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Wines of Brazil: from the past to the future

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Academic year: 2021

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“40

th

OIV Congress, Bulgaria 2017”

Wines of Brazil: from the past to the future

Marieta Ferreira1 and Valdiney Ferreira2

1

PhD UFF, Executive Director of the FGV Publishing and full professor at UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil.

2

Executive Director of Vinisa Projetos and visiting professor of the FGV Management Program Rio de Janeiro, Brasil.

Abstract: How was the wine industry born in Brazil? What were the most striking facts of the 20th century? What was the nature of the relationship between the wine cooperatives and the wine industry? What were the impacts on the Brazilian market of the entry and exit of multinationals companies? What are the strategies of the Brazilian wines companies that were established essentially aftter he departure of the multinationals, when it was necessary to face the high cost of the Brazilian production and the strong competition of the imported wines? This research aims to present a panorama of the development of the wine industry in Brazil through the testimony of descendants of Italian immigrants who settled in the Serra Gaucha at the end of the 19th century to devote themselves to

vitiviniculture. To this end, we used the methodology of oral history, which involved, in the first place, a consistent and extensive research on the subject to be treated. To this end, we carried out historical and documentary interviews which made it possible to construct a representative panel and gave rise to an excellent tool for reflection.

Introdução

Nas últimas décadas do Sec. XIX uma forte corrente migratória deixou o norte da Itália com destino ao Brasil. Em sua maioria seus integrantes se fixaram em São Paulo, porém a partir de 1875 até 1894 um grande número seguiu para fazer a colonização da Serra Gaúcha no Rio Grande do Sul onde se fixaram mais de 60.000 italianos. Foram assentados em lotes coloniais comprados onde para sobreviver praticavam uma agricultura de subsistência com gêneros de primeira necessidade como milho, batata, feijão, e criavam animais domésticos como cabras, porcos, vacas e mulas entre outros.

A partir de 1879 eles já estavam elaborando os primeiro vinhos da colônia italiana. Essa atividade logo passou a ser aquela em que os colonos colocavam seus maiores esforços porque gerava os melhores resultados. A possibilidade da prática da vitivinicultura foi um fator importante e decisivo para fixar o imigrante italiano na Serra Gaúcha.

Registros de 1886 informam que alguns imigrantes estabelecidos no Campo dos Bugres (Caxias do Sul) importaram e plantaram variedades viníferas européias como Barbera, Trebbiano, Traminer,

Vernaccia, iniciando um movimento que iria contribuir

fortemente para a evolução da nascente vitivinicultura brasileira.

Entre as colônias estabelecidas merecem destaque Conde d’Eu (Garibaldi), Dona axias do Sul), por sua importância decisiva no processo de desenvolvimento da atividade da vitivinicultura naquela

que se transforIsabel (Bento Gonçalves) e Campo dos Bugres (Cmaria na maior região vinícola brasileira.

As primeiras vinícolas brasileiras, as cooperativas e as grandes crises do setor

A produção de uvas se expandiu gerando excedentes que viabilizam as trocas comerciais entre vizinhos e com os comerciantes. Contudo, algumas famílias desde o início do século XX reuniram

condições para exercer comercialmente as atividades da vitivinicultura. Alguns exemplos são Carlos Dreher Filho & Cia (1908), Paulo Salton & Irmãos (1910), Armando Peterlongo (1913).

Em paralelo ocorreu a primeira tentativa de criação do movimento cooperativista entre 1911 e 1913 quando sob a liderança de Stefano Paternó foram criadas e desapareceram várias cooperativas. Esse movimento retornaria em 1929 no auge de uma das grandes crises do setor vinícola que aconteceram em 1928, 1935, e1958.

As causas apontadas para essas grandes crises foram as grandes safras que num ambiente de falta total de controle da produção associado a um baixo consumo no mercado interno, geraram fortes oscilações no preço pago pelas uvas, formação de estoques elevados de vinhos, e queda acentuada nos seus preços. Para agravar particularmente nas crises de 1935 e 1958, surgiram novos centros de produção no estado.

