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DR. WIN THE WAR : A PROPAGANDA POLÍTICO-IDEOLÓGICA ESTADUNIDENSE NO ESFORÇO DE GUERRA ( )

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“DR. WIN THE WAR”:

A PROPAGANDA POLÍTICO-IDEOLÓGICA ESTADUNIDENSE NO ESFORÇO DE GUERRA (1942-1945)

Pauline Bitzer Rodrigues Orientador: Prof. Dr. Francisco César Alves Ferraz

RESUMO

Durante a Segunda Guerra Mundial o governo estadunidense, liderado pelo presidente Franklin Delano Roosevelt, precisava conquistar e manter o apoio e a participação da população no esforço de guerra, visto que somente com o suporte popular conseguir-se-ia aumentar a produtividade, a arrecadação financeira e garantir maior vigilância sobre possíveis inimigos dentro do país. Para alcançar tais objetivos, o governo investiu como nunca na disseminação de uma propaganda político-ideológica criada por órgãos governamentais e por parcerias com empresas privadas que mostravam a guerra como necessária e justa. O esforço propagandístico mobilizou toda a imprensa e a indústria cinematográfica, e o material divulgado se mostra extremamente rico. Nesse trabalho são analisados 2 episódios da série de filmes “Why We Fight”, de Frank Capra: o primeiro, “Prelude to War”, e o último, “War Comes to America”. Os objetivos dessa pesquisa realizada ao longo da graduação, porém não encerrada, foram perceber como essa propaganda tencionava influenciar a opinião e a vida da população dentro do esforço de guerra e no imediato pós-guerra, e se ela teria contribuído para a construção de uma memória coletiva nacional tendo a Segunda Guerra Mundial como “A Boa Guerra”.

Palavras chave: Segunda Guerra Mundial; Sociedade Estadunidense; Propaganda de Guerra

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O presente trabalho se mostra enquanto síntese do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado em Dezembro de 2011 no curso de História que teve por título “‘Why We Fight’: A Propaganda político-ideológica

estadunidense no esforço de guerra – 1942-1945”.1 O objetivo foi analisar o

esforço de propaganda de guerra empenhado pelo governo de Franklin Delano Roosevelt durante a Segunda Guerra Mundial e, através dessa análise perceber como a propaganda tencionava influenciar o imaginário popular e dessa forma “orientar” sua vida, e como ela teria contribuído para a imagem romantizada do conflito (a “Boa Guerra”), lembrando que essa visão não é exclusiva dos Estados Unidos, mas que o mundo de uma forma geral adotou essa imagem de guerra justa e necessária.

A fonte principal de análise foi a série de filmes propagandísticos “Why We Fight”, do diretor Frank Capra. A série é composta por sete filmes produzidos entre os anos de 1942 e 1945, encomendados pelo governo federal e produzidos pelo exército e divulgados pelo Office of War Information. Dentre os sete, foram escolhidos dois para o foco principal: o primeiro, “Prelude to War” e o último, “War Comes to America”. Paralelamente aos filmes, também são utilizados pôsteres de propaganda.

A entrada na guerra: conversão e mobilização socioeconômica

Franklin Delano Roosevelt (FDR) assumiu a presidência dos Estados Unidos da América (EUA) no ano de 1933 em meio a uma grave

situação de crise econômica e social começada em 1929.2 Enquanto a situação

na Europa esquentava rumo ao conflito armado, Roosevelt levava seu governo sob a bandeira do isolacionismo, ou seja, empenhava uma política voltava exclusivamente para os assuntos internos do país sem se preocupar com

1

O Trabalho de Conclusão de Curso foi resultado de três anos de pesquisa e do projeto de iniciação científica “A Reintegração Social dos Veteranos da Segunda Guerra Mundial: estudo comparativo dos ex-combatentes do Brasil e dos Estados Unidos (1945-1965)”, coordenado pelo Prof. Dr. Francisco César Alves Ferraz, em vigência nos anos de 2008-2011.

2

A popular “Crise de1929” não afetou somente os EUA, mas o mundo todo direta ou indiretamente, e foi causada, principalmente, por uma autoconfiança no novo setor industrial e no mercado de ações, levando à quebra da bolsa de valores. Ver: TOTA, A. P. Os Americanos. São Paulo: Contexto, 2009; HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2010; CARNES, M.C.; GARRATY J.A. A Short History of the American Nation. New York: Longman, 2000.

