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O Sermão Escatológico do Evangelho de Mateus e a Injustiça Social

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Academic year: 2020

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O SERMÃO ESCATOLÓGICO

DO EVANGELHO DE MATEUS

E A INJUSTIÇA SOCIAL*

RUBENS ALVES COSTA**

J

ustiça (dikaiosyne) é o centro organizador do Evangelho de Mateus e também o prin-cipal ensinamento do evangelista. Seebass (1982, p. 534) comenta que “A doutrina da justiça segundo Mateus é parte central da mensagem”.

No contexto judaico rabínico, nos tempos do Evangelho mateano, definia-se justiça como: prática de obras caritativas e de misericórdia. O judeu que agisse assim exercia uma justiça superior a dos escribas e fariseus (Mt 5,20) e era considerado justo. Seebass (1882, p. 532-3) comenta que:

No judaísmo rabínico, a “justiça” se identificava [...] os rabinos, tinham a intenção de treinar os homens na obediência e, especialmente, providenciar uma maneira para os homens adquirirem mérito aos olhos de Deus. A paixão pela obediência agora ficou transformada em esforço em prol do mérito, para garantir sua própria participação no reino de Deus. As obras de caridade e as obras de misericórdia eram consideradas especialmente meritórias, [...] as primeiras [...] alimentar os famin-tos, vestir os nus, dando de beber aos com sede. [...] obras de misericórdia [...] visitar os que estão doentes e encarcerados.

Resumo: o artigo analisa os mecanismos que geravam e mantinham a injustiça social na

cultura da Palestina do século I d.C. a partir da leitura das relações de conflito existentes na comunidade mateana. Entende-se que relações assimétricas são vetores eficazes para a gênese da marginalização dos estratos sociais mais baixos. Vê-se a terra como um mecanismo para a manutenção da paz social. Conclui-se que a injustiça social é uma construção da sociedade e que os governos são os principais agentes fomentadores dela.

Palavras-chave: Comunidade. Sociedade. Dominação. Terra. Utopia.

* Recebido em: 10.08.2015. Aprovado em: 20.08.2015.

** Graduação em Teologia pela Faculdade da Igreja Ministério Fama (FAIFA), Goiânia - GO. E-mail: adm. rubensalvescosta@gmail.com.

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Embora o termo justiça ocorra apenas sete vezes no evangelho (3,15; 5,6.10.20; 6,1.33; 21,32); a ideia de justiça abrange e organiza toda a narrativa mateana. Do Sermão da Montanha (cap. 5-7) ao Sermão Escatológico (cap. 24-25) há uma enfática orientação para que os discípulos exerçam uma justiça que seja superior à justiça exercida pelos seus pares relacionais. Bornkamm (1963, p. 30 apud OVERMAN, 1997, p. 97) comenta que no Evan-gelho de Mateus: “‘Justiça’ aparece como uma ideia abrangente para ações, comportamentos e disposição dos discípulos e seguidores de Jesus”.

O evangelho de Mateus aborda um ambiente de relações comunitárias hostis onde a injustiça estava sobrepondo a justiça. Diversos fatores de origem interna e externa à (s) co-munidade (s) colaboravam para a manutenção desse status quo. No entanto, observa-se que a preocupação poimênica e a construção pedagógica do evangelho são e estão direcionadas para os discípulos que faziam parte da (s) comunidade (s) mateana (s) e não para agentes externos a ela. Mesmo assim, o autor não isenta de futuras punições, as personas e as instituições externas à comunidade que ao praticarem ações injustas contribuíam para a implantação de um reino de injustiças. No polo oposto, dos discípulos mencionados introdutivamente no início dos principais blocos temáticos do evangelho (Mt 5,1 Sermão da Montanha; Mt 24,3 Sermão Es-catológico), o evangelista esperava ações (praxis) justas que fossem suficientes para a reversão da caoticidade existente nas comunidades cristãs das últimas décadas do primeiro século d.C. Portanto, na narrativa mateana, o exercício correto da justiça torna-se uma exigência moral que jamais poderia ser negligencia. Discípulo passa ser o cidadão comunal que os seus atos de justiça excedem em muito aos atos de justiças de agentes externos como, por exemplo, os escribas e fariseus. A práxis do discípulo define a sua “entrada no reino dos céus” (Mt 5,20). Para o autor do Evangelho de Mateus essa é a meta a ser perseguida pelos membros de sua comunidade. Overman (1997, p. 98) comenta que:

Quando Mateus fala em justiça no Sermão da Montanha, ele se refere ao comportamento e às ações esperados dos membros da comunidade. A justiça no Sermão é a meta que os membros da comuni-dade devem perseguir. [...] Aqui, justiça refere-se ao desejo e esforço dos membros para viver de uma maneira para a qual Mateus acredita que eles foram chamados.

