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Direito a educação superior para pessoas com deficiência no Brasil e Uruguai : estudo comparativo no decênio da inclusão –2006-2016

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MANOEL MENDES AMORIM

DIREITO A EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA PESSOAS COM

DEFICIÊNCIA NO BRASIL E URUGUAI: ESTUDO COMPARATIVO

NO DECÊNIO DA INCLUSÃO – 2006-2016.

BRASÍLIA - DF 2019

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MANOEL MENDES AMORIM

DIREITO A EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA PESSOAS COM

DEFICIÊNCIA NO BRASIL E URUGUAI: ESTUDO COMPARATIVO

NO DECÊNIO DA INCLUSÃO – 2006-2016.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.

Linha de pesquisa: Estudos Comparados em

Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Adriana Almeida

Sales de Melo

BRASÍLIA - DF 2019

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MANOEL MENDES AMORIM

DIREITO A EDUCAÇÃO SUPERIOR PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL E URUGUAI: ESTUDO COMPARATIVO NO DECÊNIO DA INCLUSÃO –

2006-2016.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.

Linha de pesquisa: Estudos Comparados em Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Adriana Almeida Sales de Melo

Data: 17 junho de 2019

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________ Profª.Dra. Adriana Almeida Sales de Melo

Universidade de Brasília - FE – Orientadora

________________________________________________________ Profª. Dra. Sinara Pollom Zardo

Universidade de Brasília –FE/UnB

___________________________________________________________ Dr. Paulino José Orso

Universidade Estadual do Oeste do Paraná- UNIOESTE

__________________________________________________________ Profª. Dra. Cátia Piccolo Viero Devechi – FE/UnB

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à família UnB por propiciar esse momento tão importante em minha vida, em especial, à Faculdade de Educação, por meio do Programa de Pós-graduação em Educação. Agradeço aos meus professores do curso e da Linha de Pesquisa Estudos Comparados em Educação, especialmente minha orientadora Profª. Dra. Adriana Almeida Sales de Melo pelo apoio, ensinamentos e orientação.

À embaixada do governo uruguaio pela atenção, ao Ministério do Desenvolvimento Social do Uruguai, ao responder com informações importantes para esse trabalho. À Organização dos Estados Americanos – OEA, por meio da Secretaria de Inclusão Social, todo meu agradecimento pelo apoio.

À minha companheira Cláudia, com quem compartilho cada momento de minha vida e ela comigo. À nossa filha Isadora.

À minha família no Estado do Maranhão, em especial minha mãe Maria José. Para meu pai Manoel, meu irmão Benedito, minhas irmãs Silvia e Gisele, pelo apoio e compreensão. Para meu avô Justo Evangelista Conceição, pelos ensinamentos. À minha vó Silveria Reis, pelo exemplo de luta e resistência. A todos os parentes quilombolas.

Aos amigos e amigas Cledes Castro, Adriano, Willy, Raquel Mendes, entre outros Ao padre João Maria Van Damme, a Frei Godofredo, a Maria Vânia e Luís Marcos. Aos meus amigos da comunidade Pirapora, em São Luís.

Ao Senhor Hidelbrando e à Sra. Rita, da livraria.

Aos trabalhadores do Restaurante Universitário. Aos seguranças da Faculdade de Educação. Aos trabalhadores da manutenção e limpeza da Faculdade de Educação. Ao Sr. Elias da Secretaria de Pós-graduação.

Aos amigos e amigas da turma do mestrado, em especial Antônio Carlos (Toninho), Guilherme Frederico, Rafaela Vilarinho, Rubenilson, Lila, Ana Cristina, Alda e minha colega de orientação Karine Rocha. A todos, o meu carinho.

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RESUMO

A pesquisa trata de um estudo comparado sobre a concepção de deficiência, educação inclusiva, especial e direito à educação superior nas políticas nacionais adotadas por Brasil e Uruguai. Parte dos dois principais marcos internacionais referentes aos direitos das pessoas com deficiência na América Latina, que fundamentaram o Programa do Decênio das Américas pela Dignidade das Pessoas com Deficiência (2006-2016): a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) e a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência (1999). Analisa, ainda, os impactos das referidas convenções nas políticas de inclusão na educação superior desenvolvidas no Brasil e Uruguai. Considerando que os dois países foram signatários do referido programa pela inclusão, apresenta alguns dos instrumentos jurídicos e políticos adotados pelos países referentes a inclusão de pessoas com deficiência na educação superior. A proposta, inicialmente, dialoga sobre a inclusão como imperativo do Estado moderno. Assim como a cidadania, o reconhecimento e a democracia, como determinantes para a efetivação dos direitos humanos contemporâneos de minorias sociais, a exemplo das pessoas com deficiência. Correlaciona, a partir de uma abordagem teórica, como na América Latina a colonialidade, o autoritarismo e o neoliberalismo se instituem como processos excludentes do sistema mundo capitalista. Debate-se as principais visões sobre o corpo e os estigmas que predominaram, ao longo da história moderna, na construção ou invenção da deficiência. Dialoga sobre o contexto histórico de formação da educação superior na América Latina, especialmente no Uruguai e no Brasil, para posteriormente discutir sobre o acesso à educação superior, nos dias atuais, entre os dois países. Nas questões teórico-metodológicas, a pesquisa constitui-se como um estudo comparado, de enfoque interdisciplinar. Adota abordagem histórico cultural, pois esta contribui para o Modelo Social da Deficiência. Ainda, a pesquisa é documental e de análise de conteúdo. E as análises partem de legislações e relatórios nacionais e internacionais (ONU, OEA, BRASIL, URUGUAI, CEPAL) sobre a temática estudada. Pontanto, identificou-se que o Brasil e o Uruguai apresentaram importantes indicadores voltados para inclusão de pessoas com deficiência na educação superior. Os dois países realizaram medidas legislativas para o cumprimento do programa de ação para a inclusão da pessoa com deficiência, em que o combate à pobreza, a efetivação de políticas para a diversidade, inclusão educacional e acessibilidade estão comumente presentes nos discursos dos dois países no período de 2006 a 2016.

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ABSTRACT

The research deals with a comparative study on the concept of disability, inclusive education, and the right to higher education in the national policies adopted by Brazil and Uruguay - based on the two main international frameworks on the rights of persons with disabilities in Latin America, which (2006-2016): the Convention on the Rights of Persons with Disabilities (2006) and the Inter-American Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Persons with Disabilities ( 1999). It also analyzes the impacts of these conventions on the inclusion policies in higher education developed in Brazil and Uruguay, considering that the two countries were signatories of the said Program for inclusion, it also presents some of the legal instruments and policies adopted by the countries regarding inclusion of people with disabilities in higher education. The proposal initially talks about the inclusion as imperative of the modern state, citizenship, recognition and democracy as determinants for the realization of the contemporary human rights of social minorities, among them, people with disabilities. It correlates from a theoretical approach as historically in Latin America coloniality, authoritarianism and neoliberalism are instituted as exclusionary processes of the capitalist world system. It discusses the historical context and major views on the body and the stigmas that prevailed throughout the modern history of mankind in the construction or invention of disability. It discusses the historical context of formation of higher education in Latin America, especially in the Colonies of Hispanic origin in Uruguay and in the case of Brazil, formerly Portuguese colony, to discuss later access to higher education in the present day between the two countries. In the theoretical-methodological questions, the research constitutes as a comparative study, of interdisciplinary approach, adopts historical cultural approach, since this contributes to the Social Model of the Disability. The research is documentary and content analysis. The analyzes are based on national and international legislation and reports (UN, OAS, BRAZIL, URUGUAY, ECLAC) on the subject studied. Pontanto, it was identified that Brazil and Uruguay presented important indicators aimed at the inclusion of persons with disabilities in Higher Education. The two countries have implemented legislative measures to implement the program of action for the inclusion of persons with disabilities, in which the fight against poverty, the implementation of policies for diversity, educational inclusion and accessibility are commonly present in the discourses of the two countries in the period from 2006 to 2016.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Relatórios sobre cumprimento da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) e a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência (1999)... 19 Quadro 2– Paradigmas da deficiência... 90 Quadro 3 – Avanços de Acessibilidade por Faculdades na UdelaR... 131 Quadro 4 – Análise comparativa entre Brasil e Uruguai referente a medidas pela

inclusão a partir da interpretação dos relatórios simplificados do PAD - Programa das Américas para as Pessoas com Deficiência, Convenções da Guatemala e da Pessoa com Deficiência e legislação dos dois países... 143

