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A REVOLUÇÃO DOS BICHOS: O PODER MIDIÁTICO DAS MUDANÇAS

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A REVOLUÇÃO DOS BICHOS: O PODER MIDIÁTICO DAS MUDANÇAS

Alessandro de Almeida* Girlânio Gomes Corrêa**

Resumo

Este artigo procura problematizar as diferenças existentes entre a obra literária e o filme a “Revolução dos Bichos”. Dessa maneira, intenciona-se ainda discutir os contextos históricos que circundaram a publicação midiática de ambas as produções.

Palavras-chave

Guerra Fria, mídia, produção e historicidade.

Abstract

This article looks for to problematize the existing differences between the literary composition and the film the “Animal Farm”. In this way, intend still to argue the historical contexts that had surrounded the media publication of both the productions.

Keywords

Cold-War, media, production and historicity.

As manipulações do texto de "A Revolução dos Bichos" não demoraram a acontecer. No fascinante estudo "The

Cultural Cold War" (A Guerra Fria Cultural), Frances Stonor Saunders relata que, logo após a morte de Orwell,

a CIA (Howard Hunt era o agente encarregado do caso) comprou secretamente da viúva do autor os direitos para filmar o livro e mandou produzir na Inglaterra uma versão em desenho animado, por ela distribuída no mundo inteiro. (...) Assim, depois de morto, Orwell foi submetido às fraudes e aos estratagemas da propaganda ideológica, pelas mãos dos combatentes americanos da Guerra Fria que viriam a exaltá-lo como o maior inimigo dessa mesma propaganda (ASH, 2001, p. 04).

* *Mestre em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e graduado pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES). Professor na Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) - e nas Faculdades Unidas do Norte de Minas (FUNORTE). Endereço para correspondência: Rua Domingos Alcântara, 62, - Morada do Parque - Montes Claros/MG CEP: 39401-362. e-mail: alessandroedales@yahoo.com.br

**Graduado em História pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES), núcleo Taiobeiras/MG. Endereço para correspondência: Rua Bocaiúva, 471 – Vila Formosa – Taiobeiras/MG CEP: 39.5550-000. Tel: (38) 3845-2429 (38) 9193-1603, e-mail: pequinaveia@hotmail.com

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Conforme exposto acima, percebe-se que a obra literária “A Revolução dos Bichos” de George Orwell sofreu alterações consideráveis que pode remeter às disputas ideológicas da Guerra Fria, pois “depois de morto, Orwell foi submetido às fraudes e aos estratagemas da propaganda ideológica, que viriam a exaltá-lo como o maior inimigo dessa mesma propaganda”. Nesse contexto, observa-se que com esta “compra da Cia” possibilita a criação de outras obras como a do filme “A Revolução dos Bichos” em 1999, que foi roteirizado nos Estados Unidos e filmado na Irlanda. Assim, o objetivo nesse artigo é discutir acerca da produção da obra e do filme, com vistas a discutir, por meio de tal análise, os contextos históricos que se referem ao auge da Guerra Fria e ao socialismo, que em 1999, momento em que o filme foi produzido, praticamente já não existia mais na Rússia e nas demais repúblicas da antiga União Soviética. O intuito é descortinar algumas questões importantes de uma obra clássica que, por ser referência, é extremamente lida e utilizada por inúmeros professores do Brasil. Haja vista, que a produção do filme no mundo globalizante nos remete a uma contextualidade histórica muito diferente da existente na produção da obra literária.

O livro “A Revolução dos Bichos” foi lançado, na sua primeira edição, em 1945, momento em que se iniciava a Guerra Fria. Conforme o historiador Eric

Hobsbawm escreveu: a retórica, as ameaças constantes e as propagandas ideológicas

foram características marcantes da Guerra Fria, pois o cenário internacional do breve século XX, entre os anos de 1945 e 1989, foi marcado não apenas pelo ato de lutar, mas pela vontade de disputar pela batalha. Dessa maneira, “gerações inteiras se criaram à sombra de batalhas nucleares globais que, acreditava-se firmemente, podiam estourar a qualquer momento e devastar a humanidade” (HOBSBAWM, 1995, p. 224). Em meio a este clima de disputa político-ideológica, tinha também a evolução dos meios de comunicação de massa que serviam como instrumentos potencializadores das constantes ameaças de ataque nuclear que deixavam a humanidade a esperar o “suicídio da civilização”.