Na narrativa evangelística mateana, no final do quinto sermão público de Jesus encontra-se O Julgamento Escatológico. Trata-se de um discurso de revelação apocalítica em perspectiva escatológica (BROWN; FITZMYER; MURPHY, 2011, p. 206). Com ele, o es-critor Mateus, intenta reformatar as crenças e as ações da sociedade onde estava inserida a sua comunidade e assim alterar o status vigente nela de injustiça social. A ênfase da perícope está na execução de ações (práxis) que erradiquem a fome, a sede, a nudez, o egoísmo, a xenofobia e outras perspectivas alavancadoras de desintegração social. As pessoas; sejam elas mateanas ou não serão julgadas no tribunal do Filho do homem segundo as obras feitas para socorrer os necessitados. Overman (1997, p. 98) comenta que: “Mateus destacou que as ações de uma pessoa têm uma influência direta sobre a resposta do Filho do Homem quando ele julga as pessoas em sua glória”. E, Trilling (1964, p. 184 apud OVERMAN, 1997, p. 98) reforça a tese comentando que: “O tratamento dado por Mateus ao julgamento pressupõe a posse de dikaiosyne [justiça] para a entrada no Reino”.

O texto bíblico que fundamenta este artigo científico (Mateus 25,34-36,40) narra o último julgamento pelo qual passará toda humanidade. É o fim do mundo (PIKAZA, 1978, p. 109-110). Nele todos os homens estarão sub judice. A corte judicial presidida pelo Filho

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do Homem balizará o seu veredicto a partir da compatibilidade da ética e da moral ensinada por Jesus com as práxis de justiças dos homens e mulheres. Costa (2014, p. 385) comenta que “A sentença proferida pelo Rei-julgador destinará réus condenáveis e réus absolvidos”.

Quem são os réus que estão em julgamento? Como eram os seus contextos? Que elementos éticos e morais eram adotados por eles e que agora balizam o veredicto do Filho do Homem? E, qual é a contribuição que o texto dá para comunidade cristã contemporânea; serão temas abordados neste artigo científico.

O TEXTO DO JULGAMENTO ESCATOLÓGICO EM MATEUS

Transcrevo o trecho do Evangelho de Mateus 25,34-36,40, na versão: A Bíblia de Jerusalém:

34. Então o Rei dirá aos que estão à direita: - Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, 35. porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; 36. nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim. 40. Responderá o Rei: - Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes. ENTENDENDO O CONTEXTO

Os Fariseus

A sitz im leben (contexto vital) da comunidade mateana era de permanentes ameaças. A ameaça interna vinha de uma ‘nova’ liderança judaica que substituiu velhas estruturas oligár-quicas institucionalizadas na religião, na política e na cultura que desapareceram com a destrui-ção do terceiro Templo-estado e da cidade de Jerusalém no ano 70 d.C. pelo general romano Tito Vespasiano. Overman (1997, p. 16) entende que a nova liderança judaica, em Mateus, trata-se dos ‘velhos’ fariseus com seus escribas que assumiram o comando sociorreligioso da Palestina pós anos setenta. Saldarini (2000, p. 116,9) complementa comentando que:

Para Mateus, os fariseus são mestres rivais, com entendimento e prática do Judaísmo diferentes dos de Jesus. Simbolizavam os líderes da comunidade judaica pós-destruição, da qual Mateus é membro dissidente. [...] Não só os líderes, mas das instituições que eles controlam e as interpretações da lei e do costume judaico que eles propõem para a sociedade [...].

O programa dos fariseus de pureza no lar e à mesa que foi elaborado antes dos anos setenta apresenta-os como a melhor opção para a reestruturação do campo sociorreligioso na-cional pós-queda, pois o programa religioso farisaico não dependia da existência do Tempo. Overman (1997, p. 45) mostra que os fariseus já há muito tempo preparavam para ser a nova força dominadora. Ele comenta:

Os fariseus estavam bem posicionados para os eventos de 70 d.C. Seu programa cujo padrão básico havia sido elaborado bem antes de 70, colocava-os em uma boa posição para ganhar influência de-pois da destruição de Jerusalém e do Templo. [...] Os fariseus já possuíam um programa abrangente de identidade social e religiosa que não exigia a presença do Templo. [...] os fariseus desenvolveram um sistema centrado na aplicação das leis da pureza no lar e à mesa. O dízimo, a observância do sábado e o estudo da Torah eram características centrais do movimento.

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Assim, o farisaísmo passou a ser visto como a melhor síntese para reorganizar e continuar conduzindo a nação na perspectiva de povo da Aliança. Overman(1997, p. 15,52) chama essa frente político-religiosa de judaísmo formativo:

O judaísmo formativo durante o período em que o encontramos em luta com a comunidade de Mateus era um dos vários movimentos que brigava para ganhar mais influência e controle no perí-odo pós-70. [...] Depois da primeira revolta contra Roma, os judeus na Palestina viram-se diante da tarefa de construir novas instituições e estruturas para o futuro. O judaísmo formativo começou a organizar a vida social, religiosa e comunitária da comunidade judaica.

