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Taciano: Psykhé e Pneuma

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Academic year: 2021

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Taciano:

Psykhé e Pneuma

Autor: Sávio Laet de Barros Campos.

Bacharel-Licenciado em Filosofia Pela Universidade Federal de Mato Grosso.

1.

Vida

Taciano nasceu por volta do ano 120, em terras assírias. Era de família pagã. Conhecendo Justino em Roma, frequentou a sua escola e se tornou um dos seus mais brilhantes discípulos. Taciano teve um longo itinerário cultural e religioso, mas se convertera ao cristianismo pelos mesmos motivos do seu mestre Justino. Após a morte deste, Taciano começou a se afastar da religião cristã. Ao que se sabe, parece ter aderido à gnose de Valentim. Mais tarde empreendeu esforços para restabelecer a seita herética dos “encratitas”, cuja principal característica é o rigorismo moral. Até mesmo o vinho da Eucaristia, Taciano substituía por água! Alimentos como o vinho e a carne eram proibidos pela seita, sob pena de pecado. Proscreviam, ademais, o próprio matrimônio.

A data exata de sua obra mais significativa para a filosofia – Discurso Contra os

Gregos – é incerta, podendo ser entre 166 e 172. Talvez a principal característica do seu

pensamento seja a hostilidade aos filósofos e à cultura pagã. Com efeito, enquanto Justino se valia do que os gregos tinham dito em conformidade com o cristianismo, para torná-los “cristãos antes de Cristo”, Taciano, ao contrário, usava do mesmo argumento para apontar a falta de originalidade dos filósofos pagãos. Para ele, tudo o que os filósofos pagãos haviam dito de certo, tomaram dos livros de Moisés. E tudo o que disseram de errado foi porque não souberam interpretar os ensinamentos do Antigo Testamento.

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2.

Crítica aos filósofos

Com efeito, Taciano, no seu Discurso Contra os Gregos, recorre aos historiadores da antiguidade para provar que Moisés é mais antigo do que os heróis, as guerras e as divindades pagãs, inclusive as dos gregos. Ora, o que é mais antigo merece também mais crédito. Valendo-se deste argumento, Taciano atesta – tal como fizera Justino – que os gregos foram buscar em Moisés as suas doutrinas. Contudo – continua Taciano – como se não lhes bastasse o plágio, os gregos, não entendendo corretamente os ensinamentos de Moisés, deturparam-no.1

Destarte, Taciano acusa os sofistas de, voluntariamente, terem adulterado a doutrina bíblica e depois tê-la usado para dar um tom de originalidade às suas doutrinas.2 Ademais, dentre os filósofos, houve os que cometeram erros grotescos: Aristóteles, por exemplo, negava a providência3. Heráclito, dizendo que ensinava a si mesmo, era soberbo4; Empédocles era um charlatão5; Platão nada tinha de original, era uma imitação de Pitágoras6, e assim por diante.

3.

Deus

Taciano expõe as suas concepções acerca de Deus a partir de uma crítica que faz ao culto imperial e à idolatria. Deus, segundo o nosso filósofo, não tem princípio; ao contrário,

1

TACIANO. Discurso Contra os Gregos. 2ª ed. Trad. Ivo Storniolo e Euclides M. Balancin. Rev. Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus, 1995. 40: “Assim, de tudo o que foi dito, fica claro que Moisés é mais antigo do que os antigos heróis, guerras e divindades. E vale mais acreditar naquele que precede em idade do que nos gregos, que foram retirar dessa fonte seus ensinamentos, sem entendê-los.”

2

Idem. Op. Cit.: “De fato, muitos de seus sofistas, com grande curiosidade vã, procuraram adulterar aquilo que

conheceram de Moisés e que filosofam à maneira de Moisés, primeiramente para dar aparência de dizer algo original (...).”

3

Idem. Op. Cit. 2: “(...) Aristóteles que, afirmando que as coisas aquém da lua carecem de providência, apesar de

estarem mais perto da terra do que a lua e mais baixo do que o curso desta, elas provêm o que a providência não alcança.”

4

Idem. Op. Cit. 3: “Não posso aprovar Heráclito, quando diz: ‘Eu ensinava a mim mesmo’, por ser autodidata e

também soberbo.”

5

Idem. Op. Cit: “Quanto à charlatanice de Empédocles, as erupções da Sicília demonstraram que, não sendo

deus, ele mentia dizendo que o era.”

6

Idem. Op. Cit: “Também me rio dos contos de velha de Ferecides e de Pitágoras, que herda a sua doutrina, e de

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Ele é o princípio de todo o universo.7 Deus é espírito, mas não aquele que anima a matéria, porquanto Ele é o criador: tanto da matéria quanto da alma.8 Por conseguinte, se o espírito que penetra a matéria é criatura de Deus, não deve, por isso mesmo, ser adorado como Deus.9 Além disso, Taciano admite a cognoscibilidade natural de Deus. Quase parafraseando o texto paulino, diz poder ser Deus conhecido por meio das suas criaturas: “Conhecemo-lo através da criação e compreendemos o invisível do seu poder através de suas criaturas”10.