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querelas internacionais, ou pelo menos assim ele dizia. Na prática a teoria isolacionista não aconteceu, pois FDR não poderia se descuidar da sua política externa e quando a Segunda Guerra estourou em 1939 ele compromete o país a participar economicamente ao lado dos Aliados contribuindo com recursos materiais e bélicos. Conforme os anos passavam, a intervenção militar dos EUA se mostrava quase inevitável, mas ela só acontece após o ataque à base

militar de Pearl Harbor em 7 de Dezembro de 1941.3 A guerra, então, é

declarada ao Japão, e dias depois à Alemanha por esta ter bombardeado navios mercantes estadunidenses.

Começava dessa forma a maior mobilização que o país já sofrera, chegando, ao final do conflito, a 16 milhões de civis entre convocados e voluntários nas forças armadas servindo na Europa, no Pacífico e no próprio país, sendo que a maioria deles tinha entre 17 e 23 anos. Um conflito contemporâneo e do porte da Segunda Guerra é chamada “Guerra Total”, isso porque ele não envolve somente sujeitos e aparatos militares, mas também a vida da população não-combatente de forma geral requisitando produções e

gerando consequências econômicas, sociais e culturais em grande escala.4

Nos EUA, com a gigantesca mobilização, muito se requeriu da sociedade como um todo em termos de suporte para o conflito: o país precisava sofrer uma conversão para o estado de guerra, e é aí que o “Dr. New Deal” é substituído pelo “Dr. Win the War”.5

A primeira conversão a fazer era a econômica, pois grande parte da força de trabalho se deslocaria para os frontes de guerra, e além de ser substituída, ela precisaria ser ampliada frente à necessidade de se

3

Alguns pesquisadores alegam que a intervenção militar estadunidense na guerra já estava sendo planejada devido a encontros do presidente Roosevelt com o primeiro-ministro inglês Winston Churchill; outros dizem, também, que devido às animosidades crescentes entre Estados Unidos e Japão uma ofensiva japonesa já era esperada, só não se sabia onde ou quando. JEFFRIES, J.W. Wartime America: The World War II Home Front. Chicago: Ivan R. Dee, 1996.; BURNS, K.; WARD, G. The War: an intimate history, 1941-1945. New York: Knopf, 2007.

4 HOBSBAWN, op. cit.; MAGNOLI, Demétrio. No espelho da guerra, In: MAGNOLI, D. História das

guerras. São Paulo: Contexto, 2006.

5

New Deal foi o nome dado à política e ao conjunto de medidas adotadas por FDR durante os anos de 1930 para a recuperação da crise de 1929, mas com a entrada na guerra, políticas e medidas diferentes teriam de ser adotadas, as quais chamou num discurso em 1943 de “Dr. Win the War”. JEFFRIES, op. cit.

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multiplicar a produção industrial. O governo cria, então, diversas agências mobilizadoras para ajudar na conversão, que acaba por consolidar a recuperação que o New Deal começara na década anterior: a taxa de desemprego durante a guerra é praticamente zero, a produtividade cresce e o produto nacional bruto também; observa-se grande desenvolvimento tecnológico e científico, etc. No final da guerra o país emerge como a maior potência econômica, industrial e militar do mundo, levando ao que ficou

conhecido como “Anos Dourados” nos anos de 1950.6

No pós-guerra, devido principalmente às consequências econômicas, muitos chamavam a Segunda Guerra de “Boa Guerra” (“The Good War”), título que carrega o discurso de unidade e virtude; outra vertente a trata como “turning point”, ou divisor de águas, da história estadunidense, que

louvava a prosperidade e as transformações sociais.7 Muitos, no entanto, se

contrapunham à essas duas visões de exaltação do conflito, e recentemente uma revisitação ao estudo tem trazido novos caminhos de estudo. Alguns desconsideram totalmente a prosperidade e criticam firmemente a posição coercitiva do novo Estado mais poderoso e mais centralizado, como Robert

Higgs.8 Segundo o estudioso John Jeffries, é difícil analisar a conversão, a

mobilização e o desenvolvimento econômico devido à sua natureza e consequências ambíguas: pra quem ficou em casa e não perdeu conhecidos próximos ela pode realmente ter sido boa, pra outros que sofreram com

aspectos econômicos ou sociais, pode ter sido o oposto.9

Em aspectos sociais, as novas circunstâncias vieram acompanhadas de velhos padrões: a sociedade já individualista fica ainda mais

6

JEFFRIES, op. cit.; TERKEL, S. “The Good War”. New York: The New Press, 1984.; WYNN, N.A. The “Good War”: The Second World War and Postwar American Society. In: Journal of Contemporary History. SAGE Publications, 1996.

