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O BRASIL E AS OPERAÇÕES DE PAZ

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161 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 161-172, maio/ago. 2017

O BRASIL E AS OPERAÇÕES DE PAZ

Ricardo Rodrigues Freire*

Marcos Cardoso dos Santos** RESUMO

Este trabalho foi motivado pela condução de Seminários da Escola Superior de Guerra destinados a fornecer subsídios para a atualização das Política e Estratégia Nacionais de Defesa publicadas no ano de 2008, tem por escopo realizar um recorrido sobre a participação brasileira em Operações de Paz conduzidas por organismos internacionais e avaliar a articulação entre a diplomacia brasileira e o segmento da defesa decorrente do planejamento e da execução de tais atividades. Para lograr o objetivo a que se propõe, o artigo discorre acerca de conceitos gerais sobre as Operações de Paz conduzidas sob a égide de organismos internacionais, apresenta um resumo da participação brasileira em tais Operações, bem como avalia a articulação entre os segmentos da diplomacia e da defesa do Brasil nesse contexto. Nas considerações finais destaca como vantajosa para o País a presença brasileira nesse tipo de atividade, seja para o diplomata, seja para o soldado, além de expor sugestões de aprimoramento desse processo.

Palavras-chave: Operações de Paz. Defesa. Política externa.

BRAZIL AND PEACEKEEPING OPERATIONS

ABStRACt

This article was motivated by Brazil War College Seminars carried out in order to provide subsidies for the National Defense Policy and Strategy (published in 2008) update. It has the scope to perform a defendant on the Brazilian participation in peacekeeping operations conducted by international organizations and to assess the relationship between the Brazilian diplomacy and defense segment promoted by such activities. Then, it presents general concepts on peace operations under the auspices of international organizations, provides an overview of the Brazilian ____________________

* Licenciado em Língua Portuguesa e Docência do Ensino Superior (IAVM-Universidade Cândido Mendes, 2007). Mestre em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança (INEST-UFF, 2017). Assessor do Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra (CEE/ESG). Contato: <ricardofreire@ esg.br>.

** Bacharel em Ciências Militares pela Academia da Força Aérea e Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente participa do corpo docente do Curso de Pós-Graduação em Segurança Internacional e Defesa da Escola Superior de Guerra. Seus temas de pesquisa englobam pós-estruturalismo e estudos de segurança internacional e defesa, integração Sul-Americana em matéria de defesa e Operações de Paz das Nações Unidas. Contato: marst2011@hotmail.com

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participation in such operations, and evaluates the relationship between the segments of diplomacy and defense in this context. At conclusion, it shows as advantageous the Brazilian presence in this type of activity, for diplomats or soldiers. Besides, it exposes suggestions for improvement of this process.

Keywords: Peacekeeping Operations. Defense. Foreign policy. BRASIL Y LAS OPERACIONES DE PAZ RESUMEN

Este trabajo fue motivado por Seminarios de la Escuela Superior de Guerra destinado a buscar ideas para la actualización de la Política y de la Estrategia Nacionales de Defensa. Tiene el alcance de mirar la participación brasileña en las operaciones de mantenimiento de la paz conducidas por organizaciones internacionales y evaluar la relación entre la diplomacia brasileña y el segmento de defensa que son resultantes de esas actividades. Así, habla de conceptos generales sobre las operaciones de paz bajo los auspicios de organizaciones internacionales, ofrece una visión general de la participación brasileña en este tipo de operaciones, y evalúa la relación entre los segmentos de la diplomacia y la defensa de Brasil en este contexto. En las consideraciones finales muestra como ventajoso é para el país la presencia en este tipo de actividad, sea para el diplomático, sea para el soldado. Además, hace la exposición de propuestas de mejora de este proceso.

Palabras clave: Operaciones de Paz.Defensa. Política exterior.

1 INtRODUÇÃO

Apesar dos esforços dos Estados e dos organismos internacionais com o intuito de fomentar a paz entre os povos, o sistema internacional ainda se caracteriza pela anarquia. Por mais que as ideias kantianas sobre a Paz Perpétua sejam apregoadas – e em certa medida praticadas –, a visão hobbesiana de que as nações se assemelham aos astros, movendo-se livremente pelo espaço e chocando-se, eventualmente, uns contra os outros, acabam por configurar a realidade.