Assim, o farisaísmo, que já estava amalgamado na cultura nacional sobrevive após a tragédia dos anos setenta e ainda obtém o stutus quo de liderança da nação. Ele substitui e exerce parcialmente as funções que eram exercidas pelos sacerdotes antes da destruição do Templo e ainda consegue ser tolerado pelo poder dominante externo. Com o vazio político (liderança nativa) deixado pelo fim da dinastia herodiana os fariseus, provavelmente, com a permissão dos romanos, assumiram também o poder político interno. Talvez, essa permissão, sinaliza para uma nova modalidade de suseranado mais brando; sublimado e não tão intenso como no ocorrido durante o período herodiano. O último monarca herodiano foi o rei Agri-pa II. Jerusalém e o Templo foram destruídos porque ele não conseguiu evitar a guerra entre judeus e romanos (66-70). Portanto, agora, detentores de visibilidade religiosa e política os fariseus assume o poder interno e desenvolve suas gestões pelo viés do judaísmo formativo.

Uma vez ressignificado, o judaísmo (nessa fase, formativo) reestrutura e institu-cionaliza o rabinato como a força e frente estruturante da religião e da cultura nacional pós anos setenta. Substituem o Templo pela sinagoga e os sacerdotes pelos rabinos. Posicionados como a nova liderança político-religiosa e cultural o judaísmo iniciam a priori um processo de difamação contra os judeus-cristãos que a posteriori é transformada em perseguição. As con-trovérsias entre ambos culminam com a ruptura definitiva entre o judaísmo e o cristianismo deliberada no Concílio de Jamnia nos anos 90 d.C. Os conciliares de Jamnia consideraram os seguidores de Cristo hereges. Mazzarolo (2001, p. 29) comenta que:

A queda de Jerusalém nos anos 70 fez com que os movimentos ou partidos religiosos judaicos fos-sem fundidos num único conceito: os judeus. A situação do convívio dos judeus com os cristãos ganha uma conotação de conflito com a ruptura depois dos anos 85, na decisão do concílio judaico de Jamnia, classificando os seguidores do Nazareno de hereges.

Jamnia foi um divisor de águas. Nele os rabinos foram institucionalizados como um corpo autorizado; o judaísmo rabínico como a única síntese de normalização do judaísmo e consequentemente de interpretação da Torá. (OVERMAN, 1997, p. 48). O congresso de Ja-mnia acabou com a paz e a proximidade entre judaísmo e os seguidores do nazareno. Ferreira (2011, p. 201) comenta que:

Quando os congressistas do novo judaísmo firmaram a “liturgia sinagogal”, elaboraram dezoito bênçãos endereçadas aos pertencentes ao judaísmo e uma maldição apontada, exatamente, aos “na-zarenos” (cristãos). Nesse momento, os cristãos tiveram que cortar o cordão umbilical.[...] de Nazaré pode vir alguma coisa que presta.

As ameaças das quais a comunidade mateana era alvo constante, propaladas em diversas partes do evangelho de Mateus, tinham suas origens nos fariseus do judaísmo

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for-mativo que não aceitava, ao contrário dos mateanos, ser Jesus o cumprimento das promessas messiânicas prescritas na Torá e nem a sua autoridade espiritual. É com essa liderança judaica que o evangelista Mateus litiga internamente. Portanto, as diversas citações no Evangelho (principalmente em Mt 23), com severas críticas aos fariseus e aos seus escribas conduz a con-clusiva que o judaísmo formativo era o principal agente interno propulsor de injustiça social e, portanto, no tribunal do Rei estava sub judice.

Carga Tributária Romana

Externamente a comunidade mateana era ameaçada pela dominação imperialista romana engodada na Pax Romana. Para manter subjugados os povos conquistados Roma desenvolveu mecanismos de controle: fiscal, político, social e outros.

O programa fiscal do império consistia de excessiva taxação tributária dos povos dominados. Cobrava-se imposto de tudo. Nada ‘escapava’ dos cobradores de impostos de Roma. Cobravam-se impostos de prostituição e até de urina. Richter Reimer (1995, p. 145) comenta que:

Todas as pessoas artesãs e também as prostitutas (!) pagavam impostos sobre mercadorias e ativida-des profissionais. O historiador romano Seutônio conta que o imperador Vespasiano (69-79) era tão ganancioso que usava sua criatividade especialmente para encontrar novas maneiras de impor impostos. Assim, inventou um imposto sobre urina, utilizada pelas tintureiras e tintureiros (a urina era usada para fixar a cor em lãs e tecidos):

Era um sistema tributário insaciável; um verdadeiro saque nas economias locais. Como consequência da elevada carga tributária os mateanos estavam passando: fome, sede, sem roupas, sem teto, sem terras para produzir, sendo presos, condenados e até vendidos como escravos porque não conseguiam pagar os impostos cobrados por Roma (WENGST, 1991, p. 48). Assim, os estratos sociais mais baixos eram penalizados pelo modelo econômico vigente. Richter Reimer (2003, p. 61) comenta o status de fome, miséria e desintegração fa-miliar provocado pela pesada carga tributária:

