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O NOVO DESENVOLVIMENTISMO COMO ESTRATÉGIA IDEOLÓGICA DE CRESCIMENTO SOCIOECONÔMICO DO BRASIL NA ERA LULA 1

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O “NOVO DESENVOLVIMENTISMO” COMO ESTRATÉGIA IDEOLÓGICA DE

CRESCIMENTO SOCIOECONÔMICO DO BRASIL NA ERA LULA 1

Patrícia Ribeiro Lopes2

RESUMO: O presente trabalho objetiva refletir sobre a

estratégia ideológica dos governos Lula, especialmente em seu segundo governo, de investir em um dito “novo” projeto de desenvolvimento para o país capaz de comungar crescimento econômico com desenvolvimento social, como sendo a alternativa possível e “justa” para o momento que o país estava vivenciando. O legado da era Lula foi apostar na macroeconomia articulada com pequenas concessões aos pobres sob o véu do “novo desenvolvimentismo”.

Palavras-chave: Governos Lula; “novo desenvolvimentismo”;

social-liberalismo.

ABSTRACT: The present paper aims to reflect on the ideological strategy of the Lula governments, especially in their second government, to invest in a so-called "new" development project for the country capable of commune economic growth with social development as the possible and just alternative "To the moment the country was experiencing. The legacy of the Lula era was to bet on macroeconomics articulated with small concessions to the poor under the veil of "new developmentalism".

Keywords: Lula governments; "New developmentalism"; social-liberalism.

1 INTRODUÇÃO

O conjunto das transformações ocorridas na economia mundial a partir da década de 1970, em decorrência do processo de globalização, acarretou em uma série de problemas fiscais e financeiros, devido ao amplo processo de reorganização da dinâmica capitalista via projeto neoliberal. A lógica da ofensiva neoliberal definiu a necessidade de

1 Este trabalho é resultado dos estudos realizados na minha dissertação de mestrado intitulada de “O

Enfrentamento da Pobreza no Lulismo: Um Brasil sem miséria?, apresentada em janeiro de 2014, no Programa de Pós graduação em Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

2 Assistente Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Serviço Social. E-mail:

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ampliar a reprodução do capital, mediante um pacote de contrarreformas que visavam, sobretudo, consolidar a hegemonia do capital financeiro.

Contudo, no final dos anos 1990 o balanço do neoliberalismo foi de, em linhas gerias, um enorme desastre social e econômico. Já demonstrando sinais de esgotamento, no início dos anos 2000, especialmente no segundo governo Lula, surge o “novo desenvolvimentismo” no Brasil embalado pela ideia de que o país iria avançar social e economicamente ao articular crescimento econômico com gestão da pobreza para superar os efeitos do neoliberalismo e caminhar para uma fase próspera e de transformação.

2 O PROJETO “NOVO DESENVOLVIMENTISTA” NO SEGUNDO GOVERNO LULA

(2006-2010). 3

No início do segundo governo Lula com o aumento do crescimento econômico em decorrência do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)4 e da tímida melhoria social,

com o Programa Bolsa Família, ganhou destaque novamente a ideologia desenvolvimentista só que agora acompanhada do prefixo “novo”.

O “novo desenvolvimentismo” é uma corrente contemporânea do pensamento brasileiro que nasce no bojo do nacional desenvolvimentismo que, por sua vez, tem sua raiz assentada nas políticas de desenvolvimento econômico associadas ao mercantilismo.

O modelo nacional-desenvolvimentista tem sua base pautada no tripé: industrialização devido à substituição das importações; Estado intervencionista e nacionalismo. Esse modelo de desenvolvimento teve sua origem no século XIX nos EUA e na Europa. Já na América Latina foi vislumbrado após trabalhos gestados na Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe) nos anos de 1940 que davam ênfase aos estudos do subdesenvolvimento.