O Brasil, por sua vez, procura estabelecer-se nesse ambiente global como um país pacífico e que apregoa a solução consensual dos contenciosos internacionais. Nesse contexto, as Operações de Paz sob a égide de organismos internacionais são uma das ferramentas que o Estado brasileiro dispõe para fazer valer seus ideais.

Assim sendo, este artigo, que foi inspirado na realização de Seminários da Escola Superior de Guerra com o propósito de fornecer subsídios ao Ministério da Defesa para a atualização dos documentos de Política e Estratégia Nacionais de Defesa, tem por escopo realizar um recorrido sobre a participação brasileira em Operações de Paz conduzidas por organismos internacionais e a avaliar se essa atividade promove a articulação entre a diplomacia brasileira e o segmento da defesa.

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2 PREÂMBULO SOBRE AS OPERAÇÕES DE PAZ SOB A ÉGIDE DE ORGANISMOS INtERNACIONAIS

A Carta Magna brasileira (BRASIL, 1988) prevê, em seu artigo 4º, que as relações internacionais do País deverão ser pautadas pelos seguintes princípios: independência nacional; prevalência dos direitos humanos; autodeterminação dos povos; não intervenção; igualdade entre os Estados; defesa da paz; solução pacífica dos conflitos; repúdio ao terrorismo e ao racismo; cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; e concessão de asilo político.

Dessa forma, a participação brasileira em Operações de Paz não poderia deixar de ser regida por esses mesmos princípios. Assim sendo, em Brasil (2012b, p.33) já se encontra preconizado que:

Para ampliar a projeção do País no concerto mundial e reafirmar seu compromisso com a defesa da paz e com a cooperação entre os povos, o Brasil deverá aperfeiçoar o preparo das Forças Armadas para desempenhar responsabilidades crescentes em ações humanitárias e em missões de paz sob a égide

de organismos multilaterais39, de acordo com os interesses

nacionais (grifo nosso).

Também, deve ser destacado que, entre os Objetivos da Defesa Nacional (BRASIL, 2012b, p. 29), está prescrita a ideia de “contribuir para a manutenção da paz e da segurança internacionais”.

No documento decorrente desse, Brasil (2012c, p. 59), constam ações para que os objetivos acima expostos sejam atingidos, conforme transcrito:

Preparar as Forças Armadas para desempenharem responsabilidades crescentes em operações internacionais de apoio à política exterior do Brasil. Em tais operações, as Forças agirão sob a orientação das Nações Unidas ou em apoio a iniciativas de órgãos multilaterais da região, pois o fortalecimento do sistema de segurança coletiva é benéfico à paz mundial e à defesa nacional (grifo nosso).

Dessa maneira, constata-se que a documentação básica da Defesa Nacional se mostra colimada com os princípios constitucionais e, também, preconiza 39 Note-se que o termo “multilateral” aqui substitui o “internacional”. Este autor entende ambos

os termos como sinônimos, baseado em Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa: 1 mesmo que multilátero. 2 Diz-se de um sistema de segmentos situados num mesmo plano e respectivamente equipolentes aos lados de um polígono fechado. 3 Em que participam ou são envolvidos mais que dois países: Tratado multilateral. 4 Diz-se do contrato entre três ou mais partes.

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alinhamento e apoio à política externa brasileira.

Todavia, o conceito básico de Operações de Paz (há citações de Missões de Paz, praticamente com o mesmo significado) não está claramente definido oficialmente. Herráez (2014, p. 63) aponta que “as Missões de Paz surgiram com o intuito de criar uma ferramenta que permitisse à Comunidade Internacional trabalhar ativamente para alcançar a paz, apesar de não estarem expressamente contempladas na Carta das Nações Unidas” (tradução nossa).

Nas palavras de Kenkel (2015, p. 3), como as Operações de Paz não são mencionadas diretamente na Carta da Organização das Nações Unidas (ONU), elas são descritas, às vezes, como fazendo parte do “capítulo 6 e meio”.

Porém, apesar disso, Herráez (2014) considera que as mudanças ocorridas no sistema internacional motivaram adaptações na tipologia e nomenclatura das Missões de Paz (ou Operações de Paz), de forma a mantê-las adequadas e úteis ao processo de busca da paz mundial, tão almejado, mas até hoje inconcluso.