A ideologia patriarcal de dominação romana [...] Uma das formas mais elementares de implantar e manter essa dominação é a fixação e cobrança de impostos e taxas sobre pessoas, bens e produtos, bem como pedágios. Quando alguém deixa de pagar os impostos, sofre as consequências, indepen-dente do motivo pelo qual não realizou o pagamento. Entre elas está a perda da terra, da liberdade (por meio da venda no mercado escravagista) e, com isso, o desmembramento familiar, a prosti-tuição de crianças e mulheres e o recrutamento de jovens para trabalhos em construções imperiais. Governos Dependentes

Roma tinha como práxis política nomear nativos para ‘auxilia-la’ no governo dos povos conquistados (os suseranos). Para atender as expectativas que eram ‘confiadas’ a eles pelos imperadores, os suseranos cometiam atrocidades contra os povos dominados que fugia às raias da imaginação! Eles sobretaxavam os impostos, extorquiam as terras e expulsavam de-las os seus proprietários. As atrocidades não paravam aí: bajulavam o imperador construindo cidades com nomes associado a ele (Cesareia, Sebaste); ampliavam e construíam templos para homenageá-lo (Torre Antônia) além, de regularmente, enviar à Roma presentes caríssimos.

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Tudo, obviamente, saía do bolso do povo. A dinastia herodiana permaneceu no poder de 37 a.C. até 70 d.C. porque era hábil nessas práticas. Horsley (2004, p. 37-40) comenta a relação dos governadores dependentes com Roma:

Quando a família sumo sacerdotal asmonéia persistiu na prolongada guerra civil [...] Júlio César e Marco Antônio escolheram o cruel, jovem e forte militar Herodes, para controlar a Palestina. Tor-nando-se “rei dos judeus”. [...] Herodes se tornou o rei dependente favorito do imperador Augusto. Um favoritismo merecido, considerando-se o controle rigidamente repressivo de seu reino e seus projetos de construção maciça de templos e cidades inteiras dedicados a César Augustos e identifica-dos com nomes inspiraidentifica-dos no imperador. [...] Além disso, ele oferecia regularmente presentes finos ao imperador e a outros membros da família imperial [...].

O evangelho de Mateus foi escrito provavelmente no final dos anos oitenta d.C. (ARMSTRONG, 2008, p. 71). Vermes (2006, p. 181) arisca uma data um pouco mais tar-dia: “Considerar-se-á que Marcos se origina pouco após a destruição de Jerusalém, em 70 d.C.; Mateus e Lucas vêm logo depois, digamos de 80 e 100 d.C.”. Em outra perspectiva de temporalidade, Ferreira (2011, p. 179) entende ser a data da composição do Evangelho de Mateus mais recente: “O Evangelho de Mateus parece que estava pronto pelos anos 80 d. C.”. Seus destinatários faziam parte de comunidades judaicas da grande Síria (SALDARINI, 2000 p. 320). Da queda do último suserano da dinastia herodiana (Agripa II) que foi desposto na época da destruição de Jerusalém e do Templo e a redação do evangelho já havia passados aproximadamente vinte anos. No entanto, o povo, a economia e as finanças da Palestina ainda colhiam as consequências funestas deixadas pela dinastia herodiana. Os bolsões de mi-seraria eram uma dessas consequências.

Doenças Mentais

A sociedade proletária era afetada pelas políticas externa de dominação. Entende-se que as agressões eram tão intensas que grande parte dos violentados pelo sistema dominante somatizavam suas angústias e perdas nas doenças mentais que na época eram ‘confundidas’ com possessão demoníaca. Os exorcismos protagonizados nos evangelhos arremetem para a expulsão dos provocadores das insanidades mentais que no imaginário da sociedade era o Império Romano. Ritcher Reimer (2008, p. 57) comenta que:

No constructo simbólico religioso-social, a dominação de demônios é dominação estrangeira/es-tranha. Numa sociedade que consegue expressar seus problemas e intenções em linguagem mítica, como é o caso da sociedade judaico-cristã no século I, a pressão social e política – no caso dos roma-nos – pode ser interpretada como dominação de demônios.

Portanto, a sociedade mateana estava bem próxima de entrar em um estado social de reductio ad absurdum (redução ao absurdo; redução ao impossível). A falta de justiça social que deveria ser a principal práxis do povo da Aliança estava ‘empurrando’ os mateanos para o caos. Bauman (2011, p. 25) explica o caos como:

Uma vez que, no estado de caos, “a mudança é permanente”, esse estado “soa obscuro”, ilegível, imprevisível para aqueles nele expressados [...] é um estado em que tudo pode acontecer [...] em que nenhum evento tem maior probabilidade que qualquer outro [...] Ser caótico é estar desprovido de estrutura [...].

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São estes os contextos da narrativa mateana. Eles mostram quem e porque serão absolvidos ou condenados no tribunal do Filho do Homem e quais serão as recompensas e castigos.

CONSTRUÇÃO DA INJUSTIÇA SOCIAL

A injustiça social é uma construção sociocultural. Portanto, uma construção huma-na. Constrói-se a injustiça social a partir da ‘manipulação’ e da distorção moral da política, da economia, da religião, das situações de gênero, e outras. Uma vez manipuladas e distorci-das elas são inseridistorci-das e incorporadistorci-das na cultura e adquirem o status quo de normalizadores e reguladores da sociedade. Obviamente que tudo isso é articulado para atender aos interesses das classes sociais dominantes que encontram no Estado o principal fomentador da injustiça social.