O serviço de espionagem americano, fundamentado na CIA1, ao comprar os

1 CIA - Central Intelligence Agency (Agência Central de Inteligência) (...) tem como parte de suas atribuições:

Coletar inteligência através de fontes humanas; Correlacionar e avaliar inteligência relacionada à segurança nacional americana, divulgando-as de forma apropriada (Grifo nosso); Fazer outras funções de inteligência ligadas a segurança nacional e o que o presidente determinar. (disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/CIA>, acessado em 23/04/2007 às 10:25)

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direitos autorais da obra “A Revolução dos Bichos”, possibilitou modificações inquietantes e que produziam novos efeitos, geralmente favoráveis à crítica do socialismo soviético e a viabilidade do capitalismo como a solução para os problemas político-econômicos.

O ímpeto norte-americano em “espalhar” o sistema capitalista pelo mundo e fazer com que as nações o aceitassem sem titubeios, ocasionou incessantes associações do socialismo com os atos injustos da URSS, para tanto foi usada a mídia tendenciosa que espalhava a ideologia que aprouvesse os Estados Unidos. No entanto, também é possível destacar que houve contrapartida da URSS no mesmo sentido. Tentando de forma contundente “minar” a alternativa do adversário e fazer da sua a “melhor alternativa”.

Para uma melhor compreensão do texto e do filme, cabe fazer uma exposição prática das principais alegorias usualmente personificadas nas duas obras:

FILME LIVRO ALEGORIA

Sr. Jones Sr. Jones Imperador Russo em conjunto com as

práticas capitalistas

Porco Velho Major Porco Velho Major Teorias Marxistas em “simbiose” com Lênin

Porco Snowball Porco Bola-de-neve Trotsky

Porco Napoleão Porco Napoleão Stálin

Porco Squealer Porco Garganta Membros do alto governo da URSS fiéis a Stálin, bem como a própria mídia auto proclamadora de Stálin.

Cavalo Boxer Cavalo Sansão Proletariado fiel ao governo da URSS

Cachorra Jessie Égua Quitéria Representantes soviéticos que

perceberam o desvio do socialismo exercido na URSS (socialismo real) do socialismo científico (teorizado por Karl Marx)

Cão Pitcher e outros Cães filhotes Membros da polícia secreta soviética (KGB)

Sr. Pilkington Sr. Pilkington Países capitalistas ricos

O Moinho de Vento O Moinho de Vento Representação da indústria soviética O filme A Revolução dos Bichos2 (Animal Farm, EUA, 1999), dirigido por

John Stephenson, é apresentável como uma alegoria da Revolução Russa de 1917,

bem como do governo de Stálin, fato confirmado na sinopse impressa no encarte do

2 O filme A Revolução dos Bichos, cujo titulo original é Animal Farm, foi lançado nos EUA em

1999. Saiu como gênero drama, com duração de 90 min. Teve como produtor executivo Robert Halmi, foi dirigido por John Stephenson, roteiro de Alan Janes e Martin Burke, produzido por Hallmark Entertainment e distribuído por Flashstar.

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filme:

Numa alegoria a corrupção do poder na União Soviética comandada por seu líder, Josef Stalin, o escritor George

Orwell escreveu "A Revolução dos Bichos".

Considerada um best-seller, a obra narra a história do fazendeiro Jones (Pete Postlephwaite). Um homem beberrão e cruel que explora seus animais. Revoltados com seu proprietário, eles se organizam em seu lar. De posse da terra, os bichos passam a controlar o lugar, decretando uma série de novas regras. 3

A produção áudio-visual é iniciada com a apresentação de uma fazenda (que se subentende ser uma metáfora em relação às características agrárias e, por vezes, feudais, da Rússia no inicio do século XX) onde residiam bichos diversos, dos quais se destacavam, pela sensatez cognitiva, os porcos. O proprietário é o Senhor Jones, um velho que constantemente é visto embriagado e está sucumbido em dívidas financeiras. A Revolução ocorre com a expulsão dos humanos (família do Sr. Jones) da granja, a partir da incitação onírica revolucionária de um porco ancião chamado “Velho Major” e do desejo de repulsa devido aos maus tratos sofridos pelos bichos. Em lugar da “gerência” do Sr. Jones é estabelecida uma espécie de governo, que assemelha se com uma ditadura e é dirigida pelos porcos que a consolidam.

