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Como desestruturar uma agência reguladora em 3 passos simples (parte 1)

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Crédito: Pixabay

Como desestruturar uma

agência reguladora em 3

passos simples

Enfraquecimento do corpo diretor, limitação do orçamento e exposição das decisões a todo tipo

01 de Novembro de 2016 - 06h01

AGÊNCIA REGULADORA CORPO DIRETOR DIREITO ADMINISTRATIVO

Eduardo Jordão Mauricio Portugal Ribeiro

E

ste texto vem a preencher uma lacuna na literatura do Direito Administrativo: ensina em três passos simples como desmontar uma agência reguladora.   

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As lições são dirigidas a Vossa Excelência, Chefe do Poder Executivo Municipal, Estadual ou Federal.

O melhor de tudo: elas são baseadas em farta experiência. Trata-se de práticas já testadas pelos últimos governos, com grande sucesso. Basta repeti-las para obter resultados semelhantes ou ainda mais significativos.

1. Enfraqueça o corpo diretor das agências reguladoras  

O primeiro e mais óbvio passo para enfraquecer as agências reguladoras consiste em atacar o seu corpo dirigente.

1.1. Tire do cargo os dirigentes não alinhados com a sua orientação política ou ideológica

Sim, nós sabemos, vão lhe dizer que não dá, porque de acordo com a lei os dirigentes das agências reguladoras possuem mandatos e não poderiam ser demitidos. Com um pouco de criatividade, no entanto, dá pra fazer, sim.

Uma técnica interessante consiste em utilizar-se da imprensa para pressionar dirigentes indesejados.

A estratégia já foi utilizada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, logo que iniciou o seu primeiro governo. Desapontado com a intenção do então presidente da Anatel Luiz Guilherme Schymura de respeitar os contratos com as concessionárias do serviço de telecomunicações e aplicar o reajuste de tarifas ali previsto, o ex-presidente passou a se manifestar na imprensa, juntamente com o seu então Ministro das Comunicações, Miro Texeira, contra o dirigente, que havia sido nomeado por Fernando Henrique Cardoso.

A técnica foi bem sucedida: alguns meses depois, Schymura renunciou ao seu mandato.

1.2. Oportunidade para o loteamento político

A vacância do cargo de um dos dirigentes (como resultado desta pressão ou pelo simples fim do mandato) é uma boa

oportunidade para loteá-lo com dirigentes com perfil político e sem nenhuma experiência na área.

Um estudo recente da FGV/SP mostra que, em apenas 58% dos casos, os indicados possuem trajetória profissional relacionada

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à área de atuação da agência. Em 90% dos casos, eles têm perfil estatal. Só 6% dos nomeados vêm da iniciativa privada.

Somente 10% dos dirigentes nunca tinham exercido qualquer cargo em comissão antes da nomeação.

Isto significa que a nomeação de dirigentes com perfil político e/ou sem experiência na área não apenas é uma estratégia já testada, como é mesmo a regra no governo federal ao longo dos 20 anos desde a criação das grandes agências nos setores de infraestrutura. Se Vossa Excelência é Chefe do Poder Executivo estadual ou municipal, dizer que está seguindo uma prática já realizada no Governo Federal é um argumento sem par. 1.3.  Vacância duradoura dos cargos de diretoria

Antes de realizar estas nomeações definitivas, assegure-se de deixar as agências por alguns meses sem diretores.

Isso gerará uma paralisia decisória, já que, por algum período (na média atual, a vacância é de 6 meses), as agências não terão o quórum mínimo que a lei exige para a tomada de algumas medidas.

1.4. Quando resolver nomear diretores, nomeie-os em bloco

No mais, deixe as vacâncias dos cargos de diretoria acumularem para fazer as nomeações definitivas em bloco – 2 ou 3

dirigentes de uma só vez.

Isto esvaziará o mecanismo dos mandatos escalonados,

estabelecido como forma de moderar o impacto de um governo específico no perfil destas supostas entidades de Estado. 1.5. Nomeie diretores interinos

Por fim, nomeie, por Decreto, diretores interinos, demissíveis a qualquer tempo.