Foi na crise de 1928 que os produtores de vinhos com o apoio governamental criaram o Sindicato Vitivinicola do Rio Grande do Sul para organizar o setor, e em 1929 o seu braço comercial, a Sociedade

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Vinícola Riograndense, que tinha entre seus sócios fundadores 49 dos maiores produtores de vinho da região. Sua atuação provocou inúmeros atritos com os produtores de uva, que entre os anos 1929 e 1936 numa ação defensiva retornaram com o movimento

cooperativista. Nesse período foram criadas mais de 50 cooperativas entre elas a Aurora, Aliança e a Garibaldi. Na década de 1940a Vinícola Rio Grandense inovou com a implantação estratégica de engarrafadoras fora do Rio Grande criando unidades na Bahia, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo, além de Porto do Rio Grande (RS). No seu auge chegou a ter 25% da produção vinícola do estado e foi peça-chave para melhorar a comercialização dos vinhos brasileiros. Sua política de regulagem de estoques para evitar desabastecimento ou excesso de oferta ao mercado foi importante para evitar oscilações desastrosas de preços.

Enfraquecida e pressionada pela grave crise econômica dos anos 1990,a Sociedade Vinícola Riograndense fechou suas unidades industriais pelo

Brasil e diversificou sua atividade buscando

oportunidades de negócios em outros setores. Parte do grande patrimônio vitivinícola da Granja União que fora criada em 1931 foi loteado pela proximidade com o perímetro urbano de Flores da Cunha.

Em 1997 ocorreu o já inevitável desmonte da Sociedade Vinícola Riograndense com o encerramento da pessoa jurídica e a venda da sua razão social. As marcas de sua propriedade como os rótulos Granja União

foram vendidas para a Vinícola Cordelier.1

A chegada das multinacionais e seu impacto na vitivinicultura brasileira

Foram nos anos de 1973 e 1974 que ocorreu efetivamente a entrada no Brasil das multinacionais Martini & Rossi/De Lantier, Heublein, Provifin/Moët& Chandon, Seagram’s do Brasil/Maison Forestier, National Distillers/Almadén.

A entrada dessas grandes empresas no mercado nacional melhorou consideravelmente a qualidade dos

vinhos brasileiros. Com sua força econômica

impulsionaram o desenvolvimento vitivinícola no país com políticas importantes na viticultura, com a introdução de novos equipamentos e tecnologias na vinicultura, e com estratégias inovadoras de atuação no mercado, tais como: preços diferenciados e bonificações

11

Ferreira, Valdiney e Ferreira, Marieta. Vinhos do

Brasil; do passado para o futuro. Rio de Janeiro, FGV Editora, (2016).

para os viticultores que produzissem uvas de qualidade diferenciada; incentivos à reconversão dos vinhedos do sistema de condução de latada ou pérgola, para

espaldeira; plantio de castas europeias finas que

permitiram melhorar a qualidade dos vinhos; introdução de tecnologias avançadas que viabilizaram a produção de vinhos brancos superiores; campanhas de marketing agressivas para a ampliação do mercado consumidor.

A atuação dessas empresas provocou uma reação forte entre os produtores brasileiros, que não tiveram alternativas a não ser evoluir na qualidade dos seus produtos. Foram feitos investimentos tecnológicos nas instalações industriais, na viticultura, e na formação em enologia dos membros das famílias. O enólogo prático começou a ser substituído pelo enólogo com formação técnica e científica.

Ao longo das décadas de 1970 e 1980, no rastro do sucesso das multinacionais, surgiram muitas vinícolas novas produzindo vinhos finos: Jota Pe/Perini (1972), Luiz Valduga fornecendo vinhos para a Dreher (1973), Monte Lemos/Dal Pizzol (1974), Wizard/Monte Reale (1975), Courmayer (1976), Provino (1978), Cave de Amadeu/VinicolaGeisse (1979), Don Giovanni (1982), Boscato (1983), Adegas Domecq/AlliedDomecq (1985), Casa Valduga (1985), Giacomin (1985), Dom Cândido (1986), Cavalleri (1987), Cordelier (1987). Algumas vinícolas mais antigas como a Salton (1910), a Marco Luigi (1946) e Cave Marson (1970) também passaram a produzir vinhos finos.