No desenrolar da obra cinematográfica, os porcos se mostram mais exploradores que o próprio Sr. Jones, e ainda exploraram sem que a maior parte dos explorados tome consciência dos maus tratos sofridos. Fato narrado e filmado com ênfase no elogio do Sr. Pilkington ao comando do porco Napoleão. O Sr. Pilkington salienta que na “Granja dos Bichos” os animais inferiores trabalhavam mais e recebiam menos comida do que quaisquer outros animais da região.

A respeito da crítica de Orwell às práticas imperialistas, tanto do socialismo totalitário stalinista quanto do capitalismo existentes na Segunda Grande Guerra (1939-1945), na metáfora do capitalismo financeiro representado pelo “Sr.

Pilkington”, o autor argumenta que este personagem era:

dono de uma Granja grande, abandonada e antiquada, coberta de mato, com as pastagens cansadas e as cercas

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caindo. Sr. Pilkington era um sujeito indolente, granjeiro que passava a maior parte do tempo caçando ou pescando (ORWELL, 1994, p. 13).

No entanto, o personagem cinematográfico é retratado como um senhor altivo, com visões mercadológicas avançadas, que usufrui de uma riqueza invejável, tanto que é o fornecedor de subsídios monetários, em forma de empréstimos, ao Sr. Jones. Percebe-se que na produção de Orwell a figura do Sr. Pilkington não é muito valorizada, enquanto que no filme existe uma visão de um personagem mais ativo. Assim, o grande representante das práticas empresariais e capitalistas do filme é retratado na produção áudio-visual com qualidades, em contrapartida, na obra de Orwell a representação do mesmo personagem se dá de forma completamente diferente e com um tom até depreciativo em alguns momentos.

Nas cenas iniciais do filme “A revolução dos Bichos” é mostrada uma tempestade sob destroços agrícolas, a cachorra narradora “Jessie” classifica esta tempestade como uma “tempestade de condenação”, que seria o “fim do sonho do porco Napoleão”. Pode-se observar que estas cenas são uma prévia do final do filme, talvez seja na opinião do diretor e dos produtores a representação do fim definitivo do socialismo, haja vista que em 1999, época da produção do filme, a União Soviética já não mais existia. Prosseguindo as encenações, a cadela narradora explica como toda a situação de desgraça aconteceu, dando início a história. Existe uma ênfase nos problemas que geraram o fim do socialismo, representado no filme, e o poderio imagético da tempestade e do sofrimento da cadela Jessie escancaram a problemática central da obra cinematográfica. Nesse sentido, toda a história se passa por meio da narração dos “sonhos do velho major” e da inviabilidade do “animalismo” (socialismo) proposto por ele, principalmente após sua morte e o início do governo do personagem Napoleão (Stalin).

Na obra literária o início se dá com a exposição teórica, feita pelo porco chamado “Velho Major”, sobre os princípios do “animalismo”. A exposição do “animalismo” toma todo o primeiro capítulo4. Alegoricamente entende-se esta teoria como o socialismo científico de Karl Marx do qual o autor era defensor. Dessa maneira, a obra literária de George Orwell criticava as práticas imperialistas do

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socialismo existente na União Soviética e não os pressupostos teóricos do marxismo, fato que é invertido no filme, em que o final é marcado pela volta de humanos a fazenda do senhor Jones, sugerindo uma “felicidade” a partir da crise do socialismo e da retomada de princípios capitalistas existentes anteriormente. Assim, a produção cinematográfica sugere uma aceitação da ordem capitalista. Enquanto que a obra literária deixa explícita a crítica ao socialismo real, propagados pelos soviéticos, não sugerindo em nenhum momento a aceitação do capitalismo como hegemônico, até por que, George Orwell era uma combatente das práticas imperialistas.