7

Um dos símbolos de prosperidade e de intervenção estatal na economia e na sociedade é o “G.I. Bill of Rights”, um conjunto de leis de 1944 que dava direitos e garantias aos veteranos de guerra, entre eles a ajuda em encontrar um emprego, a garantia de voltar ao emprego antigo, um soldo mensal aos soldados desempregados, bolsas de estudos em universidades e cursos profissionalizantes, entre outros. Para mais informações ver: GREENBERG, M. The GI Bill. New York: Lickle Publishing Inc, 1997. Para uma visão mais crítica do assunto, Kathleen Frydl, The GI Bill, New York: Cambridge University Press, 2009.

8

Apud. JEFFRIES, op. cit., p. 42.

9 ERENBERG, L. A; HIRSCH, S. E. (org). The War in American Culture: Society and Consciousness during

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impessoal, muda alguns valores, preserva outros, muda práticas e hábitos e interfere nas sagradas instituições “americanas”, como por exemplo, na família. Pensando a nível de grupos sociais, é emblemática a entrada nas mulheres no mercado de trabalho tradicionalmente masculino e sua transformação em chefes de família; mas apesar das novas oportunidades e liberdades, o preconceito as acompanharam, e propagandas governamentais deixavam claro

que elas eram apenas substitutas temporárias.10

A Segunda Guerra é também considerada um ponto de referência na história dos afrodescendentes estadunidenses: conseguiram o direito de combater efetivamente, e pela necessidade de mão-de-obra muitos se mudaram para o norte (principalmente) para trabalhar nos novos pólos industriais defesa, embora suas condições de trabalho não fossem ideais ou iguais a outros grupos. Seu suporte ao esforço de guerra é considerado grande, seja por razões patrióticas ou por motivação pessoal, e, assim como as mulheres, as mudanças vieram com antigos preconceitos e estereótipos, mas

ambos passaram a lutar mais ativamente por direitos e inclusão social.11

Outros grupos sociais também sentiram fortemente

consequências sociais, culturais, econômicas e geográficas do tempo de guerra, entre eles: os nativos, que foram convocados, sofreram acelerado processo de destribalização e urbanização, mas muitos voltaram às tribos ao final da guerra por não conseguir manter os empregos, enquanto outros perdia sua identidade e não conseguiam se adaptar em qualquer dos dois ambientes; os imigrantes, que sofriam com preconceito e rejeição, como italianos, alemães, poloneses, entre outros, os quais tinham suas comunidades vigiadas vinte e quatro horas; os japoneses sentiram mais que os outros imigrantes, pois seu conflito envolvia questões raciais, ideológicas, culturais e territoriais, e todas as famílias da costa oeste foram trancados em “relocation camps” e

10 Para mais informações sobre as mulheres na guerra, ver JEFFRIES, op. cit; e May E. T. Rosie, the

Riveter goes to war. In: ERENBERG; HIRSCH, op. cit.

11

Para mais informações sobre os afrodescendentes estadunidenses na guerra, ver JEFFRIES, op. cit; e MOORE, Shirley. Traditions from home: African Americans in wartime Richmond, California. In: ERENBERG; HIRSCH, op. cit.

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tiveram seus bens confiscados, os quais não foram devolvidos ou ressarcidos

ao fim da guerra.12

Pensando para além das duas teorias de exaltação do conflito, vemos mudanças e continuidades num jogo de relações sociais, culturais e econômicas na sociedade em questão, as quais tiveram grande impacto, positivo ou negativo, nos processos transformadores dessas relações.