Vossa Excelência terá sempre um excelente argumento para isso: o Congresso, composto na sua visão, por um conjunto de irresponsáveis – ou como disse recentemente um Ministro da Educação –, de achacadores e chantagistas, não quer sabatinar e aprovar os seus indicados para as vagas de diretor das agências. Sem os diretores, como dito acima, a agência fica paralisada. Como Vossa Excelência precisa de decisões da agência para dar cabo da sua agenda política, então, nada mais natural que

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nomear pessoas que possa demitir, a qualquer tempo, se não fizerem o que lhe apraz.

É verdade que as estratégias acima contrariam as leis de cada uma das agências. Mas não se preocupe: estas lei não preveem nenhuma espécie de sanção ou de limites para estes

comportamentos. E, como visto, Vossa Excelência nem terá sido o primeiro a adotá-los.

2. Prejudique a operação da agência, limitando o seu orçamento e a sua capacidade de contratação de quadros  

2.1 Limite o orçamento da agência

Em teoria, a sua possibilidade de interferir no orçamento das agências estaria afastada, pois o próprio conceito de entidade independente supõe sua autonomia financeira.

As agências seriam autossustentáveis, mediante cobrança de taxas de fiscalização, multas, outorgas dos seus regulados, e teriam orçamentos independentes dos ministérios aos quais estão vinculadas.

Acontece que, no âmbito da União, desde o governo Fernando Henrique Cardoso, o “Princípio da Unicidade Orçamentária” tem sido interpretado como exigência de que todos os recursos arrecadados pela agência voltem para a conta única da União. Assim, ficam dependentes de realocação orçamentária para retornar à agência.

Está aí a oportunidade para barrar esta transferência.

Basta prever, nas rubricas destinadas às agências na proposta de orçamento anual, – que em tese lhes devolveria, por meio da alocação orçamentária anual os valores que arrecadou no último ano – montantes menores que os arrecadados.

Em relação a esse tema, é bem provável que o Congresso siga a sua sugestão e aprove para as agências somente o valor que Vossa Excelência sugeriu em sua proposta de Lei Orçamentária Anual. Não há o que se preocupar quanto a lobbies no

Congresso que possam mexer nesse assunto. Ninguém quer uma agência forte. Os regulados preferem uma agência fraca, para poderem descumprir mais tranquilamente os contratos. Os controladores da Administração também preferem uma agência

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fraca, para substituírem mais facilmente as suas decisões e ocuparem os seus espaços. Então, é quase garantido que a sua proposta de alocação orçamentária à agência será atendida pelo Congresso.

Depois disso, Vossa Excelência ainda poderá contingenciar esses recursos.

Segundo levantamento da entidade Contas Abertas, entre 2010 e 2015, anos do Governo de Dilma Rousseff, o orçamento total previsto para as agências era de R$ 57 bilhões. No entanto, apenas R$ 19,3 bilhões foram efetivamente liberados e gastos. Em 2016, a Aneel havia estimado orçamento de R$ 200 milhões. O Governo aprovou a metade: R$ 100 milhões. Na sequência, dois Decretos reduziram ainda mais o valor: primeiro para R$ 90 milhões e depois para R$ 44 milhões – ou seja, menos de um quarto do valor inicialmente proposto pela agência e cerca de um décimo do que a própria agência arrecadara no ano anterior. Com o contingenciamento, as agências precisam cortar gastos e às vezes é necessário descontinuar serviços e atividades

essenciais, como a fiscalização dos serviços. Foi o que aconteceu recentemente com Anac, Anatel e Aneel.

2.2 Limite a capacidade de contratação de pessoal próprio Centralize no seu Ministério do Planejamento ou na sua Secretaria de Planejamento todas as contratações de pessoal, negando às agências a independência administrativa,

impedindo-as de selecionar e contratar seus próprios quadros. Se Vossa Excelência estiver de fato seguindo o nosso conselho em relação ao contingenciamento de recursos, isso não será difícil de fazer. Com escassez de recursos para manter as suas atividades, a agência terá todo incentivo para aceitar que o Ministério ou Secretaria do Planejamento conduza o concurso público, o treinamento dos seus agentes e que se comprometa, por essa via, a destinar, nas alocações orçamentárias anuais para a agência, os recursos para cobrir as despesas com a contratação desses novos quadros. Na verdade, ela se achará privilegiada por receber esse tratamento do Governo, já que, com recursos limitados, ela não poderia arcar com essas atividades.

