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alemã
Os estúdios de cinema Babelsberg sobreviveram
ao nazismo e ao comunismo e chegam aos 100 anos
em grande forma – e conteúdo
por hermano silva, de berlimAsta Nielsen em conversa nos bastidores com o diretor Urban Gad
Primeiro Plano
FO T O FILMMUSEUM PO TSD AM / DIVUL G AÇÃO86
poder joyce pascowitch
uando o diretor de cinema Quentin Tarantino entrou pela primeira vez num dos estúdios de Babelsberg, em Potsdam, nas cercanias de Berlim, sua primeira reação foi se aproximar das paredes e tocá-las, como se quises-se capturar algo que tenha ficado impregnado ali. Reza a lenda que ele se emocionou por estar no mesmo local em que havia sido filmado o último clássico do cinema mudo,
Metrópolis (1927), dirigido por Fritz Lang. O fascínio de
Tarantino se explica: os estúdios Babelsberg serviram de palco não só para fil-mes icônicos da cinematografia alemã, mas também para os altos e baixos da história política europeia. Eles sobreviveram ao controle do regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial, depois ao controle do governo soviético para, após a reunificação, nos anos 1990, conseguir recuperar o seu prestígio.
Este mês, o estúdio celebra 100 anos de existência em plena forma, atraindo diretores de Hollywood como Tarantino, que o escolheu para filmar o longa Bastardos Inglórios, em 2008, ou Roman Polanski, que pro-duziu dois filmes por lá. “Atualmente, uma em cada duas produções feitas aqui lida com o passado do qual o estúdio
foi testemunha”, explica o CEO e sócio, Carl Woebcken, em entrevista a PODER.
Gravando!
Em 12 de fevereiro de 1912, as primeiras ce-nas rodadas ali foram de Der Totentanz, estre-lado pela musa do cinema mudo Asta Nielsen e dirigido pelo marido dela, Urban Gad. Os ce-nários foram montados dentro de um prédio feito de vidro, no lote de uma antiga fábrica de flores artificiais em Potsdam. Nessa época, fil-mar à luz do dia era a única maneira de captar a imagem com qualidade. Nos anos 1920, o es-túdio foi comprado pela Universum Film AG. A era de ouro do cinema mudo testemunhou o uso de novas técnicas, como a câmera sem tripé, que fez sua estreia por lá. Em 1926, foi construído em Babelsberg o maior palco den-tro de um estúdio europeu. Tudo para dar vida às cenografias mais sofisticadas da época, eter-nizadas no filme de ficção científica Metrópolis, que levou dois anos para ser rodado. Outra surpresa veio em 1930: Marlene Dietrich, uma atriz novata naqueles tempos, trabalhou lá no filme que iria mudar a sua vida, O Anjo Azul.
Filmes célebres rodados em babelsberg
- dr. mabuse, o Jogador (1922),
dir. Fritz Lang
- os Nibelungos – a morte de
siegfried (1924), dir. Fritz Lang
- metrópolis (1927),
dir. Fritz Lang;
- o anjo azul (1930),
dir. Josef von Sternberg
- o Pianista (2002),
dir. Roman Polanski
- V de Vingança (2006),
dir. James McTeigue
- o leitor (2008),
dir. Stephen Daldry
- operação Valquíria (2008),
dir. Bryan Singer
- bastardos inglórios (2009),
dir. Quentin Tarantino
- Trama internacional (2009),
dir. Tom Tykwer
- o escritor Fantasma (2010),
dir. Roman Polanski
- cloud atlas (2012),
dir. Tom Tykwer, Andy
Wacho-wski e Lana WachoWacho-wski FOTOS GUI FERRANDI
/ DIVUL G AÇÃO ; S TUDIO BABEL SBER G / DIVUL G AÇÃO
Ao centro, à esquerda, casa de vidro na qual eram feitas as primeiras filmagens do local, aproveitando a luz do dia. Abaixo dela, a vista aérea dos estúdios; ao lado, Marlene Dietrich, durante as filmagens de O Anjo Azul; acima, Brad Pitt, durante gravação de Bastardos Inglórios, à esquerda, Roman Polanski no set de O Pianista, com Adrien Brody
Quem Já Passou Por lá...