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1– População de 25 ou mais anos de idade por nível educacional máximo atingido de acordo com deficiência no Uruguai... 122 Gráfico 2– Recorte racial sobre deficiências no Brasil... 123

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LISTA DE SIGLAS

ACR Animação dos Cristãos no Meio Rural CNE Conselho Nacional de Educação DEM ECOE EIE ENEM EJA FMI FIES GEDIS IBGE INCLUIR INEP INAU INE INEFOP LDB LGBTs LIBRAS MEC MOBRAL Partido Democratas

Estudos Comparados em Educação Espaço de Inclusão Educacional Exame Nacional do Ensino Médio Educação de Jovens e Adultos Fundo Monetário Internacional Fundo de Financiamento Estudantil Grupo de Estudios sobre Discapacidad Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Programa de Acessibilidade na Educação superior Instituto Nacional de Pesquisa

Instituto do Menino e Adolescente do Uruguai Instituto Nacional de Estatística

Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros Língua Brasileira de Sinais

Ministério da Educação

Movimento Brasileiro de Alfabetização MIDES OCDE OEA ONU PRONADIS PROUNI

Ministério do Desenvolvimento Social

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico Organização dos Estados Americanos

Organização das Nações Unidas Programa Nacional de Discapacidad Programa Universidade para Todos REUNI

PNE SECADI SESU

Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Plano Nacional de Educação

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão Secretaria de Educação superior

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SISU UDELAR UFT UnB UNESCO UNICEF WJP W3C

Sistema de Seleção Unificada Universidad de la República Universidade Federal do Tocantins Universidade de Brasília

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Fundo Internacional de Emergência para a Infância das Nações Unidas World Justice Project

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SUMARIO

INTRODUÇÃO... 13

1 DIREITOS HUMANOS, MODERNIDADE E O RECONHECIMENTO DAS MINORIAS... 22

1.1 Questões sobre a constituição da inclusão como paradigma... 22

1.2 Modernidade e as políticas de inclusão do nosso tempo... 27

1.3 A cidadania e os direitos humanos no paradigma moderno... 31

1.4 O pensamento abissal e as linhas dos processos de exclusão... 40

1.5 A democracia, direito humanos e inclusão... 43

2 PRODUÇÃO SOCIAL DOS PROCESSOS DE EXCLUSÃO NA AMERICA LATINA... 50

2.1 A prática colonial como forma de exclusão... 53

2.2 O excluído e o incluído na América Latina... 61

2.3 Autoritarismo, elitismo e processos de exclusão... 65

2.4 A governabilidade neoliberal e a inclusão precária... 70

3 CONTEXTO HISTÓRICO DA DEFICIÊNCIA E A ABORDAGEM DA INCLUSÃO... 78

3.1 O modelo social da deficiência e aproximações com outros campos do conhecimento... 88

3.2 O paradigma da inclusão; um olhar contemporâneo sobre a diversidade... 97

3.3 Inclusão x Exclusão: A inclusão excludente... 101

4 POLÍTICAS DE INCLUSÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: BRASIL E URUGUAI... 104

4.1 A formação da universidade na modernidade... 104

4.2 A universidade na América Latina: aspectos históricos... 108

4.3 A educação superior no Brasil e no Uruguai: aspectos comparativos e históricos... 11

4.4 A pessoa com deficiência na América Latina e Caribe: situando o caso brasileiro e uruguaio... 118

4.5 Marcos jurídicos no Brasil e Uruguai sobre as pessoas com deficiência e as políticas de inclusão... 126

4.6 A Universidade da República nas políticas de inclusão de pessoas com deficiência no Uruguai: alguns apontamentos... 128

4.7 A oferta acadêmica na educação superior uruguaia referente a deficiência na educação pública e privada... 133

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4.8 Brasil e a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva... 136 4.9 Os relatórios do Programa das Américas para Inclusão: o discurso

da OEA... 145 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 150 REFERÊNCIAS... 154

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação vincula-se à linha de pesquisa Estudos Comparados em Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Univeridade de Brasilia – UnB. Objetiva analisar as políticas de inclusão de pessoas com deficiência na educação superior no Brasil e Uruguai, no período estipulado pela OEA - Organização dos Estados Americanos, no período do Programa das Américas pela Inclusão (Década das Américas). Assim, para delimitar a investigação, analisamos as duas principais convenções da atualidade que tratam sobre os direitos desse grupo social nos tempos atuais: a Convenção da Guatemala - Interamericana para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência (1999) e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (2006). Sendo que esses documentos foram ratificados pelos dois países em seus respectivos ordenamentos jurídicos. E é importante destacar que o Programa das Américas pela Inclusão fundamenta–se nas convenções citadas, entre outros documentos internacionais dos direitos desse grupo social. A pesquisa trata-se de um estudo comparado e partiu de análise documental e de conteúdo.

Além disso, é importante destacar que o direito à educação - especificamente à educação especial - parte de debates oriundos de conferências internacionais, como as que ocorreram nos espaços da ONU. Segundo Garcia (2015), a Unesco, a partir de 1994, passou a reforçar o discurso da chamada ―Educação Inclusiva1‖ e a ―Inclusão Educacional‖. Política

que também foi seguida pelo Banco Mundial- BM e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, que dão destaque para a inclusão social como estratégia para a formação democrática, solidária e inclusiva. Já o Plano de Ação da Declaração Mundial sobre Educação para Todos destaca a importância para a implantação de políticas que estejam relacionadas às necessidades básicas de aprendizagem das pessoas com deficiências e aponta que é preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação a toda pessoa com qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo (UNESCO, 1998). Enquanto o Ano Internacional da Pessoa com Deficiência, realizado em 1981, foi um importante instrumento da ONU para os direitos desse grupo social

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Na apresentação do documento “Tornar a educação inclusiva”, publicado em 2009, a UNESCO destaca que: “O princípio da educação inclusiva foi adotado na Conferência Mundial sobre as Necessidades Educativas Especiais: acesso e qualidade, reafirmado no Fórum Mundial de Educação e apoiado pelas Regras Básicas das Nações Unidas em Igualdade de Oportunidades para Pessoas Portadoras de Deficiências. Esse princípio foi debatido novamente em novembro de 2008 durante a 48a Conferência Internacional de Educação em Genebra. A educação inclusiva de qualidade se baseia no direito de todos - crianças, jovens e adultos - a receberem uma educação de qualidade que satisfaça suas necessidades básicas de aprendizagem e enriqueça suas vidas‖ (UNESCO 2009, p.6).

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e representou, em muitos países, a inclusão de mecanismos para garantir a participação política dessas pessoas, favorecendo também a subsequente Década das Pessoas com Deficiência, que vai de 1983 a 1992 (MITTLER, 2003).