Até os anos de 1960 o modelo nacional desenvolvimentista foi bastante prestigiado por valorizar a ação estatal para superação do subdesenvolvimento na América latina. O diagnóstico cepalino indicava a adoção de políticas de diversificação econômica via industrialização como meio para o mercado interno passar a ser o motor da acumulação e

3 É importante destacar que o atual modelo de desenvolvimento econômico do país não se caracteriza de fato

como novo (por isso o uso das aspas), pois além de não ter alterado a base neoliberal de acumulação capitalista também não modificou a estrutura social e econômica do país. O que tal modelo trouxe de novidade foi um forte discurso ideológico de que é possível articular discursos da esquerda e da direita para obtenção de consenso das classes trabalhadoras.

4 O PAC é um plano do governo federal criado em janeiro de 2007 que visa estimular o crescimento da economia

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do crescimento (Mota, Amaral e Peruzzo, 2012). Entretanto, segundo Castelo Branco (2010), esse modelo de desenvolvimento não alcançou os resultados esperados em termos de autonomia nacional e de superação do subdesenvolvimento, pois não conseguiu modernizar os setores sociais e econômicos mais atrasados da população. Sendo assim, nos anos de 1980 a hegemonia do nacional desenvolvimentismo desapareceu com a emergência do projeto neoliberal.

O neoliberalismo conforme já visto, foi uma estratégia ideopolítica das classes dominantes mancomunadas no que ficou conhecido por “Consenso de Washington”. Nessa cúpula foi defendida a importância da liberalização dos mercados e a contrarreforma do Estado para inserir as economias no mundo globalizado. Contudo, com o desastre neoliberal – barbárie social e pífio crescimento econômico em escala mundial -, que colocou em risco a supremacia burguesa em escala mundial, diversos ideólogos fizeram uma revisão dos seus principais pontos. Essa revisão resultou no social-liberalismo5 que

significou uma “tentativa político-ideológica das classes dominantes de dar respostas às múltiplas tensões derivadas do acirramento das expressões da ‘questão social’ e da luta política da classe trabalhadora” (CASTELO BRANCO, 2012b, p. 47).

Antes que pareça que a burguesia tomou uma súbita consciência do quanto degrada a vida da classe trabalhadora a ponto de propor uma melhoria das condições de vida, cabe pontuar que o pensamento social-liberal significou uma proposta de reatualização do neoliberalismo para retomada da hegemonia burguesa. Em linhas gerais, o social-liberalismo foi uma alternativa de se manter as premissas básicas do neosocial-liberalismo, sendo que associadas aos elementos centrais do reformismo social-democrata, construindo, simultaneamente, uma “direita para o social” e uma “esquerda para o capital” (NEVES, 2010).

O discurso neoliberal, de que o mercado deveria regular a vida social porque não haveria outra possibilidade para a crise do Estado, perdeu força e foi substituído por uma nova concepção de atrelar desenvolvimento social e econômico.

Partindo dessa proposta social-liberal de revitalizar o neoliberalismo, a partir dos anos de 1990, alguns países da América Latina baseados no pensamento da Nova Cepal- que defendia um “retoque” nas “reformas” operacionalizadas pelo “Consenso de Washington” denominado de “Pós Consenso de Washington”-, investiram em um modelo de desenvolvimento que defendia um papel mais ativo do Estado que combinasse o

5Para Castelo Branco (2012b), o social-liberalismo é a adaptação das teses neoliberais elaborada por influentes

economistas que se deixaram levar por essa tendência, o que o autor denomina de decadência ideológica, fazendo referência a Marx. Daí as teses da “Terceira Via”, do Pós-Consenso de Washington, do Desenvolvimento Humano, do “novo” desenvolvimentismo, entre outras. Durante os governos Lula o pensamento social-liberal tem posição chave no modelo “novo” desenvolvimentista.

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crescimento econômico com gestão da pobreza. Já não cabia mais usar o termo nacional desenvolvimentismo (ou desenvolvimentismo latino americano), pois estava esgotado. Sendo assim, surgia um dito “novo” projeto de desenvolvimento.6

Na abertura dos anos 2000 com a emergência dos governos ditos de esquerda, a revitalização ideológica do neoliberalismo na América Latina ganhou posição de destaque.