- greta garbo - marlene dietrich - Tom cruise - brad Pitt - orlando bloom - clive owen - Natalie Portman - Jodie Foster - matt damon - ewan mcgregor - Pierce brosnan - christoph Waltz - cate blanchett - Tom Hanks - susan sarandon - Hugh grant FO T OS FRANÇOIS DUHAMEL / UNIVER SAL; 100 YEAR S S TUDIO BABEL SBER G - THE AR T OF FILMMAKING / TENEUES
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poder joyce pascowitch
berlim, muiTas cidades em uma
Um dos principais motivos que fazem produtores de cinema escolherem a região de Berlim-Brandemburgo – que compreende a capital Berlim e outras cidades menores como Potsdam e Oranienburg – é a diversidade de paisagens e de arquitetura para suas locações de filmagem: de palácios do século 18 a prédios superfuturistas. O filme O Escritor
Fantas-ma, por exemplo, transformou o centro de Berlim na Oxford Circus, de Londres. Ou o filme Aeon Flux que utilizou o museu Bauhaus Archiv, desenhado por Walter Gropius, para uma
cena que se passa em uma cidade fictícia no ano 2415. O que não é possível ajustar, o depar-tamento de arte dos estúdios Babelsberg dá uma mãozinha, como na reconstituição em es-cala real do Museu Guggenheim, de Nova York, para o filme Trama Internacional com o ator Clive Owen – de longe o maior desafio para o time dos estúdios até hoje.
O centenário tem
várias etapas de
comemoração: do
festival de cinema
Berlinale ao lançamento
do livro 100 Years
Studio Babelsberg
pela teNeues, que
deve chegar ao Brasil
em março
Cenários vão de prédios futuristas a ruas do início século passado (ao lado acima). A sala de figurinos, ao centro à dir., acompanha toda essa trajetória
FO T OS S TUDIO BABEL SBER G / DIVUL G AÇÃO ; HERMANO SIL V A; DIVUL G AÇÃO
Não só os famosos, mas também os infames passaram pelo complexo cine-matográfico. Durante o regime nazista, o ministro da Propaganda, Joseph Go-ebbels, apropriou-se das instalações para produzir seus filmes e chegou, inclu-sive, a ter um escritório no local. As produções seguiam duas linhas: películas de comédia ou propagandas para disseminar as ideias de Hitler. À medida que o terror se intensificava, a comunidade de artistas e cineastas foi viver em exílio – a maioria em Hollywood. Parte do complexo logo foi bombardeada durante a guerra, o que não impediu sua ocupação pelos soviéticos. Em 1946, as atividades recomeçaram sob domínio comunista.
Durante o regime da República Democrática Alemã foram produzidos cer-ca de 700 filmes, todos tendo de lidar com os difíceis meandros do socialismo e da censura. A maioria dessas produções nunca foi mostrada nos cinemas do então bloco ocidental. Na opinião de Woebcken, foi um período de “oportu-nidades perdidas”, já que nunca houve tantos funcionários trabalhando no local: 3.500 pessoas.
nova era
Após a queda do muro de Berlim, Babelsberg foi posto à venda pelo governo, mas poucos foram os interessados. Em 1992, foi adquirido pelo grupo francês Vi-vendi, que precisou batalhar bastante para alcançar a concorrência no que dizia respeito à tecnologia, prestígio e influência. A grande virada veio dez anos depois com o filme O Pianista, do diretor Roman Polanski, que ganhou três Oscar, em 2003. O feito colocou os estúdios de volta no mapa das grandes produções.
Em 2004, a empresa ainda não gerava lucros e foi posta à venda mais uma vez. “Babelsberg foi adquirida por apenas 1 euro e nenhum débito”, garante Woebcken. Juntamente com o empresário Christoph Fisser, ele comprou o estúdio motivado por uma grande paixão por cinema, mas sem muita experi-ência na área já que era administrador de empresas. “Precisamos disponibi-lizar na época 80 milhões de euros para garantir que iríamos colocar o nosso plano de negócio em prática”, conta.
O atual formato de negócio de Babelsberg é ser uma coprodutora de filmes com outros estúdios e também uma provedora de serviços oferecendo ins-talações, locações e equipamentos de última geração. Os principais clientes são produções de Hollywood que filmam na Alemanha atraídos pela política do German Federal Film Fund, que reembolsa em até 20% as produções in-ternacionais no país. Sendo a maioria dos seus clientes americanos, o estúdio atravessa a crise do euro “relativamente intacto”, garante Woebcken.
Nos próximos dez anos, os planos são manter a empresa no tamanho atual, mas investir em tecnologia de ponta – como no início de sua história. Além da filmagem em 3D, uma das grandes apostas é o desenvolvimento do método chroma key, no qual os atores interagem apenas com uma tela verde durante a filmagem para depois ter o cenário recriado digitalmente. Se o estúdio atin-gir a ambiciosa meta de liderança na área, veremos muitas outras produções ‘made in Germany’ no futuro. n