Ainda com o intuito de causar um impacto depreciativo no telespectador, o filme “A Revolução dos Bichos”, por ser uma obra cinematográfica, possibilitou ao produtor enfocar em seu jogo de câmera a figura do líder ancião dos porcos (Velho Major) com uma aparência que pode causar repulsa nos humanos, pois, na cena do discurso do “Velho Major” sobre os ideais do “animalismo”, a imagem enfatiza a parte frontal do porco e mostra claramente secreções que escorrem de seu focinho. Além dessa cena, em vários momentos as figuras humanas depreciam os animais, principalmente nos momentos que antecedem à revolução. Em contrapartida, no texto escrito por Orwell, existem caracterizações diferentes dos porcos, tais como o “Velho Major” ser também conhecido como “Beleza de Willingdon” e ser um “porco majestoso, com ar sábio e benevolente” (ORWELL, 1994, p. 2). Ainda neste sentido, tem a descrição do Porco Garganta como “porquinho de bochechas redondas, movimentos lépidos e voz aguda” (ORWELL, 1994, p. 6). Os diferentes momentos em que os ideais do “animalismo” são demonstrados são importantes para problematizar as diferentes historicidades as quais são produzidas a obra literária (1945) e a obra cinematográfica (1999) que perpassam pela ascensão da Guerra Fria e por dez anos após o seu término marcado pela decadência da URSS em 1989.

Acerca dos porcos, nas duas obras, representam à figuração dos membros do governo da antiga URSS. Na obra áudio-visual aparecem apenas alguns poucos porcos dos quais se salientam Snowball (Trotsky), Napoleão (Stalin) e Squealer (burocrata). É preciso ressaltar que, no filme, os porcos comungam de idéias semelhantes, salvo o caso de Snowball. No desenrolar da estória, após a expulsão de

Snowball da granja, os porcos formaram uma unidade gerenciadora sem consultas aos

outros animais. Esta situação é passada pelo diretor praticamente sem nenhuma objeção por parte dos outros porcos, que se beneficiariam com o novo governo. Paradoxalmente Orwell escreve o mesmo acontecimento (expulsão de Bola-de

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Neve/Trotsky) e cita que houve protestos de outros porcos contra o regime de Napoleão, no entanto foram calados pelo rosnar dos cachorros.

A despeito do estado de choque em que a expulsão de Bola-de-Neve os deixara, os bichos ficaram desalentados com aquela notícia. (...) Quatro jovens porcos castrados, colocados na primeira fila, soltaram altos guinchos de protesto e levantaram-se falando a um só tempo. Mas os cachorros, junto de Napoleão, soltaram um rosnado fundo e ameaçador, e os porcos calaram-se, sentando-se de novo (ORWELL, 1994, p. 18).

Em outra passagem em que Napoleão decidiu comercializar com humanos das granjas vizinhas, os mesmos porcos levantaram a “voz” contra tal ação, novamente foram silenciados pelos cães.

Os quatro jovens porcos castrados que haviam protestado quando Napoleão acabara com as reuniões, levantaram timidamente a voz, mas foram logo silenciados por um rosnar terrível dos cachorros (ORWELL, 1994, p. 21).

Outra questão importante para ser discutida sobre as nuances decorrentes das diferentes reproduções de “A revolução dos bichos” é perceber qual era a relação existente entre George Orwell e o socialismo. Contudo, pode-se citar sobre a sua biografia que ele nasceu em Bengala, uma ex-colônia britânica na Índia. Foi registrado como Eric Arthur Blair, filho de família inglesa, chegou a freqüentar escolas tradicionais na Inglaterra. Serviu como polícia colonial da Inglaterra na Birmânia, mas se desliga da polícia e volta para a Inglaterra, abandona os laços familiares burgueses e assume o codinome de George Orwell. Neste país viveu como livreiro, professor e jornalista. Em 1939, Orwell alista-se e combate na Guerra Civil espanhola, em uma milícia do POUM5. Na Guerra Civil Espanhola, ele tem seus

5

POUM (Partido Operário de Unificação Marxista) foi um partido (...) de caráter revolucionário.