Em vista disso, muitas das políticas educacionais direcionadas aos países latino americanos e caribenhos têm suas referências nas conferências organizadas principalmente pelo Fundo Monetário Internacional-FMI, Banco Mundial, OCDE e Unesco. Assim como nos debates oriundos da OEA, a exemplo da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência (Convenção da Guatemala), que parte da necessidade de efetivação de políticas de prevenção da discriminação e promoção da inclusão nas Américas e Caribe, aprovada no ano de 1999, entre os países signatários. De acordo com França (2014), a referida convenção foi assinada por várias nações da América Latina e Caribe, entre elas Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, El Salvador, Equador, Guatemala, Haiti, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Durante a assinatura, os países comprometeram-se a aprovar medidas de ordem legal ou jurídica que contribuíssem com a inclusão escolar e social das pessoas com deficiência em diferentes aspectos. Para o autor (2014), a Convenção da Guatemala instaura-se como fundamental ao combater a diferenciação entre as pessoas, baseada na deficiência. E ―por ser recente e, ao mesmo tempo, atualizar o conceito de discriminação, para alguns juristas esse documento tem valor de norma constitucional, por tratar de direitos e garantias fundamentais do ser humano‖ (FRANÇA, 2014, p. 35).

Após a Convenção Interamericana, outro documento central para orientar as políticas sobre os direitos das pessoas com deficiência é a Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência-ONU, de 2006. A Convenção em questão é considera um dos mais importantes instrumentos dos direitos humanos deste século por atualizar conceitos e por assumir o Modelo Social da Deficiência, que discutiremos no percurso deste trabalho. As duas Convenções estão presentes na maioria dos ordenamentos jurídicos da região, pois grande parte dos países, como o Brasil e o Uruguai, assumiram seus discursos.

Contextualmente, o Programa das Américas pela Inclusão não se trata de uma Convenção, mas de um Programa de Ação que estabeleceu aos Estados signatários metas e objetivos que abarcassem medidas legislativas, administrativas, sociais e jurídicas para inclusão desse grupo social, em suas respectivas sociedades, para execução até o ano de 2016. O referido Programa (2006-2016), proposto pelos Estados-membros da OEA, parte do Plano

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de Ação da Quarta Cúpula das Américas, realizado em Mar del Plata (Argentina), em 5 de novembro de 2005. Na ocasião, diversos chefes de Estado e de Governo instruíram, junto à referida Organização, a necessidade de considerar na Assembleia Geral seguinte, realizada em São Domingos, na República Dominicana (13-15 de junho de 2006), uma declaração que tivesse como pauta os direitos humanos dessas pessoas. A Assembleia Geral de São Domingos favoreceu, então, a criação desse programa, que deveria ser implantado em um período de 10 anos.

No campo da Educação, o Programa das Américas pela Inclusão assegura a importância de garantir condições de igualdade com os demais, sem discriminação, com ingresso qualitativo e a permanência nos sistemas educacionais como condição para inserção em todos os âmbitos das sociedades (OEA, 2006). Assim, o documento destaca:

Promover a inclusão de crianças, meninas e adolescentes com deficiência e necessidades educativas especiais ao sistema educacional geral em um ambiente integrado. b). Assegurar que as pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema geral de educação por motivos de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e obrigatório nem da educação secundária por motivos de deficiência. Promover igualmente o acesso dos estudantes com deficiência à formação técnica, superior e profissional. c) Assegurar que as pessoas com deficiência tenham acesso geral à educação superior, formação profissional, educação para adultos e aprendizado durante toda a vida sem discriminação e em igualdade de condições com os demais. Com essa finalidade, os Estados assegurarão que sejam feitos ajustes razoáveis para as pessoas com deficiência d) Proporcionar os recursos didáticos e pedagógicos necessários e segundo a disponibilidade para atender às necessidades educativas especiais dos estudantes nos centros de educação com projeção inclusiva e) Preservar a existência de escolas especiais, as quais assistirão às crianças e adolescentes que devam receber educação especializada de acordo com o tipo ou grau de deficiência, com um orçamento suficiente para que funcionem com pessoal especializado e de apoio capacitado e para a dotação adequada permanente de materiais apropriados e de qualidade. (OEA, 2006, p.10)

Nessa perspectiva, a Década das Américas fundamenta-se, ainda, na Declaração dos Direitos do ―Retardado Mental‖, de 1971; na Declaração dos Direitos dos Deficientes das Nações Unidas, aprovada pela ONU em 1975; no Programa de Ação Mundial das Nações Unidas para as Pessoas com de Deficiência, de 1982; nos Princípios para a Proteção dos ―Enfermos Mentais‖ e para a Melhoria da Atenção da Saúde Mental, de 1991. Além disso, é elaborado a partir das Normas Uniformes sobre Igualdade de Oportunidades para as Pessoas Portadoras de Deficiência, de 1993; da Convenção de Guatemala, de 1999; e na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas, de 2006.

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Nesse contexto de reconhecimentos normativos regionais e internacionais, o Programa Década das Américas tem como lema: ―Igualdade, Dignidade e Participação‖. O objetivo era chamar a atenção para os estados signatários adotarem um plano de ação que fosse capaz de conseguir avanços significativos para a construção de uma sociedade inclusiva, voltada para a solidariedade e pautada nos direitos humanos. O documento destaca a necessidade de se combater os impactos da pobreza na vida das pessoas com deficiência. Assim como a necessidade de combater a discriminação e a exclusão desses indivíduos. O referido programa também faz parte do ciclo de monitoramento da implementação da Convenção de Guatemala. Sendo que o processo de avaliação ou implantação de suas ações consiste na apresentação de relatórios dos Estados em relação às medidas legislativas, políticas, judiciais, administrativas e outras, que tratem da inclusão de pessoas com deficiência nas respectivas sociedades.

Além disso, esta dissertação busca tratar dos temas da deficiência sem se prender às categorizações existentes sobre ela (surdez, visual, intelectual, física, etc). Mas partindo das contribuições do campo da história e da sociologia, tentamos dialogar como tal ideia se firma durante a história moderna, e, para isso, propomos um debate sobre como os corpos são vistos e marginalizados nesse período histórico. Assim, autores como Michel Foucault, Erving Goffman, entre outros, são utilizados para fundamentar o debate e, consequentemente, as mudanças históricas da deficiência. Dentre elas, o avanço do modelo biológico da deficiência para o modelo social. Com isso, há uma análise reforçando o papel revolucionário do Modelo Social da Deficiência, aqui entendido como fundamental para a efetivação daquilo que neste século define-se como paradigma da inclusão, além de sua aproximação com outros campos do conhecimento.

Portanto, tentamos refletir, ainda, que no contexto contraditório em que surgem algumas dessas tematizações (a exemplo dos direitos humanos), elas se constituem como fundamentais para o reconhecimento de grupos minoritários. Principalmente no contexto em que se busca firmar o paradigma da inclusão. Nessa perspectiva, faz-se uma abordagem sobre como a inclusão passa a ser tematizada até se tornar um elemento das agendas dos Estados Nacionais, assim como sobre a importância dos regimes democráticos para a sua efetivação.

Com isso, cabe questionar: até que ponto a Convenção das Pessoas com Deficiência e a Convenção Interamericana da Pessoa com Deficiência contribuíram para a inclusão de Pessoas com Deficiência na Educação superior no período do Programa das Américas (2006 -2016), no Brasil e Uruguai?

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Assim, buscou-se analisar as políticas de inclusão de pessoas com deficiência na educação superior, no Brasil e Uruguai, no período do Programa das Américas pela Inclusão (2006 -2016). E para isso, foi necessário: 1- Debater sobre a constituição da inclusão como paradigma no projeto de modernidade; 2- Discutir sobre a produção social dos processos de exclusão na America Latina; 3- Contextualizar a deficiência, partindo dos modelos excludentes até o modelo social da deficiência e a perspectiva da educação inclusiva; 4- Apresentar as políticas e as ações governamentais do Brasil e Uruguai em relação a promoção do direito à educação superior para as pessoas com deficiência, a partir da Convenção das Pessoas com Deficiência e a Convenção Interamericana da Pessoa com Deficiência, no período do Programa das Américas pela Inclusão (2006 -2016).