Um destaque entre elas é a Casa Valduga, atualmente umas das empresas integrantes do grupo Famiglia Valduga Co. Fundada em 1985, na década de 1990 a vinícola migrou efetiva e definitivamente para o segmento de vinhos finos, numa evolução que a colocou entre as líderes do mercado brasileiro. Em 1992 ampliou suas atividades visando ao enoturismo com a implementação de restaurantes e pousadas. Foi a primeira a construir no Brasil um complexo enoturístico.

A abertura do mercado brasileiro na década de 1990 aos vinhos importados provocou de imediato uma melhoria na qualidade dos produtos oferecidos, mas ao mesmo tempo trouxe dificuldades para a permanência das multinacionais. Como consequência todas deixaram o Brasil, ou deixaram de atuar no mercado de vinhos finos. Sua saída provocou grave crise na viticultura brasileira, ao deixar sem compradores grandes

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produtores de uvas da Serra Gaúcha. A única multinacional que permaneceu foi a Moet&Chandon.

Outra consequência foi o surgimento de vinícolas de pequeno e de médio porte com propostas de

produzir vinhos finos para competir com os importados.2

Vários de seus proprietários eram pequenos e médios viticultores que tradicionalmente vendiam uvas para as grandes vinícolas. Para melhorar a qualidade de seus vinhos, eles elevaram o grau de instrução dos seus filhos, enviando-os para estudar enologia no Brasil e no exterior. A estratégia principal foi construir pequenas vinícolas, lojas varejistas e instalações hoteleiras para atrair o turismo rural, dando início ao já sofisticado enoturismo da Serra Gaúcha.

O grande destaque do grupo é a Vinícola Miolo, que no período entre 1990 e 1998 deixou de ser uma pequena vinícola para fazer parte do grupo dos maiores produtores de vinhos em geral, e se transformou no maior produtor de vinhos finos do Brasil. No período entre 1979 e a criação da vinícola em 1990, a família Miolo já era reconhecida pelas grandes vinícolas estabelecidas no mercado, como Salton, Dreher, Martini & Rossi, Maison Forestier, para as quais vendia as uvas que produzia. As dificuldades na comercialização das uvas em 1989 fez com que os Miolo partissem para a elaboração de seus próprios vinhos.

Em busca da modernidade

As vinícolas brasileiras tradicionais e os produtores de uvas que resistiram ao furacão das multinacionais e aos investidores, não tiveram outra

2

Podemos citar: Vinicola Miolo (1990/2006), Vinícola Don Laurindo (1991), Cantina Strapazzon (1992), Vinícola Monte Rosário (1993), Famiglia Tasca (1994), Vinícola Salvati& Sirena (1994), Vallontano Vinhos Nobres (1995), Terrasul (1996), Adega Esplendor (1997- desativada), Lovara Vinhas e Vinhos (1967/1997), Vinícola Valmarino (1997), Velha Cantina (1997), Cave de Pedra (1997), Lídio Carraro (1998), Vinicola Pizzato (1998), Luís Argenta Vinhos Finos (1999), Vilmar Bettú (final 1990s), Vinícola Salvador (1998), Cristófoli Vinhedos e Vinhos Finos (1998), Máximo Boschi (1998), Angheben Adega de Vinhos (1999), Cordilheira de Santana (1999), Vinho Laurentis (2000).

3

A partir do ano 2000 foram criadas mais de 100 (cem) vinícolas produtoras de vinhos finos. Destas, apenas 4 (quatro) encerraram suas operações. Segue a relação de algumas destas novas vinícolas.2000: Cordilheira de Sant’Ana, Don Bonifácio, Don Guerino, Ouro Verde,

alternativa senão ir à luta. Deram início, assim, a investimentos na viticultura, na formação em enologia dos membros da família que deixaram de ser práticos e curiosos para se transformarem em profissionais com bases científicas, e, também na sua organização e gestão. Em 1995, numa iniciativa dos produtores de vinho, o Brasil aderiu como país-membro à Organização Internacional da Uva e do Vinho (OIV).