4.

A criação

Sem embargo, antes da criação Deus estava só. Contudo, nEle já se encontravam todas as coisas visíveis e invisíveis. Ele as sustentava por meio da potência do seu Verbo.11 Com efeito, a criação foi um ato livre e voluntário de Deus. Por ela Deus não perdeu a sua simplicidade. Deus criou todas as coisas por meio do seu Verbo que, uma vez pronunciado, não caiu no vazio, mas subsistiu, sendo ele próprio o que gerou todas as criaturas.12

Agora bem, como se deu esta espécie de “criação” do próprio Verbo? Por meio de distribuição e não de divisão. De fato, o que é dividido é tirado daquilo de que é dividido, mas o que é distribuído procede de uma dispensa voluntária que não acarreta nenhuma falta para o dispensador.13 Portanto, assim se deu a produção do Verbo: como uma tocha que não perde nada de sua potência ao distribuir o fogo para outras; como quem, ao falar, não perde a palavra por transmiti-la aos outros, mas somente organiza a matéria que está confusa nos

7

Idem. Op. Cit. 4: “Nosso Deus não tem princípio no tempo, pois só ele é sem princípio e, ao mesmo tempo,

princípio de todo o universo.”

8

Idem. Op. Cit: “Deus é espírito, mas não aquele que penetra a matéria, e sim o criador dos espíritos materiais e

das formas da própria matéria (...)”.

9 Idem. Op. Cit: “Porque o próprio espírito que penetra a matéria, sendo como é, inferior ao espírito divino e

assimilado como está à matéria, não deve ser honrado do mesmo modo que o Deus perfeito.”

10

Idem. Op. Cit.

11

Idem. Op. Cit. 5: “Com efeito, o Senhor do universo, que é por si mesmo o sustentáculo de tudo, enquanto a

criação não tinha ainda sido feita, estava só. Mas enquanto estava com ele toda a potência do visível e invisível ele próprio sustentou tudo consigo mesmo, por meio da potência do Verbo.”

12

Idem. Op. Cit. 5: “Por vontade de sua simplicidade sai o Verbo e o Verbo, que não cai no vazio, gera a obra primogênita do Pai.”

13

Idem. Op. Cit: “Sabemos que ele é o princípio do mundo, mas produziu-se não por divisão, e sim por

participação. De fato, que se divide, fica separado do primeiro, mas o que se faz por participação, tomando caráter de uma dispensação, não deixa em falta aquilo de onde se toma.”

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ouvintes, assim, pois, emana o Verbo do Pai. E o Verbo foi pronunciado por Deus – sem se separar dEle – tendo em vista a criação14:

Da mesma forma que de uma só tocha se acendem muitos fogos, mas o fato de acender muitas tochas não diminui a luz da primeira, assim também o Verbo, procedendo da potência do Pai, não deixou sem razão aquele que o havia gerado. É assim que eu mesmo estou falando e vós me escutais e certamente não porque a minha palavra passe a vós eu fico vazio de palavras para conversar convosco. Ao emitir a minha voz, eu me proponho ordenar a matéria que está desordenada em vós.15

De resto, o Verbo, em Taciano, segundo aponta Gilson, faz às vezes do “demiurgo” do Timeu, obrando sobre a matéria. De fato, a atuação do Verbo, em nosso filósofo, não encontra a matéria já feita, e, por isso, a sua atividade não se identifica plenamente com a do demiurgo de Platão. Entretanto, tampouco o Verbo cria a matéria do nada, pelo que também não pode ser o Deus bíblico.16

5.

As criaturas e a história da queda

Importa dizer que as primeiras criaturas foram os anjos. Criados pela própria bondade, eles não são a própria bondade, só tornar-se-ão bons mediante atos de livre escolha.17 Por isso mesmo, puderam ser justamente punidos os que, dentre eles, praticaram o mal, e com justiça podem ser louvados os que, dentre eles, praticaram o bem. Aliás, nisto os homens e os anjos se assemelham: ambos possuem o livre-arbítrio.18 Sem embargo, aconteceu que o mais perfeito dos anjos contrariou as determinações do Verbo indo contra a lei de Deus. Inclusive

14

GILSON, Etienne. A Filosofia Na Idade Média. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 12: “Portanto, Deus proferiu mesmo seu Verbo, sem se separar dele, com vistas à criação.”

15 TACIANO. Op. Cit. 5. 16

GILSON. Op. Cit. p 12: “Com efeito, foi o Verbo que produziu a matéria. Como diz Taciano, ele a ‘obrou’ a título de ‘demiurgo’. O Verbo cristão coincide aqui com o deus do Timeu, que, por sua vez, se metamorfoseia em Deus criador. Para dizer a verdade, o Verbo de Taciano nem encontra a matéria já feita, como o demiurgo de Platão, nem a cria do nada, como o Deus da Bíblia.”