No Brasil o pensamento social-liberal se materializou no segundo governo Lula, através do modelo “novo desenvolvimentista”. Para Castelo Branco (2012a), o “novo desenvolvimentismo” se apresentou como uma “terceira via”, tanto ao projeto liberal que estava desgastado quando ao socialismo, que estava decadente.

No contexto da reeleição de Lula, os intelectuais vinculados ao PT sustentavam a tese de que com o projeto “novo desenvolvimentista” o Brasil viveria uma etapa do desenvolvimento capitalista inédita de grande transformação, pois o país romperia com o neoliberalismo e viveria uma fase pós-neoliberal, no qual conjugaria crescimento econômico e justiça social. Com isso, teria um amplo mercado de consumo de massa, que promoveria a inclusão de milhões de brasileiros, que integrado com as políticas sociais básicas resolveria o drama histórico da concentração de renda e riqueza (CASTELO BRANCO, 2012a).

Na perspectiva dos ideólogos da pauta “novo desenvolvimentista”, o Brasil não é um país pobre, mas é um país com muitos pobres e a causa da pobreza e do baixo desenvolvimento econômico está na má distribuição dos recursos e nas baixas oportunidades de “inclusão social”. Sendo assim, para superar esse atraso tornou-se essencial que o Estado focalizasse os gastos sociais para a problemática da pobreza; investisse em “capital humano” (principalmente na educação e saúde); operasse “reformas”, em especial, as previdenciárias e trabalhistas para redução de custos e ampliasse o microcrédito. Essas medidas articuladas tornaram-se a chave para solucionar a desigualdade no país, porém estão totalmente desfocadas do debate da dinâmica da acumulação capitalista e da inserção subordinada do Brasil ao mercado mundial. Ao contrário buscou-se conjugar um sincretismo entre o mercado e Estado capaz de instaurar a justiça social (CASTELO BRANCO, 2012).

Embalado por essa corrente ideológica, após reeleito, o segundo governo Lula, “maquiou” os estragos do capitalismo desenfreado ao articular desenvolvimento social com

6Para Sicsú, adepto da perspectiva “novo” desenvolvimentista: “O termo desenvolvimentismo foi uma expressão

marcante de um passado não tão remoto, mas que, com as transformações sociais ocorridas nestas três últimas décadas, tornou-se antiquado, anacrônico. Logo, é preciso abandoná-lo, não somente no sentido terminológico, mas dar-lhe um sentido conceitual inovador, adequado às configurações do capitalismo contemporâneo. Para novos tempos, uma nova teoria; para novos desafios, um novo projeto nacional. Daí o termo novo-desenvolvimentista” (SICSÚ apud CASTELO BRANCO, 2009, p. 74-75).

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crescimento econômico. Sua estratégia foi desenvolver socialmente o país dentro das condições impostas pelo capital financeiro. A partir do momento que o Estado passou a investir uma parte do PIB em políticas sociais focalizadas na pobreza, ele ampliou, mesmo que precariamente, os níveis de renda e consumo da população e, com isso, alavancou a economia, pois “inseriu” os pobres na lógica da dominância financeira.

Essa perspectiva do Governo Lula não foi algo particular. Na verdade sua política seguiu a diretriz atual dos organismos multilaterais de investir em capital com “face humana”, ou seja, em desenvolvimento humano.

Pautado pelo direcionamento do Banco Mundial e das concepções de Amartya Sen, os países subdesenvolvidos da América Latina – entre eles o Brasil – investiram amplamente em medidas que visavam o “desenvolvimento” social e econômico dos “pobres”. Essa perspectiva ficou conhecida como “novo desenvolvimentismo”, em que prevê o desenvolvimento como liberdade econômica, social e política. Para isso fez-se necessário um Estado e um mercado fortes capazes de desenvolverem políticas macroeconômicas de impactos econômicos, sociais e políticos (MOTA, 2012).

Dessa maneira, exigiu-se que o Estado tivesse papel ativo e atuante nas falhas do mercado e no trato das desigualdades sociais. Diferentemente do Estado mínimo da era FHC, na era Lula o “novo desenvolvimentismo” propôs um projeto de desenvolvimento nacional, no qual o Estado teria papel estratégico para atender a lógica da dominância financeira.

