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O conceito de KPIΣIΣ no corpus hippocraticum

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS

O

CONCEITO

DE

ΚΡΙΣΙΣ

NO

CORPUS

HIPPOCRATICUM

Maria José Mendes e Sousa

Orientadora: Prof.ª Doutora Cristina Maria Negrão Abranches Guerreiro

TESE ESPECIALMENTE ELABORADA PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR

EM ESTUDOS CLÁSSICOS NA ESPECIALIDADE DE CULTURA CLÁSSICA

(2)

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS

O

CONCEITO

DE

ΚΡΙΣΙΣ

NO

CORPUS

HIPPOCRATICUM

Maria José Mendes e Sousa

Orientadora: Prof.ª Doutora Cristina Maria Negrão Abranches Guerreiro

TESE ESPECIALMENTE ELABORADA PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR

EM ESTUDOS CLÁSSICOS NA ESPECIALIDADE DE CULTURA CLÁSSICA

Júri:

Presidente: Doutora Maria Cristina de Castro-Maia de Sousa Pimentel, Professora Catedrática e Membro do Conselho

Científico, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Vogais: Doutor Manuel Enrique Vásquez Buján, Professor Catedrático da Facultade de Filoloxía da Universidade de Santiago de

Compostela;

Doutora Cristina Maria Nascimento Guerra dos Santos Pinheiro, Professora Auxiliar da Faculdade de Artes e Humanidades da

Universidade da Madeira;

Doutor Arnaldo Monteiro do Espírito Santo, Professor Catedrático Emérito da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Doutora Marília Pulquério Futre Pinheiro, Professora Catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Doutor José Pedro da Silva Santos Serra, Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;

Doutora Cristina Maria Negrão Abranches Guerreiro, Professora Auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,

orientadora.

Fundação para a Ciência e Tecnologia (SFRH / BD / 61225 / 2009)

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i DEDICATÓRIA

Primo,

indefectivelmente, à Dr.ª Maria Custódia Mendes Pereira Marques Vinagre, por sua obra e graça.

Secundo:

De acordo com Heródoto, do convívio arejado e salutar entre Fenícios e Gregos resultou uma generosa partilha de bens culturais. Segundo a sua teoria o alfabeto grego deriva do movimento e transformação (κίνησις) dos φοινικήϊα γράμματα, compreendidos uma φωνή e um ῥυθμός autóctones. Na verdadeira acepção da palavra, o alfabeto grego é um produto da criatividade grega.

À Professora Maria Teresa Uva Paúl por me ter transmitido os φοινικήϊα γράμματα e com um cuidado equilibrado, justo e sensato me ter facultado os meios de acesso à cultura grega adequados aos meus treze anos.

Ao Professor Doutor Arnaldo Monteiro do Espírito Santo pela juventude e vigor da inteligência, pela imensa generosidade da sua constante disponibilidade, pelo conselho amigo, pela atenção extrema do seu auxílio.

À Professora Doutora Maria Cristina de Castro-Maia de Sousa Pimentel pela gioia e exigência do seu magistério.

À Prof.ª Doutora Cristina Maria Negrão Abranches Guerreiro pelo exemplo. And last, ao meu pai pela ἐλευθερία.

(5)

ii ÍNDICE

Resumo e palavras-chave …..………... III Agradecimentos ……….. IV

Introdução ………... 1

I. Transforma-se o amador na cousa amada Por virtude do muito imaginar ………... 9

II. Tudo flui ……… 32

Conclusão ……….. 58

(6)

iii RESUMO

O presente estudo visa delinear o conceito hipocrático de κρίσις.

O cotejo das definições do conceito de κρίσις propostas por Littré, Bourgey e Vintró combinadas com a subsequente análise de parte de De Crisibus I, 1 e Affectiones 8 vieram comprovar que a ideia de κρίσις não tem correspondência com um conceito absoluto.

A análise da composição do discurso de De Crisibus I, 1 e Affectiones 8 revelou, ainda, que ambos os textos são intrinsecamente metacríticos e demonstram que o tema da κρίσις era assunto de controvérsia.

O trabalho de exegese efectuado permitiu demonstrar, igualmente, que a κίνησις (aqui analisada nas acepções de “movimento” e “transformação”) mórbida possui eficiência simultaneamente patognomónica e crítica.

O presente estudo consentiu ainda adjudicar a acepção de κρίσις a ῥυθμός e ῥεῖν (“fluir”) — em relação com a coerência descrita no desenvolvimento das orações subordinadas temporais no contexto hermenêutico de Aff. 8.

Palavras-chave: Hipócrates, Galeno, κρίσις, καιρός, ῥοπή, ῥυθμός, μεταβολή, πέψις / πεπασμός, ταραχή, λύσις.

ABSTRACT

This study aims to delineate the Hippocratic concept of κρίσις.

The collation of the κρίσις concept definitions proposed by Littré, Bourgey and Vintró combined with the subsquent analysis of a part of De Crisibus I, 1 and Affectiones 8 has shown that the idea of κρίσις has no correspondence with an absolute concept.

The analysis of the discourse composition of De Crisibus I, 1 and Affectiones 8 also revealed that both texts are intrinsically meta-critical and demonstrate that the κρίσις theme was matter of controversy.

(7)

iv The exegesis carried out also allowed to demonstrate that the morbid κίνησις (here understood and analysed as meaning “movement” and “transformation”) possesses simoultaneously pathognomonic and critical efficiency.

The present study also allowed to give the meaning of κρίσις to ῥυθμός and ῥεῖν (“to flow”) – according to the coherence described in the development of temporal clauses in the hermeneutical context of Affectiones 8.

Keywords: Hippocrates, Galen, κρίσις, καιρός, ῥοπή, ῥυθμός, μεταβολή, πέψις / πεπασμός, ταραχή, λύσις.

(8)

v AGRADECIMENTOS

Ao Professor Doutor Paul Demont e ao Professor Doutor Manuel Enrique Vázquez Buján pela pronta disponibilidade que me dispensaram e pelo laconismo eficaz da sua orientação.

Ao Ricardo Miguel Guerreiro Nobre pela infinita paciência e ajuda que me dispensou nas minhas lides com os computadores e não só, assim como pela gaia risota.

Ao Rui Carlos Reis Fonseca pelo mimo constante do seu apoio.

A Louise Ouil e a Yann Vitalis do Institut d’Études Grecques da Université de la Sorbonne-Paris IV pela solicitude e simpatia que me dispensaram e pela pronta facilitação dos materiais de consulta e pesquisa.

Ao Sérgio Monteiro Abrantes por, numa altura em que não tinha o meu computador ligado à internet, me ter disponibilizado o seu para aceder ao meu correio electrónico.

À Elisabete Marques e à Graça Lopes do serviço EIB da biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que aceitaram com grande benevolência a minha gaucherie e me deram um grande exemplo de profissionalismo e eficiência.

À Senhora D. Arlete Pato dos Serviços Académicos da Faculdade de Letras pelo rigor sem falha das informações prestadas.

(9)

1 Introdução καὶ δὴ πάλιν ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ παραδείγματος ὁ λόγος μοι γινέσθω, διαστελλομένῳ βραχύ τι περὶ τῶν ὀνομάτων, οἷς οἱ παλαιοὶ μὲν, ὥσπερ ἦν καὶ προσῆκον, ἐχρῶντο τοῦ δηλῶσαι τὸ νοούμενον ἕνεκα. τὸ σύμπαν δ’αὐτῆς ἦν σπούδασμα ἡ τῶν πραγμάτων αὐτῶν ἀκριβὴς γνῶσις. οἱ νεώτεροι δὲ ὀλίγου δεῖν ἅπαντες ἐν τοῖς ὀνόμασι κατατρίβουσι τὸν ἑαυτῶν βίον, ἀμελήσαντες τῶν πραγμάτων.

Mas voltemos a este exemplo, apresentando uma breve explicação precisa acerca dos nomes, que os antigos usavam, como era conveniente, com o objectivo de mostrar o raciocínio. Em suma, o conhecimento exacto dos próprios factos era um objecto de zelo. Os mais novos passam quase todos a sua vida com os nomes, negligenciando os factos.