No final de 1997 foi criado em Bento Gonçalves o Instituto Brasileiro do Vinho (IBRAVIN) que representa cerca de 13.000 famílias de viticultores, e mais de 600 unidades de vinificação só no estado do Rio Grande do Sul. Estes entes estão organizados como produtores de uva, produtores de vinho e cooperativas. O papel fundamental do Instituto é unificar e manter coeso o setor vitivinícola, garantindo a participação igualitária, em suas decisões, dos produtores de uva, dos produtores de vinho e das cooperativas.

Em 1999 a Escola Agrotécnica Federal Presidente JK (fundada em 1959 como Escola de Viticultura e Enologia, nome alterado em 1964 para Colégio de Viticultura e Enologia – CVE), que oferecia curso técnico de enologia, passou a oferecer também curso superior. Em 2002 a escola trocou novamente o nome para Centro Federal de Educação Tecnológia (CEFET). Nessa escola é que se formaram a quase totalidade dos enólogos brasileiros em atividade. Atribui-se também à entrada desAtribui-ses enólogos no mercado o aumento do número de pequenas e médias empresas vinícolas.3

Quinta Ribeiro de Mattos (desativada), Vinhedos Hood, Villagio Grando; 2001: Décima X, Hermann, Larentis, Terragnolo, Villa Francioni (SC); 2002: Campos de Cima, Cave Ouvidor (desativada), Don Miguel, Don Pedrito, Dunamis, Routhier&Darricarrère, Sanjo, Sozo, Terras Altas; 2003:Copetti&Czarnobay, Don Guerino, Pericó, Peruzzo, Santa Augusta, Villa Bari, ViniBrasil; 2004: Adolfo Lona, Antonio Dias, Coopernatural, Dezem, Ducos (SF), Monte Azurro, Quinta Santa Maria, Santo Emilio; 2005: Abreu Garcia, Aracuri, Bella Quinta, Don Abel, Estrada Real, Estrelas do Brasil, Generoso (desativada), Pirineus,

VillagioBassetti; 2006:Almaúnica; 2007: Batalha, Era dos Ventos, Kranz; 2008: Arte da Vinha,

BellavistaEstate, Élephant Rouge, Quinta da Figueira, Ravanello, Vicari, Villagio Conti, Wine Park; 2009:Camponogara, Guatambu; 2011: Leone di Venezia, Villa Cristina; 2014: Negro Ponte Vigna, Vinha Unna; 2015: Casa Ágora.

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Nos anos seguintes um número expressivo das vinícolas recém criadas ou que já existiam e passaram

por processos de modernização, ampliaram

enormemente suas atividades contemplando desde ações de investimento visando intensificar o uso de tecnologia, até programas de desenvolvimento do enoturismo no intuito de trazer um novo público consumidor que associasse vinhos com a história e a cultura. Alguns elementos centrais se consolidaram como diretrizes a serem seguidas, e o foco na qualidade dos vinhos passou a ser uma obsessão para as novas gerações que ocuparam as posições de comando nos novos negócios das famílias. Essas importantes transformações podem ser

percebidas através dos depoimentos coletados4 de

diferentes gerações dos proprietários das empresas e suas famílias. Em seus relatos fica evidenciado como articulam passado, presente e futuro e como as memórias familiares são ferramentas para a construção de novas identidades. Nesse movimento de valorização das

memórias, elementos como família, disciplina,

educação, trabalho, profissionalização, são selecionados

como referências para integrar e orientar a construção de projetos futuros e a formatação dos negócios familiares.

Um passado distante

Nas entrevistas realizadas com gerações mais velhas e novas procuramos identificar que elementos eram fundamentais na recuperação do passado. No relato de Juarez Valduga, presidente do Grupo Famiglia Valduga Co. sobre sua passagem pelo seminário onde estudava para ser padre, podemos observar como são importantes os valores da disciplina e família:

“O que me fazia comportar assim, eu acredito, foi o fato da minha base, que é a família, ser de simplicidade, modéstia, e trabalho. Foi isso que me orientou para o seminário. No seminário tinha muita disciplina, mas eu já era disciplinado na família. E sou assim até hoje.”