O Estado, ao contrário, deveria comprometer-se com a justiça social e isso ocor-re quando ele implementa políticas intervencionista para compensar as desigualdades que surgem no mercado e em outros mecanismos da sociedade. Quando o Estado age assim ele cumpre o seu papel social de agente propulsor da equidade distributiva e assegura um status de justiça social. Portanto, partindo do pressuposto que cultura é tudo que é construído e acumulado pela humanidade (CUCHE, 1999, p. 21); a injustiça social é uma construção humana elaborada sistematicamente atender as relações de domínio de grupos com interesses comuns. Um status social de injustiça social é marcado pela desigualdade de direitos e pela falta de solidariedade coletiva. A ausência desses constructos sociais gera relações de domínio, sonegação aos meios de produção, má distribuição da renda, desigualdades regionais, miséria, fome, doenças e mais.

As consequências de um contexto de injustiça social eram visivelmente perceptíveis na comunidade mateana. Nela havia fome, nudez, doenças, sem-terra, prisões. O conluio de várias instituições (Roma, os governos dependentes e as instituições locais político-religiosas) contribuía para a geração e manutenção desse status.

Roma

Inicio a relação das instituições e os seus modelos geradores de injustiça social no contexto palestino-mateano pela instituição-chefe da gangue (Roma). Uma das formas de Roma dominar era pela cobrança de imposto. O Império Romano exigia dos povos conquis-tados o pagamento de uma pesada carga tributária e também de suprimentos em commodities (trigo, etc.). Cobravam-se impostos de tudo: impostos municipais para cuidar e desenvolver as cidades; imposto de vendas de escravos; circulação de mercadorias; pedágios; alfandegários; prostituições e mais. Os impostos mais importantes eram o imposto relacionado com a terra e seus produtos (tributum soli) e o imposto pessoal (tributum capitis) (ARENS, 1997, p. 119). O valor da alíquota cobrada anualmente do tributum soli era de aproximadamente dez por centro do valor das terras e dos preços auferidos com as vendas das colheitas. O tributum capi-tis era uma exigência anual para todos os súditos que estivesse dentro da faixa etária dos doze aos sessenta e cinco anos. (ARENS, 1997, 120). No entanto, dado às circunstâncias socioe-conômicas, nem sempre era fácil para o contribuinte rural ou pessoa física conseguir pagar o valor tributado. Quem não pagava incorria em sérios riscos materiais e pessoais. Se fosse um

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inadimplente rural as suas terras eram confiscadas e se um devedor do tributum capitis era vendido como escravo para liquidar a sua dívida com o fisco romano. A metodologia romana de domínio pela via da tributação fiscal e de commodities enfraquecia as economias regionais e gerava o empobrecimento. Porém, Roma era indiferente às consequências. Camuflada de um pseudo Estado de Direito chamado de Pax Romana ela não demonstrava o menor interesse para: a estabilidade mundial, a segurança, a cooperação entre os povos e assim transferia as riquezas das nações conquistas para os seus cofres gerando um status de injustiça social. Wen-gst (1991, p. 46) comenta que: “assim a riqueza econômica de um país conquistado e a sua capacidade de produção devem ser orientadas para as necessidades de Roma”.

Os imperadores da dinastia flaviana (Vespasiano e seus dois filhos: Tito e Domi-ciano) reinaram de sessenta e nove a noventa e seis d.C.. O evangelho de Mateus foi escrito dentro deste interstício. Vespasiano herdou um império endividado pelas dinastias que o antecedeu (a juliana e a claudiana). Para sanear a economia e equilibrar as contas do Estado, Vespasiano implementou um programa austero de reformas econômicas com foco em ajustes fiscais que acabou dando certo. As medidas implementadas reoxigenaram a economia impe-rial e ainda proveu os fundos necessários paras seus ambiciosos projetos de construções como a do templo dedicado a Júpiter Capitolino (Capitólio) e Coliseu de Roma.

No entanto, para a capitalização dos recursos necessários, Vespasiano adotou a mes-ma metodologia adotada pelos atuais gestores governamentais que para equilibrar as suas contas públicas faz opção pelo aumento da carga tributária e não o da redução das despesas. Como as classes mais abastadas sempre ‘arrumam’ uma ‘fórmula’ para pagar menos impos-tos, a parte maior da fatura gerada pelas irresponsabilidades dos gestores públicos fica para as classes menos favorecidas da sociedade pagar. Essa era a situação dos menos abastados da Palestina e da comunidade mateana. Enquanto os ricos sonegam o que conseguiam, os pobres eram obrigados a pagar cada vez mais imposto. Arens (1997, p. 120) comenta que:

A carga tributária não era proporcional nem era respeitada por todos. Os ricos nem sempre declara-vam todas suas propriedades, escapando assim dos respectivos impostos e recarregando em consequ-ência o peso tributário sobre o resto da população, coisa muito conhecida hoje. [...] à conclusão de quem proporcionalmente mais pagava era a população nativa pobre.