No Brasil, o Ministério da Defesa considera, oficialmente, um conceito para as Operações de Paz. No seio dessa definição conceitual há outra ideia significativa, que é considerá-las como uma atividade de “não-guerra”40, qual seja, revestida de

ações completamente diferentes das atividades precípuas do uso clássico da força no combate propriamente dito. Assim sendo, o conceito brasileiro de Operação de Paz

Consiste no emprego de força militar, em apoio a esforços

diplomáticos, para manter, impor ou construir a paz em país

estrangeiro. As Operações de Paz podem ser divididas em cinco categorias de operações de não-guerra: diplomacia preventiva, promoção da paz, manutenção da paz, consolidação da paz e imposição da paz41 (BRASIL, 2007, p. 181, grifos nossos).

Dessa forma, fica patenteada a ideia de subordinação do emprego do poder militar em apoio à diplomacia no pensamento nacional sobre as Operações de Paz. De uma maneira ou de outra, a fórmula de Clausewitz (1989, p. 91) de que a guerra – e também a luta pela obtenção da paz – nada mais é do que “meramente a continuação da política por outros meios”. Qual seja, a aplicação do poder militar brasileiro no contexto das Operações de Paz está, como pensava o autor prussiano, também condicionado à decisão política.

40 Operação em que as Forças Armadas, embora fazendo uso do Poder Militar, são empregadas em tarefas que não envolvam o combate propriamente dito, exceto em circunstâncias especiais, em que esse poder é usado de forma limitada. Podem ocorrer, inclusive, casos nos quais os militares não exerçam necessariamente o papel principal (BRASIL, 2007, p. 180-181).

41 Consta em Martins Filho (2015, p. 4) que “o Brasil não participa de Peace Enforcement – Imposição da Paz – tendo em vista o que prescreve o Art. 4º da Constituição Federal, que estabelece a participação brasileira segundo os ditames da solução pacífica das controvérsias”.

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3. PANORAMAHIStÓRICO DA PARtICIPAÇÃO BRASILEIRA EM OPERAÇÕES DE PAZ

Conforme citado por Martins Filho (2015), o Brasil é “Estado-Membro fundador” da Organização das Nações Unidas (ONU) e vem caracterizando sua política externa pela prioridade nas relações multilaterais. Sua primeira participação numa operação patrocinada pela ONU deu-se em 1948, por meio de três observadores militares na Comissão Especial das Nações Unidas para os Bálcãs (UNSCOB)42.

Daí em diante, foram diversas as atuações brasileiras junto a esse organismo internacional, seja pela assessoria militar em missões de natureza política; seja por meio de observadores militares; seja pela indicação de comandante ou oficial do estado-maior das Forças de Paz; seja compondo os quadros do Departamento de Operações de Paz (DPKO); seja, ainda, por meio de contingentes de tropa, forças policiais e de outros profissionais especializados.

Exemplos dessa presença brasileira nas missões da ONU constam em 1957, com o conhecido Batalhão Suez, que integrou a Força de Emergência das Nações Unidas (UNEF-1) até 1967.Em 1992, a Operação das Nações Unidas em Moçambique (ONUMOZ). Em Angola, desde os primórdios do processo de paz e de diversas formas: com observadores militares e policiais; com oficiais para o estado-maior da Força de Paz; e com contingentes militares de variadas capacidades (Batalhão de Infantaria; Companhia de Engenharia; Unidades Médicas), desde 1989, com as Missões de Verificação das Nações Unidas em Angola (UNAVEM) I, II e III, até a Missão de Observação das Nações Unidas em Angola (MONUA), cujo mandato expirou em 1999.

Em 1999, o Brasil teve outra participação importante no tocante à paz e segurança internacionais, quando do processo de independência do Timor Leste, por meio da Força Internacional para o Timor Leste (INTERFET), da Autoridade Transitória das Nações Unidas para o Timor Leste (UNTAET)– liderada pelo Embaixador brasileiro Sérgio Vieira de Melo – e da Missão das Nações Unidas de Apoio a Timor Leste (UNMISET), esta encerrada em 2005.

Já no Haiti, a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH) conta com a presença brasileira desde a sua criação, em 2004, até os dias atuais.