Em outra parte de seu depoimento Juarez Valduga evidencia como a noção da família, retratada nas figuras de seus pais, teve influência poderosa no seu comportamento de homem, pai e empresário:

“Eu diria que meus pais influenciaram no meu comportamento. Eles não falavam muito. Faziam. Essa

.4

Este trabalho contou com uma fonte de pesquisa fundamental que foi o projeto de História Oral do Vinho Gaúcho, cujo objetivo foi produzir um banco de entrevistas sobre as origens e a trajetória de famílias descendentes de imigrantes italianos que se

estabeleceram na Serra Gaúcha. Essa fonte da dados oferece um extraordinário instrumento de reflexão. O

atitude deles provavelmente é a coisa mais forte que eu tive. Meu pai não precisava dizer que tinha que trabalhar. Ele trabalhava. Ele não dizia que tinha que ser honesto. Ele era extremamente honesto. Ele não foi um homem culto. Para mim ele era mais sábio do que culto.”

Alexandre Miolo diretor comercial do Miolo Wine Group que é de uma geração mais nova, ao relatar seu cotidiano na colônia evidencia como eram importantes os valores da educação e do trabalho:

“Todos da família trabalhavam direto na colônia desde pequenos. Nós morávamos próximo de onde é hoje a vinícola, na Linha Leopoldina. Quinhentos metros para baixo, naquela estradinha. Ainda tem as casas lá. Meu pai e meus tios moram atualmente na cidade de Bento e vão lá eventualmente. Mas era lá que todos moravam. Nós estudávamos ali de manhã, ou de tarde, dependendo da série. Se estudássemos de manhã, à tarde trabalhávamos na colônia; se estudássemos de tarde, trabalhávamos de manhã. Depois fui estudar em Bento e mais tarde fui para Caxias. O trabalho era de roça mesmo. No vinhedo fazíamos a poda, a colheita, os tratamentos fitossanitários. No mais, plantava-se milho, cana, e produzia-se todo o necessário para nossa subsistência. E o principal negócio era a uva, que era onde se ganhava dinheiro. Nós trabalhávamos, estudávamos, e para a realidade da época vivíamos bem.”

Como podemos ver,os depoimentos, mesmo tratando-se de depoentes de gerações diferentes, apresentam elementos comuns,em meio aos quais a valorização do trabalho, da disciplina, da família, e da determinação constituem elementos importantes.

Os desafios do presente

Outro ponto importante que os depoimentos selecionados nos evidenciaram foram as visões do presente,em que sobressaíram elementos como trabalho,

inovação, planejamento, profissionalização,e a busca

obsessiva da qualidade na produção vitivinícola. Adriano Miolo, diretor executivo do Miolo Wine Group, em diferentes momentos de sua entrevista realça a importância desses valores na empresa familiar tradicional que se tornou uma das maiores da indústria

projeto desenvolvido em 2015 e 2016, conta com 32 depoimentos relacionados a 17 empresas, e cerca de 40 horas de gravação. Esse material está publicado na obra, Ferreira, Valdiney e Ferreira, Marieta. Vinhos do

Brasil- do passado para o futuro. Rio de Janeiro, FGV

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vinícola brasileira; aqui ele relata a motivação para estudar enologia como forma de evoluir na sua atividade:

“O que me levou a estudar enologia foi o óbvio – vivi a vida inteira nos vinhedos com meu pai. Eu imaginava que avançar queria dizer estudar para conhecer mais, mas sempre na viticultura.”

Ao falar da sua experiência nos contatos com as empresas multinacionais que vieram para o Brasil na década de 1970, fica evidente sua fixação na educação e na profissionalização:

“Aquele meu tempo de quase quatro anos na Martini & Rossi foi a minha base de viticultura e de enologia. Aprendi muito. Para um jovem recém-formado, chegar numa empresa top foi realmente muito importante. Fez toda a minha formação básica. Mas como eu queria entender mais, crescer, decidi estudar em Mendoza, porque na época não tínhamos escola superior de enologia no Brasil, só o curso da Escola Agrotécnica. O curso superior mais próximo era Mendoza. Então fui para lá no finalzinho de 1988 e fiquei até 1995. Foi bastante tempo, e, claro, completei a minha formação.”