O POUM resulta da unificação entre a Esquerda Comunista da Espanha (ICE) e o Bloco Operário e Camponês (BOC). A ICE era um partido de origem trotskista (...). Fora fundado por Andreu Nin e por Juan Andrade. Nin e a maior parte dos militantes da ICE tencionavam criar um partido único (...) revolucionário que fosse o partido marxista do proletariado, pela fusão dos diversos partidos espanhóis, em lugar de seguir a palavra-de-ordem (...) de praticar “entrismo” no

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pensamentos antiimperialista e anti-totalitarista concatenados, conforme o próprio escreveu em seu livro chamado “Lutando na Espanha”:

Todas as considerações prestam-se a fazer com que fraquejemos - as vozes estridentes de um Pétam ou um Gandhi o fato inescapável de que para lutar é preciso degradar-se, a posição moral equivoca da Grã-Bretanha, com suas frases democráticas e seu império baseado no trabalho servil, o desenvolvimento sinistro da Rússia soviética, a farsa desbotada da política esquerdista - tudo isso esmaece e vemos apenas a luta do homem comum, que desperta gradualmente, contra os senhores da propriedade e seus empregados, mentirosos e lambe-rabos (ORWELL, 2002, p. 235).

O livro é lançado em momento propício para os EUA, pois em 1945, sofriam pela descrença e pavor de alguns países devido aos lançamentos das bombas sobre Hiroshima e Nagasaki. Com a repulsa de alguns países em relação aos métodos dos EUA, os ímpetos imperialistas “estadunidenses” tendiam a fraquejar. É possível destacar que, na batalha midiática que se deu com a Guerra Fria nos anos seguintes, seria preciso uma boa propaganda ideológica para louvar os feitos e arrebanhar a população. Sendo assim, o uso do discurso de um desertor adversário seria uma força para esta boa propaganda, e se não existe um, este poderia ser, sem dúvidas, forjado. Neste sentido o texto de Orwell é usado de tal forma, na obra cinematográfica, que possibilita a transformação de um antiimperialista em um ferrenho anticomunista.

Atendo à historicidade de produção do filme, é possível destacar que Robert

Halmi6 ao ser questionado acerca do que ele esperava que o público aprendesse com o filme, afirmou que:

Espero que compreendam melhor o que se passa na vida das pessoas durante a opressão. Espero que tenham sabedoria para que nunca aconteça aqui. Não podemos resolver os problemas do mundo, não podemos acabar com toda ditadura que existe, mas podemos pelo menos proteger nossa própria nação,

PSOE para apoiar a facção esquerdista e “bolchevizar” o partido. (disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/POUM>, acessado em 13/01/2007 às 21:34)

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nossa própria liberdade. Trata-se de liberdade. Se não somos livres, não somos seres humanos.7

Ainda na entrevista, Halmi é questionado sobre que tipo de ligação pessoal que ele tem com o livro “A Revolução dos Bichos”, no que discorre da seguinte maneira:

Eu era apenas um garoto na Hungria... quando os comunistas russos surgiram. Nunca sabíamos o que acontecia durante a noite. Eles batiam na porta, armados e levavam dinheiro e jóias. Achamos a distração na classe média. Não éramos livres para falar sem olhar ao redor. Havia pressão, refugiados deixando o país... campos minados, execuções, um estado de espírito terrível.7

Quando Robert Halmi diz “proteger nossa nação”, de que será que ele quer se defender? De uma ditadura proletária? Se assim o faz, então seria possível alguém, imbuído deste desejo de “proteção”, difundir algo que também lança críticas ao que ele chama de “nossa nação”? Ou ainda seria possível um refugiado discorrer sobre características positivas do seu algoz?

