiro livro de contraponto e sobre o dodecafonismo.

Quer dizer, nessa época quando apareceu esse livro no Brasil, eu já tinha seis anos de música escrita dodecafônica, serial. Quando ví o livro pela primeira vez, o que eu fazia não tinha a

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ver com o que ele compunha, eu fazia outra coisa. Porque ali eu usava a técnica dodecafônica mais como elemento de unidade pra minha obra do que como uma camisa de força. Eu sempre fui a favor da liberdade sobre todos os aspectos e, acho que , uma das funções mais importantes da arte hoje em dia é a de transmitir uma mensagem de liberação do homem. Porque o homem hoje está praticamente submerso pela propaganda de todas espécies, comercial, política, enfim todos os meios pela massa mídia que existe hoje no mundo inteiro e que está alienando completamente a personalidade humana.

Elaboração de Uma Obra:

“Em geral, eu faço planos interiormente. Eu penso sobre a obra. Então o meu plano é interior e não exterior. Esquematização - eu raramente fiz isso na minha vida. Eu penso sobre a obra, depois vou escrevendo. A obra é elaborada interiormente e não exteriormente. Raramente eu elaboro uma obra exteriormente, aliás não é nenhuma novidade, porque na história da música você vê compositores, como por exemplo Mozart que foi um compositor que nunca fez planos, ele compunha de cabo a rabo porque ele elaborava interiormente. Já Beethoven levava meses e meses elaborando, tomando notas de temas, planejando e escrevendo planos. Diferentes, mas isso não altera em nada, a maneira como se faz não é importante, é o resultado que é importante, mais que tudo. Em arte é isso, e os serialistas fizeram o contrário: o importante não era o resultado mas sim, a maneira como o sujeito fez e a maneira como é explicado. Então tem um rapaz que conhecí por volta de 1950 aqui na Europa que tinha feito uma peça.

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Como peça fora rejeitada, ele pegou a mesma peça e escreveu cada grupo instrumental da orquestra em tintas diferentes. Então a obra foi aceita e tocada.

Quer dizer isso mostra o critério dos musicólogos em geral. Não há mais critério, porque antigamente existiam parâmetros pré-estabelecidos. Então quando você olhava e julgava uma obra você dizia: a forma está ruim porque está desequilibrada, tem isso, aquilo, mas hoje que há uma liberdade total, você pode apenas criticar a feitura da obra, dizer que ela não está soando bem, porque está mau feita sob o ponto de vista acústico. Ela não tem um segmento dinâmico, não tem um contraste. Eu acho que o importante, o que dá forma à uma obra, o que estrutura uma obra é o contraste. É muito importante, seja lá que tipo de contraste se faça. Então a riqueza que o compositor tem hoje em dia pra trabalhar é muito grande, porque ele tem os elementos de contrastes muito maiores do que no passado.”

Emoção Versus Construção:

“Eu não posso falar em nome dos outros, posso falar por mim mesmo, do meu trabalho. Eu acho que em todo trabalho meu, seja lá o que for, eletrônicas e instrumentais, da harmonia que eu faço hoje, uma das linhas sempre fundamentais comigo é o problema de você dizer alguma coisa sobre o ponto de vista expressivo, musicalmente. Não sair dos parâmetros da música, mesmo que você quiser ser agressivo. O equilíbrio para mim é a emoção, eu sou um cara principalmente emocional. Eu parto da emoção para a construção e não da construção para a emoção. A construção é para ajudar a arquitetar aqueles elementos que eu me proponho a dar. Se eu atinjo o meu

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objetivo ou não, isto é outro problema, mas eu procuro fazer dentro desse sentido.”

Experiências:

“Eu estou fazendo certos estudos principalmente com eletroacústica, que são mais fáceis de você fazer, mesmo no piano. Coisas que eu fiz em 1941, o Quarteto n.1 por exemplo, já tem cluster, em que lá era uma coisa mais espontânea do que hoje que tenho a experiência e uso isso com um conhecimento da coisa em si, um métier.

Então eu cheguei a essa conclusão: quando você usa um acorde baseado em terças ou em quartas, você pode ser muito mais dissonante do que quando você usa um acorde ou um conjunto de sons, onde os sons de combinação se alteram e se eliminam entre si. Cheguei a essa conclusão. As ondas sonoras, as vibrações sonoras de um conjunto de sons mais perto, como por exemplo as segundas menores, no fundo vão soar mais consonantemente do que se você fizer um acorde. Eu faço sempre experiências com os alunos: fazemos um cluster e comparamos com um acorde depois. O cluster soa muito mais consonante.

Então eu mando cada um cantar - do, do#, re, re#, mi e fa. Parece um absurdo, mas você pega cada um cantando, os sons de combinação se eliminam e dão um outro timbre harmônico que parece um som só. Ele passa a não ser mais um acorde, mas sim um som novo muito mais consonante do que se você fizer um acorde- do, mi b, sol b, si, re e mi - que não é um cluster, é um acorde. Soa muito mais dissonante, muito mais agressivo do que se você fizer este cluster.