Sendo assim, se na era FHC o Estado era apenas um mero coadjuvante na esfera social, a partir dos anos 2000, nos governos Lula, o Estado passa a assumir três características fundamentais: Estado investidor em grandes obras de infraestrutura (ex: PAC), Estado financiador do capital e Estado social para apaziguar a pobreza.

De acordo com Gonçalves (2012, p. 2), no debate do “novo desenvolvimentismo” há dois pontos fundamentais de análise: um que destaca a (falsa) inflexão de que o país desenvolveu economicamente e socialmente com o modelo “novo desenvolvimentista” dos governos Lula. E, o segundo, que considera o “novo desenvolvimentismo” como sendo uma alternativa estratégica de desenvolvimento em contraposição ao nacional-desenvolvimentismo, ao neoliberalismo e ao “Consenso de Washington”.

Para os adeptos, o “novo desenvolvimentismo” surge como uma alternativa uma vez que não há mais sentido o Estado atuar na indústria se a disputa comercial se complexificou e se globalizou. Do mesmo modo, não há sentido adotar as medidas do “Consenso de Washington” se causou tantos desastres.

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Dessa forma, o objetivo do “novo desenvolvimentismo” é de delinear um projeto nacional de desenvolvimento econômico que combine crescimento econômico com redução da pobreza para superar os males decorrentes do capitalismo. Sendo assim, os adeptos dessa corrente, como por exemplo, Sicsú (2005), apostam na constituição de um Estado forte nos planos político, administrativo e financeiro e um mercado também forte para implementar políticas macroeconômicas.

Os novo-desenvolvimentistas defendem a tese de que a construção de uma economia de mercado forte depende da existência de um Estado forte, não no sentido de produzir bens e serviços diretamente a partir de empresas estatais, mas atuando como uma instância reguladora das atividades econômicas. O Estado seria uma espécie de ente político promotor de condições propícias para o capital investir seus recursos financeiros e gerar emprego e renda para a população em geral (CASTELO BRANCO, 2009, p. 77).

Tendo em vista que a doutrina do capital financeiro propõe que o bem-estar humano pode ser promovido, o papel atribuído ao Estado muda significativamente. Desse modo, o Estado não poderia ser nem mínimo nem máximo, mas deveria ser forte; gerencial. Sua função seria de administrar os possíveis riscos sociais, financeiros e ambientais. A retomada do papel do Estado torna-se fundamental para que possa coordenar e regular os processos de desenvolvimento econômico e social (NEVES, 2010).

O Estado, nessa perspectiva, é o ente promotor de uma sociabilidade baseada no consenso de que o enfrentamento do neoliberalismo se faz com crescimento econômico e que, paralelamente, o crescimento econômico leva ao desenvolvimento social (MOTA, 2012).

A grande questão dessa perspectiva é que as medidas liberais do “Consenso de Washington” foram reeditadas e combinadas com um discurso ideológico que mascarou seus reais objetivos passando, assim, a ideia de que as medidas do “novo desenvolvimentismo” são contrárias ao capitalismo e que objetivam criar “oportunidades para todos”.

Para esse modelo de desenvolvimento, o controle de capital deve ser acompanhado de uma série de medidas de política econômica, tais como a fixação da taxa de câmbio, redução das taxas de juros, acúmulo de reservas internacionais, ampliação do crédito bancário e uma política fiscal expansionista (Castelo Branco, 2009, p. 76). Todas essas medidas compõe um modelo de política econômica ao estilo Keynesiano de estimular o crescimento econômico e, na lógica dessa política, minorar o problema estrutural da desigualdade no país por meio desse crescimento.

A crítica que se faz necessária a esse modelo refere-se ao fato de que o “novo desenvolvimentismo” ao reeditar as medidas do “Consenso de Washington” não traz nenhum componente de surpresa e de preocupação com o social. As medidas desse

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modelo de desenvolvimento não promovem um real avanço social, visto que, a desigualdade:

se alimenta e se reproduz da forte concentração de renda e propriedade, baixos rendimentos, elevado índice de desemprego, informalidade e precarização das relações de trabalho e insuficiente ou inexistente acesso a serviços públicos, como educação, saúde e habitação (BOSCHETTI, 2012, p.47).