GAL., De Crisibus, I, 6

O presente estudo visa delinear o conceito hipocrático de κρίσις. Em atinência a este propósito esquadrinharam-se as exposições e relatos nosológicos / nosográficos que constituem a produção literária médica do CH. A abordagem inicial operada pela leitura e análise insistentes dos tratados manifestou-se, todavia, inconcludente.

Assim sendo, e pelo facto de ser um hipocrático stricto sensu, ensaiei uma aproximação ao conceito de κρίσις mediante a explanação, exegese e questionamento pertinazes do objecto em análise efectuados por Galeno no tratado De Crisibus.

Após uma avaliação aturada do texto de Galeno decidi, por considerar fecundo, analisar a natureza do conteúdo e a concatenação dos componentes discursivos de uma parte substancial do cap. 1, livro I, do referido tratado.

A análise em contexto do léxico capaz de dar conta do conceito de κρίσις advertiu-me para a importância das noções de acoplamento e de conjunção em concernência ao tema em estudo e à natureza da argumentação — λόγος — motivada por ele.

Enquanto derivado nominal de λέγω (“escolher”; “enumerar”: “relacionar com método”; “discorrer”) o termo λόγος acolhe, também, os sentidos de: “objecto”, “questão”, “definição”, “hipótese”, “decisão”, “resolução”.

(10)

2 Assim, quando concerne ao conceito de “objecto”, λόγος aponta para o lexema ὁδός1

— “via de acesso”; “método”; “sistema”.

Com o significado de “questão” é atinente à “matéria a examinar, a discutir”, à “dificuldade a resolver”, a “controvérsia”.

Λόγος é passível, ainda, de designar o produto do acto ou efeito de definir — “indicar o verdadeiro sentido, a significação precisa de “; “decidir” — remetendo, deste modo, para os sentidos de “valor” e “significado” adstritos ao seu campo semântico.

Na acepção de “hipótese” — “suposição, conjectura, pela qual a imaginação antecipa o conhecimento, com o fim de explicar ou prever a possível realização de um facto e deduzir-lhe as consequências” — λόγος tem incidência na actividade prognóstica. Nesta circunstância, pois, λόγος é susceptível de apresentar relação com γνώμη (“faculdade de conhecer e julgar”, “pensamento”, “razão”, “bom senso” mas, também, “juízo formulado”, isto é, “opinião”, “parecer”).

É, ainda, possível aproximar hermeneuticamente o sentido “decisão” de λόγος de “definição” bem como “decisão” do valor “resolução”.

O termo ὄνομα (< ὀνομάζω: “enumerar”, “nomear especificando”), porém, que ocorre na forma de dativo plural em De Crisibus, I, 6, tem intencionalidade exegética uma vez que concentra em si os sentidos de “substantivo” e de “adjectivo”2

. Tenha-se, pois, em ponderação que no contexto de De Crisibus, I,1 os nomes são indissociáveis dos seus atributos especificadores3. Nesta inter-relação de circunstâncias é ainda passível de se admitir a aproximação de ὀνομάζω (> ὄνομα) a λέγω (> λόγος: “argumentação”): “enumerar”, “falar a propósito”, “propor”, “defender (o seu ponto de vista)”. Mais. Relativamente a ὄνομα, na dinâmica contextual de De Crisibus, I,1, tem sentido falar de conjunto aberto4.

A análise desenvolvida de uma parte significativa de De Crisibus, I, 1 fez surgir, apresentou, estabeleceu, consentiu vínculos, conexões, conjunções entre factos, acções, processos inerentes à condição / ao movimento mórbidos. Assim, o exame do modo de actuação da dinâmica discursiva aponta para concepções de funcionamentos integrados,

1 Cf. λέγω na acepção de “enumerar”: “relacionar com método”. 2 V. Montanari, s. v. ὄνομα.

3

V. infra pp. 10 – 17.

4 Cf. a sequência enumerativa em relação com a frase negativa οὐ πρόκειται μοι διαιρεῖσθαι τανῦν (V. infra p.9).

(11)

3 complementares, coordenados, permitindo, ainda, afirmar que a κίνησις mórbida demonstra eficiência simultaneamente patognomónica e crítica.

O lexema “conjunção” refere-se, aplica-se à ocorrência de eventus (σημεῖα σημειώδη / σημειώσεις σημειωτέαι5

) conectados, à combinatoriedade de eventus e / ou καιροί, a eventus concorrentes, cooperantes, inclusos, indissociáveis da κίνησις, analisada no presente estudo nas acepções de “movimento” e de “transformação” em concurso alternativo com as implicações semânticas de “acção”6

e de “acto”7. De acordo com Langholf:

“The basic meaning of the substantive krísis or the verb krīnō is ‘judgement’, ‘decision’ or ‘to judge’, ‘to decide’. Thus, the medical usage of krísis or krīnō implies alternatives: the patient either dies or survives; if he survives, he either recovers immediately, or the disease continues; if the disease continues, it either does so being the same or having changed its appearance.”8

Mais. É inerência da πρᾶξις hipocrática a συμβίωσις entre o sujeito e o objecto (também ele sujeito) da observação — atenda-se aos instrumentos operantes no exercício de diagnóstico: visão, audição, olfacto, paladar, tacto, λόγος / λογισμός —, o que permite afirmar que o observador é ἐμπαθής, “afectado” / “que sofre uma modificação”, pelo / em face do πάθος (“o que se experimenta”, “experiência” vs πεῖρα — “experiência prática”, “experiência”, “conhecimento”, “luta” ; “o que acontece”, “acontecimento”, “facto”; “acidente”, “mudança”, “fenómeno”; “o que se sente”, “impressão”, “sensação”, “afecção”). Isto é, a relação entre o sujeito e o objecto é dinâmica, plástica e moldável.

De acordo com Bourgey:

5

Em relação com σκοπέω / σκέπτομαι / ὁράω / καταμανθάνω / διαγιγνώσκω / γιγνώσκω (vs *εἴδω) — cf.

Transforma-se o amador na cousa amada, …, pp. 20 – 25.

6 V. Houaiss, s. v. “acção”: “evidência de uma força, de um agente; o seu efeito”; “actividade”,

“movimento”; “modo de proceder”, “comportamento”; “influência”; “facto inesperado”, “acontecimento”, “ocorrência”.

7 V. Houaiss, s. v. “acto”: “exercício da faculdade de agir ou o seu resultado”; “efectivação ou pleno

desenvolvimento daquilo que num momento anterior apresentava uma tendência activa para a transformação”.

8 V. Langholf, Medical theories in Hippocrates, Early texts and the ‘Epidemics’, Berlin, New York,

(12)

4 “La sensation est importante pour eux et joue un role décisif parce qu’avec sa qualité propre irréductible, difficilement saisie d’ailleurs, elle est indicatrice de choses d’ordre médical; en effet c’est par la sensation que nous sommes renseignés touchant les moments essentiels d’une maladie; c’est encore sur elle que nous pouvons fonder l’application et la conduite rationnelle d’un traitement.”9

Mais:

“Le traité des Blessures de Tête montre d’une manière non moins significative la présence de la pensée dans l’observation. Non seulement l’auteur insiste de façon générale sur la nécessité de joindre ensemble preuves de raison et preuves expérimentales, il precise encore que dans la pratique les choses se passent bien ainsi. Parlant par exemple de blessures d’enfant où un os du crâne est dénudé, il indique que dans ce cas l’intelligence doit essayer de connaître ce qui n’est pas manifeste au seul sens de la vue. Or il ne s’agit pas là, le contexte le révèle aussitôt, d’un exercice spéculatif, d’une invitation à raisonner dans l’abstrait, mais d’un effort pour arriver à saisir exactement ce qui est donné dans l’expérience.”10

Assim:

- o observador é movido, comovido pelo objecto em observação;

- a relação entre o sujeito da observação e o objecto observado é consciente e agonística;

- o objecto em análise exerce uma influência coactiva no sujeito da representação.

É, pois, lícito associar ao sujeito activo da observação o qualificativo παθητός (“que pode sofrer”, “sujeito a sofrer”, “sujeito a mudança”) e ao objecto observando /

9

L. Bourgey, Observation et expérience chez les médecins de la Collection Hippcratique, Paris, Vrin, 1953, p. 217.

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5 observado (também ele sujeito) o atributo πειραστικός (“capaz de pesquisar”, “hábil a pesquisar”, “que pesquisa ou experimenta”).