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Eu cheguei a conclusão de uma eliminação acústica dos sons de combinação. Eu não pude ainda provar isso acusticamente, por meio eletroacústicos poderia provar isso. Mas eu tenho quase certeza que isso se dá, porque eu ouço isso. E sabe, a teoria em geral, vem a se confirmar depois de uma experiência. Você cria um determinado elemento e depois você dá uma explicação. O mesmo na física, eu convivo muito com físicos.

Se deu um fato muito engraçado, conversando sobre esse assunto com meu irmão, eu queria que ele testasse isso pra mim através do computador, ou através de aparelhos ou como se pudesse testar isso, se realmente essas ondas eram eliminados ou não. E através dessa minha idéia ele descobriu um negócio novo na física: eliminação das ondas. Ele telefonou pra mim e disse sobre as ondas que são eliminadas, dizendo que na física tem um programa que ele tinha a impressão de que também acontecia isso. Então ele fez os cálculos e acabou provando que o negócio é assim mesmo. Já deve também outras pessoas ter pensado nisso e ter falado sobre esse assunto, eu não sei, eu nunca ví outras pessoas falando sobre esse assunto. Mas então são novas densidades, não timbres, mas densidades sonoras que criam outros critérios na utilização dos sons.

Não sei se você reparou naquela minha peça Interações Assintóticas, aqueles acordes finais, soam dissonantes? Não soam, soam quase como tonais, são clusters. Se você examinar as notas que estão escritas parecem uma barbaridade, eles deveriam soar como uma dissonância incrível, e não acontece isso. Se tivesse alargado um pouco mais os sons, iriam soar muito mais agressivo do que como

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eles estão escritos. Eu a compus 7 anos atrás (1969), e já naquela época eu achava isso, aliás antes disso. Na minha Cantata também ficou confirmado isso. O coro não soa agressivo, é difícil buscar o que estão cantando mas pra quem está ouvindo não soa agressivo, soa muito consonante. Mais consonante do que uma obra minha como por exemplo a Oitava Sinfonia.”

O Intérprete Como Recriador da Obra:

“Eu sempre fui assim, eu nunca fui um compositor que escreveu um negócio pra ser tocado exatamente como ele achava que devia ser. Eu sempre deixei o intérprete recriar a obra e dar alguma coisa dele. Eu sempre achei isso. E eu vou dizer porque: eu fui as duas coisas, intérprete e compositor. Então eu dou um exemplo: a primeira tournè que eu fiz pela Europa, eu levei uma obra minha que se chamava 4ª Sinfonia com coros e orquestra, chamada Sinfonia da Paz onde saí por vários países tocando. O primeiro país foi na Tchecolosváquia, em Praga, e gravei lá. Pedi que eles depois mandassem a gravação para Viena, onde seria o fim da tournée, o qual iria acabar só depois de 6 meses. Fiz mais ou menos uns 60 concertos, toquei em outros lugares uma porção de vezes. Depois de 6 meses, eu cheguei em Viena e fui ouvir a gravação de que eu mesmo compus e interpretei, tomei um susto. Como é que eu tinha interpretado a minha sinfonia daquela maneira, com aqueles tempos. O que prova, que mesmo compositor e intérprete, a obra só se cristaliza depois de várias execuções ao se assumir um tempo.

Outro exemplo, eu tinha feito essa Interações Assintóticas e calculei mais ou menos 2 segundos por compasso, deve dar

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mais ou menos 9 minutos. A obra dura quinze, na realidade eu fiz agora e ví que não podia fazer de outra maneira, pode ser que uma outra vez que eu veja, ou outro intérprete faça, seja um pouco menos ou um pouco mais. Bom mas isso é uma obra aleatória, mas a outra, a minha 4ª sinfonia, está tudo escrito, tempo escrito direitinho, tudo como manda o figurino, como se diz, inclusive formalmente: forma bitemática. Então o problema não está na utilização do aleatório mas na própria essência da interpretação musical.

Quem nos diz que Bach queria que interpretasse a 1ª invenção a duas vozes nas diversas maneiras ouvidas pelos intérpretes. Não está marcado o tempo, não havia metrônomo. Então, existe uma certa lógica natural no tempo, a chamada tradição. Mas também é falso.”

Iracele Vera Lívero: É Mestre em Música (2003). Doutoranda (UNICAMP), sob a orientação da Profa. Dra. Maria Lúcia Pascoal, desenvolve pesquisa sobre a música pianística de Eunice Katunda. Integra o corpo docente da Faculdade de Artes de Dracena (SP). Tem trabalhos publicados no I Simposio de Cognição e Artes Musicais (UFPR) e no XV Congresso Nacional da ANPPOM (UFRJ), 2005.

Referências

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