O que se percebe com clareza é que a trajetória vivida pelo produtor executivo do filme, Robert Halmi, e o contexto vivido por ele na Guerra-fria pressionado pelo Pacto de Varsóvia, pressupõe que suas interpretações e manipulações da obra de Orwell, são carregadas pelo contexto de hegemonia do capitalismo em 1999 e por uma história pessoal que dificilmente perceberia o socialismo como uma saída para problemas. Em relação a Orwell, o caso é invertido, pois o autor da obra literária era um participante de grupos de orientação marxista e trotskistas que sem dúvida não via os abusos de Stalin e os problemas do socialismo real com bons olhos, mas não necessariamente criticava os princípios do socialismo científico, apenas não concordava com os rumos que a revolução soviética tomou, isto não significa que ele era um apoiador do capital imperialista. Assim, o posicionamento de Orwell representado na obra “A revolução dos bichos” deve ser pensado considerado-se o ativismo político do autor e a época de produção da obra (1945), em que a Europa estava arrasada e percebia a emergência de duas potências imperialistas após este

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conflito, os Estados Unidos e a URSS.

Talvez o autor pudesse não ficar feliz com as interpretações e manipulações que a sua obra sofreu. Nesse sentido, torna-se extremamente relevante destacarmos os diferentes contextos vivenciados por Orwell e Robert Halmi, pois o primeiro vivenciou um mundo permeado por guerras imperialistas e tinha no socialismo marxista uma alternativa de mudança, enquanto que o segundo foi oprimido pelas práticas do Pacto de Varsóvia e produziu sua obra após a decadência do socialismo real soviético.

Robert Halmi, ainda em entrevista, afirma que a cadelinha Jessie é a

personagem com que mais se identifica. Era o que falava com ele na estrada para a liberdade e havia passado por terríveis experiências quando escapava da Hungria8. Dessa maneira, o produtor deixa evidente a anterior suposição feita neste texto de seu envolvimento direto nas mudanças feitas no filme, com relação à obra original de

Orwell, pois cabe ressaltar mais uma vez que a cadela Jessie é a narradora e

personagem principal da produção cinematográfica. Ou seja, os ressentimentos do húngaro e produtor executivo Halmi são marcantes na criação de uma nova obra que não se distingue da de Orwell, apenas pelo recurso midiático. Assim, é possível acreditar que “as intenções imediatas, estratégias e táticas dos comunicadores precisam sempre estar relacionadas ao contexto nos quais operam, assim como as mensagens que transmitem” (BRIGGS, 2004, p. 17).

Como já exposto, no início da película, o diretor John Stephenson, juntamente com Robert Halmi, compelem o público para se identificar com a cadela Jessie que sofre e se mostra uma heroína, pois a mesma começa relatando os maus tratos de Napoleão e revelando profeticamente que havia previsto aquela situação.

Ainda sobre a “atuação” da cadela Jessie, tem-se que ao procriar, Napoleão recolhe seus filhotes e passa a mantê-los sob sua tutela. No percurso das cenas, os filhotes são usados como “guardas” do seu tutor. Aparecem também em cena alguns rosnados destes cães para com a cachorra Jessie (a própria mãe). Ao passo que George Orwell ao escrever tal situação relata que os filhotes eram de Lulu e Ferrabrás.

Aconteceu que Lulu e Ferrabrás deram cria, logo após a colheita de feno, a nove robustos cachorrinhos. Tão logo foram desmamados, Napoleão tirou-os de suas

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mães dizendo que ele próprio se responsabilizaria por sua educação (ORWELL, 1994, p. 12).

Ainda cabe explicar que “Ferrabrás e Lulu” atuam como personagens secundários e são citados no início do livro: “Os outros animais chegavam e punham-se a cômodo, cada qual a punham-seu modo. Os primeiros foram os três cachorros, Ferrabrás, Lulu e Cata-vento (ORWELL, 1994, p. 2). No episódio do recolhimento dos filhotes acima descrito e no último capítulo: “Maricota morreu; Ferrabrás, Lulu e Cata-vento morreram” (ORWELL, 1994, p. 41). Em contrapartida, a cadela Jessie é colocada no filme como uma espécie de protagonista e narradora, sendo que o personagem da mesma não existe na obra de Orwell, muito menos a obra tem um narrador presente. A cadela Jessie provavelmente é o “personagem principal”, pois está presente desde o inicio até o fim do filme, além de ser o primeiro animal a discernir as diferenças existentes entre as propostas do porco “Velho Major” e as práticas do porco “Napoleão”. Inversamente, o personagem de Orwell em que primeiro distingue as práticas dos porcos com os ideais do “Velho Major” é a égua Quitéria.