A afirmação de Langholf “Thus, the medical usage of krísis or krīnō implies alternatives …”11

subentende e move a noção de “critério interpretativo” (λογισμός vs ἰδέα, “critério de classificação”) com envolvimento da ideia de norma de confronto, fazendo pressupor, assim, os conceitos de “avaliação” e “escolha”. Pertencem, igualmente, ao universo semântico de “critério” o valor de “fundamento, base para uma opção e / ou decisão” em consonância com o de “prudência intelectual”.

Vintró (1973) assinala com acerto a lacuna significativa relativamente à definidade do conceito de κρίσις existente no CH e, na tentativa de o captar, compreender, coteja e balança definições actuais — que embora justas considero redutoras — e remotas.

Apesar do senso crítico e relativizador, de natureza abrangente, ponderada e problematizada do conteúdo de Ar. 49 (Littré IV, 216, 11-15)12, Littré propõe:

“La crise est ce qui juge la maladie et en commence définitivement le mouvement rétrograde ou la guérison. Ainsi une lésion qui renferme en soi toute sa crise, est une affection qui tout d’abord est arrivée à ce terme où le mal ne fait plus de progrès et tend vers la guérison.”13

Tenha-se em conta a acepção “acertar (o alvo)” de “abranger”, reconhecendo o alvo como res conhecida, inopinada, suspeita, de oportunidade.

A propósito da definidade de κρίσις, atendi à asserção de Bourgey (1953):

11

Cf. supra p. 3.

12 Πολλὰ δὲ καὶ ἄλλα ἐν ἰητρικῇ ἄν τις θεάσοιτο, ὧν τὰ μὲν ἰσχυρὰ ἀσινέα ἐστὶ, καὶ καθ’ἑωυτὰ τὴν κρίσιν

ὅλην λαμβάνοντα τοῦ νουσήματος, τὰ δὲ ἀσθενέστερα σινάμωρα, καὶ ἀποτόκους νοσημάτων χρονίους ποιέοντα, καὶ κοινωνέοντα τῷ ἄλλῳ σώματι ἐπὶ πλέον. (E em medicina muitos outros factos se poderiam examinar, de entre os quais fortes lesões que são inofensivas e contêm em si mesmas toda a crise da doença, e outras mais fracas que trazem más consequências e geram danos prolongados causadores de doenças, e que comunicam em acréscimo com o resto do corpo.)

(14)

6 “La définition de la crise donnée dans les Affections (8 L.VI 216), traité éclectique destiné à l’homme du monde (ἰδιώτης), manque totalement de rigueur.”14

Sem deixar, porém, de ter em atenta ponderação que em nenhum outro tratado do CH consta qualquer balbucio, ensaio, esboço de definição do conceito de κρίσις, decidi fazer justiça ao entendimento de Vintró (1973)15 e examinar, explorar a forma, o conteúdo e o conteúdo da forma do capítulo 8 das Afecções por me parecer que os avanços de Bourgey são taxativos e exógenos ao espírito da letra dos textos hipocráticos16. É, também, minha convicção que qualquer tentativa de aproximação ao conceito de κρίσις carece de rigor se não está presa ao texto.

Sem contestar a validade das asserções de Bourgey, considero a formulação e sugestão de Vintró prudente e pertinente do ponto de vista hermenêutico: “… y a guisa de tal [definición] podría considerarse este texto de Afecciones: “Una crisis en las enfermedades es: o una exacerbación, o un debilitamiento, o un cambio en outra afección, o el fin”, que aún no siendo autêntico, entendemos refleja su doctrina.”17

. Como as definições propostas por Littré e Bourgey indicam, a ideia de crise não tem correspondência com um conceito absoluto — “Dire qu’il n’y a pas de science véritable sans l’existence d’un système de concepts est une afirmation banale, à condition toutefois de sousentendre que les concepts mis en jeu ne sont pas des produits arbitraires de la raison, mais qu’ils expriment des idées formées au contact de l’expérience et susceptibles d’être sans cesse modifiées ou élargies par elle.”18

—, como será demonstrado nos capítulos que se seguem.

Assim, a série de ὀνόματα analisada no primeiro capítulo apresenta características de um rol uma vez que a designação das res / circunstâncias associadas à

14 L. Bourgey, op. cit., p. 237 (nota 3). 15

E.Vintró, Hipócrates y la nosología hipocrática, Barcelona, Ariel, 1973, p. 131.

16 L.Bourgey, op.cit., p. 237:

“La crise, κρίσις, c’est la transformation décisive qui se produit à un moment donné de l’évolution de la maladie et qui oriente le cours dans un sens favorable. Cette transformation est un signe de guérison ou au moins une étape, pas toujours infaillible, vers celle-ci, car il peut y avoir plusieurs crises ou une crise suivie de recidive funeste.”

E:

“Sous sa forme parfaite, la crise c’est la résolution définitive (λύσις) de la maladie … .”

17 E. Vintró, op. cit., p. 131. 18 L. Bourgey, op. cit., p. 236.

(15)

7 ἰδέα de κρίσις ocorre segundo uma ordem determinada, isto é, não só revela intencionalidade exegética e crítica como ocorre com intensão. Mais. A relação proposta por Galeno estabelece que há um vínculo de alguma ordem, iniludível, entre as res enunciadas nos sintagmas da sequência enumerativa, assim como a frase negativa que interrompe a referida série assenta claramente que estamos em presença de um conjunto aberto, isto é, de uma enumeração interrupta.

A análise da estratégia discursiva de Galeno em De Crisibus, I,1 é capaz de informar que é de associar a “relação” o valor semântico de “condição que liga dois ou mais objectos lógicos”, entendendo por “lógico”, de início, o “que resulta da natureza das coisas”.

É relevante que Vintró conforme a ἰδέα (“noção” vs “critério de classificação”) de κρίσις a uma multiplicidade de aspectos (< adspectus — “acção de olhar”; “aspecto”, “forma” — < adspicio — “olhar”, “examinar”, “inspeccionar”, “considerar”). Tenham-se, ainda, em conta entre as acepções de “aspecto”: “configuração” e “conformação”.

Contrariamente ao julgamento de Vintró19 não considero que seja de assinalar uma contradição “flagrante” entre Littré I, p. 450 — “La coction des humeurs en prepare l’expulsion. Les efforts pour cette expulsion reçurent un nom particulier dans la médecine grecque; ils s’appelèrent crise.” — e Littré IV, p. 21720

, nem entre as afirmações de definidade de κρίσις aí situadas e Ar. 49, Littré IV, 216, 11-1521. A meu ver referem “vários aspectos constitutivos de la entidad … que Hipócrates denomino crisis”22

.

É, ainda, de marcar em Littré I, p. 450 que a cocção se apresenta como um factor cooperante e como um parâmetro aferidor da actividade da crise.

A proposta de definição de κρίσις de Vintró afirma: “ … la crisis hipocrática … es un momento clave en el curso de la enfermedad, indicado y precedido generalmente por una serie de signos, en especial cocción y agravaciones, que tienden a especificar su aparición y carácter, indeterminada en quanto al número, com predomínio de una sola y de consequências por lo común positivas, si bien no excluye las recidivas, ni en un

19 E. Vintró, op. cit., p. 132. 20

Cf. supra p. 5.

21 V. supra p. 5.

(16)

8 estrecho margen la muerte.”23

Tal definição apresenta, todavia, a mesma natureza das definições de Littré e Bourgey.

Não deixa de ser curioso que Vintró utilize os termos “aspecto” (no plural) e “aparição” — a meu ver relacionáveis com o vocábulo φαντασία (“aparição”, “aspecto”, “ideia” / “representação”, “imaginação”) — sem ter dado conta da componente φανταστική (“que diz respeito à imaginação”) / φανταστή (“que opera sobre a imaginação”) / θεωρητική (“especulativa”, “engenhosa”) na abordagem da temática da κρίσις24

, o que, quanto a mim, denuncia um substrato de raiz e formulação filosóficas que reevocam a literatura pré-socrática, componente que serve de empréstimo à produção do discurso científico analisado, mas que não será trabalhada no presente estudo.