17

TACIANO. Op. Cit. 7: “Entretanto, o Verbo, antes de criar os homens, foi artífice dos anjos, e algumas criaturas foram feitas livres, sem ter em si a natureza do bem (que não existe senão em Deus), mas que se realiza através dos homens, graças à liberdade de escolha.”

18

Idem. Op. Cit: “Desse modo, o mau é castigado justamente, pois se tornou mau por sua própria culpa; o justo,

é merecidamente louvado por suas obras, pois não transgrediu a vontade de Deus, embora por seu livre-arbítrio pudesse fazer isso.”

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houve outros anjos e homens que, impiamente, optaram por fazer daquele que se tinha rebelado contra Deus, um deus.19

Ora bem, como todo ato mal procede do livre-arbítrio, o Verbo puniu o anjo rebelde, bem como os seus seguidores, negando-lhes o seu convívio.20 Ora, a consequência desta queda para o homem foi que este se tornou mortal; ele que havia sido criado à imagem de Deus para a imortalidade, foi abandonado às suas próprias perversidades, e os anjos, por sua vez, tornaram-se demônios.21

6. A alma humana: psykhé e pneuma

Agora bem, a alma humana, na concepção de Taciano, é composta de dois elementos: o primeiro deles é a psykhé, a alma material; o segundo é o espírito (pneuma). Ora, no

pneuma é que está a imagem de Deus no homem, porquanto o espírito é que é imortal e

imaterial.22 Agora bem, a alma em si mesma é treva e ignorância; sozinha ela se inclina para a matéria e se dissolve com ela. Porém, se se volta para Deus, vive segundo o espírito e não carece de mais nada para que possa chegar às alturas onde o espírito habita.23

19

Idem. Op. Cit: “Aconteceu, porém, que os homens e os anjos seguiram e proclamaram Deus àquele que, por

ser criatura primogênita, superava os demais em inteligência, justamente ele que se havia revelado contra a lei de Deus.”

20

Idem. Op. Cit: “Então a virtude do Verbo negou a sua convivência não só ao que se tornara cabeça desse louco

orgulho, mas também a quantos o haviam seguido.”

21

Idem. Op. Cit: “E o homem, que tinha sido criado à imagem de Deus, apartando-se dele o espírito mais

poderoso, tornou-se mortal e aquele que fora primogênito, por sua transgressão e insensatez, foi declarado demônio, e os que imitaram suas fantasias se transformaram no exército dos demônios que, por razão de seu livre-arbítrio, foram entregues à própria perversidade.”

22

Idem. Op. Cit: “Conhecemos duas espécies de espíritos: um, que se chama alma, e outro que é superior à alma,

por ser imagem e semelhança de Deus. Um e outro existiam nos primeiros homens, para que, de um lado, fossem materiais e de outro, superiores à matéria.”

23

Idem. Op. Cit. 13: “Porque, de si, a alma é treva e nada de luminoso há nela (...) Por isso, quando vive só,

inclina-se para a matéria, morrendo juntamente com a carne, mas formando parelha com o espírito de Deus, já não carece de ajuda e se ergue às regiões onde o Espírito a guia.”

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7. As consequências da queda e a salvação do homem

Com efeito, no princípio a vida habitava na alma, pois ela convivia com o Verbo e segundo o próprio Deus, mas por sua revolta contra Deus a alma deixou de viver segundo o espírito, e a sua vida – que é viver segundo Deus – desvaneceu-se. Destarte, agora ela precisa esforçar-se para voltar ao seu princípio e assim recobrar a sua vida.24

Há alguns homens (os justos) – não todos – que são inspirados pelo Espírito de Deus, que neles habita e revela-lhes coisas ocultas às demais almas. Agora bem, se as demais almas derem ouvido à sabedoria destes homens inspirados, voltarão a ser assistidas pelo Verbo e, por conseguinte, a viver segundo o espírito (pneuma). No entanto, se resistirem a estes justos, permanecerão na inimizade com Deus e não serão religiosas. Ademais, vivendo segundo a

psiqué e não segundo o pneuma, dispersar-se-ão na matéria e por ela fenecerão.25

24

Idem. Op. Cit: “Originariamente, o espírito habitava com a alma, não querendo segui-lo, o espírito a

abandonou (...)”.

25

Idem. Op. Cit: “O espírito de Deus, porém, não está em todos os homens, mas somente desce para alguns que

vivem justamente e, estreitamente abraçado à alma, anuncia, por meio de predições, o escondido para as demais almas. E aquelas que obedecem à sabedoria, atraem para si mesmas o espírito que lhes é congênito. Todavia, as que não obedecem, mas recusam aquele que é mensageiro do Deus que sofreu, mostram-se almas que fazem guerra a Deus, e não são religiosas.”

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BIBLIOGRAFIA

GILSON, Etienne. A Filosofia Na Idade Média. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

TACIANO. Discurso Contra os Gregos. 2ª ed. Trad. Ivo Storniolo e Euclides M. Balancin. Rev. Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus, 1995.

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