Para Gonçalves (2012) e Castelo Branco (2009), a aproximação do “novo desenvolvimentismo” com o liberalismo do “Consenso de Washington” também aparece em relação ao papel do Estado, pois a visão é a “de um Estado dominador e autônomo que defende interesses coletivos, é complementar ao mercado e promove o bem-estar social.” (Castelo Branco apud Gonçalves, 2012, p. 78). Esta concepção de Estado desconsidera a existência dos conflitos antagônicos de classes e posiciona o Estado acima dos conflitos e a favor dos rentistas.

O “novo desenvolvimentismo” reconhece a existência da “questão social”, porém realiza um tipo de intervenção pontual no limite da pobreza que não promove mudanças em termos de realidade social, ou seja, não alcança a equidade, tão falada no “novo desenvolvimentismo”. De acordo com Castelo Branco (2009), o sentido da equidade nesse modelo econômico é de que a desigualdade é inerente a sociedade porque os sujeitos possuem capacidades diferentes. Dessa forma, não tem sentido oferecer serviços públicos universais, já que as necessidades de cada sujeito são diferentes. Sendo assim, é necessário investir em políticas focalizadas nas pessoas que necessitam de oportunidades para, assim, criar uma condição de universalidade básica.

Mediante ao debate do “novo desenvolvimentismo”, podemos levantar a seguinte reflexão: os governos Lula, sob direção desse modelo de desenvolvimento, projetaram avanços nas condições de vida e de trabalho?

A articulação de crescimento econômico com desenvolvimento social não mudou o foco das políticas sociais, mas apenas amenizou a situação deteriorada da população, principalmente com o programa Bolsa Família. Esse programa foi uma medida rápida e barata. Em 2010, seu gasto representou apenas 0,37% do PIB e seu impacto foi forte devido a focalização.

A falsa sensação de ascensão social oportunizada pelas ações do programa retira do campo da crítica a análise de que as medidas compensatórias não promovem mudança social. De fato, nenhum pobre é capaz de sair do estado de pobreza e ascender socialmente recebendo um benefício de menos de um salário mínimo por mês! Entretanto, “a transferência de renda funciona como uma espécie de alavanca para incluir no circuito de consumo e bens, serviços e direitos existentes na sociedade grupos sociais que estão impedidos dessa participação” (Silva, 2012, p. 222). É fundamental destacar que o benefício

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não inviabiliza a família ao trabalho, ao contrário, o benefício é baixo justamente para não desestimular a prática laborativa. Ele tem a característica de ser apenas um complemento da renda para que a família beneficiária possa ser “inserida” na lógica da dominância financeira.

Para o governo Lula a pobreza é um processo inerente ao próprio nível de crescimento que o país está vivenciando e que os programas de transferência de renda foram criados justamente para “incluir” a população pobre nas oportunidades geradas pelo crescimento econômico. Nesse sentido, a pobreza é tratada de forma desistorizada7, na qual é considerada um fenômeno que pode ser administrado simplesmente através da boa focalização das políticas sociais.

O legado de Lula foi de focar as políticas sociais na extrema pobreza com ações de controle e transferência de renda para garantir a sobrevivência dos “mais pobres” no limite da linha de pobreza, fazendo com que ao menos - estaticamente - aquela família beneficiária pudesse sair da pobreza absoluta e ser alçada para a dinâmica financeirizada.

Embalado pelo lema “Brasil: um país de todos”, o segundo mandato de Lula (2006-2010), em especial, conseguiu cavar no imaginário popular a ideia de que a vida estava melhorando e que o país tinha avançado política, social e economicamente. Os dados revelavam que milhões de brasileiros tinham saído da miséria e alcançado a classe média. Mas será que esse suposto avanço determinou um crescimento do país em termos de desenvolvimento social?