23 Idem, ibidem, pp. 134-135.

(17)

9 I.

Transforma-se o amador na cousa amada, Por virtude do muito imaginar;

Κεφ. α´. Εἴτε τὴν ἀθρόαν ἐν νόσῳ μεταβολὴν, εἴτε τὴν ἐπὶ τὸ βέλτιον ῥοπὴν μόνην, εἴτε τὴν προηγουμένην αὐτῶν ταραχὴν, εἴτε καὶ τὴν λύσιν ἃπασαν τοῦ νοσήματος, εἴτε καὶ ταύτης μόνην τὴν ἀγαθὴν θέλοι τις ὀνομάζειν κρίσιν, οὐ πρόκειταί μοι διαιρεῖσθαι τανῦν, ὅ τι μὴ πάρεργον˙ ἀλλ᾽ ὡς ἄν τις κάλλιστα προγινώσκοι τὰ τοιαῦτα σύμπαντα, διελθεῖν ἔγνωκα. ἀρίστη δ᾽ἀρχὴ τῆς προγνώσεως αὐτῶν ἥπερ δὴ καὶ τῆν ἐσομένης ἀκμῆς. οὕτω δὲ προσαγορεύεται τὸ σφοδρότατον μέρος ὅλης τῆς νόσου.

Se alguém pretende chamar crise à mudança repentina e total na doença, se apenas à inclinação para melhor, se à perturbação que as antecede, ou se à solução total da doença, ou se ainda só à sua solução boa, não é minha intenção neste momento distinguir tais pormenores, que não são algo pouco importante; pensei antes expor com detalhe de que modo alguém pode prognosticar da melhor forma todas estas coisas. O melhor princípio da prognose é a previsão do futuro auge. Designa-se deste modo a parte mais veemente de toda a doença.

GAL., De Crisibus, I, 1

É, pois, em tom de controvérsia que Galeno inicia o primeiro capítulo do tratado ΠΕΡΙ ΚΡΙΣΕΩΝ e será na análise dos seus elementos estruturantes que me deterei.

Assim, uma sequência de cinco sintagmas introduzidos por meio da anáfora da conjunção εἴτε oferece, supostamente, uma lista de hipóteses para possíveis definições do termo κρίσις. Mais, é possível ordenar esses sintagmas por pares de alternâncias — — εἴτε … εἴτε / εἴτε / εἴτε … εἴτε — que permitem evidenciar por confronto a dinâmica dialéctica de cada uma das proposições. O processo enumerativo é abruptamente interrompido pela frase negativa οὐ πρόκειταί μοι διαιρεῖσθαι τανῦν que se inscreve como um anti-clímax que põe fim à continuidade do referido processo.

O primeiro sintagma — Εἴτε τὴν ἀθροάν ἐν νόσῳ μεταβολὴν, … [θέλοι τις ὀνομάζειν κρίσιν] — coloca em evidência o termo μεταβολήν, que dá início ao processo

(18)

10 de modulação inquisitiva do campo semântico de κρίσις; na sequência Εἴτε τὴν ἀθρόαν ἐν νόσῳ μεταβολὴν, εἴτε τὴν ἐπὶ τὸ βέλτιον ῥοπὴν μόνην, εἴτε τὴν προηγουμένην αὐτῶν ταραχὴν, εἴτε καὶ τὴν λύσιν ἃπασαν τοῦ νοσήματος, εἴτε καὶ ταύτης μόνην τὴν ἀγαθὴν [λύσιν] θέλοι τις ὀνομάζειν κρίσιν, o timbre iterativo da conjunção εἴτε pontua a transição de um sintagma para outro imprimindo uma mudança de tom progressivo que introduz, paradoxalmente, no continuum dialéctico da argumentação uma série de descontinuidades, matizes de apreensão linguística do objecto em análise: a crise.

O semantema μεταβολή evoca, por via associativa, um intrincado de relações, dependências e nexos semânticos (na intersecção dos quais ele se posiciona) que embaraça a leitura manifesta do texto em epígrafe. Ao descrever uma dinâmica multíplice da visibilidade, esse vocábulo permite exprimir quer 1) a manifestação ou o resultado necessário ou acidental de uma causa que é condição do modificar (-se), quer 2) a transformação que se dá a ver, quer 3) o tomar forma da diferença no seu devir temporal, quer 4) a variação dos fenómenos no trânsito de um estado para outro, quer 5) a mudança de aspecto, de forma, no seu processo evolutivo, bem como 6) a mutação a diferentes velocidades, enfim, o que sucintamente se designa por alteração ou modificação. O termo μεταβολή admite expressar igualmente a transitividade dialógica de cada uma das diversas fases de evolução de uma doença ou dos diferentes períodos que se podem reconhecer no seu curso, tornando manifesto o reagir de umas / uns sobre as outras /outros a partir das suas conexões mútuas e recíprocas.

Μεταβολή inclui também no seu campo semântico uma série de matizes de movimento: seja aquele em que a velocidade varia, seja aquele que se efectua com velocidade invariável, seja aquele que recebe continuamente novos aumentos de velocidade, seja aquele cuja velocidade diminui continuamente, seja aquele que opera ora num sentido ora no sentido oposto, seja aquele em que os aumentos de velocidade são iguais em tempos iguais, seja aquele cuja celeridade diminui proporcionalmente ao tempo. Consente, ainda, seja que espaço de tempo for, determinado ou indeterminado.

O atributo do objecto directo, que o antecede, ἀθρόαν, prefigura e realça a condensação semântica inerente a μεταβολήν. Em ἀθρόος concorrem os valores de “acumulado”, “reunido”, “ligado”, “aglutinado”, “compacto”, podendo o adjectivo ajustar-se a uma realidade que apresente as suas partes componentes muito coesas entre si, isto é, existindo em simultâneo. Assim, o sintagma τὴν ἀθρόαν ἐν νόσῳ μεταβολὴν faz referência a uma mudança clara, global, no curso da doença, uma vez que se reporta

(19)

11 a uma mudança de conjunto, geral, total, holística que, na ordem do tempo, se pode traduzir de um modo ora rápido ou repentino, ora súbito, instantâneo, ora imprevisto, inesperado.

Na sequência, cujos sintagmas constituintes são pontualmente e em progressão intensiva introduzidos pela conjunção εἴτε, ῥοπή aparenta retomar o seu equivalente semântico μεταβολή. Porém, o recurso ao adjectivo μόνην posposto a ῥοπήν, e a associação ao sintagma preposicional ἐπὶ τὸ βέλτιον, evidencia e assinala a restrição da contiguidade semântica entre μεταβολή e ῥοπή.

Na expressão ἐπὶ τὸ βέλτιον, intercalada entre o artigo τήν e o nome ῥοπήν, o facto de a preposição ἐπὶ, que traduz a ideia de movimento de oscilação, acompanhar o comparativo de superioridade substantivado, βέλτιον, permite interpretar ῥοπήν como viragem significativa, bem como, numa primeira instância, produzir a imagem da inclinação da balança25, assim como do factor determinante da impulsão, isto é, o que lhe imprime o movimento que a faz inclinar: o peso.

O exercício de transferir a imagem do peso adicional da balança para o âmbito da πρᾶξις e problematização linguísticas do devir semântico de κρίσις dá lugar a que se gere o termo peso, estando nele compreendidas as noções de “quantidade, força, influência, importância e valor (semiológico)”, que autorizam, igualmente, a conferir a ῥοπή o significado de “influência decisiva, causa determinante”26

.

Na composição e desenvolvimento vocabulares de τὴν ἐπὶ τὸ βέλτιον ῥοπὴν μόνην acresce a representação do tempo expressa por um equilíbrio alternativo entre um futuro próximo definido pela preposição ἐπί e um tempo instante, momentâneo, inscrito em ῥοπὴν μόνην o que, em seguimento indissociável do parágrafo anterior, particulariza ῥοπή como momento decisivo, circunstância determinante, momento crítico.

Por sua vez, o sintagma preposicional ἐπὶ τὸ βέλτιον, reforçado pelo sentido restritivo da forma adjectival μόνην, anula a possibilidade da biunivocidade da alternância do movimento, ora num sentido ora no sentido oposto, denotada em ῥοπήν.