Eduardo Valduga, diretor da Casa Valduga, onde divide o timão com seu pai Juarez, é de uma geração posterior à de Adriano Miolo e seguiu trajetória semelhante na sua educação e profissionalização, indo para Mendoza concluir os estudos antes de assumir sua função atual no Grupo FamigliaValduga Co:

“Eu fui para Novo Hamburgo na Fevale, Faculdade do Vale, mas não gostei. Então resolvi apostar na tradição familiar e fui fazer o curso de enologia. Quando deixei os outros sonhos, agarrei com unhas e dentes o sonho da enologia. Despertou um interesse grande, um prazer enorme estudar enologia. E por influência de outros profissionais brasileiros que já estavam indo para Mendoza – tinha quatro brasileiros de outras empresas se destacando no mercado do vinho–, surgiu a idéia de aproveitar também essa oportunidade.”

A obsessão pelo valor qualidade é constante na narrativa e na prática dessas empresas. Há muito já tinham percebido que sem investimentos na qualidade não iriam muito longe. Vejamos o que relata Adriano Miolo sobre o projeto de qualidade e o uso de novas tecnologias ainda na pioneira Vinícola Miolo, anos antes da criação do Miolo Wine Group:

“A partir de 1998 começamos a investir num projeto de

qualidade, iniciando pelos vinhedos. Já sabíamos que com os vinhedos em “latada” não conseguiríamos alcançar aquela qualidade pretendida. Então, começou

a reconversão dos vinhedos de “latada” para “espaldeira” e também a importação de mudas. Iniciamos a construção da nova vinícola, porque desde 1989 só tínhamos uma vinícola pequena. Introduzimos tecnologias novas, como osmose reversa e concentração a vácuo.”

Seu irmão Alexandre Miolo também fala dos investimentos feitos em novas tecnologias na execução do Projeto de Qualidade, como um importante e necessário passo para melhorar a qualidade dos produtos, particularmente na produção dos vinhos brancos:

“Investimos em muitos equipamentos de aço inox, como prensas pneumáticas, desengaçadeiras, tanques com cinta e com controle automático de temperatura. Compramos os equipamentos mais modernos daquela época. Quando fizemos o primeiro sauvignon blanc, o controle de temperatura do tanque de fermentação era feito com uma mangueirinha e a água bem fria de um poço artesiano. Você consegue imaginar isso? Ainda bem que era um tanque só de três mil litros. Era o possível naquele momento. Resumindo, eu diria que o Projeto Qualidade consistiu fundamentalmente numa mudança radical na viticultura para melhorar a qualidade das uvas, e na utilização de equipamentos modernos na planta industrial.”

O relato se repete na fala de Juarez Valduga quando comenta o posicionamento radical de sua empresa em relação à elaboração de vinhos tintos tranquilos nas safras mais difíceis tão comuns na Serra Gaúcha:

“Não faço o vinho. Mesmo se for um produto de grande

sucesso de vendas, com o qual eu ganharia dinheiro, mas perderia prestígio, eu prefiro não fazer. Porque lá na frente o consumidor exigente de hoje irá me penalizar. Alguns produtos meus que inclusive pedem para voltar eu prefiro não fazer.”

Também no depoimento de Jones Valduga, da Domno do Brasil, verificamos que os temas como profissionalização e qualidade já estavam presentes na geração de seu pai. Aqui são citados por ele, que está sendo preparado para assumir o bastão, como motivo de orgulho:

“A vontade de evoluir no negócio e começar a fazer um

vinho de garrafa com qualidade e com técnicas modernas sempre esteve presente. O pai estudou e decidiram usar o conhecimento dele para crescer. A Casa Valduga foi a primeira empresa do Vale dos Vinhedos a produzir em tanques de aço inox e conduzir processos de fermentação a frio. Em 1988, a Valduga foi a primeira vinícola a utilizar tanques de aço inoxidável no Vale dos Vinhedos.”