A Cepal no Panorama Social da América Latina de 2011, concluiu que houve de fato uma redução da pobreza nos últimos anos, mas reconhece que esse fenômeno resulta exclusivamente do aumento dos rendimentos do trabalho e dos programas assistenciais de transferência de renda.

Para Boschetti (2012):

Apesar da redução da pobreza, medida e vinculada sobremaneira ao aumento de rendimentos decorrentes de programas de transferência de renda, a desigualdade não segue o mesmo ritmo de redução e continua sendo uma das piores do mundo. É sabido que a desigualdade está diretamente relacionada à estrutura de emprego e propriedade e se perpetua em um contingente com histórica e aguda concentração de renda e da propriedade e com um mercado de trabalho que reproduz fortemente as desigualdades (BOSCHETTI, 2012, p. 45-46)

André Singer em Ensaio intitulado “O lulismo e seu futuro”, de 2010, questiona o fato da renda dos assalariados ter crescido em ritmo mais acelerado durante os governos Lula e a desigualdade, ao contrário, ter tido queda devagar. A explicação está na piora da

7 A análise da pobreza não é atribuída a dinâmica da acumulação capitalista, ou seja, da relação capital e

trabalho e a solução da “questão social” não é operada via macrotransformações estruturais. A resposta a esses dois fenômenos está na boa administração governamental (CASTELO BRANCO, 2012b, p. 64 e 65).

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repartição da riqueza entre capital e trabalho, em que a maior equidade entre os que vivem do trabalho tem sido apropriada por uma maior parcela de capitalistas, o que faz com que a desigualdade não sofra queda significativa. Para Singer, os ricos estão ficando mais ricos, pois “80% da dívida pública estão em mãos de algo como 20 mil pessoas, as quais, sozinhas, recebem um valor dez vezes maior do que os 11 milhões de famílias atendidas pelo Bolsa Família” em 2010 (SINGER, 2010, p. 64).

Assim, ao contrário da aparência de que estávamos vivendo o “melhor dos mundos”, a essência revelava que a prioridade de Lula não foi exatamente de desenvolver o país socialmente, mas de investir em medidas anticrises e primar pela transferência de recursos para os rentistas, sob as maiores taxas do mundo, principalmente devido à crise de 20088.

A política de subsídios, financiamentos (ex: microcrédito), isenções fiscais (ex: redução de IPI) e o Bolsa Família, permitiram a classe trabalhadora ter acesso a bens e serviços até então de difícil alcance. A sensação de que a vida estava melhorando foi tão envolvente que ficou difícil perceber o caráter imperialista brasileiro. Ao contrário, a figura de Lula ocupou um lugar simbólico no imaginário da população como sendo o presidente que garantiu a “ascensão” e a “inclusão” social. Esse alarde ficou conhecido como Lulismo.

Pautado nas medidas do “novo desenvolvimentismo”, a marca que se construiu no Governo Lula foi de que o país cresceu e que a vida dos milhões de brasileiros estava melhorando porque “inseriu” a população pobre nas oportunidades geradas pelo crescimento econômico, através principalmente do Bolsa Família. Os dados da grande imprensa revelavam que sua política possibilitou que 28 milhões de brasileiros saíssem da pobreza e que 36 milhões entrassem para a classe média.

Entretanto, sabemos que esses resultados são superficiais e tratam de uma realidade aparente e provisória, uma vez que, não houve de fato uma distribuição de renda muito menos mobilidade social da população pobre.

Os pífios investimentos em programas assistenciais, focalizados e recheados de condicionalidades, longe de indicarem um novo modelo de desenvolvimento social, são estratégias do capitalismo de regular o mercado e a vida social. Esses programas são