Desse modo, esse debate foi dividido em quatro capítulos, sendo que os três primeiros fazem um debate mais de cunho teórico. Assim, ficaram estruturados da seguinte forma: 1 –

Direitos humanos, modernidade e o reconhecimento das minorias, em que o enfoque se

volta para os aspectos históricos da constituição do paradigma da inclusão na modernidade; 2 - Produção social dos Processos de exclusão na América Latina; 3 - Contexto Histórico

da deficiência e a abordagem da inclusão; 4 - Políticas de inclusão de pessoas com deficiência no Brasil e no Uruguai, situando a constituição da educação superior na América

latina. Nesse capítulo também é feita uma reflexão sobre a universidade, a situação da pessoa com deficiência na América Latina e sobre as políticas de inclusão de pessoas com deficiência na educação superior, no Brasil e Uruguai, no período do Programa das Américas pela Inclusão (2006 -2016).

A condução desta pesquisa foi apoiada nos estudos comparados em educação, uma abordagem que não se restringe apenas às análises dos aspectos descritivos de uma dada realidade. Pois é o tipo de estudo que pode explicitar “as múltiplas determinações históricas, materiais e culturais, uma vez que é na materialidade que se produz o ser social e as ideias, teorias e concepções educacionais” (CARVALHO, 2008. p. 15). Os estudos comparados, nas palavras de Ragin (2007), significam também a possibilidade de buscar aproximações entre realidades, tornando possível examinar diferenças ou similaridades entre casos, com a intenção de compreender a diversidade e facilitar a interpretação histórica de um fato.

Enquanto para Malet (2004), os estudos comparados no campo da educação também podem ser pensandos considerando as transformações das sociedades contemporâneas. Uma vez que coloca a tarefa da educação comparada em não estabelecer limites para a constatação de semelhanças ou dessemelhanças em diferentes contextos educativos nacionais, mas seu

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campo de atuação amplia-se para entender a diversidade e, consequentemente, a figura do Outro na contemporaneidade.

Os estudos comparados também representam:

Por um lado, essa espécie de sincronização a distância entre sujeitos que, embora não compartilhem fisicamente um espaço de convivência, são, entretanto, engajados nas e aproximam-se das mesmas configurações culturais e societais e, por outro lado, o enfraquecimento do Estado-Nação na sua vocação moderna de inclusão, que favorece o desenvolvimento de espaços de reconhecimento identitários infra ou transnacionais, constituem dois desafios de conhecimento maiores para o futuro da educação comparada, uma vez que tendem a renovar a figura do estrangeiro, construído pela ideia de Nação e, com isso, a do Outro. Disso decorre que, de fato, nesta perspectiva, haja uma falta de exotismo, mas também uma persistência da alteridade. A relação ao Outro continua sendo o ponto nodal, a referência da qual o comparatismo não pode abrir mão, mesmo deslocado nesses espaços ampliados, estirados, da contemporaneidade. (MALET, 2004, p. 1319)

A reflexão citada é fundamental devido ao debate sobre a deficiência na investigação a partir de uma compreensão de que a ideia de deficiente e os processos de exclusão constituem-se como parte das relações sociais e dos processos históricos humanos. Partindo disso, na perspectiva de inclusão de pessoas com deficiência na educação superior entre o Brasil e o Uruguai, torna-se importante essa compreensão dos estudos comparados, contextualizando a própria configuração dos processos de estruturação histórica das políticas educacionais direcionadas aos países latino americanos. Destacando que o sistema de educação superior e, mais especificamente, a universidade, que tem sido, na América Latina, tema de intensos debates políticos (DURHAM; SAMPAIO, 2000). Entre esses debates, segundo Azevedo e Oliveira (2008) e Melo (2003), ocorrem as exigências de adequação desse tipo de educação à realidade dos processos de globalização econômica do conhecimento científico, associado a reestruturação produtiva e avanço do capital. Além disso, fez-se a opção por uma aborgagem interdisciplinar devido a diversidade de temas discutidos e autores que fundamentam a investigação.

Quanto à natureza, a investigação caracteriza-se como bibliográfica e documental. Nesta perspectiva, este trabalho contou com coleta de documentos (legislação, relatórios, resoluções, decretos) para posterior análise do conteúdo, como forma de sintetizar e organizar alguns campos de aproximações entre o Brasil e o Uruguai.

O interesse pela temática da inclusão, políticas educativas e ensino superior decorre da minha trajetória profissional na Universidade Federal do Tocantins (UFT) junto ao Programa

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de Educação Inclusiva da UFT. No de 2008, tivemos conhecimento pela primeira vez de ações voltadas para a inclusão no Ensino superior, no caso o Programa INCLUIR, que na época era voltado para a articulação de núcleos de acessibilidade nas instituições públicas de ensino superior. A experiência na UFT foi determinante para a escolha do estudo proposto, pois o acesso e a permanência de estudantes no ensino superior ainda é um processo em construção e um desafio a ser superado.

Nesta pesquisa analisou ainda seguintes os relatórios:

Quadro 1 - Relatórios sobre cumprimento da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) e a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência (1999)

RELATÓRIOS OFICIAIS

BRASIL URUGUAI

Informe nacional de cumplimiento de la convención interamericana para la eliminación de todas las formas de discriminación contra las personas con discapacidad (ciaddis) y del programa de acción para el decenio de las américas por los derechos y la dignidad de las personas con discapacidad (PAD) - Formulario simplificado

Informe nacional de cumplimiento de la convención interamericana para la eliminación de todas las formas de discriminación contra las personas con discapacidad (ciaddis) y del programa de acción para el decenio de las américas por los derechos y la dignidad de las personas con discapacidad (PAD) - Formulario simplificado

Primeiro relatório nacional da República Federativa do Brasil sobre o cumprimento das disposições da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 2008 -2010

Comité sobre los Derechos de las Personas con Discapacidad - Examen de los informes presentados por los Estados partes en virtud del artículo 35 de la Convención. Informes iniciales que los Estados partes debían presentar en 2011, Uruguay. CRPD/C/URY. 2015.

Brasil - Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – Decreto Legislativo nº 186/2008 – Decreto nº 6.949/2009

Uruguay y la convención sobre derechos de

las personas con discapacidad. Ministerio de Desarrollo Social. Dirección Nacional de Desarrollo Social. Texto completo + Primer informe país. 2014

IBGE. Censo Demográfico 2010.

Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência. Brasil, 2010.

Ministerio de Desarrollo Social: República Oriental del Uruguay.― Relevamiento de la oferta académica universitaria y terciaria referida a Discapacidad‖ . Relatório Final.

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Montevideo. Outubro, 2018

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS – OEA

1 Consejo permanente de la oea/ser.g organización de los Estados Americanoscp/cajp-2362/06, 21 abril 2006, comisión de asuntos jurídicos y políticos, original: español

Título: Proyecto de programa de Acción década de las Personas con Discapacidad de las Américas (2006-2016)

2- Comité para la eliminación de todas OEA/ SER.L/XXIV.3.3 las formas de discriminación contra ceddis/doc.1/18 las personas con discapacidad (CEDDIS) 9 mayo 2018 original: español.