Voltando ao Oriente Médio, a Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL), que data de 1978, passou a contar, em 2006 (após a 2ª Guerra do Líbano), com uma Força-Tarefa Marítima (FTM)43, que é, atualmente, comandada por um

oficial-general da Marinha do Brasil.

42 Todavia, em Silva (2003), constata-se que as ações da diplomacia brasileira para a promoção da paz entre os Estados são anteriores à própria criação da ONU.

43 Segundo Martins Filho (2015, p. 13), “Foi a primeira e única Missão de Paz da Organização das Nações Unidas a contar com uma Força-Tarefa Marítima”. Nesta missão, a Marinha do Brasil emprega, no momento, uma fragata, um helicóptero e um efetivo embarcado de aproximadamente 250 militares.

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Também, embora sem a presença de contingentes de tropa, são dignas de destaque as participações brasileiras nas seguintes missões: United Nations Observer Group in Central America (ONUCA), entre 1989e1992;United Nations Protection Force (UNPROFOR), de 1992 a 1995;United Nations Verification Mission in Guatemala (MINUGUA), em 1997; United Nations Mission in the Sudan (UNMIS), 2005 a 2011; e aUnited Nations Organization Stabilization Mission in the Democratic Republic of the Congo (MONUSCO), iniciada em 2013 e que contou com um oficial-general do Exército Brasileiro no comando do contingente militar no período de abril de 2013 até dezembro de 201544.

Além desse quadro apresentado, há de se destacar a presença brasileira em missão patrocinada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), a controversa Força Interamericana de Paz (FIP), que atuou na República Dominicana entre 1965 e 1966, contando com um contingente nacional que ficou conhecido como FAIBRAS45.

Outra participação meritória consta do processo de paz do conflito que envolveu o Equador e o Peru, nos idos de 1995 e 1998, o qual não foi patrocinado por organismos internacionais, mas por um grupo de Países Garantes (coordenados pelo Brasil)46.

Observa-se, nos escritos de Martins Filho (2015) e Kenkel (2015), que, devido à complexidade das Operações de Paz no contexto pós-moderno, há uma tendência de que as Nações Unidas pleiteiem junto aos países contribuintes o envio, com relativa celeridade, de efetivos militares cada vez mais especializados (unidades de engenharia, saúde, apoio logístico), bem como de profissionais civis especializados. De certa maneira, o Brasil já contribuiu desse modo para o processo de paz angolano e o vem fazendo no Haiti. Contudo, para que tal procedimento tenha continuidade, há necessidade de preparar recursos humanos, especialmente civis.

4. AVALIAÇÃO QUANtO À ARtICULAÇÃO ENtRE A DIPLOMACIAE ADEFESA NAS OPERAÇÕES DE PAZ

Existe no Brasil uma metodologia que estabelece o Processo Decisório para a participação brasileira em Operações de Paz. Tal metodologia encontra-se detalhada na Figura 1. O caso em foco exemplifica os auspícios da ONU. Porém, sob o patrocínio de outro organismo internacional o processo se desenvolveria de maneira semelhante.

Martins Filho (2015, p. 13) tece explicações sobre essa metodologia, afirmando que

44 Dados obtidos em UN – Peacekeeping Operations. Disponível em: <http://www.un.org/en/ peacekeeping/operations/past.shtml>. Acesso em 30 dez. 2015.

45 50 anos, 2015. 46 Canabrava, 2003.

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As participações com tropas brasileiras em Operações de Paz seguem um processo decisório que se inicia por meio de consultas informais realizadas pelo Secretariado [da ONU], junto à Missão Permanente do Brasil nas Nações Unidas, que as repassa ao Ministério das Relações Exteriores (MRE) e este ao Ministério da Defesa. [...] o MRE [após ouvidas as partes envolvidas] elabora uma Exposição de Motivos sobre a viabilidade e interesse da participação brasileira na dita operação. Caso positivo, a Casa Civil submete uma Mensagem Presidencial ao Congresso, do qual depende a o envio de tropas ao exterior. Uma vez aprovada, o Presidente da República emite um Decreto Presidencial autorizando o envio dos contingentes para a Operação.

Da análise do texto acima e da Figura 1 depreende-se que o Ministério das Relações Exteriores tem papel fundamental na condução do presente Processo Decisório, fato que demonstra a necessidade de que as Pastas das Relações Exteriores e da Defesa se articulem de maneira bastante coordenada para que ocorra a efetiva presença do Brasil numa Operação de Paz.