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Ao falar da estratégia da Domno do Brasil de diversificação das atividades do Grupo Famiglia Valduga Co, partindo para a importação de vinhos e o lançamento de vinhos espumantes mais competitivos para vender grandes volumes, Jones chega a citar como um problema a obsessão por qualidade:

“O foco é na qualidade. Não podíamos simplesmente

abrir uma importadora e trazer qualquer vinho. Isso poderia gerar problema com o posicionamento da Valduga de produtos premium. Então a filosofia sempre foi fazer o melhor também na Domno. Quando iniciamos o projeto da Domno era para fazer produtos competitivos para vender grandes volumes. Mas temos um problema porque sempre queremos melhorar um rótulo, utilizar uma garrafa um pouco melhor. E nesse melhorar os produtos ficaram muito bons.”

As novas gerações que estão assumindo os negócios não têm dúvida de que a qualidade é pré-requisito fundamental para a sobrevivência no competitivo mercado brasileiro. Mas nem sempre foi fácil o diálogo com a geração dos seus pais, que ainda participam dos negócios. A entrevista com Giovanni Carraro, filho mais novo de Lidio Carraro fundador da vinícola que leva seu nome, evidencia isto nas mudanças feitas nos seus vinhedos para melhorar a qualidade da uva:

“ A visão preponderante era produzir mais uvas por

planta, e por hectare, por essa ser para muitos a única fonte de receita. E quando chegou o momento da produção em espaldeira, em que seria necessário cortar ramos, cortar cachos, eu me lembro que nas primeiras safras tínhamos que brigar com o Lidio. Mesmo ele querendo fazer diferente, isso o machucava muito. Afinal era um fruto. Estava lá na planta, algumas vezes já estava ficando maduro, e a gente cortava e jogava fora. Isso era inadmissível naquela época”.

Se os elementos trabalho, e família aparecem como relevantes quando o foco é o passado, o que muda ou permanecequando os olhares se voltam para o presente e para o futuro? Os depoimentos analisados continuam colocando o trabalho como um valor

fundamental, mas agora associado com a

profissionalização e o planejamento para conquistar um elevado padrão de qualidade também nos negócios.

No horizonte expectativas futuras

Um terceiro ponto que pode ser percebido na nossa leitura dos relatos refere-se à forte crença no

futuro, onde novas estratégias empresariais se tornaram

o foco principal. Valores como diferenciação, ousadia,

qualidade, planejamento, profissionalização se apresentaram como o núcleo básico de organização dos relatos.

Ao explicar como funciona a gestão com os diferentes acionistas no Miolo Wine Group,o diretor

executivo Adriano Miolo nos dá insights sobre as intenções para o futuro:

“Depois de realizada a estruturação, a empresa também

se organizou para abrir seu capital. No futuro, esperamos abrir para a Bolsa. Pelas análises que temos, não valeria a pena fazer isso agora. Mas de certa forma já abrimos o capital. Os grupos RAR, Benedetti e Galvão Bueno hoje são acionistas da empresa. Então, claro que a empresa tem um projeto. É o maior vinhedo do Brasil. Ninguém tem nada próximo dos mais de 1000 hectares que nós temos. São quatro indústrias, mais de 500 funcionários. Essa empresa tem que ter uma estrutura forte, inclusive de capital. E ela está organizada para isso.”