Título: Presentación a la asamblea general de las observaciones y recomendaciones emitidas por el comité a los informes - presentados por los estados parte de la convención interamericana para la eliminación de todas las formas de discriminación contra las personas con discapacidad (CIADDIS), (artículo 20 del reglamento del CEDDIS),

Fonte: Pesquisa realizada pelo autor (2018)

A justificativa pela escolha do objeto de estudo considera alguns fatores. O primeiro é que o Brasil se destacou por meio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República que, no ano de 2006, realizou, em Brasília, no período de 7 a 9 de dezembro, um evento com o objetivo de articular a Câmara Técnica de apoio às realizações do Plano de ação da Década das Pessoas com Deficiência, que teria de pensar as estratégias que deveriam ser atingidas até o ano de 2016 (BRASIL, 2010). Outro importante elemento foi a importância dada ao Programa da Década na II Conferência da Pessoa com Deficiência, que foi um espaço de diálogo entre o movimento social das pessoas com deficiência e o Governo Federal. Segundo o documento ―Avanços das Políticas Públicas para as Pessoas com Deficiência, uma análise das conferências nacionais‖, de 2012, na época da II Conferência Nacional, a ratificação da Convenção da Pessoa com Deficiência da ONU ainda muito era recente e seu conteúdo pouco divulgado. Assim, os documentos básicos que contribuíram e orientaram ―os debates e discussões da II Conferência, figuravam o texto da Convenção, além do Plano de Ação da Década das Pessoas com Deficiência da OEA, e da Agenda Social de Inclusão das Pessoas com Deficiência‖ (BRASIL, 2012, p. 28). Além disso, em 2008, o Brasil incorporou ao direito brasileiro a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência como equivalência à Emenda Constitucional.

Buscando informações a respeito do Uruguai, foi possível observar que aquele país se destaca na promoção dos direitos humanos na região. Com isso, algumas indagações foram surgindo sobre como aquele país trata as questões sobre a inclusão de pessoas com

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deficiência. Daí surgiu o interesse para investigar como o Uruguai garante em seu sistema de ensino o direito à educação na perspectiva inclusiva, em especial na Educação superior, considerando que no referido país o ingresso nas universidades se dá de forma direta, sem necessidades de exames. O que é diferentemente do Brasil.

No relatório divulgado, em 2014, pela World Justice Project (WJP), entre os países da América Latina, o Uruguai ocupa a primeira posição na região e décimo nonolugar no mundo em relação à proteção dos direitos humanos. O relatório citado é realizado com o objetivo de verificar os índices de promoção dos direitos humanos na perspectiva da igualdade, não discriminação, questões ligadas a proteção da vida, à segurança, liberdades individuais, proteção aos direitos trabalhistas e entre outros (WJP, 2014).

Outro aspecto a considerar é o Brasil e Uruguai, no cenário político Latino Americano, já nos primeiros anos do século XXI tiveram governos considerados progressistas e ligados as esquerdas latino-americanas. No Uruguai, por exemplo, tivemos os governos presidenciais de Tabaré Vasques (2005 até 2010) e depois de José Mujica (2010 até 2015). No caso Brasileiro, os mandatos de Luís Inácio Lula da Silva (2003 até 2011) e, depois, Dilma Vana Rousseff (2011-2016), retirada do poder pelo que consideramos de Golpe de Estado articulado pelas elites nacionais.

Nessa perspectiva, estudar a realidade latino-americana numa perspectiva comparada sobre políticas de inclusão é importante não só para conhecer tal realidade, mas para contribuir com os diálogos sobre as realidades educacionais da região; buscando as similaridades, as contradições e os caminhos tomados pelos Estados da região em relação à promoção dos direitos humanos. Por último, justifico que a construção da Universidade, no decorrer da hustória, tem acontecido através de uma relação dialética entre a luta popular e o fazer universitário, em que as demandas populares vêm contribuindo para forjar uma universidade mais democrática, como sonhava Darcy Ribeiro. Um exemplo dessa transformação foi a conquista das ações afirmativas, que exemplifico com as experiências que tenho no meu trabalho na UFT e observando a UnB, durante meus anos de mestrado. Nessas experiências tenho percebido o quanto a universidade se modificou com a presença das minorias em seus espaços. E tal visibilidade demarca a presença de jovens negros e negras, indígenas, pessoas com deficiência, LGBTs e pessoas de outros países que estudam no Brasil por meio de políticas de intercâmbio.

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1 DIREITOS HUMANOS, MODERNIDADE E O RECONHECIMENTO DAS

MINORIAS.

1.1 Questões sobre a constituição da inclusão como paradigma

Este capítulo tem como objetivo apresentar algumas questões fundamentais sobre a constituição da inclusão como um paradigma que, embora seja característico dos nossos tempos, tem suas raízes atreladas ao surgimento do que conhecemos como modernidade.

Deste ponto de partida, consideramos importante situar como as questões da formação dos Estados Nacionais, do aparecimento da cidadania, da democracia, dos direitos humanos e a educação moderna, foram fundamentais para situar a inclusão como um conceito não fixo e determinado, mas como um processo contraditório, ao mesmo tempo em que representa mudanças na forma de ver o outro e de incluí-lo em sociedade. Além disso, o conceito de inclusão também está relacionado ao seu oposto, os processos de exclusão, vistos como determinantes para manutenção das muralhas das desigualdades ainda não superadas no mundo.

Para Mantoan (2003), as mudanças pelas quais passamos nos últimos tempos podem representar uma ruptura com formas estabelecidas na sociedade ou mesmo podem representar uma crise de paradigma, podendo significar uma crise de concepção e de visão de mundo, cujas mudanças podem afetar o campo das ciências, alterando conhecimentos e postulados científicos já consolidados historicamente.

Embora a mudança paradigmática possa gerar incertezas e inseguranças, ao mesmo tempo pode representar caminhos para outras experiências sociais e culturais, apoiadas em perspectivas de conhecimentos que sejam basilares e norteadores para as mudanças requeridas por coletivos humanos excluídos. Expressando de outra forma:

Um novo paradigma do conhecimento está surgindo das interfaces e das novas conexões que se formam entre saberes outrora isolados e partidos e dos encontros da subjetividade humana com o cotidiano, o social, o cultural. Redes cada vez mais complexas de relações, geradas pela velocidade das comunicações e informações, estão rompendo as fronteiras das disciplinas e estabelecendo novos marcos de compreensão entre as pessoas e do mundo em que vivemos (MANTOAN, 2003, p. 09).

Para Marcondes (2010), a questão do paradigma define-se em relação à modernidade e as transformações do mundo na produção do conhecimento científico. A partir do pensamento

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de Thomas Kuhn, os paradigmas podem ser entendidos como aquilo que uma dada comunidade científica partilha. Também pode ser visto numa visão platônica pois, segundo o autor, um paradigma ainda pode ser um modelo ou algo determinante do mundo concreto, das formas ou das ideias. Por outro lado, ―uma crise de paradigmas se caracterizaria como uma mudança conceitual ou mudança de visão de mundo, consequência de uma insatisfação com modelos anteriormente predominantes de explicação‖ (MARCONDES, 2010, p. 18-19).

Seguindo uma opinião semelhante, Santos (2002) destaca que uma questão central sobre uma transição paradigmática é que ela tem diferentes dimensões, mas duas dimensões merecem destaque: a primeira refere-se à transição epistemológica que ocorre entre o paradigma dominante da ciência moderna e o paradigma emergente (pós ciência moderna) para um conhecimento prudente que favoreça uma vida mais decente (conhecimentos renegados pela modernidade ocidental). O segundo momento da transição é societal e parte de uma crítica ao paradigma sociocultural da modernidade que surge entre os séculos XVI e os finais do século XVIII, bem antes do capitalismo industrial se consolidar hegemonicamente nos países europeus. A análise proposta por Santos é que embora o paradigma moderno tenha suas virtudes como princípio de emancipação, na sua essência suas propostas converteram-se em desequilíbrios associados à consolidação de diferentes dualismos e falsos universalismos (sexismo, classes, raça, etnocentrismo), que passaram a ser vistos como verdades objetivas e pouco mutáveis.