No presente contexto, parece pertinente chamar a atenção para o facto de ῥοπή ser um derivado nominal de ῥέπω que apresenta significados tão díspares como “prevalecer, sobressair” e “terminar, chegar ao fim, concluir” e ainda “inclinar”, “fazer inclinar a balança”.

25 Cf. Chantraine, s.v. ῥοπή. 26 Cf. Montanari, s.v. ῥοπή.

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12 É de colocar em evidência que ῥοπή possui, igualmente, o valor de “crise”27. A forma de particípio προηγουμένην, que serve de atributo a ταραχήν, compromete indissociavelmente o terceiro sintagma da enumeração, εἴτε τὴν προηγουμένην αὐτῶν ταραχήν, com os dois sintagmas que o antecedem, tornando manifestos em ταραχήν ecos inevitáveis de algumas das atribuições semânticas de μεταβολήν e ῥοπήν.

Em linhas gerais, ταραχήν reenvia, uma vez mais, para a noção de movimento holístico da doença, com as suas ocorrências e efeitos daí resultantes, bem como retoma a noção de grandeza do movimento causada pela ampliação dos acidentes que sobrevêm no devir nosológico e que são responsáveis pela impressão de alterações nele, acima enunciados relativamente a τὴν ἀθρόαν … μεταβολήν e τὴν ἐπὶ τὸ βέλτιον ῥοπήν … .

Ταραχή traduz, em progressão gradativa ascendente, prévia, a perturbação, a agitação, a desordem originadas pelo movimento dos fenómenos morbosos que, na sua nebulosa oscilatória, contrariam a possibilidade de reconhecer com clareza e nitidez o que é distinto e o que se apresenta como diferente em valor.

O particípio com valor atributivo do verbo προηγέομαι determina, também, que ταραχήν promova um vínculo e, em simultâneo, possua um estatuto de anterioridade em relação a μεταβολήν e ῥοπήν, vínculo e estatuto esses que surgem realçados pela localização intermédia do determinante αὐτῶν no sintagma τὴν προηγουμένην αὐτῶν ταραχήν.

O facto de a circunscrição temporal ser marcada por uma forma nominal de um verbo e não por um adjectivo como πρώτην, por exemplo, dilata, expande e amplifica a ponderação do tempo que rege a forma e a acção da incerteza dos processos e ritmos das alterações biológicas (ταραχήν).

Na enumeração, τὴν προηγουμένην αὐτῶν ταραχήν posiciona-se equidistante-mente entre … τὴν ἀθρόαν ἐν νόσῳ μεταβολὴν, / … τὴν ἐπὶ τὸ βέλτιον ῥοπὴν μόνην e … τὴν λύσιν ἅπασαν τοῦ νοσήματος / … ταύτης μόνην τὴν ἀγαθὴν … [λύσιν], apresentando-se como o único sintagma que recorre a uma forma nominal de um verbo para desempenhar a função de atributo, introduzindo por este meio um momento de charneira que assinala o balanceamento que impende ora para a primeira ora para a segunda das direcções sinalizadas pelos dois sintagmas que o antecedem e, por outro

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13 lado, marca uma clivagem entre as duas primeiras situações clínicas e as duas últimas referidas nos dois sintagmas finais da enumeração.

O elemento τὴν προηγουμένην αὐτῶν ταραχήν da série enumerativa, quer devido ao equilíbrio equidistante que apresenta relativamente aos restantes quatro elementos, quer pela especificidade da situação que indica, desenvolve a função de eixo comum em torno do qual transitam e a partir do qual irradiam as dialécticas das tensões de estado e movimento inerentes a ταραχή, μεταβολή, ῥοπή, ταραχή, λύσις, [λύσις].

Ao verter para português εἴτε τὴν προηγουμένην αὐτῶν ταραχήν (se à perturbação que as antecede) substituí, licitamente, a forma participial por uma oração relativa adjectiva, facto que me induziu, por considerar ser pertinente, a recorrer ao espectro semântico de ταράσσω para evidenciar a actividade da entropia no tempo, que surge acoplada ao seu derivado nominal ταραχήν em ligação com a forma nominal adjectiva προηγουμένην. Na tessitura textual em análise, o passo que se pretende elucidar autoriza que se localize, individualize e saliente no âmbito lexical de ταράσσω os sentidos de: “activar a acção de”, “dar origem a”, “desencadear”, “estimular”, “promover”, “causar” e “mover”. Suspendendo momentaneamente a atenção relativa ao peso que assume a coerência do tempo e a lógica discursiva que a enforma, acentue-se que um dos muitos valores de ταράσσω é “subverter”, isto é, “perturbar completamente” contendo em si, pois, a faculdade de efectivar não só a desordem como a transformação.

É como se a opção de associar uma forma de particípio ao nome ταραχήν, adaptada ao propósito de o adjectivar, servisse a estratégia de relembrar as diversas manifestações de estado que lhe estão adstritas, a saber: perturbação, agitação, desordem, confusão. Devem ser ponderadas as noções de estado activo, dinamismo de estado, relação dialéctica entre estados, processo evolutivo de estado, passagem de um estado a outro, ao examinar pragmaticamente o sintagma εἴτε τὴν προηγουμένην αὐτῶν ταραχήν. A forma verbal nominal προηγουμένην sublinha a cinética intrínseca dos estados mórbidos, que se patenteia e expressa diante do olhar.

Na economia do trabalho de perlaboração linguística do espectro semântico de κρίσις, λύσις é indissociável do devir lógico da sequência nominal composta por μεταβολή, ῥοπή, ταραχή e λύσις, pelo facto de se reiterar e resistir em cada um desses termos o leitmotiv da transformação. Em λύσις, porém, a transformação manifesta formas de desenlace produtoras de esclarecimento e conducentes, de modo potencial, à

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14 diácrise. Λύσις dá conta de um equilíbrio permutável, comutativo, entre transformação e diferença. Mais, a dinâmica de reciprocidade biunívoca produzida entre uma e outra potencializa que se estabeleçam relações de proporcionalidade entre factores de distinção, clareza, diferenciação, particularização e evidenciação. Λύσις pressupõe e reafirma, pois, a exigência percuciente de perlustrar os modos de manifestação e devir das formas nosológicas na unicidade do sujeito. Tenha-se contudo em ponderação que se trata de traduções subliminares de λύσις, uma vez que os seus sentidos denotativos recorrentes são os de “solução / resolução”.

No sintagma εἴτε καὶ τὴν λύσιν ἅπασαν τοῦ νοσήματος concorrem e conglutinam-se essas duas hipóteses de exegese e tradução no vocábulo em análise.

No domínio exegético a reverberação semântica que se estabelece entre um e outro termo é não só evidente como se impõe no contexto em presença.

O facto de λύσιν chamar a si, na presente circunstância linguística, o duplo significado de “solução” e “resolução” não traduz que os semantemas sejam permutáveis entre si, isto é, que o emprego de um ou de outro seja facultativo ou equivalente.

A brevidade consumada do primeiro capítulo do tratado ΠΕΡΙ ΚΡΙΣΕΩΝ é determinada pela configuração sintáctica que constrange o devir dialéctico do seu conteúdo. Tal facto moveu-me, no momento da exegese discriminativa, a dar preferência ao termo “solução” em detrimento de “resolução” ao traduzir εἴτε καὶ τὴν λύσιν ἅπασαν τοῦ νοσήματος por: ou se à solução total da doença.

O termo λύσιν congloba a expansão e retracção intrínsecas ao seu movimento semântico representando, em primeira instância, a solução da doença.

Neste lance da sequência enumerativa, a particularidade de a forma de adjectivo ἅπασαν surgir posposta ao nome λύσιν não se afigura gratuita. A ocorrência da inversão do adjectivo no sintagma εἴτε καὶ τὴν λύσιν ἅπασαν τοῦ νοσήματος determina que ἅπασαν, num primeiro tempo, promova, com a noção de todo, totalidade, que lhe está adstrita, a prioridade do movimento de expansão inscrito em λύσιν, remetendo para o sentido binomial da palavra. Assim, λύσις em τὴν λύσιν ἅπασαν τοῦ νοσήματος compreende, refere, quer a solução da doença que sobrevém com acrisia, isto é, com ausência de fenomenologia crítica, quer a solução da doença que ocorre com expressão, revelação, de fenómenos críticos.