Nas análises de Kenkel (2015), considerando-se o Brasil um “país emergente”, ou seja, com potenciais consideráveis de produto interno bruto, território, população, dentre outros aspectos, os quais o distinguem no cenário mundial, a participação brasileira em Operações de Paz permite que o País encontre o seu “nicho diplomático” e consiga aumentar o seu “capital político internacional”.

Na concepção desse autor, uma potência emergente como o Brasil não possui capital político suficiente para realizar, por si só, transformações no sistema internacional. Todavia, não é tão pequeno para se sujeitar ao fluxo ditado pelas grandes potências. Assim sendo, a participação brasileira em fóruns multilaterais, como o exemplo das Operações de Paz, nos quais estão consagradas as práticas de regras básicas de cooperação com a ordem global, traz grandes benefícios para o País.

Em termos diplomáticos, estar presente nesses fóruns permite ao Brasil relacionar-se de igual para igual com potências de maior porte, bem como reforçar as regras da governança global. Com isso, veem-se diminuídos os riscos de ingerência externa sobre o País. Além disso, permite que algumas vantagens comparativas brasileiras sejam expostas no contexto internacional, tais como: as bem sucedidas ações de avanços socioeconômicos domésticas, as iniciativas nas áreas da educação e da saúde básica, as inovações agropecuárias, dentre outras.

Em termos de Defesa, ao demonstrar eficiência operacional no concerto das Operações de Paz, empregando contingentes devidamente equipados, com padrões de disciplina e organização, exercendo de forma competente e equilibrada o comando de algumas missões, a capacidade dissuasória brasileira ganha especial destaque no cenário internacional.

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Resumindo, o autor visualiza que a participação brasileira nas Operações de Paz confere ganhos de capital político internacional e aumenta o poder dissuasório no campo da Defesa. Enfim, há um “ganha-ganha” para diplomatas e soldados.

As ideias alinhavadas acima encontram respaldo também em Kipman (apud KAWAGUT, 2014), no momento em que comenta a participação brasileira na Operação de Paz levada a termo no Haiti (MINUSTAH)47:

Para o Brasil foi uma aprendizagem extraordinária, não só profissional, mas do ponto de vista humano. Do soldado ao general houve uma abertura de horizontes e eles voltaram com outra visão de Brasil, voltaram reconciliados com o país [...] esse ganho de experiência também aconteceu na área civil, com diplomatas, ONGs e órgãos como a Embrapa ganhando experiência excepcional que pode ser usada no Brasil. Considero que a missão tem sido um grande sucesso.

De forma semelhante, em Bechega (2014), também são encontrados relatos de que a participação do Brasil na MINUSTAH e noutras Operações de Paz que demonstram sensíveis vantagens para a diplomacia, para a defesa e para o País, de forma geral

Foi uma atuação relevante para nós num cenário regional, mas com seus limites. [...] Há, no entanto, ganhos em outras frentes. O Brasil expandiu sua atuação em missões da ONU na última década, especialmente na África. Um exemplo é a República Democrática do Congo. O general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz, que liderou as tropas da ONU no Haiti entre 2007 e 2009, comanda hoje as tropas da entidade na nação africana. A própria manutenção do comando do braço militar da Minustah é vista como sinal de prestígio brasileiro. “O reconhecimento de que o papel do Brasil tem sido importante é o fato de que os sucessivos comandantes das tropas da ONU no país têm sido brasileiros. Isso é pouco habitual”, disse o embaixador brasileiro na ONU, Antonio Patriota [...].

Fugindo, porém, às missões sob a égide das Nações Unidas, também são encontrados exemplos de boa articulação dos segmentos das Relações Exteriores e da Defesa brasileiros na garantia da paz entre equatorianos e peruanos, por ocasião do contencioso fronteiriço de 1995-1998. Sobre este evento, Canabrava (2003, p. 248) cita que

47 Missão patrocinada pela ONU, instituída em 2004, conta com um efetivo de cerca de 6.000 integrantes, sendo 2.338 militares (cerca de 1.400 da Marinha do Brasil e do Exército Brasileiro) de 19 países, todos comandados por um oficial-general brasileiro. Dados obtidos em UN – Peacekeeping Operations. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/operations/ past.shtml>. Acesso em 30 dez. 2015.