Os objetivos e a produção propagandística

Levando em consideração o complexo contexto exposto percebemos a necessidade da propaganda, visto que antes era preciso conquistar a opinião da população cujo apoio e trabalho seriam fundamentais para sustentar e ganhar a guerra estrangeira. A propaganda maciça era a arma principal dessa guerra pela opinião estadunidense, e seus objetivos se resumem em criar um sentimento colaboracionista de união nacional para que a população participasse por todo o tempo necessário do esforço de guerra, o que incluía: alistamento nas forças armadas, aumento da produtividade industrial e agrária, compra de bônus de guerra, entre outros.

A propaganda era disseminada por todo aparato midiático (rádio, revistas, jornais, pôsteres e cinema comercial e institucional), e sua produção envolveu três grandes esferas da sociedade: Estado, imprensa e meio militar. Tal produção se mostra complicada e longe de ser homogênea, pois os grupos envolvidos ora convergiam ora divergiam em opiniões e decisões. Várias agências governamentais foram criadas ou modificadas para cuidar da propaganda, dentre as quais as mais importantes são o Office of Censorship (OC) e o Office of War Information (OWI). Este último, sob direção do liberal Elmer Davis, cuidava do maior fluxo e produção de informações do

12

Apesar das dificuldades vividas, partiu dos imigrantes o maior movimento social no tempo de guerra, a naturalização. Para mais informações sobre os imigrantes e seus descendentes e outros grupos sociais, ver: DOWER, John. Race, Language and War in Two Cultures: World War II and Asia. In: ERENBERG; HIRSCH, op. cit. JEFFRIES, op. cit.; MILLER, C. Native sons and the Good War: retelling the myth of American Indian assimilation. In: ERENBERG; HIRSCH, op. cit.; UEDA, R. The changing path to citzenship: ethnicity and naturalization during World War II. In: ERENBERG; HIRSCH, op. cit.; TERKEL, op. cit.

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país, mas também continha desacordos internos, o que acabava por limitar seu poder de ação: o OWI dava recomendações e orientações a outras agências,

produzia a própria propaganda ou fazia parcerias com o setor privado.13

A guerra mostrada pelo OWI tinha pequenos problemas e de fácil resolução e levaria a um grande e próspero futuro, onde a vida no mundo seria muito melhor. Para produzir essa imagem oficial do conflito, algumas ações eram necessárias sobre a propaganda em geral. Primeiro, era preciso lançar mão da censura através do OC e do Bureau of Public Relations (BPR): se a população visse os custos reais da guerra, temia-se que ela pressionasse pela paz e deixasse de lado o compromisso de trabalhar para o esforço, por isso vetava-se tudo que pudesse causar desmotivação, como, por exemplo, a destruição física e moral dos soldados, mas sempre passando uma “aparência de verdade”. Mais tarde temia-se que o mesmo efeito fosse causado pela superconfiança popular, de forma que a censura passou a liberar material

menos sanitizado.14

Em segundo lugar, outra estratégia muito utilizada foi a da segmentação, inspirada na publicidade comercial. A segmentação prevê a elaboração de propagandas específicas a cada grupo social, tornando, assim, a guerra mais próxima e pessoal, e fazendo com que o esforço se apresentasse como indispensável. Essas duas estratégias fizeram com que a guerra apresentada em 1945 fosse bem diferente daquela de 1941, pois as propagandas eram constantemente modificadas de acordo com a necessidade

do esforço de guerra.15

Os filmes de Capra, da série Why We Fight, também foram produzidos a partir das características de censura e segmentação, sendo originalmente feitos para serem veiculados em bases militares. Eles acabaram,

13

Para mais informações sobre o Office of War Information, ver: KOPPES C. R.; BLACK, G. D. What to Show the World: The Office of War Information and Hollywood, 1942-1945. The Journal of American History, Vol. 64, No. 1 (Jun., 1977). p. 87-88., e ROEDER Jr., G. H. The Censored War: American visual experience during World War Two. Yale University Press, 1993.

14

HUEBNER, A.J. The Warrior Image: soldiers in American culture from the Second World War to Vietnam Era. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2008.; JEFFRIES, op. cit.; ROEDER Jr., op. cit.

15

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contudo, sendo distribuídos para fábricas e vários cinemas e teatros pelo país, tendo ampla abertura e veiculação à população civil no intuito de contribuir à construção de um imaginário nacional favorável à participação na guerra e ao seu esforço.