A transição societal atual trata de um novo conhecimento emancipatório oriundo das experiências marginalizadas e desacreditadas pela visão monoculturalista para um multiculturalismo emancipatório. Assim, tanto a emancipação quanto o reconhecimento são uma evocação multicultural de conhecimentos ocultados pelo colonialismo, a ciência ocidental, o dogmatismo e outras formas hegemônicas de exclusão. Ainda para Santos, a natureza desse resgate epistemológico diz respeito às tradições históricas e socioculturais de diferentes partes do mundo e a valorização da diversidade humana ocultadas pelas modernas tradições científicas, mas que agora apresentam-se de forma emergente, que ele define como epistemologias do sul (SANTOS, 2009).

Para Axel Honneth a luta por reconhecimento é uma questão central do nosso tempo, considerando que:

No novo contexto, o termo ―reconhecimento‖ refere-se àquele passo cognitivo que uma consciência já constituída ―idealmente‖ em totalidade efetua no momento em que ela ―se reconhece como a si mesma em uma outra totalidade, em uma outra consciência‖ ; e há de ocorrer um conflito ou uma luta nessa experiência do reconhecer-se-no-outro, porque só através da violação recíproca de suas pretensões

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subjetivas os indivíduos podem adquirir um saber sobre se o outro também se reconhece neles como uma ―totalidade‖: ―Mas eu não posso saber se minha totalidade, como de uma consciência singular na outra consciência, será esta totalidade sendo-para-si, se ela é reconhecida, respeitada, senão pela manifestação do agir do outro contra minha totalidade, e ao mesmo tempo o outro tem de manifestar-se a mim como uma totalidade, tanto quanto eu a ele‖ (HONNETH, 2003, p. 63).

Do ponto de vista de valorização da diversidade humana, a contemporaneidade tem representado uma época em que o reconhecimento e a afirmação da diversidade cultural tornaram-se fundamentais para a inclusão das minorias socioculturais nas sociedades vistas como democráticas (BOBBIO, 2004).

Nesse processo de reconhecimento foi preciso que questões relacionadas a igualdade, a diferença, a diversidade e a defesa da democratização das sociedades tomassem corpo como fundamentais para a exigência da cidadania e a efetivação dos direitos humanos, entendidos como fundamentais para o combate às desigualdades sociais e superação dos processos de exclusão. Associadas a essas questões, as resistências dessas minorias socioculturais também refletem uma reconfiguração dos processos de articulação que incluem diferentes formas de combate a opressão imposta pelo sistema capitalista. Assim, do combate à pobreza com consequência das desigualdades de classe, algumas temáticas se associam a esta última e a luta passa a requerer que uma desigualdade de ordem econômica seja vista também como reflexo de outras formas de opressão. Por exemplo, a pobreza pode ser também encarada como efeito do racismo e da discriminação étnico-racial, e do ponto de vista das mulheres as desigualdades podem ser associadas ao patriarcado que provoca desvantagens de gênero e a exclusão das pessoas com deficiência como questões sociais e não fruto de determinismos biológicos. Contudo, como nos afirma Fraser (2006), lutas por reconhecimento ocorrem num mundo de extrema desigualdade material na maioria dos países do mundo, e não é suficiente reconhecer minorias, mas avançar no sentido em que o remédio para a injustiça econômica deve passar por alguma reestruturação político-econômica dessas sociedades.

Além disso, os processos de lutas contemporâneas pelos direitos humanos, cidadania e inclusão, apresentam-se como a luta por uma identidade, que para Hall (2002) representa uma política de identidade, em que sujeitos de diferentes movimentos sociais tematizam questões políticas de acordo com suas questões culturais. Assim, o movimento feminista do ponto de vista das mulheres, a política sexual aos LGBTs, as lutas raciais aos negros, ambientalistas ao meio ambiente, se constituem como o nascimento histórico do que veio a ser conhecido como a política de identidade – uma identidade de acordo com o campo de luta de cada movimento (HALL, 2002). Uma outra característica do novo momento é a pressão junto ao Estado para a

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construção de políticas que tenham como centralidade reparação históricas de processos de exclusão, e ao mesmo tempo a efetivação de políticas afirmativas ou de inclusão que abarque o conjunto dessa diversidade, (desde pessoas com deficiência, grupos étnicos raciais, gênero e outros grupos sociais), que enxergam nos regimes democráticos uma possibilidade para a conquistas de direitos historicamente negados.

Ao se fazerem reconhecer como sujeitos capazes interlocução pública, a presença desses atores coletivos na cena política teve efeito de desestabilizar ou mesmo subverter hierarquias simbólicas que os fixavam em lugares subalternizados por entre uma trama densa de discriminações e exclusões, ao impor critérios igualitários de reconhecimento e princípios democráticos de legitimidade. Trazendo para o debate questões e temas silenciados ou considerados como não pertinentes para a liberação política, essas arenas públicas tiveram (e têm) o sentido de um alargamento do campo do político por via de uma noção ampliada e redefinida de direitos e cidadania, não restrita ao ordenamento institucional do Estado, mas como referência por onde se elabora a exigência ética de reciprocidade nas relações sociais, aí incluindo as dimensões as mais prosaicas e cotidianas da vida social por onde discriminações e exclusões se processam. (PAOLLI, TELLES, 2000, p. 106). Partindo dessa análise, tanto a questão do reconhecimento como a disputa da esfera pública por direitos, implica no nosso entendimento àquilo que para Mantoan representa mudanças que se institui como um novo paradigma do conhecimento, um conhecimento que para a autora surge a partir das interfaces e das novas conexões que se formam e são estabelecidas entre saberes que no passado foram isolados e ―divididos dos encontros da subjetividade humana com o cotidiano, o social, o cultural‖ (MANTOAN, 2003, p. 09). Embora esse cenário represente questões do presente é preciso que se destaque o processo histórico em que o ideário igualitário, democrático e o paradigma contemporâneo de inclusão foram se constituindo. Daí a importância de localizar essas questões no presente trabalho como reflexo histórico do projeto civilizatório moderno e no contexto das revoluções burguesas.

É inegável que a luta pelo reconhecimento da diferença foi se constituindo ao longo dos séculos, mesmo com as guerras pelo mundo, genocídios, escravismo, regimes totalitários como o fascismo e o nazismo, ainda assim chegamos no final século XX e início do XXI, que foram importantes séculos para a luta pelos direitos humanos e pela constituição da inclusão e a cidadania como fundamentais para o reconhecimento da diversidade como uma questão inerente ao ser humano. Desta forma, o direito à cidadania e a inclusão aparecem como um imperativo dos Estados Modernos ou como um paradigma das sociedades democráticas, que inevitavelmente não se dissocia dos direitos humanos, considerando que a temática dos direitos humanos favoreceu o aparecimento da inclusão como um imperativo contemporâneo

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que possibilitou o reconhecimento às diferenças socioculturais.