Nas cenas finais é mostrada novamente a tempestade sob os destroços agrícolas, neste momento a câmera alarga mais o ângulo de filmagem e mostra pastagens destruídas, benfeitorias esfaceladas, em seguida mostra Jessie com novos filhotes ao seu redor. Um carro vem se aproximando pela estrada, com uma provável “família feliz” com pai, mãe e dois filhos, todos muito sorridentes. A cena segue com a narração de Jessie “falando” de uma “vida nova”, com novos donos, e que os animais ajudariam os novos donos na tarefa de reconstruir a granja. Entendendo a metáfora dos seres humanos como os agentes do capitalismo, o filme estimula-nos a acreditar que só o capitalismo é capaz de fazer prosperar qualquer lugar, que as tentativas contrárias foram frustrantes e pereceram. Cabe lembrar que Orwell não expõe na sua obra tal final (como já foi mencionado anteriormente, o livro foi lançado em 1945, sendo assim seria impossível para Orwell escrever sobre o fim da URSS, que se consolida em 1989), mas sim no relato de que a mistura de homens e porcos ficou sem distinção, pressupondo que tanto o imperialismo quanto o socialismo real foram injustos.

Doze vozes gritavam cheias de ódio e eram todas iguais. Não havia dúvida, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam

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de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco (ORWELL, 1994, p. 46).

A distinção entre porcos e seres humanos realmente fica difícil nas duas obras cinematográfica e literária, porém, as idéias de George Orwell expostas no livro, foram desvirtuadas assim como, no próprio livro, o autor escreveu acerca das deturpações que os mandamentos do “animalismo” sofreram. Através de mínimas “mudanças” o sentido do texto/idéias foi perdido em sua essência.

No livro foi estabelecido um conjunto de sete mandamentos que iria reger o “animalismo”, no entanto posteriormente sofreram modificações que privilegiavam a gerência dos Porcos.

A lei quarta em que se lia “Nenhum animal dormirá em camas” (ORWELL, 1994, p. 9) se tornou “nenhum animal dormirá em camas com lençóis” (ORWELL, 1994, p. 22); Na sexta lei constava que “nenhum animal matará outro animal” (ORWELL, 1994, p. 9), foi alterada para: “nenhum animal matará outro animal, sem motivo” (ORWELL, 1994, p. 29); o quinto mandamento que era “nenhum animal beberá álcool” (ORWELL, 1994, p. 9), foi modificada para “nenhum animal beberá álcool em excesso” (ORWELL, 1994, p. 35); e na sétima e talvez a mais importante que dizia “todos os animais são iguais” (ORWELL, 1994, p. 9) foi “metamorfoseada” para “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros” (ORWELL, 1994, p. 44).

Ainda assim, as mudanças feitas na produção do filme “A Revolução dos Bichos” talvez tenha alterado não os legados do socialismo/animalismo, mas, sobretudo, alteraram muito o intuito de George Orwell que talvez tenha sido traído, após sua morte, de uma maneira muito parecida com a que ele construiu na narrativa de sua obra. As alterações nos mandamentos, nas teorias, ou nas obras podem mudar muita coisa na História.

Fontes

Animal Farm (A Revolução dos Bichos). Direção de John Stephenson. Roteiro de

Alan Janes e Martin Burke. Baseado na obra de George Orwell. Hallmark Entertainment e TNT Presents: EUA, 1999. Color. 1 DVD. 91 min.

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08.07.01, pp. 04-09.

ORWELL, George. A revolução dos bichos. São Paulo: Globo, 1994.

POUM. disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/POUM>, acessado em

13/01/2007 às 21:34

CIA. <http://pt.wikipedia.org/wiki/CIA>, acessado em 23/04/2007 às 10:25) Referências bibliográficas

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GEORGE, Orwell. Lutando na Espanha. São Paulo: Globo, 2002.

HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Cia das Letras, 1995.

RODRIGUES, Luís Nuno. George Kennan e as negociações luso-americanas.

Disponível em

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