A propaganda e sua ação no imaginário popular

Considerando o contexto social e os objetivos da propaganda, os conceitos de imaginário social, ideologia e memória coletiva foram discutidos e aplicados nessa segunda parte do trabalho. O imaginário, ou “Imaginação Social”, pensado por Bronislaw Baczko, é definido como representações ou referências simbólicas que vão formar a memória coletiva e a identidade de determinado grupo social; dessa forma, se uma ideologia pretende agir sobre a ordem social, o controle do imaginário é necessário, visto que este se mostra como força reguladora da vida coletiva. Com a propaganda, então, o Estado buscava controlar o imaginário simbólico construindo representações a serem apropriadas pela população e incutidas em sua memória coletiva, legitimando a ordem presente e levando-a a pensar e agir de

acordo com as necessidades do Estado. 16

A entrada na guerra exigia, então, representações que destacassem a união da população passando por cima das suas divisões sociais, políticas, étnicas e regionais. diante disso, os principais princípios a veicular estavam resumidos nas “Quatro Liberdades”: ser livre para expressar opiniões e crenças, ser livre para professar suas convicções religiosas, ser livre das necessidades econômicas e ser livre do medo e da ameaça de qualquer mal cometido por outra nação. Esses valores mostravam-se articulados de vários modos discursivos: religiosos, científicos, políticos, literários, entre

outros, e deveriam ser amplamente disseminados.17

16

BACZKO, B. “Imaginação Social”. In: Enciclopédia Einaudi, Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 1985. Vol 5, p. 296-330.; HALBWACHS, M. Memória coletiva e memória histórica. In: A memória coletiva. Trad.

17

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O cinema, que já tinha grande espaço na vida social e cultural do país, foi um dos meios mais importantes de veiculação propagandística das representações simbólicas daqueles valores, representações que encontramos amplamente na filmografia do diretor Frank Capra, especialmente na série “Why We Fight”. Frank Capra, porta-voz dos mais altos “valores americanos” é um imigrante siciliano muitas vezes lembrado como o “bom moço”, ou uma prova do alcance do Sonho Americano pela sua história de ascensão e sucesso. Essa apresentação legitimadora e até glorificadora da “América” garantiu a Capra um pedido do presidente Roosevelt para que conduzisse a

produção dos filmes “Why We Fight”.18

A produção começou em 1942 e ficou a cargo das Special Service Division e Army Service Forces, o lançamento foi feito pelo Bureau of Motion Pictures, e a distribuição e exibição por The War Activities Comittee da Motion Pictures Industry. A série é composta por sete filmes: Prelude to War (1942), The Nazis Strike (1942), Divide and Conquer (1943), The Battle of Britain (1943), The Battle of Russian (1943), The Battle of China (1944) e War Comes to America (1945). Para a análise foram utilizados o primeiro e o ultimo filmes, análise que será resumida neste artigo, tendo em vista a falta de espaço para descrições detalhadas de cada filme.

“Why We Fight”: propaganda e documento

O discurso dos filmes vem de instituições e ideologias dominantes e é baseado principalmente na memória histórica do país, de forma que o cineasta não teve autonomia na produção. É interessante notar que em todos os filmes há creditos no início e no fim, mas o nome de Capra não aparece uma só vez. Todos também começam com o “Grande Selo” (Figura 1 e 2) de fundo e terminam com o Sino da Liberdade, símbolo da Independência. No primeiro filme, Prelude to War, a série é introduzida e explica-se que as imagens foram retiradas de cinejornais, de filmes das Nações

18 CARLET, Yves. Frank Capra and Elia Kazan, American Outsiders. In: European Journal of American

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Unidas e de produções dos inimigos, outras imagens teriam sido produzidas pelo Departamento de Guerra. Também é informado que o objetivo dos filmes é apresentar informações factuais sobre a entrada na guerra e sobre os princípios pelos quais se deve lutar. A narrativa deste primeiro filme gira em torno do porque os estadunidenses precisavam mudar sua maneira de vida, abandonar o isolacionismo e lutar, enquanto são feitas comparações entre o mundo livre, democrático, igualitário (e “Americano”) e o mundo escravo onde a liberdade está morta e o povo, influenciável, apresenta amor aos regimes autoritários.