Partindo de tais aspectos, na atualidade, o debate da inclusão é visto como necessário, pois do ponto vista político e social, o paradigma da inclusão também é ―comprometido com uma educação para a cidadania, e consequentemente, com a promoção de valores humanos de busca por mudanças por uma sociedade menos segregadora e excludente‖ (RIBEIRO, 2016, p. 112). Desta forma, a questão da inclusão social de grupos minoritários na sociedade vem sendo bastante discutida nos dias atuais, e esse paradigma faz parte de importantes mudanças para incluir em todos os espaços sociais aquelas pessoas que se encontram marginalizadas (SALA, 2013). A constituição do paradigma da inclusão reflete que há toda uma articulação pela afirmação da diversidade cultural na perspectiva das minorias sociais, muitos articulados em movimentos sociais que buscam o desvelamento e ocultamento a que foram submetidos nas narrativas oficiais, trazendo consigo suas experiências, suas pedagogias, que se articulam exigindo afirmação política. Essa afirmação representa que estes sujeitos são possuidores de história, produtores de conhecimento e representam a resistência histórica ao padrão de poder dominante (ARROYO, 2012).

Para Sousa (2001) e Hall (2002), a emergência de ―novos‖ movimentos sociais, principalmente nos anos 70, passa a constituir um importante meio de reconfiguração da arena política e de tentativas de reformulação da ideia do que seja uma sociedade democrática e o direito à cidadania, e ampliando os debates sobre a própria concepção do que é ter direitos na contemporaneidade. Portanto, a luta por inclusão atrelada à questão do reconhecimento e aos direitos humanos também provocou rupturas na ideia de sujeito imposta pelo projeto de modernidade. Antes visto como o sujeito do iluminismo, centrado numa razão instrumental, no atual contexto de mudanças, outras configurações identitárias aparecem com pautas de lutas bem diversificadas, a exemplo, pode-se citar que um sujeito pode associar-se a diferentes lutas, como por exemplo, as mulheres que podem adotar pautas feministas junto com a questão racial (HALL, 2002). Na perspectiva de Fraser (2006) tanto a questão de gênero como a racial são temas bivalentes, ou seja, representam ao mesmo tempo a luta política por redistribuição e reconhecimento:

Gênero e ―raça‖ são, em suma, modos dilemáticos de coletividade. Diferentemente da classe, que ocupa uma das extremidades do espectro conceitual, e da sexualidade, que ocupa a outra, gênero e ―raça‖ são bivalentes, implicados ao mesmo tempo na política de redistribuição e na política do reconhecimento. Ambos, consequentemente, enfrentam o dilema da redistribuição-reconhecimento. As feministas devem buscar remédios que dissolvam a diferenciação de gênero, enquanto buscam também remédios culturais que valorizem a especificidade de uma coletividade desprezada. Os antirracistas, da mesma maneira, devem buscar

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remédios econômico-políticos que dissolvam a diferenciação ―racial‖, enquanto buscam também remédios culturais que valorizem a especificidade de coletividades desprezadas (FRASER, 2006, p. 236).

Pode-se dizer que as políticas de identidades e de reconhecimento tornaram-se elementos fundamentais para o fortalecimento da inclusão e valorização da diferença, e se constituem no nosso entendimento como fundamentais para fortalecimento das próprias democracias, ou seja, a ideia de reconhecimento ―não apenas é indissociável das sociedades democráticas como também que a luta por reconhecimento é um dos elementos fundamentais para a consolidação e para a ampliação da democracia‖ ( NEVES, 2009, p. 118).

Para Candau (2008) as questões que se relacionam à justiça, a redistribuição, a superação das desigualdades, a democratização de oportunidades e o reconhecimento de diferentes grupos culturais, se fazem cada vez mais de forma ampla. Assim, a questão dos direitos humanos, muitas vezes vistos como direitos estritamente individuais e fundamentalmente de ordem civil e política, ampliou-se e passou a afirmar a importância dos direitos coletivos, culturais e também ambientais. Além disso, a autora afirma que foi na matriz da modernidade que a questão da igualdade ganhou mais ênfase, e passou a constituir um importante meio para entender os processos de luta ocorridos pela efetivação dos direitos humanos e a ampliação do tema da diferença. ―No entanto, parece que hoje o centro de interesse se deslocou. Quando digo que houve um deslocamento, não estou querendo dizer que se nega a igualdade, mas que se coloca muito mais em evidência o tema da diferença‖. (CANDAU, 2008, p.46). Mas, para isso, o fortalecimento das democracias foi fundamental para se pensar na inclusão como uma questão fundamental dos nossos tempos e como parte das rupturas e mudanças sociais ocorridas durante a história. Neste contexto de importância da democracia, inicialmente é preciso entender que a esfera pública, o Estado Moderno de Direito e a participação da sociedade civil são elementos fundamentais para inclusão, e no caso da esfera pública, ela se constitui essencial num regime democrático e de Estado de Direitos, portanto, ―essenciais para a atuação da sociedade civil, que encontra na esfera pública o espaço para onde serão direcionadas as pressões e formas de reivindicações da sociedade‖ (MOREIRA, 2007, p. 43). Portanto, para que direitos legitimados sejam garantidos, e direitos ainda não conquistados possam entrar na agenda política do Estado, tais elementos são fundamentais para efetivação da inclusão.

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A modernidade como um processo histórico relaciona-se, segundo Hall (2002, p. 25), com ―o nascimento do ―indivíduo soberano‖ entre o Humanismo Renascentista do século XVI e o Iluminismo do século XVIII, e representou uma ruptura importante com o passado. Desta transição é possível afirmar que os antigos postulados da modernidade se constituíram como uma interlocução e o precedente mais direito da contemporaneidade, conferindo a sua ―coesão‖ e estrutura até os tempos atuais (CAMBI, 1999). Portanto, a modernidade como um projeto ocidental se constituiu como um movimento complexo, inclusivo e ao mesmo tempo homogeneizador e provocador de novas exclusões ou, como nos diz Santos (2002), o paradigma moderno é um projeto de caráter ambicioso e ao mesmo tempo revolucionário, mas com diversas contradições internas. Embora tenha possibilitado um vasto campo de inovação social e cultural, e uma de suas principais características tenha sido o ideal de emancipação e o imperativo de garantir ―igualdade para todos‖, nesse mesmo paradigma, o tema dos direitos humanos dado o seu caráter universalista e ocidental, tornou-se distinguível de outras concepções de dignidade humana de outras culturas pelo mundo, como as concepções oriundas daqueles locais inventados por esse paradigma: o Oriente, a África e a América e outros locais entendidos como fora da eixo central moderno.

Junto com o universalismo, que é parte de sua matriz fundante associado ao eurocentrismo, o paradigma moderno envolve também a expansão do capitalismo e a efetivação da hegemonia burguesa no mundo. Nesse cenário, como nos afirma Marx (2005), a sociedade burguesa moderna que despedaçou sem nenhuma piedade todos os complexos e variados laços que prendiam a humanidade ao mundo feudal a seus "superiores naturais", essa mesma sociedade, que brotou do declínio da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe, mas apenas os substituiu por novas classes e novas condições de opressão. Segundo Marx, essa sociedade exigiu que esse sujeito moderno fosse visto como um produto bem estruturado dentro do modo de produção capitalista. Esse sujeito, portanto, instituído como uma mercadoria passou a ser um ser social totalmente alienado de sua existência e também desumanizado. Desta forma, a modernidade é um projeto intimamente relacionado com a formação do capitalismo como um sistema social e histórico, como um sistema que inaugurou a era das sociedades cuja reprodução dinâmica geram qualitativamente novas necessidades, que afetam constantemente e modifica o ser social. Essa particularidade a respeito dessas transformações tanto em relação ao papel do sujeito na nova sociedade e a centralidade do trabalho são descritas por Saviani da seguinte maneira:

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que ser substituída por uma sociedade igualitária. É nesse sentido, então, que a burguesia vai reformar a sociedade, substituindo uma sociedade com base num suposto direito natural por uma sociedade contratual. Vejam então como é que se tece todo o raciocínio. Os homens são essencialmente livres; essa liberdade se funda na igualdade natural, ou melhor, essencial dos homens, e se eles são livres, então podem dispor de sua liberdade, e na relação com os outros homens, mediante contrato, fazer ou não concessões. É sobre essa base da sociedade contratual que as relações de produção vão se alterar: do trabalhador servo, vinculado à terra, para o trabalhador não mais vinculado à terra, mas livre para vender a sua força de trabalho e ele a vende mediante contrato. (SAVIANI, 1999, p. 51).