Aderentes ao Poder

O contexto de injustiça social na comunidade mateana resultava também da atu-ação associativa e independente de instituições locais: civis, políticos, religiosas com o po-der dominante. Destaco como agentes institucionais apo-derentes ao popo-der dominante externo (Roma) os governos dependentes anteriores a queda de Jerusalém no ano 70 d.C.; os cobra-dores de impostos (os publicanos) e é óbvio os fariseus pós anos 70 que representava a nova liderança judaica (o judaísmo formativo). Todos eles contribuíram ou estava contribuindo para o status de injustiça social dos mateanos.

Terra

Roma extorquia preferencialmente pelo viés da tributação. Já, os agentes locais (indígenas) priorizavam extorquir as terras sem, no entanto, deixar de gostar também das moedas. A dinastia herodiana terminou nos anos setenta. Quando o evangelho de Mateus

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foi escrito já haviam passados de dez a vinte anos. No entanto, a sociedade da Palestina ain-da sofria com as consequências deixaain-das pelo governador dependente Herodes, o Magno, e os seus sucessores dinásticos. As terras na bacia do Mediterrâneo eram o principal fator de produção e de geração de riquezas. As economias e as pessoas dependiam quase que exclusi-vamente delas para as suas subsistências (STEGEMANN; STEGEMANN, 2004, p. 127). Herodes e seus sucessores consideravam as terras como se elas fossem suas e dos seus ‘asso-ciados’. A maior propriedade rural nas proximidades de Siquém com uma área de 1.000 ha pertencia aos herodianos (STEGEMANN; STEGEMANN, 2004, p. 135). Durante o seu reinado houve uma enorme quantidade de desapropriações agrárias que provavelmente, a maioria, foi feita pelas vias da fraude. Expulsadas de suas terras, muitas famílias buscaram reestruturar as suas vidas em bolsões habitacionais rurais (favelões). Neles não havia terras para produzir e assim estavam passando: fome, sede, sem com que vestir. Viviam como forasteiros que estão longe de seus habitats. Uma sociedade com fome, sede, nudez e senti-mento de desamparo é uma sociedade sem justiça social. E assim, as terras da Palestina, em mãos erradas, deixaram de exercer o seu papel social. Stegemann (2004, p. 1128) comenta a função social que a terra exercia nas sociedades do mediterrâneo do primeiro século d.C.: “[...] preservação da paz social e da proteção, em especial, dos mais fracos e dependentes, assim como dos animais [...]”

Coletores de Impostos

Os impostos devidos à Roma eram arrecadados pelos publicanos (publicani) e pelos telônais. Ambos eram designados por Roma, portanto, agentes privados da confiança im-perial. Provavelmente seus locais de nascimento eram os mesmos onde eles cobravam os impostos. Os publicanos eram odiados pelos nativos. Motivos para isso não faltavam! Eles com frequência exigiam dos contribuintes mais do que era estipulado pelos romanos e assim exploram seus irmãos judeus. Havia publicanos ricos (como Zaqueu) e publicanos menos afortunados como o discípulo coletor Mateus (Mt 9,9). Os do segundo grupo moravam nas pequenas cidades e vilarejos de onde podiam controlar mais de perto o que deveria ser cobrado. Em algumas regiões, para se ‘protegerem’ das reações populares que ocorriam em virtude dos abusos cometidos por eles, os publicanos organizam-se em grêmios classistas. Os evangelhos censuram o mudus operandi dos publicanos exercer suas profissões.

Os telônais eram pessoas ricas que antecipavam para Roma o montante dos impos-tos a serem arrecadados durante o ano fiscal de uma determinada região. Eles antecipavam os valores do próprio bolso. Ao anteciparem os valores aos cofres do Império, os coletores faziam naquela época o que fazem os atuais banqueiros quando financiam os governos comprando seus títulos de recebíveis futuros. Porém, como contrapartida pela antecipação, o Império Romano os deixava ‘livres’ para sobretaxar os impostos da maneira que eles bem entendessem. É óbvio que isso gerava: agiotagens; abusos; extorsões; apropriação indébita; recebimentos a pingues que geralmente são mais onerosos para o devedor e mais. O contribuinte que não conseguisse pagar os tributos para o os telônais provavelmente perdiam para eles as suas pro-priedades e até podiam ser vendidos como escravos para saldar suas dívidas tributárias. Assim, os publicanos e os telônais, instituições civis, compostas de nativos, contribuíam também para a geração do estado de injustiça social na Palestina e consequentemente na comunidade mateana. Arens (1997, p. 121) comenta seus mudos operandi:

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No oriente, os impostos eram coletados por pessoas ricas chamadas de telônai, que entregavam o total nas mãos do delegado romano ou o enviavam diretamente a Roma. É sabido que por seu tra-balho, que amiúde significava a antecipação do dinheiro do próprio bolso, se assegurava um ganho pingue às custas do contribuinte [...] Como atestam os evangelhos, sua “profissão” era detestada por sua proverbial desonestidade e tendência ao abuso e até mesmo à extorsão.