O último filme, War Comes to America, faz um resumo da guerra e suas consequências e narra a trajetória dos Estados Unidos na mesma (as conversões para o estado de guerra e seu esforço). A “Liberdade” é sempre mostrada como o centro de tudo, e, para ilustrar, legitimar e naturalizar tal discurso enquanto essência estadunidense a memória da luta pela independência do país é revisitada, mostrando, também, lugares onde os soldados-cidadãos haviam lutado mais uma vez pela liberdade, agora mundial.

Essas linhas gerais nos dão uma ideia de como os filmes se inserem no esforço propagandístico e tentam atuar no imaginário social e na memória coletiva dos estadunidenses, algumas características encontradas neles, entretanto, merecem ser mais detalhadas.

Um dos maiores princípios do “American Way of Life” é o individualismo, a liberdade do indivíduo frente à vontade dos grupos sociais e do Estado, mas durante a guerra havia grande discurso de união e cooperação nacional dando à vida privada um propósito público. A propaganda, então, mostrava os dois princípios, individualismo e coletivismo, como compatíveis e interdependentes: no momento de adversidade, o esforço coletivo garantiria a segurança dos direitos individuais. Nos filmes analisados, a primeira coisa que aparece é o Grande Selo nacional (“The Great Seal” - figura 1 e 2), o qual possui a inscrição latina e pluribus unum, o que em português seria “de muitos,

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um”.19 A expressão denota, originalmente, a união das treze colônias sob uma bandeira, mas também pode ser relacionada à união de diversos povos étnicos numa única nação, diversidade clamada em War Comes to America. A memória histórica é usada para legitimar a união nacional, mais uma vez necessária para proteger seus valores e direitos independentemente de classes sociais ou etnias, diferenças que mais causavam conflitos no país e que eram ignoradas pela propaganda.

Os valores defendidos na coletividade são os mesmos da campanha das “Quatro Liberdades” falada mais acima, e estão condensados nas ideias maiores de liberdade, igualdade e democracia que são a base para Prelude to War e War Comes to America, e para a propaganda em geral: a liberdade só acontece onde há igualdade, e ambas fazem nascer a democracia. A abordagem desses valores, e a colocação dos EUA como o pioneiro na elaboração e aplicação dos mesmos, pretende construir e/ou solidificar representações patrióticas no imaginário social da população.

Paralelamente aos princípios do mundo livre e idealizado, contudo, era preciso mostrar contra o que se lutava para instigar o medo a participação na luta e no esforço de guerra. A apresentação do mundo inimigo e escravo veio, então, carregada de estereótipos.

Em primeiro lugar, o mundo inimigo é sombrio: em Prelude, por exemplo, os mapas da Itália, a Alemanha e o Japão aparecem como manchas

19

O Grande Selo data do século XVIII, e de acordo com o site do governo estadunidense, ele reflete os valores e crenças que os fundadores atribuíram à nação e os quais deveriam ser passados aos descendentes, sendo o mais importante deles o poder, especialmente o “poder de paz e guerra”. Disponível em: <http://www.usa.gov/About/Great_Seal.shtml> Acessado em: 14/09/2011

Fig. 1: O Grande Selo mostrado no começo de todos os episódios da série Why We Fight, 1942.

Fig. 2: O Grande Selo como é atualmente.

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negras que se espalham pelo mundo. Em segundo lugar, seus líderes (Hitler, Mussolini e Hirohito) são demagogos e manipuladores que fazem lavagem cerebral no povo e os leva a escolherem o caminho de escravidão através dos simbolismos estampados no cotidiano (uniformes militares, slogans, saudações, entre outros). Para ilustrar essa lavagem cerebral e fazendo referencia às campanhas propagandísticas desses países, aos 35’27” de Prelude, os mapas dos países são mostrados e deles se erguem torres de transmissão emitindo ondas para todos os lados com a palavra “lies” (mentiras) enquanto o narrador diz: “Propagandas para confundir, dividir e amolecer suas prováveis vítimas”.