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15 As duas hipóteses semiológicas, incluídas linguisticamente no signo λύσις, não são antagónicas nem se contradizem entre si. Representam, sim, duas modalidades de actualização da realidade em análise.

Λύσις traduz, ainda, a interrupção, cessação, paragem ou suspensão de algum / alguns sinal / sinais que continua(m) seguidamente.

Mais, o recurso estilístico de pospor a forma de adjectivo ao nome — modo contrário ao ocorrido nos sintagmas anteriores — é responsável pela ocorrência de uma descontinuidade que corresponde ao momento climácico do processo crítico que move a sequência enumerativa.

Observe-se a correspondência manifesta, intensiva, entre o sintagma inicial, Εἴτε τὴν ἀθροάν ἐν νόσῳ μεταβολὴν, e o sintagma εἴτε καὶ τὴν λύσιν ἅπασαν τοῦ νοσήματος, que assinala o instante climácico do processo enumerativo, bem como o evidente vínculo de complementaridade entre os adjectivos ἀθροάν e ἅπασαν.

A propósito da coincidência semântica em λύσις de possibilidades semiológicas diversas, ἅπασαν permite que se transponha, visualize no plano da exegese a presença, ou não, do concerto dos jogos combinatórios de sinais, de que modo se organizam, se complementam, se confundem entre si, de que modo constroem e estruturam a nosografia; permite que se abranja, igualmente, a tensão dinâmica dos tempos paradoxais de recuo, retrocesso, e de retorno, repetição, da semiologia crítica. Neste contexto, tenha-se recursivamente presente a escala de variação, de desordem, de imprevisibilidade da informação semiológica.

Considere-se assim, de novo, e, uma vez mais, o termo λύσις, embora agora no sentido de “resolução”.

No plano hermenêutico a contiguidade de sentido, de tonalidade iterativa-tautológica, entre resolução e solução é evidente, promovendo o elemento frequentativo, multiplicativo, aumentativo de resolução, re-, a ênfase do reforço, intensificação, da actividade transformativa (subjacente em λύσις) quando a ela está associado o factor de rejeição, permitindo, deste modo, transferir para λύσις o sentido de esvaziamento.

Atente-se que a resolução da doença incide, ocorre, especificamente na manifestação de resultantes críticos. Decorre desta hipótese de contexto atribuir, também, a “resolução” o peso semântico de “esclarecimento”.

Λύσις poderá traduzir, ainda, uma das consequências da retracção efectiva da actividade nosológica: a libertação da doença.

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16 Λύσις admite, pois, significar a conclusão, o termo, o fim da doença, concurso de circunstância latente no verbo etimologicamente relacionado com ῥοπή, ῥέπω, e que se antevê subliminarmente como condição de possibilidade no sintagma εἴτε τὴν ἐπὶ τὸ βέλτιον ῥοπὴν μόνην.

Λύσις admite designar, também, a crise insensível, isto é, aquela em que a matéria morbígena se vai dissipando paulatinamente.

O sintagma εἴτε καὶ ταύτης μόνην τὴν ἀγαθὴν [λύσιν] cria uma oscilação dialógica em processo de continuidade com o sintagma que o antecede, εἴτε καὶ τὴν λύσιν ἅπασαν τοῦ νοσήματος, apresentando-se também como resultante e resultado da projecção prospectiva do segundo sintagma da sequência enumerativa, εἴτε ἐπὶ τὸ βέλτιον ῥοπὴν μόνην.

Em primeira instância, itera-se o significado recursivo de λύσις — “(re)solução” — sem pretermitir a acepção incidental de “resultado”.

Entre εἴτε καὶ ταύτης μόνην τὴν ἀγαθὴν [λύσιν] e o sintagma imediato, εἴτε καὶ τὴν λύσιν ἅπασαν τοῦ νοσήματος, verifica-se uma circunstância conectiva que é posta em evidência na trama discursiva pela função de lançadeira do demonstrativo ταύτης.

No sintagma εἴτε καὶ ταύτης μόνην τὴν ἀγαθὴν [λύσιν] o valor expletivo de μόνην em relação a ἀγαθὴν é manifesto, preenchendo μόνην a função de assinalar, delimitar, especificar, de restringir sublinhando um tipo, espécie (εἶδος) singular de solução — a ἀγαθή. Infere-se a omissão assertiva da solução / crise perfeita, da imperfeita, da segura, da perigosa, da insensível, da má28.

Circunscreve-se, assim, no último sintagma da sequência enumerativa a solução/crise que restabelece o paciente — a ἀγαθή, ainda que esse restabelecimento possa ser passível de oscilação dubitável, ambígua, imprecisa, incerta, exigindo, na durée do processo de inquérito e avaliação, uma atitude obsidentemente expectante da parte do sujeito observador.

A estratégia de expressar a oração interrogativa indirecta, εἴτε … θέλοι τις ὀνομάζειν κρίσιν, na contiguidade da oração subordinante, οὐ πρόκειται μοι διαιρεῖσθαι τανῦν, visa pontuar o limite do continuum da sequência enumerativa e introduzir uma solução de continuidade no movimento do discurso.

28 V. Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, s.v. “Crise”, The

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17 Em εἴτε καὶ ταύτης μόνην τὴν ἀγαθὴν θέλοι τις ὀνομάζειν κρίσιν a ordem de colocação dos elementos na frase privilegia a intencionalidade de destacar o objecto directo e subsumir o tema em análise: τὴν κρίσιν.

Assim, em primeira instância, κρίσις itera, reflecte, o significado recursivo de λύσις — “(re)solução”, sem pretermitir a acepção incindental de “resultado”.

Observe-se a simetria, analogia, interdependência entre os elementos frásicos de εἴτε τὴν ἐπὶ τὸ βέλτιον ῥοπὴν μόνην [θέλοι τις ὀνομάζειν κρίσιν] e εἴτε καὶ ταύτης μόνην τὴν ἀγαθὴν θέλοι τις ὀνομάζειν κρίσιν, mostrando o último sintagma da sequência enumerativa, εἴτε καὶ ταύτης μόνην τὴν ἀγαθὴν [λύσιν], a resolução do conteúdo em contexto do segundo sintagma da sequência. Atente-se no grau normal do atributo (μόνην ἀγαθὴν) do nome predicativo do complemento directo não expresso (λύσιν).

Tomando como exemplo as evidentes relações de proporção e simetria entre os termos linguísticos destes dois sintagmas é possível entender a totalidade da sequência enumerativa como um continuum, facto que permite também admitir μεταβολή, ῥοπή, ταραχή e λύσις como palavras diferentes para expressar aspectos ou distinções da mesma ideia, a mesma representação mental, parecendo, assim, estarmos perante uma tautologia.

Mais, por um lado a indeterminação do sujeito — τις — na oração interrogativa indirecta indicia o concurso de uma pluralidade de opiniões (δόξαι) que se repercute na irresolução gerada pela apreensão agonística do objecto em análise — a κρίσις; por outro lado o predicado θέλοι ὀνομάζειν dá conta do carácter inquisitivo / polemizante do discurso. É oportuno, pertinente, lembrar que κρίσις significa também “disputa”, “contenda”, “controvérsia” aplicada, no presente contexto, à percepção, representação, hermenêutica e conjectura acerca da fase decisiva / crítica de uma doença, a saber, a crise.

A solução de continuidade operada abruptamente pela frase negativa οὐ πρόκειται μοι διαιρεῖσθαι τανῦν expressa a intencionalidade assertiva de suspender o fio do discurso, isto é, a escusa do sujeito da enunciação em fazer durar, alimentar, a polémica em torno da problemática da crise, eximindo-se, deste modo, ab initio de decidir sobre a definição do conceito de κρίσις.

A interrupção da cadeia associativa, constituída pelos elementos da série e inerentes ligações entre eles, opera o deslocamento da energia de investimento para a

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18 frase negativa οὐ πρόκειται μοι διαιρεῖσθαι τανῦν em geral e, em particular, para a forma verbal διαιρεῖσθαι (διαιρέω).