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[...] o êxito do Processo de Paz consagra o compromisso latino-americano em promover soluções regionais para problemas regionais. A ação da MOMEP48 serviu para ressaltar o papel central

que cabe às Forças Armadas na consecução desse objetivo. Exemplo de operação de manutenção da paz em apoio a processo

político-diplomático de solução pacífica de controvérsias, a

MOMEP contribuiu para consolidar novo paradigma de papel do setor militar como instrumento de fomento e promoção da paz em sociedades plenamente democratizadas (grifo nosso). Do exposto, constata-se que pela expressiva participação brasileira em Operações de Paz desde a criação da ONU, considerando-se que tais atividades são realizadas com o aval do Itamaraty e do segmento da Defesa, basicamente por iniciativa desse e com a concordância deste, existe uma considerável articulação dos Ministérios das Relações Exteriores e da Defesa nesta temática específica, que pode ser, sem sobra de dúvidas, aperfeiçoada ao longo do tempo, pela constância na participação em Operações de Paz, de forma que “a memória” não se perca pela falta de prática.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do acima exposto, cabe concluir que os marcos legais brasileiros já privilegiam, alinham e subordinam a participação brasileira em Operações de Paz sob a regência de organismos internacionais à Política Externa.

Além disso, existe no País uma tradição de emprego da diplomacia na solução pacífica dos contenciosos internacionais, que precede à criação das Nações Unidas. Todavia, no pós II Guerra Mundial e com o surgimento da ONU, a participação brasileira nas Operações de Paz promovidas por ela foi intensa (e continua sendo). Ademais, não podem deixar de constar dessa dita “tradição “a presença brasileira em operações de mesma natureza, mas patrocinadas por outros arranjos internacionais.

Por outro lado, diante das características atuais das missões de paz, a prontidão no envio de efetivos, bem como a participação de civis e militares cada vez mais especializados nessas atividades devem requerer uma articulação ainda maior entre o Itamaraty e o Ministério da Defesa. As contribuições limitadas às tropas de infantaria (“capacetes azuis”) não serão mais condizentes à estatura brasileira no cenário internacional.

Ainda, há de ser considerado que o Brasil já conta com um Processo Decisório para a participação em Operações de Paz, o qual condiciona a adesão

48 Para solucionar a crise conhecida como Guerra do Alto Cenepa foi criada a Missão de Observadores Militares Equador-Peru (MOMEP), tendo o Brasil como coordenador dos Países Garantes (Argentina, Brasil, Chile e EUA). Oficiais-generais brasileiros coordenaram as ações dos militares no Processo de Paz durante toda a Missão.

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do País à articulação entre os Ministérios das Relações Exteriores e da Defesa, com preponderância do primeiro na condução da agenda. Porém, como citado por Canabrava (2003) e Kipman (apud KAWAGUT, 2014), tal articulação tende a ser aprimorada no transcurso das operações, pela práxis contínua.

Finalmente, com o respaldo de Kenkel (2015), há de ser considerado que uma nação “emergente” como o Brasil pode encontrar na participação em Operações de Paz um “nicho diplomático” que lhe permita o exercício do que prescreve o artigo 4º da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e, além disso, ver expandido o seu “capital político internacional”. Encastoado nesse “capital político”, o Ministério da Defesa pode considerara desejável ampliação do poder dissuasório nacional.

Tudo isso posto, considera-se que a presença brasileira em Operações de Paz sob a égide de organismos internacionais favorece, sobremaneira, a articulação entre a diplomacia e a defesa, devendo, portanto, prosperar e ser aprimorada em termos de celeridade na tomada de decisão e de qualificação dos efetivos civis e militares colocados à disposição dos organismos internacionais. Dessa maneira, provavelmente, o Brasil possa reescrever a clássica assertiva de Aron (2002, p. 52) de que “O diplomata e o soldado vivem e simbolizam as relações internacionais que, enquanto interestatais, levam à diplomacia e à paz– e não à guerra” (grifo nosso).

Figura 1: Esquema do Processo Decisório brasileiro para participação em Operações de Paz

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REFERÊNCIAS

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Recebido em: 10 dez. 2016 Aprovado em: 20 set. 2017

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Figura 1: Esquema do Processo Decisório brasileiro para participação em  Operações de Paz

Referências

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