Portanto, a nova perspectiva da sociedade moderna burguesa é uma redefinição das relações em todos os âmbitos e o trabalho, como já afirmamos, foi central nessa nova configuração social, contudo, como destaca Saviani (1999), embora a sociedade igualitária que havia superado a antiga sociedade de senhores e servos tenha sido uma sociedade cuja ideia de igualdade é abstrata e formal, considerando que essa liberdade se restringiu a liberdade de propriedade como um direito, a venda da mão de obra do trabalhador. Saviani ainda afirma que é sobre essas bases da igualdade burguesa que se estrutura a pedagogia da essência (SUCHODOLSKI, 2002). Desse modo, se estruturaram os ideais burgueses e sua pedagogia que iriam moldar ou estruturar os sistemas nacionais de ensino, e ao mesmo tempo defender a escolarização para todos, ou seja, segundo Saviani, é por meio da defesa da escolarização que se teria a condição de converter os servos em cidadãos e disso resultaria a condição para a que os novos cidadãos participassem do processo político. Por meio dessa participação, ―eles consolidariam a ordem democrática, democracia burguesa, é óbvio, mas o papel político da escola estava aí muito claro. A escola era proposta como condição para a consolidação da ordem democrática‖ (SAVIANI, 1999, p. 51-52).

Para Cambi (1999) nesse novo paradigma há uma nova estética humana, e com Maquiavel a política e a história ganha uma visão mais racional, com tudo isso, uma maior valorização do mundano e do humano. Nesse complexo de rupturas, ainda para o autor, exigiu-se também que o indivíduo se submetesse a uma remodelação histórica e estética, em que através do ideal de ―cortesão‖ e das regras de sociabilidade se estabelecessem novas formas de socialização entre os sujeitos na sociedade. Além do seu caráter complexo, racionalizador, de busca da laicidade e emancipador, a modernidade também pode ser vista como um percurso que marca o nascimento e desenvolvimento de um novo sistema de organização do social ―que tem como eixo o indivíduo, mas que o alicia por meio de fortes condicionamentos por parte da coletividade, dando vida ao mundo moderno em cujo centro estão a eficiência no trabalho e no controle social‖ (CAMBI, 1999, p. 39).

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burguesa pode ser considerada uma sociedade puramente social, em que pela primeira vez o capital domina os seres humanos como se fossem uma incontrolável força da natureza, e a vida das pessoas passa a ser determinada pelas relações sociais das quais elas participam ao longo de suas vidas, e não por condições com as quais elas estejam munidas desde seu nascimento (DUARTE, 2013). ―Esse período não apenas envolve uma implacável ruptura com todas e quaisquer condições históricas precedentes, mas também é caracterizada por um interminável processo de rupturas e fragmentações internas inerentes‖ (HARVEY, 2001, p. 22). Para confirmar o que nos afirma Harvey, segundo Cambi (1999), essas fragmentações podem ser entendidas como um complexo atravessado por uma profunda ambiguidade que:

(...) deixa-se guiar pela ideia de liberdade, mas efetua também uma exata constante ação de governo; pretende libertar o homem, a sociedade a cultura de vínculos, ordens e limites, fazendo viver de maneira completa esta liberdade, mas, ao mesmo tempo, tende a moldar profundamente o indivíduo segundo modelos sociais de comportamento, tornando-o produtivo e integrado. Trata-se de uma antinomia, de uma oposição fundamental que marca a história da Modernidade, faz dela um processo dramático e inconcluso, dilacerado e dinâmico em seu próprio interior, e, portanto, problemático e aberto. (CAMBI, 1999, p. 1999-2000).

Assim, a modernidade é um projeto de continuidades e descontinuidades, em face de estruturação política, filosófica, das reflexões dos pensadores iluministas e seus esforços para desenvolver a razão científica, da busca pelo domínio científico da natureza, da sociologia de Weber, Comte, Durkheim e de Marx, este último voltado para os debates que colocam a história como categoria fundante das relações humanas no plano da materialidade, destacando a classe trabalhadora como classe revolucionária e como agente de sua própria libertação e de emancipação, ainda que na sociedade capitalista seja a classe dominada. Marx enxerga essa mesma classe como a única capaz de alimentar a esperança de substituir o domínio e a repressão da sociedade burguesa para um reino de liberdade social (HARVEY, 2001).

Segundo Giddens (1991, p. 05) a modernidade também se ―refere a um estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência‖. Portanto, o projeto da modernidade é uma época histórica com características orgânicas e complexas, delineando-se como um importante momento de reorganização do poder e dos saberes, e configurando-se como uma ruptura não apenas com a Idade Média, mas representando transformações radicais e mudanças significativas em todos os campos, da economia, passando pela política, da cultura a mentalidade social e cultural, pelo estilo de vida (MARX, 2005; GIDDENS, 1991).

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A modernidade, dado o seu aspecto organizativo contraditório e complexo de novas sociabilidades humanas foi bem delineada por Santos (2002) como um projeto civilizatório ocidental cujos paradigmas são ambiciosos e revolucionários, mas com diversas contradições internas, que abre caminhos à inovação social e cultural; e traz consigo o ideal de emancipação e o imperativo de garantir ―igualdade para todos‖ fundamentado em dois pilares: o da regulação e o da emancipação. Esses pilares são as bases em que se sustentam as hegemonias que a moldam e estruturam o que veio a ser chamado de mundo moderno-ocidental.

Para Santos (2002), o pilar da regulação como o da emancipação se assentam sobre três princípios ou lógicas que os definirem como próprios da modernidade. Sendo assim, existe o pilar da regulação que é formado pelo princípio do Estado formulado por Hobbes, que estabelece a obrigação política e vertical entre cidadão e Estado pelo princípio do mercado desenvolvido por Locke e Adam Smith, representando a obrigação política horizontal, individualista e antagônica entre parceiros de mercado. No mesmo pilar estaria o princípio da comunidade, que fundamenta a teoria social e política de Rousseau, que consiste na obrigação solidária entre membros da comunidade e associações. O pilar da emancipação é apresentado como três racionalidades sistematizadas por Weber, assim descritos: a racionalidade estética –expressiva das artes e da literatura, a racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da tecnologia e a racionalidade moral-prática da ética e do direito (SANTOS, 2002).

Seria neste contexto de emancipação e contradição, ―que buscamos na modernidade ferramentas que possibilitem conhecer e problematizar as tramas discursivas que inventaram a inclusão como uma necessidade primordial do nosso tempo‖ (FABRIS; LOPES, 2013, p. 8). Desse modo, acreditamos como importante trazer para o debate a questão da cidadania, do Estado moderno e dos direitos humanos no paradigma moderno como fundamentais para efetivar os debates contemporâneos sobre inclusão.

1.3 A Cidadania e os Direitos humanos no paradigma moderno

A estreita relação entre a inclusão e o paradigma da modernidade requer trazer para a cena quatro importantes referenciais do projeto moderno: a cidadania, o imperativo dos direitos humanos modernos, a democracia e o Estado Nação, que respectivamente vinculam-se às questões de igualdade e a promoção da dignidade humana.

Imagem

Gráfico 1 - População de 25 ou mais anos de idade por nível educacional máximo atingido, de  acordo com deficiência no Uruguai
Gráfico 2 - Recorte racial sobre deficiências no Brasil

Referências

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