No presente contexto, tem pertinência considerar o exame crítico do campo semântico de διαιρέω relacionando-o com o de κρίνω29

uma vez que se verifica uma intersecção óbvia da quase totalidade dos elementos dos dois universos semânticos. O exame permite percepcionar que o objecto de análise e reflexão dá conta de uma realidade extremamente compósita e dinâmica30, que envolve o investimento de uma exigente e percuciente capacidade de juízo e discernimento.

A análise evidencia que o peso do vocabulário condiciona e determina a eficácia crítica do suporte sintáctico, que se rege por uma economia depurada.

No capítulo II do livro I do tratado ΠΕΡΙ ΚΡΙΣΕΩΝ lê-se: περὶ μὲν δὴ τούτου προϊόντος τοῦ λόγου διορισθήσεται31. O particípio προϊόντος no genitivo absoluto προϊόντος τοῦ λόγου, situa a ambivalência de significado em torno das acepções de πρόειμι, uma vez que o verbo denota “avançar, progredir” como “estar antes”. Logo, … προϊόντος τοῦ λόγου significa o discurso / discussão que se segue, como o predicado διορισθήσεται indica, sem por isso deixar de considerar o discurso / discussão precedente, em torno do termo κρίσις. No sintagma περὶ μὲν δὴ τούτου προϊόντος τοῦ λόγου tenha-se pois em conta o valor retrospecto (retrospectus é uma forma de retrospicere “olhar para trás”) do particípio.

O capítulo começa por enumerar e nomear em nominativo todas as partes das doenças (ἅπαντα τὰ μόρια τῶν νόσων), a saber: início (ἀρχή), incremento (αὔξησις), auge (ἀκμή) e declínio (παρακμή). De seguida, associa-se a categoria do tempo, χρόνος, (em dativo, antecedido duas vezes pela preposição ἐν mais artigo e uma vez antecedido apenas pelo artigo) a três de cada uma das partes das doenças, em genitivo: ἐν τῷ τῆς ἐπιδόσεως χρόνῳ, ἐν τῷ τῆς ἀκμῆς [ χρόνῳ ], τῷ τῆς παρακμῆς χρόνῳ.

Advirta-se que a consideração do tempo será sujeita a exame detido, reflectidamente crítico, na dependência de determinantes e condicionantes. Veja-se διά τε τὴν σφῶν αὐτῶν κακοήθειαν e διὰ τὴν τοῦ κάμνοντος ἀδυναμίαν em contexto: φθάνουσι δ’ἔνιαι τῶν νόσων διά τε τὴν σφῶν αὐτῶν κακοήθειαν καὶ διὰ τὴν τοῦ κάμνοντος ἀδυναμίαν ἐν τῷ τῆς ἐπιδόσεως χρόνῳ διαφθεῖραι τὸν ἄνθρωπον ὥσπερ 29 V. Bailly s.v. διαιρέω e κρίνω. 30 Cf. Gal., De Crisibus, I, 3, pp. 552-558. 31 Cf. Gal., De Crisibus, I, 2, p. 551.

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19 ἕτεραί τινες ἐν τῷ τῆς ἀκμῆς. εἰ δὲ κᾀν τῷ τῆς παρακμῆς χρόνῳ δύναιτο τις ἀποκτεῖναι νόσος, εὐλόγως ἐζήτηται32

.

Acrescenta-se a título de informação que: τὰ δὲ οὖν τέτταρα μόρια ταῦτα καλοῦσιν μὲν ἔνιοι καὶ καιροὺς ὅλου τοῦ νοσήματος (Na verdade alguns também chamam a estas quatro partes os momentos oportunos de toda a doença)33.

Tenha-se em atenção que ἀρχή pode assumir as acepções de “início” ou “fim”. Nesta inter-relação de circunstâncias verifica-se uma intenção clara de omitir uma estrutura frásica onde ocorra τῷ τῆς ἀρχῆς χρόνῳ, assim como é significativo que, na oração condicional de modo potencial, não ocorra a preposição ἐν (“no tempo em que, durante o tempo em que”) antes do artigo — τῷ τῆς παρακμῆς χρόνῳ (no tempo do declínio)34.

É igualmente significativa a omissão de χρόνῳ no sintagma preposicional ἐν τῷ τῆς ἀκμῆς (no [tempo] do auge), pois que é o termo ἀκμή que importa sublinhar, isto é, τὸ σφοδρότατον μέρος ὅλης τῆς νόσου (a parte mais veemente de toda a doença)35

. Os acidentes estilísticos assinalados permitem depreender que o tempo confere e adquire plasticidade moldando-se às condições e circunstâncias do devir das doenças na unicidade do sujeito. Tenha-se presente o valor “durante o tempo em que” da preposição ἐν mais infinitivo.

A análise do campo semântico de καλέω (“enumerar designando”, “detalhar”, “exprimir em termos precisos”) permite sublinhar a evidente relação paralelística entre τέσσαρα μὲν γὰρ ἅπαντα τὰ μόρια τῶν νόσων ἐστὶν, ἀρχὴ καὶ αὔξησις καὶ ἀκμὴ καὶ παρακμή e τὰ δὲ οὖν τέτταρα μόρια ταῦτα καλοῦσιν μὲν ἔνιοι καὶ καιροὺς ὅλου τοῦ νοσήματος, reiterando-se a interdependência paralelística entre esta frase e δι’ αὐτὸ δὲ τοῦτο καὶ καθόλου καιροὺς ὀνομάζουσιν (e, por isso mesmo, também lhes chamam geralmente momentos oportunos)36.

Em ὅτῳ δὲ χρὴ κρίνειν τε καὶ διορίζειν τοὺς εἰρημένους καιροὺς (motivo pelo qual é necessário avaliar e distinguir os ditos momentos oportunos)37, o termo καιρός

32 Gal., De Crisibus, I, 2, p.551: “Algumas das doenças pela sua própria malignidade e devido à

debilidade do doente apressam-se a matar o paciente no tempo do incremento, como algumas outras no tempo do auge. Tem-se buscado racionalmente se alguma doença pode matar no tempo do declínio.”

33 Gal., De Crisibus,I, 2, p. 551. 34 Gal., De Crisibus, I, 2, p. 551. 35 Gal., De Crisibus, I, 1, p. 550. 36

Gal., De Crisibus, I,2,p. 551.

37

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20 parece visar claramente a acepção de “o ponto justo que toca o alvo”. Cruze-se este valor de καιρός com o de “decidir sem hesitação” de κρίνω e o de “no tempo em que” da preposição ἐν mais infinitivo.

Retomem-se as frases τὰ δὲ οὖν τέτταρα μόρια ταῦτα καλοῦσιν μὲν ἔνιοι καὶ καιροὺς ὅλου τοῦ νοσήματος, atendendo ao sujeito indeterminado expresso de uma, ἔνιοι (alguns), e ao sujeito indeterminado não expresso da outra; aproximem-se essas duas frases de καὶ μέχρι μὲν τοῦδε σχεδὸν ἅπαντες ὁμολογοῦσιν ἀλλήλοις (e até este ponto estão todos perto de concordar uns com os outros). ὅτῳ δὲ χρὴ κρίνειν τε καὶ διορίζειν τοὺς εἰρημένους καιροὺς, οὐκ ἔτι ἐν τῷδε συμφωνοῦσιν ἀλλήλοις˙ (Motivo pelo qual é necessário avaliar e distinguir os ditos momentos oportunos e nisto ainda não se entendem entre si)38, atendendo à natureza dos sujeitos (ἔνιοι / ἅπαντες) e à sequência dos verbos — καλοῦσιν / ὀνομάζουσιν / ὁμολογοῦσιν / οὐκ συμφωνοῦσιν —, marcando o valor de “resolver uma polémica” de κρίνω.