Judaísmo Formativo

Até aqui as instituições sociais citadas geravam a injustiça social a partir de me-canismos tangíveis como o dinheiro e as terras. Com os fariseus, muda-se o foco gerador. A injustiça social produzida por eles era gerada no campo das ideologias.

A comunidade mateana era alvo de perseguições do judaísmo formativo. O ju-daísmo formativo representava a nova síntese de juju-daísmo surgida após a destruição de Jerusalém e do Templo no ano setenta. Ele era contemporâneo da comunidade mateana. Essa nova liderança religiosa entendia que a única garantia para a sobrevivência do juda-ísmo sem Templo e na diáspora greco-romana era unificá-lo sob uma única orientação. O judaísmo anterior aos anos setenta era um judaísmo sectário, composto de diversas correntes de pensamentos, muitas delas em constante antagonização com seus pares (fa-riseus, saduceus, zelotes, sicários, herodianos, etc.). No entanto, a sectarização não re-presentava risco de dissolução de continuidade e nem de enfraquecimento do judaísmo como um todo porque o Templo em Jerusalém, aceito por todos os segmentos como o único símbolo nacional que normalizava o político-religioso e a cultura aglutinava debai-xo de seu cetro todas as correntes. Portanto, o judaísmo até 70 era um judaísmo flexível. Porém, após as catástrofes do ano setenta, ameaçados de extinção devida à perda do prin-cipal elemento estruturante da identidade nacional, o que restou dos judaísmos não viu outra saída senão a da unificação. Como os rígidos fariseus já haviam desenvolvido antes dos anos setenta um programa sociorreligioso que funcionava independente do Templo e este programa já estava pronto; eles saíram na frente dos demais partidos na disputava para a formação da nova liderança nacional que iriam substituir o Templo e os seus sa-cerdotes. E, assim, o judaísmo formativo passou a ser a nova liderança e o referencial de identidade judaica. Reafirmaram serem os judeus o povo da aliança com Deus e as suas autoridades as únicas fontes autorizadas para interpretar a Torá. Tomadas essas medidas, restabeleceu-se novamente a identidade e a estima judaica que fora desregulamentada nos eventos do ano setenta.

Como toda redução de complexidade fomenta despotismo não demorou muito para que as perseguições iniciassem. O judeu-cristão que não cresse e não agisse de acordo com a orientação da nova liderança judaica era perseguido, expulso das sinagogas, chicoteado, ameaçado de morte (Mt 23,34).

Resumindo, a comunidade mateana passava por duas crises distintas. Uma crise de pauperização com sintomas de fome, sede, miséria, falta de moradia. A gênese desta crise ocorria a partir da espoliação de seus bens por Roma e de seus agentes governamentais indiretos e civis. A segunda era uma crise ideológica que gerava um status de excludências social. O mateano que professasse confissão de fé dispare da confissão do judaísmo não era socialmente aceito: era expulso dos ambientes sociorreligiosos judaicos e passava a ser alvo de perseguições. Assim a comunidade mateana era refém de dois regimes altamente

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provocado-res de injustiça social: governos totalitários e ditadura teocrática. Benesses, Presentes, Subornos, Corrupção

Por último, entendemos que se sustenta um regime de injustiça social através de benesses, subornos, presentes, corrupção ativa e passiva. Nesse ponto aos agentes de sustenta-ção podem ser públicos ou privados; passivos ou ativos e os dois ao mesmo tempo. A injustiça social que afetava a comunidade mateana era sustenta por agentes de mão-dupla. Ao mesmo tempo em que corrompiam, eram também corrompidos, ou seja: sustentavam a corrupção pela via ativa e passiva ao mesmo tempo! Vejam um exemplo bem claro dessa lógica nas rela-ções entre o imperador Augusto e Herodes, o Magno, seu rei dependente favorito. Embora suas datas não sejam as mesmas do Evangelho de Mateus, a injustiça social gerada e mantida por eles afetou os mateanos ao seu tempo. Para controlar a tumultuada Palestina Augusto es-colheu o cruel, jovem e forte militar Herodes tornando-o o rei dos Judeus (HORSLEY, 2004, p. 37). Nesse evento o Imperador foi um agente de corrupção ativa pela via das benesses e, Herodes, um agente receptor passivo. Em contrapartida Herodes bajulava o imperador e a sua corte com presentes caríssimos. Nota-se a inversão da lógica: agora, é Herodes o agente corruptor ativo pela via dos presentes e o Imperador o agente receptor passivo. E assim, gira-va a roda da manutenção da injustiça social no Império. Não dagira-va para identificar quem era quem. Corruptores e corrompidos protagonizavam simultaneamente praxis que geravam e mantinha a injustiça social. Uma situação insustentável; semelhante a dos dias atuais.