Quando perguntado sobre os projetos familiares para dar continuidade à trajetória de sucesso do Grupo Famiglia Valduga, Eduardo Valduga, dirigente da Casa

Valduga, demonstrou preocupação com a

profissionalização da gestão:

“Em médio prazo o que nos cabe é organizar a família

com a ciência da administração. Buscar as melhores práticas para organizar a empresa em forma de uma sociedade que represente a organização familiar. Encontrar a melhor forma de organizar as três famílias como uma empresa. Harmonizar e distinguir as pessoas jurídicas e as pessoas físicas. Talvez seja preciso criar outras empresas, holdings, sociedades, conselhos, corpo administrativo, corpo dirigente. Enfim, eu acredito que temos essa tarefa. O Jones se quiser pode complementar. O longo prazo para mim é uma incógnita. A família começou com um pai que criou a Luis Valduga & Filhos, passou para irmãos que chegaram ao grupo Famiglia Valduga Co. Agora somos os primos, depois vêm os co-primos e por aí vai. Isso ficará cada vez mais complexo no quesito envolvimento familiar. Então, cada passo da nossa geração terá que ser na busca de um profissionalismo efetivo, e eficiente.”

Daniel Salton, que acumula os cargos de CEO e presidente do conselho de administração da Vinícola Salton, a mais antiga vinícola familiar do Brasil, ao explicar as razões da longevidade (mais de 100 anos) da empresa de sua família, destaca a profissionalização da gestão:

"Hoje a Salton não é mais só da família, é uma Salton de família profissional. Nós deixamos de ser amadores. Para ser um diretor é preciso ter requisitos mínimos. Nós mudamos o estatuto, o acordo de acionistas, e profissionalizamos toda a empresa. Ninguém ocupa uma função no organograma só porque é da família, tem que ter competência."

Juliano Carraro, ao comentar como foi o processo decisório para a escolha do vinho da Copa do Mundo de 2016, relata a postura de ousadia das vinícolas

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brasileiras, que em 2011 corriam sérios riscos de perder a oportunidade para uma grande vinícola chilena. No final a vinícola Lídio Carraro ganhou a preferência com a sua linha de vinhos Faces:

“Em 2011 participamos da Soccerex, que foi a Feira Internacional do Futebol, que aconteceu no Rio de Janeiro, por ser o Brasil a sede da próxima Copa. Já estava certa a participação da Concha y Toro. Ela seria a patrocinadora exclusiva da feira, e havia muitos boatos de que estava fechando com a Fifa para elaborar o vinho oficial da Copa{....}. Nós bancamos um espaço lá dentro para mostrar o vinho brasileiro, porque embora não fosse uma feira da Fifa, era uma feira do futebol, e todo mundo da Fifa estaria lá. Teria até um estande deles lá dentro. Então, nós fizemos isso e a repercussão foi excelente. Eles concluíram que não fazia sentido fechar acordo com uma empresa de fora do Brasil, quando aqui tinha vinícolas com vinhos ótimos.”

O passado como estratégia para o futuro

Apresentada essa visão geral do conjunto de depoimentos, podemos perceber que alguns dos elementos analisados ganharam mais relevância ao longo do tempo, enquanto outros ainda, que se tenham mantido, perderam proeminência. De toda forma o leitmotiv, o elemento recorrente é o valor do trabalho associado à

qualidade, planejamento e profissionalização.

Dos depoimentos analisados podemos destacar a capacidade narrativa apresentada com a organização e o encadeamento lógico dos discursos, enfatizando a união familiar e a importância da imigração italiana como fator explicativo para adedicação ao trabalho. A valoração positiva das origens italianas e o vínculo estabelecido com seu apreço pelo trabalho justificam porque o passado longínquo e o momento fundador são sempre trazidos à tona como algo que reforça a identidade local. Os conflitos e as discordâncias não

aparecem como elementos importantes, e em

contrapartida os laços familiares ganham relevo. Uma das formas de se firmar a identidade e a memória de lideranças, comunidades e grupos políticos reside no cuidado com a preservação de sua memória. O passado é importante, tanto como marca de uma atuação que vem se firmando ao longo do tempo, quanto como referência para reflexões mais elaboradas sobre os caminhos que se pretende seguir.

Como sabemos, os depoimentos orais são memórias que representam diferentes versões do passado e expressam lembranças contraditórias, esquecimentos, distorções, conflitos, e não podem ser tomados como relatos “verdadeiros” e “objetivos” sobre os fatos narrados; mas ainda assim, e por isso mesmo, nos

permitem o acesso a um rico material e a informações pouco encontradas em outras fontes.

Referências bibliográficas

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