Também são citadas como parte do mundo escravo a falta de aparatos democráticos nos governos, a violência das polícias secretas, a falta de liberdade de religião, e a educação sistemática de jovens e crianças, aqueles que dariam continuidade ao regime no futuro. A imagem dos civis sob regimes autoritários mostra pessoas quase ingênuas que se tornam inimigos perigosos após a conquista de suas mentes. Os alemães, por exemplo, são apresentados como fortes e perigosos, mas jovens e bonitos, já para as imagens dos japoneses, a técnica da desumanização era quase sempre aplicada, eles não tinham humanidade nem individualidade, e por vezes eram até representados com características animais.

Em oposição a esta imagem estereotipada do inimigo está a idealização do soldado estadunidense: aparecia sempre como herói, na maior parte das vezes de pele branca, lutando numa guerra do bem contra o mal, e ainda mantinha seu papel de pai e provedor de família, além de ser um cidadão

patriótico exemplar.20

O sentimento de patriotismo é uma característica muito forte na série de Frank Capra e em toda a propaganda, de uma forma geral. Alguns estudiosos, no entanto, desacreditam e desconstroem a motivação idealística dos soldados para estarem lutando, e a própria evidenciação e reafirmação

20

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desses motivos patrióticos pode ser um indício dessa falta de patriotismo, tanto dos soldados, quanto da população que trabalhava no esforço de guerra. De qualquer forma, filmes como Why We Fight e a propaganda estadunidense da Segunda Guerra no geral apostavam na manipulação sistemática das informações e imagens passadas à população, veiculando uma “aparente verdade” do combate, e fornecendo representações seja dos inimigos, seja da vida no próprio país. Era esperado que estas representações fossem absorvidas pelo imaginário social da população ajudando a mobilizá-la para o esforço de guerra através de características, que, como vimos, deveriam agir nesse imaginário sem que as pessoas se dessem conta de que estavam sendo envolvidas pela propaganda.

Considerações Finais

Olhando para a mobilização socioeconômica do esforço poder-se-ia dizer que o Estado venceu a guerra pela opinião popular. Apesar de sabermos, contudo, que a propaganda pode gerar angústias e esperanças, não há como medir certamente sua eficácia em influência sobre as pessoas, visto que cada um estabelece suas relações com a guerra e seu esforço mantendo níveis de envolvimento diferente dos outros. Elegendo suas próprias razões pra lutar, muitos poderiam ignorar os pôsteres e os filmes ou então não corresponder às expectativas dos seus criadores, mas, se é assim a nível individual, a nível coletivo a propaganda teve suas consequências, ajudando, por exemplo, a determinar o tipo de memória nacional que seria criada em torno do conflito.

A propaganda, então, somada às transformações sociais (ou seus impulsos), o triunfo militar e econômico, a segurança geográfica do país, o motivo nobre da luta, a defesa dos conceitos como democracia e liberdade, etc, teria contribuído para a imagem favorável à participação na guerra “justa” e “necessária”, permitindo o surgimento de teorias como a da “Guerra Boa” e do “divisor de águas”, e fazendo com que mesmo após outras guerras posteriores, a imagem da Segunda Guerra permanecesse romantizada. Tal permanência é visível, por exemplo, em filmes hollywoodianos como “O Resgate do Soldado

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Ryan” (Saving Private Ryan, de 1998), de Steven Spielberg, que mostra uma guerra de altos custos, mas de valores grandiosos, como o companheirismo e o patriotismo. Mas por que um evento como a Segunda Guerra teria uma lugar tão reverenciado na memória social de um país? Segundo Roeder Jr., porque ela preenche a necessidade do sentimento de pertencimento, de união: os estadunidenses desfrutam de crenças e práticas religiosas, políticas e sociais, criam verdades pessoais, e tais aspectos, apesar de aproximá-los de alguns,

os afasta de muitas outros.21 A Segunda Guerra, então, agiria como um ponto

de referência moral em comum para a maioria da população num século de mudança e exposição da diversidade e uniria gerações.

Nesse ponto, a propaganda político-ideológica, e em especial os filmes Why We Fight, foi fundamental, ao criar e/ou veicular esses pontos de referência. É pertinente dizer, então, a título de conclusão, que para alguns a guerra foi boa, para outros, foi uma experiência de morte, mas para todos foi a experiência visual mais intensa da história da nação.

21

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Referências

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