8Em linhas gerais, a crise de 2008 foi mais uma manifestação da crise do capital que se desencadeou devido a

forte desregulamentação dos mercados, do comércio mundial e do comércio financeiro e da criação e crescimento desenfreado do capital fictício, isto é, capital que porta valor que não decorre da produção (Chesnais, 2008). Baseada em Mészáros, Boschetti (2012, p. 35) faz as seguintes colocações a respeito dessa crise: “A busca sem limites por superlucros e superacumulação produz novas e revigorosas formas de produção, baseadas na redução dos custos do trabalho, o que pressupõe aumentar a superexploração da força de trabalho. O aumento a qualquer custo dos lucros e da acumulação produz a destruição sem precedentes da natureza, do trabalho e gera desemprego em escala planetária. A crise que se manifesta em 2008 como uma bolha de especulação imobiliária nos Estados Unidos, e é comumente designada como crise financeira, bancária, de subprimes, consiste, na verdade, em mais uma crise do capital e do desenvolvimento do capitalismo em sua permanente busca por superlucros.” As consequências são as mais devastadoras: desemprego, precarização das relações trabalhistas, redução de direitos e salários, pauperismo, ou seja, acirramento da “questão social”.

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formas de minorar a pobreza, absolutamente necessária a reprodução das relações capitalistas (Boschetti, 2012).

Ao longo dos governos Lula presenciamos um modesto crescimento econômico, uma lenta recuperação dos salários, uma insuficiente melhoria da renda dos trabalhadores devido ao Bolsa Família, uma expansão desenfreada do crédito financiado e uma aparente resiliência do Brasil frente a crise mundial que deram um mínimo toque de realidade à falácia de que o Brasil estaria vivendo na era Lula um real ciclo de desenvolvimento (SAMPAIO JR, 2012). De fato, vivemos uma era, nos termos de Gonçalves (2012), de desenvolvimentismo “às avessas” que se resume a mais uma versão do liberalismo enraizado.

O novo desenvolvimentismo parece ser, portanto, a versão brasileira de formulações conhecidas como Pós-Consenso de Washington ou Consenso de Washington Ampliado. Assim, se o Pós-Consenso de Washington é o revisionismo do Consenso de Washington, o novo desenvolvimentismo é o revisionismo do revisionismo. Mais precisamente, o novo desenvolvimentismo é a forma de liberalismo (melhor dizendo, social-liberalismo) que é compatível com as políticas de estabilização macroeconômica; isto é, o novo desenvolvimentismo é mais uma versão do liberalismo enraizado (Gonçalves, 2012, p. 23).

3 CONCLUSÃO

A entrada do PT no Governo Federal nos anos 2000 foi considerada para muitos como a inflexão com as políticas neoliberais de FHC, principalmente no que se refere à intervenção social e sua “prioridade” com a classe trabalhadora, mas seus oito anos de mandato mostraram que ao invés de realizar rupturas fortaleceu os laços de continuidade com as políticas econômicas e sociais do seu antecessor. A novidade trazida pelos governos Lula foi o investimento no “novo desenvolvimentismo” como estratégia de crescimento econômico que levaria ao desenvolvimento social.

Se por um lado a era Lula priorizou a transferência de fundo público para as camadas rentistas através do crescimento econômico, por outro, enalteceu o auxílio precário aos mais pobres. Com efeito, esse arranjo conferiu uma ideia de que o capitalismo tem face humana e que quanto mais se desenvolve mais há avanço social.

Lula, em seus dois governos, defendeu que quanto mais capitalismo mais o país avançaria em desenvolvimento social. Mas a lógica é que quanto mais capitalismo mais há produção de riqueza e pobreza e mais o país fica travado em termos de desenvolvimento.

Seguindo a tendência da era FHC, os governos Lula consolidaram o modelo marcado pela distribuição de renda de enorme desigualdade (modelo liberal periférico),

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articulado com baixas taxas de crescimento e investimento, inserção internacional passiva e da grande vulnerabilidade externa estrutural (FILGUEIRAS e GONÇALVES, 2007), Contudo, a diferença de Lula para FHC é que Lula soube “jogar” para o seu lado tanto as parcelas da classe trabalhadora quanto da burguesia ao articular a herança de FHC com o modelo “novo” desenvolvimentista. O resultado dessa simbiose foi a retirada do país da posição de atraso para a de vanguarda frente aos demais países da América latina.

Os governos Lula souberam modernizar a máquina do grande capital e a fez no estilo social-liberal. Desse modo, sem dúvida, conquistou muitos aliados e grande popularidade.

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