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As medidas de esvaziamento interno das agências acima recomendadas são relevantes e eficazes, mas não são

suficientes. É preciso garantir também um ataque externo, para assegurar a sua desestabilização completa.

Neste sentido, táticas adequadas podem consistir (i) na abertura de espaços de controle supostamente indisponíveis e (ii) no favorecimento ou na ampliação da intervenção de controladores já atuantes.

3.1. Recurso hierárquico impróprio

Como exemplo do primeiro caso, há precedente na criação do chamado “recurso administrativo hierárquico impróprio”, para permitir a revisão das decisões das agências pelos ministérios aos quais elas estão vinculadas.

Em tese, estas decisões das agências deveriam estar imunes a qualquer revisão no âmbito do Poder Executivo. Na prática, contudo, a teoria é outra.

Em 2005, o Ministério dos Transportes acolheu um recurso hierárquico e modificou decisão da ANTAQ sobre a legalidade da cobrança, por operadores portuários, de uma taxa chamada THC2, sobre a movimentação e entrega de contêineres

destinados a outros recintos alfandegados.

Diante da polêmica que se instalou, a AGU emitiu parecer (depois aprovado pelo ex-presidente Lula), tendo o cuidado de deixar claro que a possibilidade deste recurso era “excepcional”. Mas não se impressione com esta palavra. No trecho em que definia as circunstâncias que autorizariam esta revisão excepcional, a AGU teve o cuidado ainda maior de fazer uso daquelas palavras abstratas e genéricas que deixam as portas bem abertas para a intervenção dos Ministérios, quando

julgarem conveniente. No aperto, não se esqueça: a porta segue aberta.

Nos Estados e Municípios, o exemplo da União é sempre seguido mimeticamente. Se algo foi feito no âmbito da União, geralmente não é preciso grande justificativa para um agente público estadual ou municipal repetir o mesmo ato no seu respectivo ente governamental.

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Instrua as mais variadas agências a submeter voluntariamente os seus projetos de decisões aos controladores. Isso mesmo:

explique às agências que, durante o seu governo, antes de decidir qualquer coisa, elas devem pedir a benção dos órgãos de controle.

Justifique isso com palavras bonitas. Diga que é preciso haver uma “aproximação” entre reguladores e controladores. Diga que eles precisam trabalhar em equipe. Que precisam “conversar”. Quem, afinal, é contra um bom bate papo?

O recém-empossado governo Temer já deu um grande passo nesta direção. Determinou que todos os editais de licitação das concessões do programa de parceria de investimentos sejam submetidos previamente para aprovação do Tribunal de Contas da União – tal como, aliás, já vinha sendo a prática.

Pouco importa que não haja, no direito brasileiro, qualquer norma de qualquer hierarquia que dê este poder prévio ao TCU. Pouco importa, aliás, que a inexistência de previsão normativa destes poderes prévios corresponda a uma opção clara do Constituinte brasileiro, desde 1967, de eliminar a atuação preventiva até então existente desta Corte de Contas. O que é realmente relevante é que estas conversas prévias abram caminho para que o TCU tome o espaço das agências e atue como efetivo regulador, interferindo diretamente na própria modelagem dos projetos de infraestrutura. Conclusão

A desestruturação de uma agência reguladora é um trabalho de muitas mãos. Para ele concorrem diferentes controladores, congressistas e mesmo membros das próprias agências. Mas os chefes de governo, como Vossa Excelência, não podem ficar de fora e têm importante papel a cumprir neste projeto. O enfraquecimento do corpo diretor das agências, a limitação do seu orçamento e a exposição das suas decisões a todo tipo de controle externo são três das principais estratégias que podem ser adotadas – e que já vêm sendo adotadas – nesta direção. Mãos à obra!

Eduardo Jordão - Professor da FGV Direito Rio

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