A ocorrência dos verbos ζητέω (“examinar”, “pesquisar”, “esquadrinhar”, “tornar a buscar ou procurar”), διορίζω (“distinguir”, “determinar”, “delimitar”), ὁρίζω (“determinar”, “delimitar”, “assinalar com um limite”), κρίνω (“distinguir”, “avaliar”, “interpretar”, “decidir”) na continuidade de διαιρέω (“distinguir”, “determinar”, “interpretar”, “julgar”, “decidir”) e de οἴω (“pensar”, “prever”, “conjecturar” mas, também, “ter uma opinião”) em proximidade dialéctica com καιρός em acusativo do plural (καιροὺς) e o facto de a frase ὅτῳ δὲ χρὴ κρίνειν τε καὶ διορίζειν τοὺς εἰρημένους καιροὺς estar situada entre as frases καὶ μέχρι μὲν τοῦδε σχεδὸν ἅπαντες ὁμολογοῦσιν ἀλλήλοις e οὐκ ἔτι ἐν τῷδε συμφωνοῦσιν ἀλλήλοις permitem inferir que a determinação crítica dos καιροί é complexa, morosa, conjectural e polémica (concordante com a problemática da crise), uma vez que estes correspondem a uma multiplicidade efectiva de tempos associados aos modos de manifestações das formas particulares, próprias, das doenças.

A complexidade fenomenológica da informação clínica é determinante na construção do “olho clínico”, equivalendo este a um olho crítico.

Assim, no capítulo IV do tratado ΠΕΡΙ ΤΩΝ ΚΕΦΑΛΗΣ ΤΡΩΜΑΤΩΝ declara-se: Ἰδέαι δὲ ῥωγμέων παντοῖαι γίγνονται˙ (As formas das fracturas são variadas)39. O recurso ao adjectivo παντοῖαι (“diversas”, “multiformes”, “de todo o tipo”, “de todas as

38 Gal., De Crisibus, I,2, p. 551. 39 VC., c.4, Littré III, 196, 6.

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21 espécies”, “que toma todas as espécies de formas”) produz um visível efeito multiplicativo sobre o plural do derivado nominal de ἰδεῖν: ἰδέα. Acontece que algumas formas de fracturas são λεπτότεραι (mais estreitas) ou λεπταὶ πάνυ (completamente estreitas) de tal modo que são οὐ καταφανέες (não são de todo “visíveis” / “manifestas” / “evidentes” / “claras”)40 ao olhar do médico, o que reduz a sua intervenção atempada e oportuna.

No capítulo V afirma-se: Ἰδέαι δὲ τῆς φλάσιος πλείους γίγνονται˙ (São mais numerosas as espécies de contusão)41. Observa-se um paralelismo em espelho evidente entre as duas frases, a par, associado a uma progressão gradativa ascendente visível ao nível da adjectivação. A análise do capítulo permite atribuir, neste contexto, a ἰδέα os valores de “forma distintiva”, “carácter específico”. Por sua vez, a frase adversativa negativa Ἀλλ’οὐ τουτέων τῶν ἰδεῶν οὐδεμίαν ἐστιν ἰδόντα τοῖσιν ὀφθαλμοῖσι γνῶναι (Mas, ao examinar com a vista, não é possível reconhecer nenhuma destas formas)42 adverte que os órgãos da visão, expressos pelo dativo instrumental τοῖσιν ὀφθαλμοῖσι, são impedidos, estão impossibilitados de aperceber-se, reconhecer, em suma, de operar em face do real, circunstância de actuação em que se insiste no final do capítulo — οὐδὲ … γίγνεται τοῖσιν ὀφθαλμοῖσι καταφανὲς … (não é claro com estes olhos)43— a propósito das ocorrências que podem sobrevir logo após a emergência da ferida.

No capítulo IX tenha-se em conta que a estrutura paralelística do primeiro período —[Τούτων τῶν τρόπων τῆς κατήξιος ἐς πρίσιν ἀφήκει,] ἥ τε φλάσις ἡ ἀφανὴς ἰδεῖν καὶ ἤν πως τύχῃ φανερὴ γενομένη καὶ ἡ ῥωγμὴ ἡ ἀφανὴς ἰδεῖν, καὶ ἢν φανερὴ ᾖ.— assenta nas ideias de repetição, de redundância, de multiplicação, o que permite atribuir a κάτηξις o valor de “ruptura” em sentido lato44

.

O infinitivo ἰδεῖν (“ver”, “examinar”, “experimentar com o olhar”) e os dois pares dicotómicos constituídos pelos adjectivos derivados de φαίνω, ἀφανής (“ que se esconde à vista”, “que não está à vista”, “que não se vê”, sem expressão) / φανηρή (“que se pode ver”, “visível”, “manifesto”, “bem visível”, “evidente”). Assim, atendendo ao contexto, na abordagem terapêutica das contusões (φλάσις) e fracturas (ῥωγμή) pela trepanação (πρίσις), o termo τρόπος congloba o valor retórico de “forma 40 VC., c. 4, Littré III, 196, 7. 41 VC., c. 5, Littré III, 200, 10-11. 42 VC., c. 5, Littré III, 200, 14-15. 43 VC., c. 5, Littré III, 202, 1-3. 44 VC., c. 9, Littré III, 210, 10-12.

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22 expressiva”, o valor lógico de “método” e o valor médico de “tratamento” — τούτων τῶν τρόπων τῆς κατήξιος ἐς πρίσιν ἀφήκει (De entre estes modos de traumatismo, é do âmbito da trepanação)45.

A frase de abertura do capítulo X, πρῶτον δὲ χρὴ τὸν τρωματίην σκοπεῖσθαι (Primeiro é necessário examinar o ferido)46, inicia-se com um advérbio (πρῶτον) seguido de um verbo de obrigação (χρή) acompanhado de infinitivo (σκοπεῖσθαι) enunciando, indicando, o primeiro passo do exame clínico.

Os passos da inquirição clínica vão-se ordenando, desdobrando por enumeração quer com recurso frequente a um verbo de obrigação seguido de infinitivo (πρῶτον δὲ χρὴ τὸν τρωματίην σκοπεῖσθαι / ταῦτα μὲν οὖν χρὴ ἀπόπροσθεν σκεψάμενον λέξαι (É necessário portanto recolher estes dados clínicos examinando à distância)47 / χρὴ τοῦ ἐν τῷ ὀστέῳ ἐόντος τὴν διάγνωσιν πρῶτα ποιέεσθαι (Inicialmente é necessário fazer a diagnose do estado do osso) / χρὴ δὲ καὶ ἐρωτᾷν τὸν τετρωμένον (É necessário também interrogar o ferido) / πολλῷ ἔτι χρὴ μᾶλλον τὴν ἐρώτησιν ποιέεσθαι (é ainda muito mais necessário fazer a pergunta)48 quer com recurso a infinitivos de ordem (καὶ τὰς τρίχας καταμανθάνειν τὰς περὶ τὸ ἕλκος (e examinar os cabelos em torno da ferida) / τῇ μέλῃ σκέπτεσθαι (examinar com a sonda) / ἔπειτα δὲ καὶ λόγῳ καὶ ἔργῳ ἐξελέγχειν … (de seguida verificar quer pela reflexão quer pelos factos da observação)49.

A condição primeira de exame prescreve que χρὴ τὸν τρωματίην σκοπεῖσθαι (σκοπέω: “observar de alto ou de longe”). Confronte-se infra: ταῦτα μὲν οὖν χρὴ ἀπόπροσθεν σκεψάμενον λέξαι, μὴ ἁπτόμενον τοῦ ἀνθρώπου˙(É necessário portanto recolher estes dados clínicos examinando à distância, não tocando no paciente)50. A primeira avaliação, pois, deve realizar-se μὴ ἁπτόμενον τοῦ ἀνθρώπου (não tocando no paciente) e consiste em coligir à distância (ἀπόπροσθεν) dados da observação. É no contexto descritivo da atitude técnica de abordagem à distância que se inscreve o verbo καταμανθάνω. Em καὶ τὰς τρίχας καταμανθάνειν τὰς περὶ τὸ ἕλκος (e examinar os cabelos em torno da ferida)51 a preposição περί reforça a incidência dos sentidos de “examinar com cuidado”, “explorar uma ferida” sobre καταμανθάνειν, bem como os

45 VC., c. 9, Littré III, 210, 10.

46 VC., c. 10, Littré III, 212, 6. σκοπεῖσθαι é uma correcção da forma σποπεῖσθαι que figura na edição

consultada. 47 VC., c. 10, Littré III, 212, 6, 12-13. 48 VC., c. 10, Littré III, 214, 1-2, 3-4, 5-6. 49 VC., c. 10, Littré III, 212, 8, 15; 214, 10-11. 50 VC., c. 10, Littré III, 212, 11-12. 51 VC., c. 10, Littré III, 212, 8.

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