Apocalipsismo e Utopia

O julgamento escatológico em Mateus é uma narrativa apocalíptica. O apoca-lipsismo é um estilo literário que surgia em períodos de governos cruéis e corruptos. Ele é uma abordagem profética, projetado no futuro (ARMSTRONG, 2008, p. 46), que era utilizada para denunciar e atacar as barbáries de reis e governadores déspotas. Esse tipo de literatura também proporcionava aos seus destinatários perspectivas de alento e espe-rança de dias melhores do que aqueles em encontravam-se debaixo de dura subjugação. Enfim, é uma escrita que denuncia a existência de um estado de caos tão intenso que somente uma intervenção cósmica conseguirá reorganizá-lo. Existir em um período reco-nhecido como apocalíptico é viver e conviver em um ambiente permeado a todo tempo por: miséria, fome, doenças, falta de segurança, ameaças, medo, desespero. A comuni-dade mateana estava inserida em um ambiente apocalítico. A caoticicomuni-dade nele era tão intensa que o escritor de Mateus não conseguia ‘enxergar’ nenhuma instituição terrena que fosse capaz de inverter àquela situação. Uma situação totalmente fora de controle! Quando as ciências, nas suas mais variadas segmentações, não conseguem solucionar um problema; não existe outra saída senão a de apelar para a metafísica e viver as utopias que ela oferece. Foi o que fez o escritor Mateus: para ele somente a vinda futura do “Filho do Homem, na sua majestade e todos os anjos” com o seu tribunal celestial conseguiria colo-car ordem no caos e assim inaugurar um novo reino sem: fome, sem sede, com moradias, sem xenofobia, cheio de empatia pelos próximos. Um reino sem a injustiça social! Para muitos na Palestina uma utopia, mas para a sua comunidade, os seguidores do Nazareno, o fim da injustiça social em suas vidas.

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CONCLUSÃO

Na narrativa mateana do Sermão Escatológico de Jesus o tema injustiça social foi co-locado no foco da discussão. Não é necessário um complexo exercício exegético e hermenêutico do texto para concluir que o ambiente descrito pelo autor estava hostilizado. Os termos utili-zados pelo escritor por si só denunciam que nas ‘feridas’ existentes daquela sociedade tinham o DNA de praxis que constroem um regime de injustiças. Na comunidade mateana havia fome, sede, desnudos, forasteiros expulsos de suas querências (lugar onde nasceu, lugar amado) à procura de espaços para recomeçar suas vidas, presos políticos e provavelmente muitos doentes vítimas do sistema. Também é perceptível que esforços individuais de solidariedade eram em-preendidos na expectativa que eles contribuíssem de alguma forma para minimizar o sofrimento de alguns. Porém, só essas ações isoladas não eram suficientes para inverter a situação em que encontravam os destinatários do Evangelista Mateus. Era preciso fazer mais! Somente ações planejadas conjuntamente pelo Estado e pela sociedade civil é que conseguiriam a reversão do quadro caótico. No entanto, o Estado e a sociedade civil do contexto mateano ficaram iner-tes. E assim, a injustiça social ganhava cada vez mais espaço naquela sociedade e produzia mais vítimas para fomentar os bolsões de miséria. Nessa perspectiva de indiferença, entre na cena o “Filho do Homem” para julgar e inaugurar um Reino cheio de sua justiça.

A partir do estudo realizado, podemos concluir:

Que a injustiça social é uma construção da sociedade. Ela gera e mantém desigual-dades. Seus agentes são institutos socialmente aceitos.

Que o Estado tem um duplo papel quanto ao tema injustiça social. Para evitá--la ele deve implementar políticas propulsoras de equidade distributiva e assim manter um ambiente com oportunidades iguais para todos os cidadãos. Para combatê-la deve intervir, quando necessário, principalmente com ações para compensar as desigualdades provocadas pelas ‘manipulações’ de mercados, monopólios, e outros que geram concentrações de riquezas em segmentos específicos.

Que a liturgia do direito deve ser recitada com o refrão da imparcialidade. Quando a tendenciosidade desequilibra os pratos da justiça o resultado sempre será mais uma injustiça social sendo gestada.

Que o patrimônio público é um ativo do público. Desonerações fiscais, perdão de dívida pública, e favores que beneficiam os mais ‘fortes’ e faz os mais ‘fracos’ pagar o ônus; é um assalto com mãos armada aos recursos que deveriam ser aplicados para a promoção da equidade social.

Que sem solidariedade; sem justiça social.

E, por último, entende-se que os campos religiosos de matrizes judaico-cristãos devem comprometer com a erradicação da injustiça social nas sociedades onde eles estão inse-ridos. Pois, os seus constructos de fundação demonstram que a injustiça social não deve fazer parte do Reino de Deus que hoje está dentro das pessoas.

THE ESCHATOLOGICAL SERMON OF MATTHEW’ GOSPEL AND THE SOCIAL INJUSTICE.

Abstract: the article analyzes the mechanisms that generated and maintained social injustice in the culture of Palestine in the First century a.C. from reading the existing conflict relations in

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Matthew’s community. It is understood that asymmetrical relations are effective vectors for the ge-nesis of marginalization of the lowest social strata. You are able to see the earth as a mechanism for maintaining social peace. It is concluded that social injustice is a building society, and governments are the main agents promoters of it.

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Referências

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